Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 10, DE 1959 - Publicação Original
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RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 10, DE 1959
Constitui Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a extensão e a intensidade da devastação dos recursos naturais do País.
Exmo. Sr. Presidente:
Requeremos a V. Exª, nos têrmos do art. 53 da Constituição Federal, combinado com o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, e o art. 31 do Regimento Interno vigente, seja constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, composta de onze (11) membros para apurar a extensão e a intensidade da devastação dos recursos naturais do País, especialmente do solo arável, nas regiões de maior atividade agrícola, investigar, no que concerne à defesa do solo contra a erosão, o funcionamento dos órgãos do serviço público federal, inclusive autarquias e sociedades de que a União seja parte, para indicar as medidas capazes de promover a conservação do solo e a preservação dos bens naturais.
A comissão criada por meio desta Resolução terá o prazo de cento e oitenta (180) dias, contados da sua constituição para concluir os seus trabalhos, ficando aberto para custeio das suas despesas o crédito de oitocentos mil cruzeiros (Cr$ 800.000,00), que deverá correr pela verba Encargos Diversos - da Câmara dos Deputados, do orçamento vigente.
Sala das Sessões, em 29 de maio de 1959.
Oswaldo Lima Filho - Plínio Salgado - Wilson Fadul - Oliveira Franco - Petrônio Farual - Munhoz da Rocha - Gileno di Carli - Wagner Estelita - Herbert Levy - Milvernes Lima - Colombo de Souza - Aurélio Vianna - Gabriel Passos - Souto Maior - Geraldo de Carvalho - Lamartine Tavora - Euclides Wilcar - Rafael Rezende - Raul Pilla - Elias Adaime - Guilhermino Oliveira - Clovis Pestana - Mário Gomes - Leite Netto - Armando Falcão - Temperani Pereira - Oziris Fontes - Etelvino Lima - Paulo Sarazate - Silva Prado - Nogueira da Gama - Ortiz Monteiro - Clidenor Freitas - Andrade Lima Filho - Paulo Lauro - Paiva Muniz - Raul de Gois - Humberto Lucena - Artur Virgílio - Clemens Sampaio - Aloysio Nonô - Helio Machado - Almiro Afonso - Lenoir Vargas - Jorge de Lima - Maia Neto - Egon Bercht - Philadelpho Garcia - Dantas Júnior - Geraldo Mascarenhas - Milton Reis - Petronilo Santa Cruz - Barbosa Lima Sobrinho - Sérgio Magalhães - Lycio Hauer - João Veiga - Nogueira de Rezende - Rubens Rangel - Celso Brant - Geraldo Guedes - Bezerra Leite - Neiva Moreira - Hermogenes Príncipe - Eloy Dutra - Milton Brandão - José Sarney - Abel Rafael - Oswaldo Fanello - Auro Arut - Aarão Steinbruch - Fernando Sant'Ana - Miguel Leuzzi - Breno da Silveira - Josué de Castro - Último de Carvalho - Walter Atayde - José Lopes - Luiz Francisco - Carlos Jereissatti - Ramon de Oliveira - Bocayuva Cunha - José Guiomard - Rezende Monteiro - Armando Rollemberg - Joaquim Duval - Luiz Cavalcante - José Rio - Mendes de Moraes - Henrique La Roque - Pacheco Chaves - Nelson Omegna - Baptista Ramos - Cesar Prieto - Clelio Lemos - Nicolau Tuma - Vasconcelos Tôrres - Campos Vergal - Mário Beni - Raymundo Britto - Helio Ramos - José Bonifácio - Adaucto Cardoso - Furtado Leite - Ewaldo Diniz - Luiz Bronzeado - Waldir Simões - Antonio Baby - Croacy de Oliveira - Carneiro de Loyola.
Justificação
Uma questão gravíssima impõe ao Congresso, pela sua responsabilidade nos destinos nacionais, o dever de firmar um intervalo nos seus dissídios naturais para uma reflexão.
Êste problema é o da devastação dos recursos naturais do País, de que cuida o requerimento ora submetido a esta Câmara.
Nenhuma apreensão é mais justificada, pois no mundo de hoje, não existe desafio mais agudo ao progresso da civilização e à sua sobrevivência.
A concepção que se fundava na perenidade da terra cedeu lugar às conclusões de uma nova ciência - a ecologia, que estabeleceu as condições de formação e perecimento do solo em conseqüência de ações físicas, químicas e biológicas.
É, hoje, um truísmo o de que o solo arável não é bem eterno mas um complexo vivo, de pouca profundidade, cuja morte determina uma limitação insuperável para a espécie humana.
Todo o vasto arsenal da técnica, fruto do progresso científico, não conseguiu dispensar o milagre verde da clorofila da produção da matéria orgânica. A possibilidade de obter proteína das algas e a lavoura hidropônica estão, ainda, no campo dos longínquos experimentos da ciência agrícola.
Reduzido, assim, à dependência das plantas para sobreviver, o homem vai descobrindo com angústia crescente que o solo raso, orgânico, arável, necessário aos vegetais, está morrendo em todo o globo.
A História, estudada à luz destas novas descobertas, encontra agora a verdadeira explicação do desaparecimento de diversos povos da antiguidade.
Nos clássicos, fulge a opulência de cidades, luxuriantes de vida e de vegetação, centros de poderosos impérios, como Cartago, hoje mergulhadas nas areias dos desertos.
Os arqueólogos que escavam o roteiro da Bíblia, têm achado inúmeras cidades, como Ur, a pátria de Abraão, antigo pôrto marítimo da Babilônia, hoje sepultada a 150 milhas no meio de um deserto.
Não foram diversas, sabe-se, as causas do declínio da civilização helênica.
É evidente que os processos de uso e posse da terra determinam o compasso de ascensão e decadência dos povos. É imperioso pensar na insensatez com que são devastadas as últimas áreas virgens do planeta, quando se verifica que a ação humana pode degradar em 50 anos um solo, que a natureza levou milênios para formar.
Na América Latina, pelas condições de clima equatorial e tropical, o fato assume formas mais graves e mais rápidas. As chuvas torrenciais, o relêvo acentuado do solo, a proliferação dos animais daninhos, o sol abrasador, a falta de estações regulares, tudo concorre para criar um ambiente hostil à vida humana.
Daí dizer William Vogt, um dos maiores estudiosos da matéria:
"Todos os países latino-americanos, exceto 3 ou 4, estão superpovoados.
São capazes de alimentar e abrigar seus cidadãos e abastecê-los d'água para suas necessidades, apenas pela destruição progressiva e acelerada dos seus recursos.
A bancarrota biológica pesa sôbre suas cabeças como uma avalanche atemorizadora. Já desabou sobre o Haiti e Salvador, onde centenas de milhares de pessoas estão morrendo lentamente de fome."
Se colocarmos o Brasil neste quadro veremos que não é animadora nossa posição.
O declínio de fertilidade natural da terra no País é um fato alarmante. Já foi denunciado pelo Presidente Getúlio Vargas, ao salientar a queda do rendimento médio por unidade de área.
Calcula-se que o País perde 500.000 toneladas de solo por ano. Os baixos rendimentos agrícolas daí resultantes respondem em grande parte pelo impressionante êxodo rural, que alguns estudiosos apressados de nossa economia querem atribuir exclusivamente ao deslocamento da mão-de-obra para a indústria, quando não ocorre esta absorção dos migrantes pelas fábricas, nem mesmo houve progresso tecnológico, capaz de suprir pelo aumento da produtividade, a fuga do campo.
O nosso maior especialista na matéria, Wanderbilt Duarte de Barros, no seu livro "A Erosão no Brasil" (livro que deveria ser meditado pelos nossos homens de govêrno), assim descreve o quadro brasileiro:
"Os terrenos montanhosos do país estão, em maior parte, muito desgastados. As terras de cultivo cafeeiro nos acidentados territórios fluminense, mineiro, capixaba, como no paulista e no paranaense, desencantam aos mais otimistas, apreciados que sejam in-loco: mal lavourizadas, lavadas ou sulcadas, alterando-se e degradando-se umas; deprimidas pelos excessivo pisoteio ou com a superfície crestada pelo fogo outras; e tôdas elas caminhando, assim, a largos passos para a destruição, clímax dramático a que são levados os solos mal trabalhados."
E acrescenta:
"Convém acentuar de modo especial que o Brasil vem realizando neste século, notadamente nos três últimos decênios, a mais extraordinária façanha de destruição dos recursos naturais de que se tem conhecimento na história moderna. Não houve aqui o RUSH, a marcha caracterizada, em tôrno dêste ou daquele produto: o avanço foi inicial e seguidamente contra a flora, contra a fauna, contra a água, contra a terra. Destruímos sempre, sem tentar restaurar os recursos naturais brasileiros. Basta localizar em mapas as zonas novas do café e configurá-las, estatisticamente, ao território do país, situando-as em função da marcha realizada. Ou enquadrar as terras de pastoreio, comparando-as à população que sustentam, estabelecendo proporcionalidades, para ressalvar o rendimento obtido. Ou, ainda, o mais sério, determinar o nosso desenvolvimento industrial, considerar a fonte de energia usada - carvão vegetal e lenha - reconstituindo-se o aspecto físico da terra com mapas altimétricos, para vermos como se destruiu como se inutilizou a planície, como se enfeitou a montanha, como se sacrificou o regime hidráulico, como se preparou a pobreza de importantes zonas do território brasileiro."
Para confirmar a justificada preocupação com a baixa dos rendimentos agrícolas basta olhar os quadros estatísticos abaixo, que dão a medida da nossa pobreza e as razões da fome que vai assaltando algumas camadas da nossa população.
Rendimentos Agrícolas Mundiais de CANA por hectare em quintais em 8 países - 1946
Oceania ...................................... |
76,5 |
Egito ........................................... |
71,1 |
México ....................................... |
55,3 |
Colômbia .................................... |
45,7 |
Cuba ........................................... |
38,5 |
Estados Unidos ........................... |
38,0 |
BRASIL ..................................... |
36,2 |
Argentina .................................... |
34,2 |
(Arranjo decalcado em dados do Suplemento de Comércio e Indústria de "O Estado de S. Paulo", fevereiro de 1959).
Rendimentos Agrícolas Mundiais de MILHO por hectare em quintais em 12 países - 1946
Argentina .................................... |
24,4 |
Estados Unidos ........................... |
18,0 |
Itália ........................................... |
15,6 |
Austrália ..................................... |
15,5 |
Chile ........................................... |
15,5 |
China .......................................... |
13,5 |
BRASIL ..................................... |
13,2 |
Colômbia .................................... |
12,4 |
Peru ............................................ |
12,3 |
Uruguai ....................................... |
7,8 |
México ....................................... |
6,8 |
Índia ........................................... |
6,2 |
(Arranjo decalcado em dados do Suplemento de Comércio e Indústria de "O Estado de S. Paulo", fevereiro de 1950).
Rendimentos Agrícolas Mundiais de FUMO por hectare em quintais em 12 países - 1946:
Paraguai ...................................... |
19,3 |
França ......................................... |
17,9 |
Chile ........................................... |
17,8 |
EE.UU ........................................ |
12,8 |
Argentina .................................... |
12,2 |
Itália ........................................... |
12,1 |
Uruguai ..................................... |
11,2 |
China .......................................... |
11,0 |
México ....................................... |
9,8 |
Índia ........................................... |
8,1 |
BRASIL ..................................... |
6,8 |
Grécia ......................................... |
5,8 |
(Arranjo decalcado em dados do Suplemento de Comércio e Indústria de "O Estado de S. Paulo", fevereiro de 1950).
Rendimentos Agrícolas Mundiais de Algodão por hectare em quintais em 12 países - 1946:
Egito ........................................... |
5,4 |
Peru ............................................ |
5,0 |
Estados Unidos ........................... |
3,0 |
México ....................................... |
3,0 |
Paraguai ..................................... |
2,3 |
China .......................................... |
2,1 |
Argentina .................................... |
1,9 |
BRASIL ..................................... |
1,4 |
Congo Belga .............................. |
1,3 |
Venezuela .................................. |
1,1 |
Equador ...................................... |
0,7 |
Colômbia .................................... |
0,7 |
(Arranjo decalcado em dados do Suplemento de Comércio e Indústria de "O Estado de S. Paulo", fevereiro de 1950).
Não há, portanto, surprêsa no observar como certas e amplas áreas do País vão caindo sob o império da fome crônica para não referir a pobreza qualitativa dos alimentos que impõe sérios déficits alimentares ao homem brasileiro. Registro, aliás, melancólico de fazer, quando recordamos que há 4 séculos a fertilidade magnífica dêste solo era cantada não só pelo escrivão Caminha, como por todos os cronistas da Descoberta e da Colônia.
Uma consciência coletiva do mal, porém, se vai criando e indica a necessidade urgente de estabelecer uma política nacional conservacionista, que enfrente "a terrível erosão que está destruindo implacavelmente esta Nação", na clara advertência do Professor Dante Costa.
Esta política não será fácil nem barata, cumprindo dizer como William Vogt:
"O Congresso precisa aprender que, a longo têrmo, é mais econômico perder cem milhões de dólares por ano em pesquisas sôbre o uso da terra do que salvar cem milhões de dólares às custas de nossa terra e recursos naturais". Graças a êste tipo de ação, iniciado nos Estados Unidos da América do Norte em 1908 no Governo Theodore Roosevelt e a orientação dos governos seguintes, inclusive a vasta ação conservacionista do Govêrno F. D. Roosevelt, e em virtude da atividade quase apostólica de homens como Gifford Pichot, Hugh Bennet e Louis Bromfield, conseguiram os americanos controlar a erosão acelerada e assentar o cultivo metódico do solo.
Tendo perdido, só por erosão causada pelo vento, 1.616.000 hectares, em 1946 já 50.000 fazendeiros cultivavam 3.434.000 hectares sob orientação científica, afora os milhares de lavradores que passaram a adotar práticas conservacionistas. No Brasil, o problema continua esquecido, salvo algumas iniciativas dos governos estaduais, em São Paulo e no Estado do Rio.
Em Pernambuco, quando Deputado Estadual, consegui a aprovação de projeto de criação da Diretoria de Defesa do Solo, de minha autoria (Lei nº 1.662, de 18 de setembro de 1953).
Temos conhecimento de raras iniciativas privadas neste setor, sendo de justiça salientar a grande realização do agrônomo Moacir Brito Freitas na plantação de tomates em Pesqueira, Pernambuco, pelo seu caráter científico e experimental.
A tarefa no âmbito nacional não será fácil e exigirá largos recursos financeiros mas os patriotas que se chocariam com a perda de pequena área do nosso território para um inimigo externo, devem despertar para a luta de sobrevivência do Brasil como nação civilizada.
No momento em que a reforma agrária está saindo do seu sono secular, a adoção de uma política agrária exige não só o livre acesso do agricultor à terra, o crédito rural, os transportes, a armazenagem mas sobretudo a criação de uma nova mentalidade agrícola capaz de restabelecer o equilíbrio biológico entre as necessidades do homem e os recursos naturais do País. Os nossos governantes não têm cuidado do problema.
Raros homens públicos, como Alberto Tôrres, tiveram a visão dos complexos aspectos políticos, econômicos e sociais envolvidos na matéria.
O Plano SALTE sugeriu a criação do Departamento Nacional de Conservação e Recuperação do Solo, proposição que o Presidente Eurico Dutra encaminhou ao Congresso pela Mensagem nº 196, de 10 de maio de 1948.
No Senado da República, o Senador Atílio Vivacqua apresentou o Projeto nº 11, de 1956, criando o Serviço Nacional de Irrigação e de Solos Agrícolas.
Como esta iniciativa deu maior importância ao problema da irrigação, poderá servir de subsídio valioso mas não poderá atender à questão básica da conservação.
Para apurar os efeitos da erosão já verificados, de modo alarmante, em várias áreas do nosso território, é que conclamo a sabedoria e o patriotismo da Câmara através desta Comissão, cujos resultados, acredito, imprimirão novo rumo à nossa atividade agrária.
Sala das Sessões, em maio de 1959.
Osvaldo Lima Filho.
Em virtude desta Resolução o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados designou para constituir a Comissão Parlamentar de Inquérito os Srs. Deputados Gileno de Carli - Valério Magalhães - Petronilo Santa Cruz - Afonso Celso - João Cleófas - Corrêa da Costa - Passos Pôrto - Rui Ramos - Osvaldo Lima Filho - Mendes de Morais - Raimundo Brito