Legislação Informatizada - Decreto nº 1.781, de 14 de Julho de 1856 - Publicação Original

Veja também:

Decreto nº 1.781, de 14 de Julho de 1856

Promulga o Tratado de amizade, commercio e navegação entre o Imperio do Brasil e a Confederação Argentina.

     Tendo-se concluido e assignado na Cidade do Paraná aos 7 dias do mez de Março do presente anno, hum Tratado de amizade, commercio e navegação entre o Imperio e a Confederação Argentina; e achando-se este acto mutuamente ratificado, e trocadas as ratificações em 25 de Junho proximo passado; Hei por bem que o dito Tratado seja observado e cumprido tão inteiramente como nelle se contêm.

     José Maria da Silva Paranhos, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros, o tenha assim entendido, e expeça para este fim os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, aos quatorze dias do mez de Julho de mil oitocentos cincoenta e seis, trigesimo quinto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o lmperador.

José Maria da Silva Paranhos.

 

TRATADO DE AMIZADE, COMMERCIO E NAVEGAÇÃO ENTRE O BRASIL E A
CONFEDERAÇÃO ARGENTINA, A QUE SE REFERE O DECRETO SUPRA

     Nós, o lmperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil, &c.; Fazemos saber a todos os que a presente Carta de confirmação, approvação e ratificação virem, que aos sete dias do mez de Março do corrente anno de mil oitocentos cincoenta e seis se concluio e assignou na Cidade do Paraná, Capital da Confederação Argentina, pelos respectivos Plenipotenciarios que se achavão munidos dos competentes poderes, hum Tratado de amizade, commercio e navegação entre o Imperio do Brasil e aquella Confederação, cujo teor e fórma he como se segue:

     Em nome da Santissima e indivisivel Trindade.

     Sua Magestade o Imperador do Brasil e o Presidente da Confederação Argentina, desejando firmar em bases solidas e duradouras as relações de paz e amizade que subsistem entre as duas Nações, e promover os interesses communs do seu commercio e navegação por meio de hum Tratado que regule as ditas relações e interesses sobre as bases estabelecidas na Convenção preliminar de paz de 27 de Agosto de 1828, e nos Convenios de 29 de Maio e 21 de Novembro de 1851, nomeárão para este fim por seus Plenipotenciarios, a saber:

     Sua Magestade o Imperador do Brasil ao Illm. e Exm. Sr. Visconde de Abaeté, do Seu Conselho e do d'Estado, Gentilhomem da Sua Imperial Camara, Senador do Imperio, Dignitario da Ordem Imperial do Cruzeiro, e Grã-cruz das ordens de Christo do Brasil e de Nossa Senhora da Conceição de Villa-Viçosa de Portugal;

     E o Presidente da Confederação Argentina ao Illm. e Exm. Sr. Dr. D. João Maria Gutierrez, Ministro e Secretario de Estado de Governo da Confederação na Repartição de relações exteriores; Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes respectivos, que forão achados em boa e devida fórma, conviérão nos artigos seguintes:

     Art. 1º Haverá perfeita paz e firme e sincera amizade entre S. M. o Imperador do Brasil e seus successores e subditos, e a Confederação Argentina e seus cidadãos, em todas as suas possesões e territorios respectivos.

     Art. 2º Cada huma das Altas partes contractantes se compromette a não apoiar directa nem indirectamente a segregação de porção alguma dos territorios da outra, nem a creação nelles de Governos independentes em desconhecimento da autoridade soberana e legitima respectiva.

     Art. 3º As duas Altas partes contractantes confirmão e ratificão a declaração contida no Art 1º da Convenção preliminar de paz celebrada entre o Brasil e a Republica Argentina aos 27 dias do mez de Agosto de 1828, assim como confirmão e ratificão a obrigação de defender a independencia e integridade da Republica Oriental do Uruguay, de conformidade com o Art. 3º da mesma Convenção preliminar, e segundo estipularem ulteriormente com o Governo a dita Republica.

     Art. 4º Considerar-se-há atacada a independencia do Estado Oriental do Uruguay, nos casos que ulteriomente se accordarem em concurrencia com o se Governo,e desde logo, e designadamente, no caso de conquista declarada, e quando alguma Nação estrangeira pretender mudar a fórma do seu governo, ou designar, ou impôr a pessoa ou pessoas que hajão de governa-lo.

     Art. 5º As duas Altas partes contractantes confirmão e ratificão a declaração e reconhecimento da independencia da Republica do Paraguay, nos termos em que fizerão o Encarregado das relações exteriores e Director Provisorio da Confederação Argentina, por meio do seu Encarregado de negocios em missão especial junto ao Governo do Paraguay aos 17 de julho de 1852, e Sua Magestado o Imperador do Brasil por acto de 14 de Setembro de 1844, feito e assignado pelo Encarregado de negocios imperial junto ao Governo daquella Republica.

     Art. 6º As duas Altas partes contractantes, desejando por o commercio e navegação de seus respectivos paizes sobre a base de huma perfeita igualdade e benevola reciprocidade, convêm mutuamente em que os Agentes diplomaticos e consulares, os subditos e cidadãos de cada huma dellas, seus navios e os productos naturaes ou manufacturados dos dous Estados, gozem reciprocamente no outro dos mesmos direitos, franquezas e immunidades já concedidas,ou que forem no futuro concedidas á Nação mais favorecida; gratuitamente, se a concessão em favor da outra Nação for gratuita, e com a mesma compensação, se a concessão for condicional.

     Art. 7º Para melhor intelligencia do Artigo precedente, convêm ambas as Altas partes contractantes em considerar como navios brasileiros ou argentinos aquelles que forem possuidos, tripolados e navegados segundo as Leis dos respectivos paizes.

     Art. 8º Os Brasileiros estabelecidos ou residentes no territorio argentino, e reciprocamente os Argetinos estabelecidos ou residentes no territorio brasileiro, estarão isentos de todo o serviço militar obrigatorio de qualquer genero que seja, e de todo o emprestimo forçado, imposto ou requisição militar.

     Art. 9º Cada huma das Altas partes contractantes se obriga igualmente a não receber sciente e voluntariamente nos seus Estados, e a não empregar em serviço seu aos cidadãos e subditos da outra que tiverem desertado do serviço militar de mar ou de terra, devendo ser apprehendidos e devolvidos os soldados e marinheiros de guerra, desertores, se forem reclamados pelos Consules ou Vice-consules respectivos.

     Art. 10. Se succeder que uma das Altas partes contractantes esteja em guerra com huma terceira, nesse caso observarão ambas entre si os seguintes principios:

     1º Que a bandeira neutra cobre o navio e as pessoas, com a excepção dos officiaes e soldados em serviço effectivo do inimigo.
     2º Que a bandeira neutra cobre a carga, com excepção dos artigos de contrabando de guerra.

     Fica entendido e ajustado que este principio não serapplicavel ás Potencias que o não reconhecerem e observarem, e consequentemente que a propriedade de inimigos que pertenção a esses Governos não será livre pela bandeira daquella das duas Altas partes contractantes que se conservar neutra.

     3º Que a bandeira inimiga faz inimiga a carga do neutro, a menos que tenha sido embarcada antes da declaração da guerra, ou antes que se tivesse noticia da declaração do porto d'onde sarpou o navio. Fica entendido igualmente que se a bandeira neutra não proteger a propriedade do inimigo, por achar-se este comprehendido na clausula do principio segundo, serão livres os generos ou mercadorias do neutro que estiverem embarcados em navio da bandeira daquelle inimigo, com excepção do contrabando de guerra.
     4º que os cidadãos do paiz neutro podem navegar livremente com seus navios, sahindo de qualquer porto para outro pertencente ao inimigo de huma ou de outra parte, ficando expressamente prohibido molesta-los de qualquer modo nessa navegação.
     5º Que qualquer navio de huma das Altas partes contractantes que se encontre navegando para hum porto bloqueado pela outra não será detido nem confiscado senão depois de notificação especial do bloqueio, intimada e registrada pelo Chefe das forças bloqueadoras, ou por algum Official sob o seu commando, no passaporte do dito navio.
     6º Que nem huma nem outra das Partes contractantes permittirá que permaneção ou se vendão em seus portos as presas maritimas feitas á outra por algum Estado com quem estiver em guerra.

     Art. 11. Para não haver duvida sobre quaes sejão os objectos ou artigos chamados de contrabando de guerra, se declarão como taes: 1º, a artilharia, morteiros, obuzes, pedreiros, mosquetes, refles, bacamartes, carabinas, espingardas, pistolas, piques, espadas, sabres, lanças, venabulos, alabardas, granadas, foguetes incendiarios, bombas, polvora, mechas, balas e todas as demais cousas pertencentes ao uso destas armas; 2º, escudos, capacetes, peitos de aço, saias de malha, boldriés, uniformes e roupa militar feita; 3º, boldriéis de cavallaria e cavallos, sellins, sellas, lombilhos e qualquer outra cousa pertencente á arma de cavallaria; 4º, toda a qualidade de instrumentos de ferro, aço, latão e de quaesquer outros materiaes manufacturados, preparados ou formados expressamente para uso de guerra por mar ou por terra.

     Art. 12. Quando alguma das Altas partes contractantes estiver em guerra com outro Estado, nenhum cidadão da outra aceitará commissões ou cartas de marca pars o fim de ajudar a cooperar hostilmente com o inimigo daquella, sob pena de ser tratado por ambas como pirata.

     Art. 13. Nenhuma das Altas partes contractantes admitlirá em seus portos piratas ou ladrões de mar, obrigando-se a persegui-los por todos os meios a seu alcance e com todo o rigor das Leis, assim como tambem aos complices do mesmo crime, e a todos aquelles que occultarem os bens assim roubados, e a devolver navios e cargas a seus donos legitimos, cidadãos de qualquer das Altas partes contractantes, ou a seus procuradores, e, em falta destes, aos seus respectivos Agentes consulares.

     Art. 14. As embarcações brasileiras e argentinas, tanto mercantes como de guerra, poderão navegar os rios Paraná, Uruguay, e Paraguay, na parte em que estes rios pertencem ao Brasil e á Confederação Argentina, com sujeição unicamente aos Regulamentos fiscaes e de policia, nos quaes ambas as Altas partes contractantes se obrigão a adoptar como bases aquellas disposições que mais efficazmente contribuão para o desenvolvimento da navegação em favor da qual se estabelecem os ditos Regulamentos.

     Art. 15. Consequentemente as ditas embarcações poderão entrar, permanecer, carregar e descarregar nos lugares e portos do Brasil e da Confederacao Argentina que para esse fim forem habilitados nos sobreditos rios.

     Art. 16. Ambas as Altas partes contractantes, desejando proporcionar toto o genero de facilidades á navegação fluvial commum, compromettem-se reciprocamente a collocar e manter as balisas e signaes que forem precisos para essa mesma navegação na parte que a cada huma corresponder.

     Art. 17. Estabelecer-se-ha nos sobreditos rios, tanto por parte do Brasil, como da Confederação Argentina, hum systema uniforme de arrecadação dos respectivos direitos de Alfandega, porto, pilotagem, policia e pharol.

     Art. 18. Reconhecendo as Altas partes contractantes que a llha de Martim Garcia póde por sua posição embaracar e impedir a livre navegação dos affluentes do Rio da Prata em que são interessados todos os ribeirinhos, e os signatarios dos Tratados de 10 de Julho de 1853, reconhecem igualmente a conveniencia da neutralidade da mencionada llha em tempo de guerra, quer entre os Estados do Prata, quer entre hum destes e qualquer outra Potencia, em utilidade commum, e como garantia da navegação dos mesmos rios, e por tanto concordão:
     1º Em oppor-se por todos os meios a que a posse da llha de Martim Garcia deixe de pertencer a hum dos Estados do Prata interessados na sua livre navegação.
     2º Em procurar obter daquelle a quem pertença a posse da mencionada Ilha, que se obrigue a não servir-se della para impedir a livre navegação dos outros ribeirinhos e signatarios dos Tratados de 10 de Julho de 1853, e que consinta na neutralidade da mesma Ilha em tempo de guerra; assim como em que se formem os estabelecimentos necessarios para segurança da navegação interior de todos os Estados ribeirinhos e das Nações comprehendidas nos Tratados de 10 de Julho de 1853.

     Art. 19. Se succedesse (o que Deos não permitta) que a guerra rebentasse entre qualquer dos Estados do Rio da Prata, ou dos seus confluentes, as duas Altas partes contractantes obrigão-se a manter livre a navegação dos rios Paraná, Uruguay e Paraguay, na parte que lhes pertence, não podendo haver outra excepção a este principio senão a respeito dos artigos de contrabando de guerra, e dos portos e lugares dos mesmos rios que forem bloqueados conforme os principios do direito das gentes; ficando sempre salvo e livre o transito geral com sujeição aos Regulamentos de que falla o Art. 14.

     Art. 20. Ambas as Altas partes contractantes se obrigão a convidar, e a empregar todos os meios a seu alcance para que a Republica do Paraguay adhira ás estipulações que precedem, concernentes á livre navegação fluvial, de conformidade com o Artigo addicional á Convenção preliminar de paz de 27 de Agosto de 1828, e com o Art. 14 do Convenio de 21 de Novembro de 1851, celebrado entre o Brasil e os Governos de Entre-Rios e Corrientes.

     Art. 21. A troca das ratificações do presente Tratado será feita na cidade do Paraná dentro do prazo de seis mezes contados da sua data, ou antes se for possivel.

     Em testemunho do que, nós abaixo assignados, Plenipotenciarios de S. M. o Imperador do Brasil, e do Presidente da Confederação Argentina, em virtude dos nossos plenos poderes, assignamos o presente Tratado com os nossos punhos, e lhe fizemos pôr o Sello das nossas armas.

     Feito na Cidade do Paraná, aos 7 dias do mez de Março do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo de 1856. - (L. S.) Visconde de Abaeté. - (L. S.) Juan Maria Gutierrez.

     E sendo-Nos presente o mesmo Tratado, cujo teor fica acima inserido, e bem visto, considerado e examinado por Nós tudo o que nelle se contêm, o Approvamos, Ratificamos e Confimamos assim no todo como em cada hum de seus artigos e estipulações, e pelo presente o Damos por firme e valioso para haver de produzir o seu devido effeito, Promettendo em fé e palavra Imperial Observa-lo e Cumpri-lo inviolavelmente, e Faze-lo cumprir e observar por qualquer modo que possa ser. Em testemunho a firmeza do que, Fizemos passar a presente Carta por Nós assignada, passada com o Sello grande das armas do Imperio, e referendada pelo Nosso Ministro e Secretario d'Estado abaixo assignado.

     Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos vinte e nove dias do mez de Abril do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo de mil oitocentos cincoenta e seis.

PEDRO, Imperador. Com Guarda.

José Maria da Silva Paranhos.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1856


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1856, Página 326 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)