Legislação Informatizada - Decreto nº 2.790, de 1º de Maio de 1861 - Publicação Original

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Decreto nº 2.790, de 1º de Maio de 1861

Manda estabelecer uma Escola pratica de Artilharia, e mais armas de fogo, e brancas usadas no serviço da Armada.

    Hei por bem que se estabeleça uma Escola pratica de artilharia, e mais armas de fogo e brancas, usadas no serviço da Armada; e se observe na dita Escola o Regulamento, que com este baixa, assignado pelo Chefe de Esquadra, Joaquim José Ignacio, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em o de primeiro Maio de mli oitocentos e sessenta e um, quadragesimo da Independencia e do lmperio.

    Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

    Joaquim Jose Ignacio.

Regulamento para a Escola pratica de artilharia, e mais armas de fogo e brancas, usadas no serviço da Armada

CAPITULO I

DO NAVIO ESCOLA, E SEU PESSOAL

    Art. 1º Estabelecer-se-ha no porto do Rio de Janeiro á bordo da Fragata Constituição, ou de algum dos maiores Navios da Armada, que tenha bateria corrida, uma Escola pratica de artilharia, que terá por fim principal crear artilheiros com as necessarias habilitações para poderem desempenhar á bordo dos Navios da Armada os importantes cargos de chefes de peça, fieis de artilharia, carregadores e escoteiros.

    Art. 2º O Navio Escola será amarrado em ancoradouro proprio, para poder atirar ao alvo sem perigo das embarcações, que transitão na bahia deste porto.

    Art. 3º O mesmo Navio estará armado com artilharia de diversos systemas e calibres, para que as praças da Escola possão ser instruidas no manejo e pratica do tiro de todas as bocas de fogo em uso na Marinha, e adquirir, por experiencias successivas, um conhecimento exacto de seus effeitos.

    Art. 4º A artilharia será montada em carretas de diversos modelos conhecidos, a fim de poder-se definitivamente adoptar nos Navios da Armada aquelle, que a experiencia mostrar reunir maior numero de condições favoraveis, taes como, simplicidade, solidez, facilidade e presteza nos movimentos.

    Art. 5º Além do obuz de montanha de calibre 12 do armamento da lancha da Fragata, deverá haver á bordo mais tres com os competentes reparos de campanha, para exercitar as praças da Escola no manejo especial destas bocas de fogo.

    Art. 6º Para o mesmo fim haverá tambem á bordo da Fragata armas brancas, e de fogo portateis de todos os systemas adoptados na Marinha.

    Art. 7º O Commandante da Estação Naval do Rio de Janeiro será o Director da Escola, e o Commandante do Navio Escola o seu Ajudante neste serviço.

    Art. 8º O pessoal da Escola constará, além do Director e seu Ajudante:

    De um Official da Armada com o titulo de Professor pratico de artilharia.

    De um Sargento, e de cincoenta praças, no maximo, do Corpo de lmperiaes Marinheiros, Batalhão Naval, e Corpo da Armada.

    Art. 9º O Professor não pertencerá á lotação do Navio Escola, nem terá á bordo outras obrigações, além das concernentes ao ensino que lhe he incumbido. Seus vencimentos serão os de Commandante de Corveta em effectivo serviço.

    Art. 10. O Sargento deverá ser escolhido d'entre os mais intelligentes, e morigerados dos Corpos de Marinha, e perceberá, além dos vencimentos de embarcado, uma gratificação de quatrocentos réis diarios.

    Art. 11. As praças da Escola deverão, pelo menos, saber ler e escrever. Estas praças não pertencerão á lotação do Navio Escola, e de nenhum serviço serão incumbidas, além do da limpeza do proprio alojamento, e do arranjo da artilharia e pertenças da Escola. Sobre pretexto algum deverão ser distrahidas dos exercicios, ou outros quaesquer serviços relativos á sua aprendizagem.

    Art. 12. O Director terá por dever:

    § 1º Exercer superior inspecção sobre a execução dos programmas do ensino, e prescripção do presente Regulamento.

    § 2º Propôr á Secretaria de Estado, por intermedio do Quartel General da Marinha, as medidas, que julgar uteis ao progresso, e disciplina da Escola.

    § 3º Autorisar com a sua rubrica as guias de pedidos dos objectos necessarios ao ensino, e serviço da Escola.

    § 4º Informar de tres em tres mezes sobre a conducta, assiduidade e habilitações do Professor.

    § 5º Apresentar annualmente um minucioso relatorio, em que, além do occorrido durante o anno, se mostre quaes as alterações e melhoramentos, que devem ser attendidos, tanto no pessoal, como no material da Escola, sobre materias do ensino, disciplina, regulamento, economia, & c: a este relatorio acompanhará uma relação das praças approvadas, e um mappa de todos os exercicios, e experiencias executadas.

    Art. 13. São deveres do Ajudante:

    § 1º Receber e transmittir as ordens do Director em tudo que fôr concernente ao serviço do Estabelecimento.

    § 2º Velar na disciplina, ordem e policia da Escola, e propôr ao Director as providencias que julgar necessarias, para o bom desempenho destas obrigações.

    § 3º Assignar os pedidos de polvora, munições, e outros artigos necessarios, e fiscalisar o seu emprego e dispendio.

    § 4º Receber e transmittir ao Director todas as partes e reclamações, que lhe forem feitas pelo Professor e praças da Escola.

    § 5º Coadjuvar ao Director no desempenho de suas attribuições, e substitui-lo em seus impedimentos.

    Art. 14. O Professor será escolhido d'entre os Officiaes da Armada, que reunão a conhecimentos especiaes uma longa pratica de artilharia naval.

    O Professor terá por dever:

    § 1º Promover por todos os meios ao seu alcance e dirigir a instrucção das praças da Escola.

    § 2º Requisitar as armas, munições, instrumentos e mais objectos necessarios ao ensino.

    § 3º Calibrar a artilharia e projectis, verificar a qualidade dos objectos de que trata o paragrapho anterior, cuidar da sua conservação, arrumação e boa guarda nos paióes e depositos, e autorisar a despeza da polvora e munições de guerra.

    § 4º Apresentar ao Ajudante, logo depois dos exercicios, uma nota, não só da polvora e munições de guerra despendidas, como dos objectos que careção ser concertados.

    § 5º Exercer, durante o ensino, ou exercicio, uma fiscalisação immediata sobre as praças da Escola, e participar diariamente ao Ajudante todo o movimento, e alterações occorridas nas mesmas praças.

    § 6º Manter, durante as lições e exercicios, o maior silencio e disciplina, tomando nota das praças que se mostrarem attentas e applicadas.

    § 7º Dar os dados necessarios para organisação do relatorio e mappa, de que trata o § 5º do art. 12 deste Regulamento.

    § 8º Notar em livro proprio, rubricado pelo Director, as punições impostas durante o anno ás praças da Escola, seu aproveitamento, applicação, conducta e frequencia: este livro será apresentado no acto de exame á commissão examinadora.

    Art. 15. São obrigações do Sargento:

    § 1º Organisar no principio de cada anno uma relação das praças matriculadas, fazer a chamada em acto de formatura, tomar o ponto antes de começar qualquer trabalho, e apresentar ao Professor os nomes dos que faltarem, e os motivos que a isso derão causa.

    § 2º Assistir a todas as lições e exercicios, observar e fazer cumprir strictamente as ordens e instrucções, que lhe forem dadas pelo Professor.

    § 3º Tomar nota da quantidade da polvora e munições de guerra despendidas nos exercicios.

    § 4º Manter a disciplina entre as praças da Escola, e policiar os alojamentos, conservando nelles o maior asseio, ordem e regularidade.

    § 5º Cuidar na limpeza, conservação e arranjo de todo o material de guerra, e encarregar-se do archivo da Escola.

CAPITULO II

DA INSTRUCÇÃO

    Art. 16. A instrucção das praças da Escola será inteiramente pratica e comprehenderá:

    1º Noções elementares de arithmetica.

    2º Principios de geometria pratica.

    3º Nomenclatura das bocas de fogo, das carretas, projectis, palamenta, vestidura e outros accessorios usados na artilharia naval.

    4º Exercicio de artilharia em geral, em bateria ou rodizio, empregando-se, tanto o methodo de carregar ordinario, como o simultaneo.

    5º Exercicio do obuz de desembarque, montado em reparo de campanha.

    6º Exercicio e manejo das armas de fogo portateis em uso na Marinha, e nomenclatura das peças de que ellas se compõem.

    7º Noções sobre o tiro de taes armas, com especialidade das carabinas modernas, e pistolas repetidoras.

    8º Exercicio do morteiro, methodo de lançar as granadas de mão, e de dirigir os foguetes incendiarios, e exercicio do sabre.

    9º Conhecimento pratico dos principios de balistica.

    10. Methodo de achar o vivo de uma boca de fogo, e determinar o seu angulo de mira.

    11. Uso das alças e massas de mira, methodo pratico de gradua-las, e colloca-las nas bocas de fogo.

    12. Noções sobre a trajectoria, ponto em branco, angulo de projecção, angulo de queda e de tiro.

    13. Determinação por methodos praticos das distancias.

    14. Explicações sobre o emprego opportuno das differentes cargas de polvora, e projectis em uso na artilharia naval.

    15. Observações praticas sobre a execução do tiro, e todos os detalhes sobre as pontarias e circumstancias que as possão modificar em um combate.

    16. Considerações sobre os pontos do Navio inimigo, que se devem de preferencia bater, e sobre a escolha do momento mais favoravel de fazer fogo, attendendo não só ao estado do mar, balanços, e arfaduras, como á posição do inimigo.

    17. Observações sobre a influencia, que tem nos desvios dos projectis, tanto a direcção, mais ou menos obliqua do eixo da boca de fogo, como as arfaduras, a força e direcção do vento.

    18. Modo de reparar durante o combate qualquer avaria, que se dê nos accessorios da artilharia.

    19. Deveres dos chefes de peça, carregadores e mais serventes tanto nos casos ordinarios, como durante o exercicio, combate, incendio e abordagem.

    20. Arrumação do paiol da polvora e despensas da artilharia, cautelas e precauções a tomar no momento do transporte da polvora, e artificios de guerra.

    21. Conservação da artilharia, projectis, e mais petrechos de guerra, conservação e limpeza das armas brancas, e de fogo portateis, maneira de as montar e desmontar.

    22. Determinação, por meios praticos, do vento, e calibre das balas, classificação das bocas de fogo, reconhecimentos, e verificação dos defeitos provenientes do serviço, uso das agulhas, e instrumentos de artilharia.

    23. Differentes methodos de atracar a artilharia a bordo, tanto em bateria, como em rodizio.

    24. Embarcar e desembarcar a artilharia, e carretame.

    25. Lançar ao mar a artilharia, e precauções que se devem tomar nesta operação.

    26. Conhecimento dos toques, e signaes usados nas differentes fainas.

    Art. 17. Para o ensino de artilharia se adoptará o - Manual de Artilheiro - do Primeiro Tenente, Henrique Antonio Baptista, que será distribuido ás praças da Escola, logo que seja impresso; e, em quanto o não fôr, o do Primeiro Tenente, Clementino Placido de Miranda Machado; e, para o das armas de fogo portateis, a parte pratica sómente do curso sobre as mesmas armas por Panot (traducção do Coronel José Mariano de Mattos).

    Art. 18. O Professor, acompanhado das praças da Escola, fará annualmente um cruzeiro de quarenta a cincoenta dias em Navio mixto, não só para exercita-las na pratica do tiro no mar, e em tudo o mais que não possa ser feito dentro do porto, como para se obter um conhecimento exacto dos alcances das bocas de fogo com diversas elevações: estes exercicios deverão ser feitos na Bahia Formoza, ou outro qualquer lugar, que seja proprio para tal serviço, dirigindo-se os tiros contra alvos fluctuantes, ou collocados em terra convenientemente.

    O Navio sahirá deste porto por todo o mez de Outubro, e estará de regresso, o mais tardar, até o dia 15 de Dezembro.

CAPITULO III

DO EXAME, CLASSIFICAÇÃO, E OUTRAS DISPOSIÇÕES

    Art. 19. Nos primeiros dias de Janeiro de cada anno, o Quartel General da Marinha mandará apresentar ao Director da Escola as praças, que nella deverão ser admittidas.

    Art. 20. O assentamento destas praças será feito pelo Escrivão do Navio Escola em livro especial, rubricado pelo Director, com a denominação de - livro de matricula.

    Art. 21. A Escola principiará a funccionar logo que as praças se acharem matriculadas, e continuará, sem interrupção, até o dia 15 de Dezembro de cada anno, em que se dará principio aos exames, para a classificação das praças.

    Art. 22. Esta classificação será de - chefe de peça, e fiel de artilharia - para os que forem plenamente approvados, e de - carregador e escoteiro - para os que obtiverem approvação simples.

    Art. 23. Os exames versarão sobre a pratica das materias especificadas no art. 16 do Cap. 2º deste Regulamento, e serão prestados na presença do Director, e Ajudante, sendo examinadores o Professor, e um Official da Armada, nomeado para esse fim pelo Ministro da Marinha.

    Art. 24. A commissão examinadora decidirá em acto continuo das habilitações das praças examinadas, e o resultado dos exames será lido pelo Sargento na frente da Escola.

    Art. 25. Concluidos os exames, o Director remetterá ao Quartel General da Marinha uma relação das praças approvadas, com declaração dos Corpos a que pertencerem.

    Art. 26. As praças approvadas passarão a pertencer á Companhia, ou Companhias de artilheiros, que se organisar, e terão maiores vantagens em seus vencimentos, em harmonia com as disposições do Regulamento do Corpo de Imperiaes Marinheiros, e os distinctivos correspondentes.

    Art. 27. Destas Companhias sahirão para embarque os chefes de peça, carregadores, fieis de artilharia, e escoteiros; devendo nas lotações dos Navios fazer-se menção do numero, que de taes praças fica competindo a cada um, e não podendo este numero ser preenchido com outras que não sejão estas, logo que as hajão em numero sufficiente.

    Art. 28. As praças que tiverem obtido a classificação de chefes de peça, e fieis de artilharia, não poderão exercer estas funcções a bordo dos Navios da Armada, em quanto não se habilitarem nos trabalhos de laboratorio, indispensaveis ao serviço de bordo, como sejão cortar cartuxos para artilharia, e encartuxar os mesmos, tratar a polvora avariada, fazer tacos, pyramides, e cartuxos de mosquetaria.

    Art. 29. Para adquirirem os conhecimentos, de que trata o artigo antecedente, as referidas praças deverão, depois de classificadas, frequentar, por espaço de dous mezes, o Laboratorio Pyrotechnico da Marinha.

    Art. 30. As praças reprovadas, que tiverem bom comportamento, poderão continuar na Escola por mais um anno, findo o qual, se não se mostrarem habilitadas por novo exame, voltarão para os respectivos Corpos na mesma classe que tinhão, quando delles sahirão.

    Art. 31. As praças, que, por motivos justificados, deixarem de fazer exame em tempo competente, poderão ser a elle admittidas, em qualquer occasião, precedendo ordem da Secretaria de Estado.

    Art. 32. O programma da distribuição do tempo para as materias do ensino, exercidos, e todo o mais serviço interno da Escola, será organisado pelo Director, de intelligencia com o Ajudante, e Professor, e submettido á approvação do Ministro da Marinha.

    Art. 33. Todas as munições de guerra, instrumentos, & c., de que carecer a Escola, para seu regular andamento, serão fornecidos pelas Secções competentes, e carregados em receita ao Commissario do Navio Escola.

    Art. 34. Os compendios, papel, e outros artigos do expediente serão distribuidos gratuitamente ás praças da Escola.

    Art. 35. Ficão revogados o Decreto n. 613, de 21 de Agosto de 1851, e todas as disposições em contrario do presente Regulamento.

    Palacio do Rio de Janeiro em o 1º de Maio de 1861. -

    Joaquim José Ignacio.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1861


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1861, Página 282 Vol. 1 pt II (Publicação Original)