Legislação Informatizada - DECRETO Nº 4.625, DE 7 DE NOVEMBRO DE 1870 - Publicação Original
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DECRETO Nº 4.625, DE 7 DE NOVEMBRO DE 1870
Approva os estatutos da Associação Dramatica Particular - Gil Vicente.
Attendendo ao que representou a Directoria da Associação Dramatica Particular - Gil Vicente -, estabelecida nesta Côrte, e de conformidade com a Minha Imperial Resolução de 16 de Março do corrente anno, tomada sobre parecer da Secção dos Negocios do Imperio do Conselho de Estado em consulta de 10 de Fevereiro do mesmo anno; Hei por bem Approvar os seus estatutos, divididos em sete capitulos e quarenta e um artigos; ficando as alterações que nos mesmos estatutos, se fizerem sujeitas á approvação do Governo Imperial, e devendo passar-se carta que servirá de titulo.
João Alfredo Corrêa de Oliveira, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro, em sete de Novembro de mil oitocentos e setenta quadragesimo nono da Independencia e do Imperio.
Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador.
João Alfredo Corrêa de Oliveira.
Projecto de estatutos da Associação Dramatica Particular - Gil Vicente
PREAMBULO
Com o nobre e duplo fim de reunir o util ao agradavel, fundou-se nesta Côrte uma sociedade humanitaria e recreativa, cuja denominação e fins constão do projecto de estatutos que este precede. A nobre idéa que presidiu á sua fundação, mesmo recreando, foi o allivio da humanidade afflicta, por meio da beneficencia que conduz á caridade tão recommendada pelo Evangelho. Só porém, a geração actual tem cabido desenvolvel-a a uma altura a que as geraçães passadas não attingirão, ou por não a terem comprehendido, ou porque não quizerão ou não puderão.
E' pois, de presumir que os individuos que a ella quizerem associar-se, sejão dotados daquella sublime virtude - A caridade -, que, bem comprehendida e desempenhada, eleva o homem á altura do seu Creador, e o torna a sua imagem na terra.
CAPITULO I
DA DENOMINAÇÃO E FINS DA ASSOCIAÇÃO
Art. 1º A sociedade denomina-se Associação dramatica particular - Gil Vicente -, e será composta de individuos residentes nesta Côrte, de reconhecida moralidade e profissão honesta e decente.
Paragrapho unico. E' o seu principal fim: concorrer por meios pecuniarios e artisticos para o seu proprio engrandecimento e para beneficiar todas as associações de beneficencia do Imperio, e com especialidade as desta Côrte.
Neste intuito dará ella quatro espectaculos dramaticos annuaes, sendo um em beneficio da Caixa de Soccorros de D. Pedro V, outro em beneficio do Asylo de Invalidos da Patria e dous em beneficio de seus cofres; bem assim os mais espectaculos possiveis em beneficio de associações de beneficencia, que mais convenientes forem julgados em assembléa geral.
CAPITULO II
DA ORGANIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO EM GERAL E DA ADMISSÃO DE SOCIOS
Art. 2º Compôr-se-ha a Associação de duas classes de socios; dos artistas, ou scenicos e dos contribuintes. A primeira envidará todos os seus esforços e trabalhos artisticos para abrilhantar a Associação no desempenho das composições dramaticas que tiverem de ser levadas á scena; a segunda concorrerá com meios pecuniarios determinados nestes estatutos pira se levarem a effeito as recitas dramatica, cujo producto terá de ser applicido ao que dispõe o art. 1º, paragrapho unico.
Art. 3º Para conseguir os fins que a Sociedade tem em vista, a Directoria escolherá o theatro desta Côrte, que lhe seja mais conveniente.
Art. 4º A primeira classe de socios (scenica) compôr-se-ha do quatorze. Se porém, as conveniencias da Associação o exigirem, poderá esse numero ser elevado.
Art. 5º O numero dos socios da 2ª classe é por emquanto illimitado, podendo limitar-se ou fixar-se, quando as conveniencias o exijão.
Art. 6º Para qualquer pessoa ser socio desta Associação, precederá proposta feita por um membro da Directoria, ou por algum socio que esteja no gozo das garantias da mesma Associação.
Paragrapho unico. Nenhum candidato será admittido sem que esteja nas condições exigidas no art. 1º.
CAPITULO III
DAS OBRIGAÇÕES DOS SOCIOS SCENICOS
Art. 7º Apenas esteja completo o numero dos socios scenicos, elegeráõ elles d'entre si um director que seja o seu representante na Directoria da Associação.
Art. 8º São as suas obrigações em geral a de cada um em particular: sujeitarem-se aos estudos e ensaios, para o bom desempenho das partes que lhes forem distribuidas, sem que tenhão direito á recusa do desempenho de qualquer destas obrigações, salvo o caso verificado de força maior.
Paragrapho unico. Qualquer que por negligencia, má vontade ou escusas frivolas, se esquivar aos deveres que lhe são prescriptos neste artigo, será multado pela 1ª vez em quinhentos réis; pela 2ª, em um mil réis; pela 3ª, será admoestado pelo director respectivo, perante todo o corpo scenico; pela 4ª, será eliminado com menção na acta da 1ª sessão da Directoria, ouvido o director.
Art. 9º São extensivas aos socios scenicos as prerogativas de que tratão os arts. 35 e 36.
CAPITULO IV
DAS OBRIGAÇÕES DOS SOCIOS CONTRIBUINTES
Art. 10. São obrigados os socios contribuintes a concorrer em cada recita com a quantia de seis mil réis, que lhes será retribuida em bilhetes de entrada.
Paragrapho unico. São obrigados, além desta contribuição, ao pagamento da joia estipulada no art. 32.
Art. 11. O pagamento da contribuição do art. 10, será simultaneo com a entrega dos bilhetes: o da joia de entrada no acto desta.
Paragrapho unico. A impontualidade ou recusa dos pagamentos estipulados, indica que o socio não quer mais pertence á Associação, e por isso será eliminado. Todavia, se provar que força maior e independente de sua vontade, o obrigou a incorrer nessa falta, e neste sentido officiar á Directoria, esta lhe concederá os dias que julgar convenientes para pagar o que estiver devendo.
CAPITULO V
DA ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE
Art. 12. A administração da Sociedade será confiada a uma Directoria de sete membros e um Conselho de 10: aquella constará de um Presidente, um Vice-Presidente, um 1º Secretario, um 2º dito, um Thesoureiro, um 1º Procurador e um 2º dito. Quér a Directoria, quér o Conselho durará pelo tempo de um anno, contado sempre até 31 de Dezembro.
Art. 13. A Directoria e o Conselho serão eleitos pela fórma adiante estipulada.
CAPITULO VI
DA ELEIÇÃO DA DIRECTORIA E DO CONSELHO, E DAS SUAS ATTRIBUIÇÕES
Art. 14. O Presidente da Associação será, na fórma da lei, nomeado pelo Governo Imperial, ao qual se apresentará a lista dos socios elegiveis.
Para a eleição dos demais membros da Directoria, e do Conselho se convocará a assembléa geral dos socios por meio de annuncios ou officios, marcando-se dia, hora e lugar.
Para se proceder á eleição é necessaria pelo menos a presença do dous terços dos socios inscriptos, o que o Presidente fará verificar. Se porém no dia marcado não comparecerem socios no numero exigido, o Presidente convocará de novo a assembléa, e nesta segunda reunião se procederá á eleição com os socios que estiverem presentes.
Os membros da Directoria serão eleitos por maioria absoluta de votos; os do Conselho poderão ser eleitos por maioria relativa.
Art. 15. Todo socio contribuinte pôde votar e ser votado para os cargos da Directoria e para o Conselho; e todo socio scenico pôde votar e ser votado para o cargo de Director de scena.
Paragrapho unico. Não póde deliberar em assembléa de eleições socio que não estiver quite com a Associacão. Para se verificar isto, se procederá, pelo Secretario, á chamada nominal dos socios inscriptos; e, á medida que os presentes forem respondendo á chamada, o Thesoureiro declarará se estão ou não quites com os cofres da Associação. Todo este processo constará da respectiva acta.
Art. 16. Compete á Directoria o andamento de tudo quanto fôr concernente á Associação; velar pelo fiel cumprimento destes estatutos, e quaesquer regulamentos que se estabelecerem; escolher o ensaiador, e as actrizes que se tornem necessarias para bom anda mento dos espectaculos; distribuir os remanescentes das recitas segundo a decisão da assembléa geral; convocar esta de tres em tres mezes, além das occasiões em que o interesse da Associação o exigir; e apresentar, no fim de cada anno social, um relatorio de sua administração.
Paragrapho unico. Nos dias de espectaculo é obrigada a Directoria a dar a cada socio scenico uma entrada especial para a platea, e a conservar para si um ou dous camarotes convenientemente arranjados, tudo á custa dos cofres sociaes.
Art. 17. Os membros da Directoria e Conselho são obrigados a comparecer ás sessões. O que sem causa justificada fôr remisso no cumprimento deste dever, será dispensado pela primeira e segunda vez; na terceira porém será multado em 5$000, devendo sempre ter em vista os fins da Associação.
Art. 18. Compete ao Presidente: presidir ás sessões; ordenar e dirigir as discussões; conceder a palavra; negal-a quando a boa ordem o exigir; manter e fazer manter a ordem e decencia nas discussões.
Paragrapho unico. Tambem lhe compete rubricar todos os papeis, livros e contas da Associação; e nas eleições terá o voto de qualidade, em caso de empate.
Art. 19. Compete ao Vice-Presidente substituir o Presidente em todos os seus impedimentos.
Art. 20. São obrigações do Thesoureiro: receber ou cobrar as joias, as multas e remanecentes dos espectaculos, bem como todos os utensilios que sejão de propriedade da Associação; ter sob sua responsabilidade todos estes objectos; receber e pagar todas as quantias pertencentes á Associação, para o que passará e fará passar os competentes recibos; apresentar um balancete da recita (para o que terá um livro especial) 30 dias depois de cada espectaculo, e uma relação de todos os socios em atrazo para com os cofres; finalmente recolher a juros em um banco ou casa bancaria os dinheiros que receber, conservando sómente em seu poder até a quantia do duzentos mil réis para as despezas correntes.
Não fará porém pagamento algum sem um documento, ou conta, rubricado pelo Presidente.
Art. 21. São obrigações do 1º Secretario: organizar toda a escripturação da Associação, á excepção do livro de receita e despeza, para o que terá livros especiaes, tendo tudo em boa ordem e guarda e debaixo de sua responsabilidade; bem como substituir o Presidente e Vice-Presidente em seus impedimentos.
Art. 22. Compete ao 2º Secretario substituir o 1º em todos os seus impedimentos, com excepção de presidir ás reuniões; e é obrigado a tirar as partes dos dramas que tiverem de subir á scena.
Art. 23. São obrigações do Procurador: proceder á cobrança do activo e pagamento do passivo, debaixo da responsabilidade do Thesoureiro, e tudo o mais que fôr concernente á Associação, e para que pela Administração fôr autorizado, sendo suas faltas suppridas pelo 2º Procurador.
Art. 24. O Conselho tem as seguintes attribuições: eleger d'entre si um Presidente, que será o seu representante nato para com a Directoria, e que coadjuvará esta em tudo que fôr em beneficio da Associação, e estiver ao seu alcance, tomando parte com ella em todas as reuniões, sob pena do art. 17. A pedido da Directoria tambem o Conselho se poderá reunir, para com suas luzes a auxiliar naquillo que fôr submettido á sua consideração.
Art. 25. Compete ao Director scenico: submetter á approvação da Directoria as composições dramaticas que tiverem de subir á scena, sempre de accôrdo com o respectivo ensaiador e a Directoria, bem como a distribuição dos papeis; estabelecer uma regra fixa para os ensaios, designando dias, horas e lugares para os mesmos; manter e concorrer para que se mantenha a melhor ordem, subordinação e decencia; applicar as multas aos infractores, avisando disso por escripto ao Thesoureiro, para a cobrança devida; e finalmente dar parte á Directoria de toda e qualquer occurrencia que possa influir para o bom andamento e brilhantismo da Associarão.
CAPITULO VII
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 26. Cumpre a todos os socios em geral ter a mais escrupulosa escolha para admissão de novos socios, e com muita especialidade a distribuição dos convites, a fim de ser mantida a decencia e esplendor da Associação.
Art. 27. Sob pretexto algum nenhum socio poderá esquivar-se a occupar o cargo para que fôr eleito, á excepção do corpo scenico, sob pena de pagar uma multa de dez mil réis e ser eliminado, salvo o caso de força maior provado perante a Directoria.
Art. 28. Os socios em geral poderão ser reeleitos nos cargos que occuparem; mas não serão obrigados a exercel-os por mais de tres eleições successivas, ou outros quaesquer por mais de tres Directorias.
Art. 29. Os socios em geral devem uns aos outros reciproca troca de civilidade e mutua affeição: os que promoverem a desintelligencia na Associação incorrem nas penas do art. 27.
Art. 30. São inteiramente prohibidos, quér nos espectaculos, quér nas reuniões da Sociedade, quér nos ensaios, as questões ou discussões politicas, por serem inteiramente estranhas aos fins da Associação. Aos infractores serão applicadas as disposições do art. 27.
Art. 31. As multas impostas serão cobradas no fim de oito dias e o seu producto recolhido aos cofres da Associação.
Art. 32. Para que os cofres da Associação possão occorrer ás despezas da mesma, os socios contribuintes e scenicos pagaráõ no acto da sua entrada a joia de cinco mil réis e mil réis pelo seu diploma, quando os houver.
Art. 33. Todo o socio contribuinte que propuzer até quinze socios, que sejão admittidos e que pemaneção na Associação pelo menos seis mezes, fica obrigado sómente á quotização de um bilhete de platéa.
Art. 34. A Directoria fica autorizada para, em nome da Associação, conferir diplomas de benemeritos aos socios e a quaesquer pessoas que prestem relevantes serviços á Associação.
Art. 35. A Associação soccorrerá, conforme o estado de seus cofres, a todo socio que tenha sido pontual e assiduo no cumprimento de seus deveres e obrigações, e venha a ficar impossibilitado por molestia ou qualquer accidente imprevisto. Tambem é extensivo este soccorro aos socios que por motivos provados tenhão de retirar-se da Côrte ou do Imperio. Em qualquer destes casos, provada a sua impossibilidade e estando quites com os cofres, promoverá a Associação um espectaculo em seu beneficio.
Art. 36. A Associação, no mez de Dezembro de cada anno; e consultando sempre as forças de seus cofres, dará entrada a um ou mais socios na Sociedade Portugueza de Beneficencia desta Côrte, ou em qualquer das Ordens Terceiras que tenhão hospital.
Para este fim proceder-se-ha a um sorteio entre todos os socios que se acharem quite: e no caso em que não precisem dos soccorros dos cofres aquelles a quem tocarem por sorte, reverterá a importancia dos ditos soccorros em beneficio da propria Associação ou de qualquer instituição pia que a Associação escolher.
Art. 37. No caso de fallecimento de qualquer socio, a Associação lhe mandará celebrar a missa do setimo dia, sendo para este fim convidados pelos jornaes todos os socios.
Art. 38. Quando qualquer socio tiver a infelicidade de ser preso, não sendo por crime infamante, a Associação envidará os esforços ao seu alcance para obter a sua liberdade.
Art. 39 Nos dias e horas marcados nos jornaes para as sessões de assembléa geral, serão impreterivelmente abertas as mesmas com o numero de socios na conformidade do que dispõem estes estatutos.
Art. 40. Se por qualquer eventualidade ou dissenções insanaveis tiver de dissolver-se a Sociedade, o finheiro que houver em cofre e o producto liquido de todos es seus utensilios vendidos em leilão publico, serão entregues em partes iguaes á Caixa de Socorros de D. Pedro V e ao Asylo de Invalidos da Patria.
Art. 41. Os presentes estatutos, depois de discutidos e approvados em assembléa geral, terão vigor como lei e base fundamental da Associação, obtidas as licenças ou vistos das autoridades competentes, bem como todas as deliberações que se tomarem como subsidiarias delles, que constarem do livro das actas; e não poderão ser alterados ou ampliados senão em assembléa geral extraordinaria requerida por dous terços dos socios inscriptos.
Para mais sciencia e clareza das obrigações de cada um, serão assignados com ou sem restricções pelos socios presentes á sua aprovação; e depois de impressos, será este original guardado nos archivos da Associação.
Qualquer alteração porém que se faça nestes estatutos, não poderá ter execução sem approvação do Governo Imperial.
Rio de Janeiro, em assembléa geral, aos 10 de Dezembro de 1869. - Seguem as assignaturas.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1870, Página 574 Vol. 1 pt II (Publicação Original)