Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 2, DE 1959 - Publicação Original
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RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 2, DE 1959
Constitui Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar fatos relacionados com o contrabando de café e de cera de carnaúba e com a importação irregular de veículos no Estado do Ceará.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados:
Os Deputados, infra-assinados, com fundamento no art. 53 da Constituição Federal e de acôrdo com o art. 31 do Regimento Interno , requerem a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a veracidade dos fatos, adiante expostos, cuja gravidade e extensão constituem uma violação frontal às leis em vigor e uma séria ameaça à receita cambial do País.
O CONTRABANDO DO CAFÉ E DA CERA DE CARNAÚBA
É fato público e notório, amplamente divulgado pela imprensa de todo o País, a exportação clandestina de café, nos Estados nordestinos.
Aquêle que viaja pela estrada Rio-Bahia-Ceará se depara, freqüentemente, com caminhões repletos de café, cuja destinação suposta é o mercado consumidor daqueles Estados.
O transporte é feito às claras e sem a menor cautela, eis que é livre a circulação de mercadorias dentro do território nacional.
Os meios utilizados pelos contrabandistas são os mais variados. Ora, empregam embarcações particulares, carregadas em locais desertos e às caladas da noite. Ora, contando com a conivência das autoridades aduaneiras e estaduais embarcam o café como produtos locais de pouca valia, ou consignando-o a portos no território nacional, ou simplesmente, enchem os porões dos navios sem maiores cautelas, com destino a Paramaribo. Pois todos são interessados no sigilo do negócio. O dinheiro corre forte e grosso. Tôdas as consciências são compradas. Todos os escrúpulos entorpecidos pela volúpia do lucro fácil e imediato.
Enquanto os negociadores do ilícito enriquecem à custa da riqueza nacional, as autoridades competentes assistem de braços cruzados à orgia da corrupção generalizada.
Por tôda parte a mesma paralisia tetânica. A mesma apatia, o mesmo fatalismo diante da fraude triunfante. Quando o povo exige a providência salvadora, a resposta é sempre a mesma: o Govêrno não dispõe de meios para combater a evasão crescente de divisas preciosas, roubadas à Nação pelo contrabando organizado. Mas, os meios estão aí. Nada mais fácil do que acompanhar o itinerário sinistro do café, em trânsito pelas rodovias do Nordeste, desde o começo ao fim da viagem. Basta examinar os manifestos de embarques de café, consignado a portos nacionais e verificar que o produto não desembarcou, continuando sua fuga para o exterior.
O contrabandista opera dentro de uma aparência de legalidade. A mercadoria é faturada. Por isso, é fácil mantê-lo sob o contrôle e vigilância dos órgãos do Governo. Uma cooperação entre o Govêrno Federal e os Governos Estaduais dizimaria certamente o seu comércio ilegítimo.
Como conseqüência e corolário natural da impunidade dos contrabandistas de café, surgiu, no Nordeste, o contrabandista da cêra de carnaúba. Em verdade, no Estado do Ceará, está se alastrando, em proporções alarmantes, o contrabando daquêle importante produto. Para citar um exemplo concreto, basta mencionar o embarque clandestino, efetuado em dezembro do ano passado, às altas horas da noite, de várias toneladas de cêra, no pôrto de Camocim. Tôda população daquela cidade tem conhecimento do fato.
Cumpre à Comissão de Inquérito apurar a veracidade dos fatos aqui denunciados e relatar quais as providências tomadas pelas autoridades competentes para punição dos responsáveis.
A IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE 38 VEÍCULOS NO ESTADO DE CEARÁ
Outro fato que escandalizou a opinião pública do País, e já serviu de base para pedido de informação por parte do Deputado Souto Maior ao Sr. Ministro da Fazenda, foi o desembarque, no Ceará, de 38 caixas contendo automóveis e camionetas de luxo.
A Alfândega de Fortaleza, diante do clamor público, divulgou Nota Oficial, pela imprensa, na qual declarava que os veículos foram importados pela Sociedade Salesiana e a Congregação do Apostolado Católico dos Padres Pallotinos, de acôrdo com o Decreto nº 34.893 , de 5 de janeiro de 1954, segundo o qual independe de licença de importação os objetos e materiais destinados a instituições educativas, de assistência social ou religiosas.
O requerimento de importação em regime de privilégio, segundo a Nota Oficial da Alfândega de Fortaleza, foi feito em 9-11-57 e autorizado pelo Sr. Presidente da República em 23 de abril de 1958.
Mas, como poderia o Sr. Presidente da República autorizar, naquela data, a importação dos veículos mencionados a uma entidade que só adquiriu personalidade jurídica no dia 29 de outubro de 1958, com a publicação dos Estatutos no "Diário Oficial da União" e que só passou a fazer jus ao benefício de importação em regime de privilégio no dia 3 de dezembro do mesmo ano, com o registro no Serviço Social? Evidentemente, houve um abuso de confiança, e S. Exª o Sr. Presidente da República, foi ludibriado em sua boa-fé.
Isto não é tudo, entretanto. Em verdade, até hoje, não se sabe de onde proveio o dinheiro para importação daqueles veículos de luxo. Declarou o Padre Valério à imprensa que recebeu os carros como donativos de pessoas residentes nos Estados Unidos. Não disse, porém, quem foi o doador ou doadores. Explicou mais o Padre Valério que, quando recebe donativos, revende-os a seguir, a fim de angariar fundos para ampliação das escolas que sua Ordem mantém. Ao lhe perguntar o repórter por que não esclarecia o público da necessidade de vender os veículos, em benefício das escolas mantidas pela Ordem, afirmou que "não podia dizer isto de público", alegando que pela lei os veículos são inalienáveis, não podendo a Ordem passá-los adiante, seja com qual objetivo fõr. Por aí se vê que os veículos importados serão vendidos clandestinamente, se já não o tiverem sido. Pois ninguém sabe o seu paradeiro atual. Apenas desembaraçados, desapareceram, sem deixar indício. Por outro lado, não parece crível que nos Estados Unidos existam doadores tão generosos e, ao mesmo tempo, tão obtusos. Pois, tratando-se de uma ordem religiosa mantenedora de educandários de ensino, o donativo menos apropriado seria, inegàvelmente, automóveis de luxo. Há tanta coisa útil que poderá ser doada àquelas entidades, inclusive dinheiro, em moeda sonante. Pois é certo que o dólar convertido em cruzeiro, no câmbio livre, constituiria um auxílio inestimável aos donatários em aprêço.
Por isso, somos levados à conclusão de que jamais existiram tais donativos. Tudo indica que a transação foi financiada inteiramente por grupos econômicos, cuja atividade se prende ao comércio de automóveis. Não há dúvida de que houve fraude à lei, para obtenção de vantagem ilícita, com prejuízo para receita cambial do País. Diante da facilidade e presteza com que foram desembaraçados os veículos, apesar do clamor público, somos levados a acreditar que não se trata de uma operação isolada, mas de um plano de contrabando mais vasto e bem organizado. Em verdade, consta que foram desembarcados outros veículos em alguns Estados da Federação, mediante a utilização da mesma licença de importação.
Por trás dos bastidores, existem, desenganadamente, pessoas de grande influência, diretamente interessadas no assunto. Agem na sombra invocando o nome e o prestígio de homens de reputação ilibada. Neste sentido foi divulgada a notícia, através de um telegrama endereçado a um jornalista cearense, de que o eminente Cardeal de São Paulo havia pedido a um Deputado federal sua interferência junto ao Sr. Presidente da República para que fôssem liberados os carros. Felizmente, Sua Eminência desmentiu a intriga em carta endereçada ao Governador Parsifal Barroso.
O contrabando está perfeitamente caracterizado. Só resta punir os que fazem o comércio do ilícito e da imoralidade contra o bem público e a lealdade dos negócios.
Esta Comissão será constituída de cinco membros e terá a duração de 120 dias, podendo despender, no exercício das suas atividades, a quantia de Cr$ 300.000,00.
Sala das Sessões, em 10 de abril de 1959.
Esmerino Arruda - Rondon Pacheco - Benjamim Farah - Sérgio Magalhães - Cesar Prieto - Souto Maior - Carlos Lacerda - Carneiro de Loyola - Aurélio Vianna - Wagner Estelita - Cid Carvalho - Souza Leão - Oscar Corrêa - Clodomir Millet - Luíz Vianna - Aloysio de Castro - Pereira da Silva - Celso Brant - Nelson Omegna - Adahil Barreto - Wilson Fadul - Pedro Vidigal - Seixas Dória - Lourival Baptista - Philadelpho Garcia - Milvernes Lima - Petronilio Santa Cruz - Francisco Monte - Oliveira Netto - Arthur Virgílio - Adylio Vianna - Aluísio Afonso - Eloy Dutra - Saldanha Derzi - Rachid Mamed - Pedro Aleixo - Hermógenes Príncipe - Ortiz Monteiro - José Raimundo - Antônio Baby - Yukishigue Tamura - Último de Carvalho - Artur Virgílio - João Veiga - Colombo de Souza - Clóvis Motta - Aarão Steinbruch - Barbosa Lima Sobrinho - Adauto Cardoso - Gabriel Hermes - Waldir Simões - Emílio Carlos - Amaral Furlan - La Roque Almeida - Paulo Freire - Luiz Francisco - Henrique Turner - Raymundo Britto - Leão Sampaio - Nogueira da Gama - Edgard Pereira - Sylvio Braga - Nelson Monteiro - Olavo Fontoura - Josué de Castro - Cunha Bueno - Salo Brant - Napoleão Fontenelle - Epílogo de Campos - Mário Cambocindeguy - Menezes Côrtes - Breno Silveira - Aluizio Alves - Xavier Fernandes - Nicolau Tuma - Corrêa da Costa - Dias Lins - Bagueira Leal - Nelson Carneiro - Osvaldo Ribeiro - Waldemar Pessoa - Tarcisio Maia - Rubens Berardo - Wilson Calmon - Genival Caiado - João Ursulo - Mauro Teixeira - Antônio Monteiro - Chagas Freitas - Segismundo Andrade - Euclides Wicar - Dirceu Cardoso - Temperani Pereira - Mendes Gonçalves - Hermes Pereira - Carlos Gomes - Aroldo Carvalho - Wanderley Júnior - Derville Allegretti - Andrade Lima Filho - Adelmar Carvalho - Jesse Freire - Paulo Lauro - Deodoro de Mendonça - Luiz Beouycaão - João Abdalla - Hugo Borghi - Jorge de Lima - Othon Mäder - Miguel Buffara.
Em virtude desta Resolução o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados designou para constituir a Comissão Parlamentar de Inquérito os Srs. Deputados Moacyr Azevedo, Abelardo Jurema, José Humberto, Souto Maior e Esmerino Arruda.