Legislação Informatizada - MANIFESTO DE 10 DE DEZEMBRO DE 1825 - Publicação Original

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MANIFESTO DE 10 DE DEZEMBRO DE 1825

Justifica o procedimento da côrte do Brazil a respeito do Governo das provincias Unidas do Rio da Prata; e dos motivos que a obrigaram a declarar a guerra ao referido Governo. 

     O Imperador do Brazil vendo-se reduzido á extremidade de recorrer ás Armas em justa defeza dos seus Direitos, ultrajados pelo Governo de Buenos Ayres, depois de Ter feito com o maior escrupulo todos os sacrificios possiveis para a conservação da Paz: Desejando salvar illesa a universal opinião de justiça, em que se firmam os principios da sua politica, e desvanecer aos olhos das mais Nações qualquer suspeita, ou reparo, a que possa dar logar o seu silencio, ou um mais prolongado soffrimento: Julga dever á Sua Dignidade, e á ordem, que accupa entre as Potencias, Expôr leal, e francamente á face do Universo, qual tenha sido, e deva agora ser o seu procedimento a respeito d'aquelle Estado Limitrophe, a fim de que os nacionais, e estrangeiros de um, e outro hemispherio, e ainda á mais remota posteridade, seja patente a justiça da causa, em que só a defesa da Integridade do Imperio o poderia empenhar.

     É bem notorio que, quando rebentou a revolução das Provincias hespanholas do Rio da Prata, incluindo Buenos Ayres, a Côrte do Rio de Janeiro manifestou constantemente a mais restricta neutralidade, apesar de todas as prudentes considerações, que faziam receiar o perigo do contagio revolucionario. Porém os insurgentes, sem a menor provocação da nossa parte, como que para fazer-nos arrepender do systema pacifico, que se procurou sempre adoptar, começaram desde logo a infestar as fronteiras da Provincia do Rio Grande de S. Pedro. Elles convocavam os Indios ao seu partido, reuniam tropas, para invadirem a Provincia visinha, e espalhavam proclamações sediciosas para excitarem os Povos das Sete Missões á rebellião. Sua Magestade Fidelissima bem Reconheceu que era inevitavel, para pôr os seus Estados a coberto das perniciosas vistas dos insurgentes, levantar uma barreira segura, justa,  e natural entre elles e o Brazil; o supposto estar penetrado das razões de direito por que podia pertence-lhe a Banda Oriental, de que a Hespanha estava de posse, solicitou, e longo tempo esperou da Côrte de Madrid remedio a tantos males; mas aquella Côrte, não podendo, ou não querendo acudir á chamma, que lavrava na Banda Oriental, abandonou á sua sorte aquelle territorio, que por fim cahiu na mais sanguinosa, e barbara anarchia. Então Artigas sem titulo algum erigiu-se no Supremo Governo de Montevideo; as hostilidades contra o Brazil adquiriram maior incremento; a tyrannia apprimia os montevideanos, que em vão procuraram abrigo nas Provincias visinhas; e Buenos Ayres, essa mesma Provincia, que, depois de passado o perigo, tenta dominar os Cisplatinos, viu as suas Tropas batidas em 1815 nos campos de Guabijú; respeitou a Bandeira Oriental, e sanccionou a tyrannia de Artigas, reconhecendo-o como chefe Supremo e Independente.  

     Em tal situação não restando a Sua Magestade Fidelissima outra alternativa, mandou contra aquelle chefe um corpo de tropas com ordem de o expulsarem além do Uruguay, e de accuparem a margem esquerda d'aquelle rio. Esta medida natural e indispensavel, executada e proseguida com os mais custosos sacrificios, e despezas, assegurou ao Brazil o direito da accupação do territorio dominado por Artigas, de um territorio, cuja Independecia de Buenos Ayres havia já sido por este reconhecida; entrando afinal em 1817 as tropas do Brazil como libertadoras, com satisfação geral dos Cisplatinos, que viram assim restituida á paz, e á prosperidade ás suas campanhas, que a guerra civil e a tyrannia do barbaro chefe usurpador tinhão deixado ermas e arrasadas.

     Quatro annos  se passaram, que formaram um periodo não interrompido da tranquilidade de Montevidéo: e supposto se achassem acalmadas as facções, e de alguma sorte consolidada a segurança das fronteiras do Imperio, e satisfeitos os Cisplatinos com as vantagens, que gasavam debaixo da Protecção de Sua Magestade Fidelissima, não deixou jamais Buenos-Ayres de procurar por todos os meios encobertos, e improprios de Governos justos, e consolidades, semear a discordia na Banda Oriental, e crear alli um partido de descontentamento contra a Côrte do Rio de Janeiro, a quem se taxava de tyrannia, e usurpação, insinuando aos mais exaltados partidarios, que com a derrota de Artigas devia cessar a causa da occupação de Montevidéo, cuja entrega inculcavam não devia a Côrte do Brazil differir por mais tempo. Mas não tendo os Cisplatinos os elementos necessarios para accuparem o logar de uma nação separada na ordem politica, não tendo a Metropole os meios, ou a vontade de conservar, e defender aquelle territorio; a quem se faria faria a entrega delle sem comprometimento do Brazil, e sem risco de se renovarem as scenas de carnagem, e devastação, de que as tropas brazileiras o libertaram? Por ventura, se tal entrega fosse justa, ou opportuna, devêra ser feita pelo Brazil a Buenos Ayres, o qual, como se tem visto, havia já reconhecido independente de si aquelle territorio? E mesmo em tão extraordinaria hypothese afferecia por ventura o Governo de Buenos Ayres, entregue ás facções intestinas, a necessaria garantia, assim para acabar-se o receio da repetição dos males, que haviamos soffrido, como para proceder á indemnisação, a que tinhamos direito incontestavel, e cujo valor já então excedia o do mesmo territorio accupado?

     Nesta conjunctura, Sua Magestade Fidelissima, proxima a retirar-se do Brazil, levado pelos generosos sentimentos do Seu Magnanimo Coração, e Desejoso de mostrar a todas as luzes, e a todos os partidos a pureza das Suas Vistas, e do seu proceder, Dignou-se convidar os Montevideanos, como todo o mundo sabe, e testemunhou Buenos Ayres, para que convocassem livremente um congresso extraordinario de seus Deputados, os quaes como representantes de toda a Provincia determinassem a sua sorte e felicidade futura, e estabelecessem a fórma, por que queriam ser governados, com attenção ao bem geral, devendo esses deputados serem nomeados livremente, e pela fórma mais adaptada ás circumstancias e costumes do paiz. Tudo testemunhou Buenos Ayres e não tendo por sua parte razão alguma para ostensivamente e com dignidade impedir aquella deliberação, valeu-se do seu costumado recurso de intriga e insinuações para attrahyr ás suas ambiciosas vistas o Povo Cisplatino. Os seus emissarios espalhados na Banda Oriental calumniavam as intenções do  Augusto Soberano, que sem prevalecer-se dos seus antigos direitos, e das suas armas, deixava aquella Provincia com plena liberdade de decidir da sua sorte. Mas a mesma facilidade, com que o Governo de Buenos Ayres machinava; e a mesma prudencia e dignidade, com que a Côrte do Rio de Janeiro deixára de se oppôr a tão indignas manobras, bem indicam á face do mundo a liberdade, que se dava ás deliberações. E com effeito, reunindo-se em Montevidéo os Deputados dos Departamentos, depois de reflectidos e publicos debates, foi o resultado offerecerem elles em 31 de Julho de 1821, em nome de todo o povo que representavam, um acto espontaneo da sua incorporação ao Reino Unido de Portugal Brazil e Algarves, debaixo das condições, que julgaram serem vantajosas, e que foram aceitas pela côrte do Rio de Janeiro, que se viu assim para sempre obrigada a defender, e proteger tão solemne incorporação.

     Apezar de tanta franqueza, de tanta liberalidade, de tanta boa fé da parte do gabinete brazileiro, apezar mesmo de todo o escrupulo, com que evitavamos romper a boa harmonia com Buenos Ayres, este Governo, sem jámais decidir-se a comparecer com dignidade, continuou a fomentar a intriga, e a discordia ousando taxar, por seus secretos emissarios, de illegal e coacto o Congresso dos Deputados. Mas qual é a acção mais espontanea e legal, que não seja susceptivel das interpretações mais oppostas? Que segurança, e que boa fé podem haver nas sociedades, si se admittir o interminavel e indefinido principio de coacção sem as provas mais claras, presentes e decisivas? Como podia ser aquella incorporação forçada, si já havia sido offerecida por muitas autoridades a Sua Magestade Fidelissima, que a regeitára; si todas as solenidades para taes actos foram preenchidas; si houver discussão publica sem presença de tropa; si haviam precedido debalde as mais fortes insinuações do governo de Buenos Ayres contra o Brazil; si depois de ter o Congresso deliberado, ainda para mais liberdade dirigiu circulares aos Departamentos, pedindo a sua approvação e parecer; e si por fim a Acta da Incorporação, que correu impressa, continha condições que nos são de reconhecida Desvantagem? Estabelecido portanto, e provado que semelhante incorporação não fôra, nem podia ser forçado, e sendo obvio mesmo ás pessoas, que tem a mais ligeira noção da revolução das Colonias Hespanholas, que nenhuma dellas ficou tendo supremazia ou direito sobre outra, é manifesto que o governo de Buenos-Ayres fôra sempre acintemente injusto e hostil para o governo do Brazil, trabalhando sem interrupção nas trevas, na qualidade de um inimigo perfido, para comprometer a sua marcham, e a sua segurança; como em fim é tempo de descobrir ao mundo inteiro.

     Pouco depois daquelle acto de incorporação, chegou a época, e que, separando-se o Brazil do resto da Monarchia Portugueza, os Cisplatinos tiverão occasião de manifestar o seu systema, desenganando a Buenos-Ayres, si essa Incorporação fôra ou não forçada. O momento era para isso unico e o mais favoravel; mas todos viram que os Cisplatinos apezar de tantas intrigas uniram-se á causa do Brazil pelo orgão do seu procurador Geral nesta côrte em Junho de 1822, e esta adhesão tanto maior gráu de espontaneidade, e de convicção demonstra, quanto é notorio que em Montevidéo estavam então tropas de Portugal dissidentes da causa do Brazil, as quaes por consequencia bem poderiam auxiliar qualquer projecto dos habitantes contra os interesses e união Brazileira, si acaso tal projecto tivessem. Entretanto, Buenos Ayres sem dar algum passo publico, e decoroso de desapprovação, presenciou todos estes successos, e era de crêr que houvesse renunciado á chimerica esperança de reunir a si Povos, com quem não dispendera um só sacrificio e sobre quem não podia mostrar um unico titulo. Mas ainda não é tudo. Como se fossem precisas mais provas de sinceridade da adhesão dos Cisplatinos, novas crises sobrevieram, que acabaram de produzil-as.

     Sua Magestade o Imperador do Brazil foi gloriosa e unanimemente acclamado nesta Suprema Dignidade e Preeminencia pelas Provincias do Brazil no faustissimo dia 12 de Outubro de 1822; e levados os Cisplatinos dos seu enthusiasmo, por um feito tão importante nos Annaes Americanos, e bem penetrados dos seus verdadeiros interesses, não tardaram em livremente imitar as outras Provincias Brazileiras. No mesmo anno todas as Povoações, Cabildos e tropas da Provincia Cisplatina, acclamaram solemnemente e juraram fidelidade ao Senhor D. Pedro I, assegurando nas actas publicas, que por esse motivo se exararam, ser essa a unica medida capaz de fixar a liberdade, e independencia do Paiz, suffocar as esperanças dos anarchistas, e afiançar, debaixo da protecção do Imperador, os direitos dos povos, o socego publico, a segurança e propriedade dos cidadãos, pondo alfim um termo feliz á revolução daquelle Territorio.

     Então o governo de Buenos Ayres, tão ambicioso, como implacavel inimigo das fórmas monarchias, não pôde ocultar o seu dispeito; e vendo frustadas todas as suas tentativas, pela inabalavel lealdade dos Cisplatinos, expediu pela primeira vez ao Rio de Janeiro um Commissario, que com o tom dictatorial, nem ainda supportavel nas mais poderosas Nações veiu exigir uma resposta terminante, sobre o reintegrar-se ou não á Buenos-Ayres a Provincia de Montevidéo. Mas o Governo do Brazil, sempre franco e leal, não duvidou de receber aquelle o unico objecto da sua missão; e não hesitou em responder-lhe com moderação, e firmeza, que não reconhecia em Buenos-Ayres direito algum para tão categorica intimação; passando até o  ministerio brazileiro, por nota que lhe drigiu e 6 de Fevereiro de 1824, a explicar o seu procedimento, Justificando-o com todas as razões, que deviam satisfazer a todos que as recebessem de boa fé. Buenos Ayres, á vista de tão franca, e decorosa explicação, pareceu desistir de reclamação tão injusta; porém o seu ulterior procedimento faz vêr com toda a evidencia, que coberto com o véo da dissimulação, só apreitava apportunidade de hostilisar o Brazil, pelos meios mais indignos, que o mundo conhece, evitando o que seria mais conforme á Justiça que inculcavão; isto é, uma aberta e franca declaração de hostilidades.

     Apezar de ser geralmente conhecida dos Cisplatinos, a missão do referido Commissario de Buenos Ayres, e de ter este falsamente assegurado ser o interprete da vontade dos habitantes da Banada Oriental, nada influiu em seus espiritos semelhante circumstancia, nem padeceu a menor quebra a firmeza, e lealdade do seu caracter; por quanto havendo Sua Magestade Imperial generosamente afferecido aos Povos o Projecto da Constituição fundamental, dignando-se transmitir-lhes, para que livremente fizessem sobre os seus artigos as observações, que julgassem convenientes; e tendo-o recebido igualmente os Cisplatinos, para que deliberassem em Justas dos vizinhos respectivosde cada Departamento, o que lhes parecesse, accordaram em Março de 1824 approval-o, salvas sómente as bases da incorporação da Provincia.

     Parecerá desnecessario insistir mais sobre este ponto, á vista da repetida série de factos, que comprovam a sinceridade, e lagalidade da União da Provincia Cisplatina a este Imperio: nenhuma duvida se póde ventilar de boa fé sobre elle; mas, como se ainda fosse necessario mais algum argumento, viu-se que os briosos Cisplatinos, desprezando constantemente as tenebrosas intrigas, e insinuações do Governo de Buenos Ayres, nomearam por ultimo Deputados ao Corpo Legislativo no Rio de Janeiro, mostrando evidentemente fazer parte da Representação Nacional Brazileira.

     Tal é a exposição veridica e resumida, das principaes causas da incorporação da Provincia Cisplatina ao Imperio do Brazil. Ninguem que se preze de imparcial e justo dirá, que á vista de factos tão reiterados, e positivos, de documentos tão irrefragaveis da livre e sincera incorporação, e interrupta adhesão dos Cisplatinos a este Imperio, podesse o Governo de Buenos Ayres pôr em duvida a sua espontaneidade, e, o que ainda é mais extraordinario, pretender reivindicar a posse daquelle territorio, como se lhe fôra usurpado! Parece incrivel: mas aquelle Governo, que nunca cessára de fomentar solapadamente uma insurreição contra o Brazil, acaba de depôr a mascara, com que ainda accultava os seus perniciosos designios, por isso que julgou o momento apportuno para a sua execução. Com effeito, a Côrte do Brazil, viu com inexplicavel admiração, e quebra dos principios geralmente adoptados pelas Nações, o Governo de Buenos Ayres no seio de uma paz considerada sempre necessaria pela nossa parte, e por elle constantemente atraiçoada, e sem preceder declaração alguma de guerra, permitir que do seuterritorio sahissem individuos a levantar a revolta na Provincia Cisplatina, aos quaes se uniu o rebelde Fructuoso Rivera, que alcançado allucinar alguma desgraçada tropa do Corpo que commandava, voltou com ella contra o Imperio as Armas, que lhe haviam sido confiadas para manterem a segurança, e a tranquilidade da provincia. O gabinete do Rio de Janeiro, solicito no desempenho dos seus deveres, e attento a restabelecer quanto antes o socego publico, que tal rebellião havia alterado, não só tomou as medidas, que lhe pereceram convenientes para reduzir aquella tropa ao caminho da honra militar, de que por tão escandaloso facto se havia consideravelmente apartado, mas pediu sem demora ao Governo de Buenos Ayres as necessarias explicações sobre a parte, em que nelle se divisava tão claramente complicado. Aquelle Governo, com a sua costumada duplicidade, asseverou não ter parte alguma e semelhante acontecimento; entretato, apezar das instancias do Commandante das Forças Navaes do Imperio no Rio da Prata, e do nosso Agente Diplomatico alli residente, não chamou aquelles seus Concidadões, que se haviam reunido aos rebeldes, nem ao menos lhes desapprovou publica e solemnemente um procedimento, que tanto compromettia a tranquillidade dos dous Estados; antes insinuou ás mais Provincias Argentinas, que prestassem aos rebeldes todos os soccorros.

     Como se não bastassem para se conhecer o perfido procedimento do Governo de Buenos Ayres, os factos que nas differentes partes desta veridica exposição se acham, bem que levemente, tocadas; como se não bastasse o haver elle decretado o estabelecimento e reforço de uma linha militar no Uruguay, sem para esta haver a menor razão, ou pretexto, e sem ter sido notificada tal medida á Côrte do Rio de Janeiro, segundo é costume entre as nações vizinhas e civilisadas; como se não bastasse a criminosissima omissão, com que favorecia a pirataria dos seus Concidadãos sobre as embarcações dos subditos do Imperio até dentro do proprio Porto de Buenos Ayres; como se não bastassem os insultos pelo Governo contra o nosso Consul, e as Armas do Imperio collocadas na sua residencia, sem de taes insultos se receber satisfação alguma; como emfim se não bastassem os preparativos bellicos que Buenos Ayres aprestava, as embarcações de guerra, que comprava, os officiaes de marinha estrangeiros que ajustava, factos estes, que já nenhuma duvida podiam deixar aos mais desprevenidos sobre a perfidia do seu procedimento; o Governo Imperial comtudo não quiz parecer menos reflectido em uma deliberação decisiva, e não abstante manifestar-se altamente a indignação publica entre os leaes Brazileiros justamente aggravados por semelhantes factos, elle se conteve esperando ainda pela accurrencia de outros mais positivos, a que o Governo de Buenos Ayres não podesse responder com as suas costumadas evasivas. Estes factos já existem.

     Quando o commandante das forças navaes do Imperio estacionadas no Rio da Prata, e o nosso Agente Diplomatico residente em Buenos Ayres, representaram sobre o comportamento dos invasores da Provincia de Montevidéo, e dos que para alli passavam, e se lhes reuniam, e sobre a indifferença do mesmo Governo a este respeito, respondeu elle, como já fica referido, que de  nenhuma sorte havia promovido a actual sublevação na Banda Oriental, ao mesmo tempo que em Buenos Ayres se abriam subscripções publicas em favor do insurgentes, passavam-se-lhes armamentos, e munições de guerra, estabelecia-se para esses fins uma Commissão, que publicamente se correspondia com elles, e crescendo rapidamente em audacia os rebeldes com toda a qualidade de socorros, que assim lhes eram remettidos, installaram um Governo; e o de Buenos Ayres, esquecido do que pouco tempo antes havia protestado, dá a maior prova da sua cooperação com os rebeldes, reconhecendo esse illegitimo Governo; e pretendendo adormecer a vigilancia da Côrte do Rio de Janeiro, finge enviar-lhe um Commissario a tratar destes negocios (o qual nunca chegou), e desta maneira recompensava com a mais abjecta ingratidão a generosa neutralidade, que o Brazil guardou sempre a seu respeito.

     Ainda não é tudo. O Governo levantado pelos rebeldes da Provincia Cisplatina, expressa que o voto geral e decidido daquelles Povos se pronunciava pela união com as Provincias Argentinas; e o Congresso Geral dellas em Buenos Ayres, tomando por legitimo aquelle voto de uma Facção, quando todavia tem contra si todos os principios de Direito, apressa-se em reconhecer de facto incorporada aquella Provincia á Republica das mais do Rio da Prata, a que diz ter pertencido de todas as razões, que ficam expedidas, e que manifestamente provam o contrario. E em verdade, que titulos de dominio ou de supremacia sobre Montevidéo apresenta Buenos Ayres? Aquella Provincia compunha com outras esse Vice-Reinado; e constituindo-se cada uma dellas em Corpo Politico Indepedente, quando executaram a sua separação da mãi patria, nenhum diretio restou a uma para chamar a si qualquer das outras em virtude delle. Onde está pois o que o referido Congresso allega, havendo Montevidéo livre, e espontaneamente declarado que era sua vontade antes incorporar-se ao Brazil, Imperio poderoso, consolidado, e reconhecido, do que a outra qualquer das mais Provincias, que lhe não podia offerecer as garantias necessarias para a sua segurança e publica prosperidade?

     Em consequencia daquelle acto do Congresso, o Governo de Buenos Ayres em uma norta que fizera imprimir antes de ser entregue ao Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros deste Imperio, se declara compromettido por quantos meios estiverem ao seu alcance a evacuação dos pontos Militares accupados pelas Armas Brazileiras. Por esta fórma o Governo de Buenos Ayres abertamente, e sem rebuço patentea a sua resolução de invadir o territorio Brazileiro, sem provocação alguma; e como para dar a ultima prova do seu rancoroso proceder, e do desprezo de todas as formalidades usadas, e respeitadas entre os Governos Civilizados, tolera que uma população desenfreada se dirija violentamente contra a pessoa do nosso Agente Politico alli residente, que insultando nelle com toda a qualidade de improperios, e de acções indecentes o decoro devido á Nação, que elle representava, o obrigou com horrenda violação do Direito das Gentes, não confiando nas illusorias promessas do Governo, a abandonar repentina, e clandestinamente a sua residencia, e a transferir-se para Montevidéo ao abrigo das Nossas Armas.

     Nestas circumstancias já cançado o soffrimento, perdida toda a esperança de pacificação, resta por ultimo recorrer ao poder das Armas, e repellir a força com a força. Portanto Sua Magestade Imperial, chamando os Céos, e o Mundo por testemunhas da pureza das Suas Intenções, Vencendo com o maior custo a repugnacia, que em seu coração desperta o quadro afflictivo das calamidades com o voto universal dos seus fieis, e briosos Subditos, cedendo finalmente ao que deve á sua alta Dignidade de Imperador Constitucional, aos deveres que lhe impõe o cargo de Defensor Perpetuo, e ao que deve á dignidade, e ao bem do Imperio, tem declarado guerra affensiva, e deffensiva ao Estado de Buenos Ayres, Confiando na Providencia Divina, na justiça da Causa, e na nobreza dos animos dos seus leaes Subditos a prosperidade das Armas do Imperio, e na imparcialidade das Nações a approvação desta deliberação, tão dolorosa ao Seu Imperial Coração, quando ella se tem tornado inevitavel.

     Rio de Janeiro em 10 de Dezembro de 1825.

(Este manifesto foi impresso, em avulso, na typographia nacional, no anno de 1825, acompanhado dos documentos justificativos da incorporação da Provincia Cisplatina ao Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarve, e de sua adhosão á causa do Brazil.)

    


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 10/12/1825


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 10/12/1825, Página 95 Vol. I (Publicação Original)