Legislação Informatizada - DECRETO Nº 2.457, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1897 - Publicação Original
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DECRETO Nº 2.457, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1897
Organisa a Assistencia Judiciaria no Districto Federal.
Art. 1º E' instituida no Districto Federal a Assistencia Judiciaria, para o patrocinio gratuito dos pobres que forem litigantes no civel ou no crime, como autores ou réos, ou em qualquer outra qualidade.
Art. 2º Considera-se pobre, para os fins desta instituição, toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em Juizo, estiver impossibilitada de pagar ou adeantar as custas e despezas do processo sem privar-se de recursos pecuniarios indispensaveis para as necessidades ordinarias da propria manutenção ou da familia.
Art. 3º Não poderão gosar do beneficio da Assistencia Judiciaria as corporações e associações de qualquer especie, nem tampouco o estrangeiro no civel, salvo quando houver reciprocidade de beneficio no paiz a que pertencer.
Art. 4º A Assitencia Judiciaria aos pobres consistirá na prestação de todos os serviços necessarios para a defesa de seus direitos em Juizo, independentemente de sellos, taxa judiciaria, custas e despezas de qualquer natureza, inclusive a caução judicatum solvi (decreto n. 564, de 10 de julho de 1850).
Art. 5º A Assistencia Judiciaria será exercida por uma commissão central e varias commissões seccionaes.
Art. 6º Nos casos criminaes a assistencia das commissões só poderá ser prestada aos réos, cabendo ao Ministerio Publico a dos autores. Paragrapho unico. Esta disposição não infirma a do art. 175 do decreto n. 1030, que obriga os curadores geraes a encarregarem-se da defesa dos presos pobres, á requisição do presidente do Jury ou da Camara Criminal.
Art. 7º Cada uma das commissões de que trata o artigo antecedente se comporá de tres membros, dos quaes um servirá de presidente.
§ 1º Pelo Ministro da Justiça será livremente nomeado o presidente da commissão central; os outros dous membros dessa commissão serão eleitos pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brazileiros.
§ 2º Os membros das commissões seccionaes, inclusive o presidente, serão escolhidos pela commissão central.
§ 3º As commissões serão renovadas annualmente, providenciando a commissão central sobre o preenchimento immediato das vagas, faltas, ou impedimentos que occorrerem.
Art. 8º A' commissão central compete:
a) organisar e dirigir os trabalhos do patrocinio gratuito;
b) | nomear os membros de cada commissão seccional e fiscalisal-as; |
c) | decidir, em unica instancia, as reclamações contra as faltas dos commissarios seccionaes; |
d) | visitar as prisões, os asylos de orphãos, alienados e mendigos, promovendo a liberdade dos que estiverem soffrendo constrangimento illegal e requerendo tudo que for a bem da justiça; |
e) | organisar um mappa estatistico para ser apresentado ao Ministro da Justiça, ao qual representará sobre as reformas e medidas que entender uteis. |
Art. 9º O administrador da Casa de Detenção é obrigado a enviar, semanalmente, á commissão central uma relação fiel dos presos sem patrono, e que, no curso da mesma semana, tiverem tido entrada no estabelecimento.
Art. 10. A commissão central será responsavel perante o Ministro da Justiça, a quem prestará contas de todos os seus actos.
Art. 11. A's commissões seccionaes compete a prestação de serviços junto ao Tribunal ou juiz para que forem designadas. Organisarão, mensalmente, um mappa estatistico dos seus trabalhos, o qual remetterão á commissão central.
Art. 12. Haverá uma commissão junto a cada uma das Camaras da Côrte de Appellação e do Tribunal Civil e Criminal, uma junto ao Tribunal do Jury e outra junto a cada grupo de tres Pretorias.
Art. 13. As commissões se reunirão para resolver sobre as solicitações de assistencia, lavrando uma acta das suas deliberações, em livro authenticado pelo presidente da commissão central. As actas serão lavradas pelo commissario mais moço.
Art. 14. Constituidas as commissões, será enviada ao presidente de cada Camara ou Tribunal, ou ao juiz singular, uma lista dos membros da que houver de funccionar junto a elle, bem como a indicação da residencia e do escriptorio de cada um destes.
Paragrapho unico. Sempre que um juiz, uma Camara, ou um Tribunal, necessitar dos serviços da commissão, avisal-a-ha por officio, com a devida antecedencia.
Art. 15. A pessoa que
pretender a assistencia judiciaria dirigirá ao juiz perante quem o litigio
estiver ou haver de ser proposto uma petição, em papel não sellado, assignada
por ella propria, ou a seu rogo (si não souber ou não puder escrever), com a
declaração do motivo de não assignar. Indicará seu nome, idade, naturalidade,
nacionalidade, profissão, domicilio, estado, e, finalmente, o objecto da acção,
intentada ou a intentar, e juntará provas de sua pobreza, affirmando
solemnemente suas declarações.
Paragrapho unico. Si residir ou estiver temporariamente fóra do Brazil, apresentará certificado de pobreza pela competente autoridade local, devidamente legalisado pelo agente diplomatico ou consular brazileiro.
Art. 16. Recebendo a petição, o juiz a despachará em mão do proprio peticionario, mandando ouvir a commissão de assistencia.
Esta verificará a procedencia ou improcedencia do pedido, dando o seu parecer com a maxima brevidade e entregando os papeis em mão do peticionario, que os submetterá a despacho definitivo do juiz.
Art. 17. O parecer da commissão se occupará, explicita e distinctamente, da pobreza do supplicante e da apparente justiça da causa. A concessão do patrocinio gratuito só terá logar no caso de conclusão favoravel sobre ambos os pontos, mas o despacho de admissão pelo juiz nenhum valor terá para o julgamento final da acção quanto ao segundo ponto.
Art. 18. Não caberá recurso do despacho preliminar do juiz que conceder ou negar a assistencia; mas o peticionario, intentando ou proseguindo na acção sem assistencia, poderá, nas allegações finaes, renovar o pedido, sobre o qual novamente decidirá o juiz, a Camara ou o Tribunal, na sentença, e contra esta decisão poderá o supplicante, em gráo de recurso, incidentemente, allegar o que for a bem de seu direito.
Art. 19. Si for urgente a propositura do feito em Juizo, independente da audiencia da commissão, o juiz declarará de plano a pobreza, sendo o supplicante admittido no patrocinio gratuito si et in quantum, e, sem embaraço da marcha do processo, mandará ouvir, em separado, a commissão de assistencia competente, decidindo então definitivamente.
Art. 20. Reconhecida a pobreza, será a respectiva diligencia junta aos autos da acção, e ao beneficiado será entregue um alvará do juiz, declarando-o admittido á assistencia judiciaria.
Art. 21. Concedida a assistencia, o presidente da commissão competente designará o commissario que deva servir, podendo elle proprio incumbir-se do patrocinio.
Art. 22. Ao adversario do supplicante de assistencia é licito impugnar com provas a pobreza deste, sem prejuizo do processo principal.
§ 1º Si comparecer para esse fim perante a commissão, esta empregará, antes de tudo seus bons officios para evitar a demanda, por meio de acordo amigavel, sem que fique consignada a intervenção da mesma, caso este não se realize.
§ 2º Si, porém, as partes accordarem-se, a commissão poderá occupar-se da redacção do acto do accordo, ou convidal-as a comparecer para esse fim perante o official judicial respectivo.
Art. 23. Si o adversario do supplicante de assistencia allegar e justificar pobreza, nas condições e pela fórma aqui estabelecidas, ser-lhe-ha igualmente dada assistencia.
Art. 24. Aquelle que houver sido admittido á assistencia perante uma jurisdicção reconhecida competente, continuará a gosar della no Juizo do recurso interposto contra elle ou incidentemente por elle; e, si o recurso tiver provimento de modo a motivar nova acção, o assistido continuará igualmente a gosar do beneficio da assistencia.
Art. 25. Quando for o assistido quem interpuzer o recurso como parte principal, não poderá gosar de tal beneficio sinão mediante admissão por nova decisão da commissão respectiva junto ao juiz ou Tribunal de recurso.
Art. 26. Si a jurisdicção perante a qual a assistencia judiciaria foi admittida declarar-se incompetente, e, si, em consequencia desta decisão, o processo for levado perante outra jurisdicção da mesma natureza e da mesma ordem, o beneficio da assistencia subsistirá nesta nova jurisdicção. Assim não succederá, porém, si, em virtude da declaração de incompetencia, o processo for devolvido a uma jurisdicção de outra natureza ou de outra ordem.
Art. 27. No Juizo
criminal proceder-se-ha do seguinte modo:
I. Si o réo pedir o patrocinio gratuito no summario,
este não terá andamento sem que se resolva a respeito e se lhe dê assistencia de
defensor, si for caso disso, sob pena de nullidade. A demora, porém, a que der
logar a nomeação de patrono, não será tomada em consideração, nem para contar
prescripção, nem para fundamentar habeas-corpus.
II. Si o pedido for feito por occasião do conhecimento do libello, decidir-se-ha
si é ou não caso de assistencia, interrompendo-se o prazo da contestação. Si o
for, no acto do julgamento ser-lhe-ha dado immediatamente defensor, ou
suspender-se-ha o julgamento até que se possa dar-lh'o, devendo ser o julgamento
adiado até tres dias, si assim requerer o defensor nomeado: tudo na fórma e sob
a pena do numero antecedente.
III. Quer no
summario, quer no plenario, si o pedido for feito apenas para algum recurso,
proceder-se-ha de accordo com os arts. 16 a 23.
IV. Sempre que o juiz ou o presidente do Tribunal ou da Camara, depois de feita a defesa oral do réo, entender que este ficou indefeso, poderá no mesmo acto declaral-o e nomear-lhe outro defensor, si houver idoneo presente em Juizo.
Art. 28. O commissario de assistencia que, sem justa causa, recusar os seus serviços profissionaes, será multado pelo juiz do feito na quantia de 20$ a 100$ e suspenso do exercicio da profissão por oito a trinta dias. Da comminação destas penas haverá recurso para o Conselho Superior da Côrte de Appellação.
Art. 29. O offendido, ou seu representante legal, que pretender assistencia, dirigir-se-ha ao respectivo funccionario do Ministerio Publico, nos termos do art. 16 deste decreto, solicitando-lhe sua representação. Quando for o representante legal do offendido quem requerel-a, deverá provar esta qualidade (art. 407 § 1º do Codigo Penal e art. 166 § 2º do decreto n. 1030, de 14 de novembro de 1890).
Art. 30. Reconhecida a admissibilidade da pessoa offendida á assistencia, o respectivo funccionario do Ministerio Publico dará a queixa perante o juiz competente, o qual declarará por despacho a procedencia ou improcedencia da allegação de probreza della ou do seu representante legal, no caso de dependencia patrimonial, mandando, no caso de procedencia, tomar-se por termo de compromisso nos autos as declarações do requerimento de assistencia.
Art. 31. Quando se tratar de requisição de prisão preventiva antes de apresentada a queixa, o juiz formador da culpa decidirá preliminarmente sobre a admissibilidade da pessôa offendida á assistencia.
Art. 32. Nos casos do art. 275 do Codigo Penal o direito de assistencia prescreverá em seis mezes, contados da data do crime.
Art. 33. A assistencia judiciaria importa a isenção dos direitos fiscaes, taxa judiciaria, custas, e toda a sorte de despezas, não só no processo incidente da admissão, como no principal; mas não isenta da prestação de fiança no civel ou no crime, sob a fórma e nos termos de direito, salvo a caução judicatum solvi (decreto n. 564, de 10 de julho de 1850).
Art. 34. Os tabelliães, escrivães e todos os outros empregados publicos darão gratuitamente ao assistido os titulos, documentos, actos, etc. de que elle precisar, mediante ordem escripta do juiz competente.
Art. 35. Em caso de condemnação nas custas, proferida contra adversario do assistido, o calculo comprehenderá sellos, taxa judiciaria, custas e despezas de toda a natureza, a que o assistido teria sido obrigado si não tivesse tido assistencia judiciaria.
Art. 36. Em caso de condemnação nas custas, proferida contra o assistido, haverá direito de cobrança sómente contra este, a todo tempo que lhe advenham recursos pecuniarios, desde que a obrigação de pagar não esteja prescripta.
Art. 37. Si a demanda terminar por accordo, o assistido terá de pagar as despezas a que houver dado logar.
Art. 38. O advogado do assistido terá direito, em conformidade do regimento de custas, a cobrar honorarios do adversario, quando este for condemnado a pagamento das custas em processo civel, e, tratando-se de processo criminal, terá o mesmo direito nos casos em que o offendido for autor ou assistente auxiliar da justiça. Não terá, porém, direito a honorarios do assistido, quer este ganhe, quer perca, quer faça accordo.
Art. 39. O processo para a cobrança das custas será o executivo.
Art. 40. O beneficio da
assistencia judiciaria póde ser retirado em qualquer estado da causa, perante
todas as jurisdicções, nos dous casos seguintes:
1º, si sobrevierem ao assistido recursos
considerados sufficientes;
2º, si houver sido obtida a assistencia por meio de fraude ou dolo, isto é, si foi induzida em erro a commissão de patrocinio gratutito ou o Juizo, scientemente e de má fé, por uma exposição mentirosa ou da situação pecuniaria do assistido ou dos factos da causa.
Art. 41. A retirada da assistencia póde ser pedida ou pelo Ministerio Publico ou pela parte adversa, tanto em primeira instancia como em segunda, e tambem póde ser determinada ex-officio ou mediante representação da respectiva commissão. Todavia, em qualquer caso deverá ser motivada; e o assistido previamente ouvido, ou intimado a defender-se.
Art. 42. O processo para a retirada será summario e não embaraçará a marcha da causa, correndo em separado desta.
Art. 43. A retirada da assistencia terá por effeito tornar immediatamente cobraveis os sellos, a taxa judiciaria, as custas e despezas de toda natureza, de que o assistido houver sido dispensado.
Art. 44. Si a retirada da assistencia tiver por causa uma declaração fraudulenta ou dolosa do assistido relativamente á sua pobreza, este será condemnado, além do pagamento de todas as despezas, ás penas criminaes em que incorrer.
Art. 45. Este
regulamento entrará em pleno vigor desde já, salvo na parte que depende de
approvação legislativa, quanto ás isenções de direitos fiscaes.
Capital Federal, 8 de fevereiro de 1897, 9º da Republica.
Manoel Victorino Pereira.
Amaro Cavalcanti.
- Coleção de Leis do Brasil - 1897, Página 84 Vol. 1 pt.II (Publicação Original)