Legislação Informatizada - CARTA RÉGIA DE 13 DE MAIO DE 1808 - Publicação Original

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CARTA RÉGIA DE 13 DE MAIO DE 1808

Manda fazer guerra aos indios Botocudos.

     Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, do meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Geraes. Amigo. Eu o Principe Regente vos envio muito saudar. Sendo-me as graves queixas da Capitania de Minas Geraes têm subido á minha real presença, sobre as invasões que diariamente estão praticando os indios Botocudos, antropophagos, em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania, particularmente sobre as margens do Rio Doce e rios que no mesmo desaguam e onde não só devastam todas as fazendas sitas naquellas visinhanças e tem até forçado muitos proprietarios a abandonal-as com grave prejuizo seu e da minha Real Coroa, mas passam a praticar as mais horriveis e atrozes scenas da mais barbara antropophagia, ora assassinando os Portuguezes e os Indios mansos por meio de feridas, de que servem depois o sangue, ora dilacerando  os corpos e comendo os seus tristes restos; tendo-se verificado na minha real presença a inutilidade de todos os meios humanos, pelos quaes tenho mandado que se tente a sua civilisação e o reduzil-os a aldear-se e a gozarem dos bens permanentes de uma sociedade pacifica e doce, debaixo das justas e humanas Leis que regem os meus povos; e até havendo-se demonstrado, quão pouco util era o systema de guerra defensivo que contra elles tenho mandado seguir, visto que os pontos de defeza em uma tão grande e extensa linha não podiam bastar a cobrir o paiz: sou servido por estes e outros justos motivos que ora fazem suspender os effeitos de humanidade que com elles tinha mandado praticar, ordenar-vos, em primeiro logar: Que desde o momento, em que receberdes esta minha Carta Regia, deveis considerar como principiada contra estes Indios antropophagos uma guerra offensiva que continuareis sempre em todos os annos  nas estações seccas e que não terá fim, senão quando tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas habitações e de os capacitar da superioridade das minhas reaes armas de maneira tal que movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz e sujeitando-se ao doce jugo das leis e promettendo viver em sociedade, possam vir a ser vassallos uteis, como ja o são as immensas variedades de Indios que nestes meus vastos Estados do Brazil se acham aldeados e gozam da felicidade que é consequencia necessaria do estado social: Em segundo logar sou servido ordenar-vos que formeis logo um Corpo de soldados pedestres escolhidos e commandados pelos mesmos habeis commandantes que vós em parte propuzestes e que vão nomeados nesta mesma Carta Regia, os quaes terão o mesmo soldo que o dos soldados Infanteas; e sendo Indios domesticos, poderá diminuir-se o soldo a 40 réis, como se faz na guarnição dos Presidios dos Barretos e da Serra de S. João;  e para que não cresçam as despezas da Capitania, ordeno-vos que deis logo baixa a todos os soldados Infantes que ora existem nessa Capitania, ficando os Officiaes aggregados ao Regimento de Cavallaria regular, donde succcessivamente passarão a effectivos, logo que haja vaga: Em terceiro logar, ordeno-vos que façais distribuir em seis districtos, ou partes, todo o terreno infestado pelos Indios Botocudos, nomeando seis Commandantes destes terrenos, a quem ficará encarregada pela maneira que lhes parecer mais proficua, a guerra offensiva que convém fazer aos Indios Botocudos: e estes Commandantes que terão as patentes e soldos de  Alferes e aggregados ao Regimento de Cavallaria de Minas Geraes, que logo lhes mandareis passar com vencimento de soldo dessa nomeação, serão por agora Antonio Rodrigues Taborda, ja Alferes; João do Monte da Fonseca; Januario Vieira Braga; Arruda, morador na Pomba; e se denominarão Commandantes da primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta Divisão do Rio Doce. A estes Commandantes ficará livre o poderem escolher os soldados que julgarem proprios para essa qualidade de duro e aspero serviço, e em numero sufficiente para formarem diversas Bandeiras, com que hajam constantemente todos os annos na estação secca de entrar nos matos; ajudando-se reciprocamente não só as Bandeiras de cada Comandante, mas todos os seis Commandantes com as suas respectivas forças, e concertando entre si o plano mais proficuo para a total reducção de uma semelhante e atroz raça antrophopaga. Os mesmo Commandantes serão responsaveis pelas funestas consequencias das invasões dos Indios Botocudos nos sitios confiados á  sua guarda, logo que contra elles se prove omissão, ou descuido: Que sejam considerados como prisioneiros de guerra todos os Indios Botocudos que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque;e que sejam entregues para o serviço do respectivo Commandante por dez annos, e todo o mais tempo em que durar sua  ferocidade, podendo elle empregal-o em seu serviço particular durante esse tempo e conserval-os com a devida segurança, mesmo em ferros, emquanto não derem provas do abandono de sua atrocidade e antropophagia. Em quarto logar, ordeno-vos que a estes Commandantes se lhes confira annualmente um augmento de soldo proporcional ao bom serviço que fizerem, regulado este pelo principio que terá mais meio soldo aquelle Commandante que no decurso de um anno mostrar, não sómente que no seu districto não houve invasão alguma de Indios Botocudos, nem de outros quaesquer Indios bravos, de que resultasse morte de  Portuguezes, ou destruição de suas plantações; mas que aprisionou e destruiu no mesmo tempo maior numero, do que qualquer outro commandante; conferindo-se aos demais um augmento de soldo proporcional ao serviço que fizeram, servindo de base para maxima recompensa o augmento de meio soldo. Em quinto logar ordeno-vos que em cada tres mezes convoqueis uma Junta que será por vós presidida e composta do Coronel do Regimento de linha, do coronel Inspector dos destacamentos da capitania, do tenente Coronel, do Major, do Ouvidor da Comarcas na qualidade de Auditor do Regimento, e do Escrivão Deputado da Junta da Fazenda, na qual fareis conhecer do resultado de tão importante serviço; e me dará conta pela Secretaria de Estado de Guerra e Negocio Estrangeiros, de tudo o que tiver acontecido e for concernente a este objecto, para que se consiga a reducção e civilisação dos Indios Botocudos, si possivel for, e a das outras raças de Indios que muito vos recomendado; podendo tambem a  Junta propor-me tudo o que julgar conveniente para tão saudaveis e grandes fins, particularmente tudo o que tocar á pacificação, civilisação e aldeação dos Indios; declarando-vos tambem que por este trabalho os Ministros da Junta não terão paga ou vencimento algum, reservando-me o dar-lhes aquellas demonstrações do meu real agrado e generosidade, de que os seus serviços, demonstrados pelas suas contas e resultado favoravel para a Capitania, os fizerem dignos.

     Propondo-me igualmente por motivo destas saudaveis providencias contra os Indios Botocudos, preparar os meios convenientes para se estabelecer para o futuro a navegação do Rio Doce, que faça a felicidade dessa Capitania, e desejando igualmente procurar, com a maior economia da minha Real Fazenda, meios para tão saudavel empreza; assim como favorecer os que quizerem ir povoar aquelles preciosos terrenos auriferos, abandonados hoje pelo susto  que causam os Indios Botecudos;  sou servido ordenar-vos nesta conformidade, que na Junta que vos mando organizar, façais propor e executar todos os tres mezes, os meios de exploração do Rio Doce, seja para o exame das cachoeiras que impedem que elle seja totalmente navegavel,seja para fazer mais facil a sua navegação, sendo possivel abrevil-a, e que seguindo este trabalho de um modo fixo e permanente, me deis sucessivamente conta do que resultar das mesmas explorações, para que eu resolva o que deve seguir-se em tão importante materia. Igualmente vos ordeno que em todos os terrenos do Rio Doce actualmente infestados pelos Indios Botocudos, estabeleçais, de accordo com a Junta da Fazenda, que os terrenos novamente cultivados e infestados pelos Indios, ficarão isentos por dez annos de pagarem dizimo a favor daquelles que os forem por em cultura de modo que se possa reputar permanente: que igualmente fique estabelecida por dez annos a livre expotação e importação de todos os generos de commercio que se navegarem pelo mesmo Rio Doce, seja descendo para a Capitania do Espirito Santo, seja subindo da mesma para a de Minas Geraes, fazendo contudo as competentes declarações, para que se não confundam as fazendas importadas e exportadas pelo Rio Doce com as que forem para a Capitania pela via de terra: que finalmente fique declarado, que concedo a todos os devedores da minha Real Fazenda que forem fazer semelhantes estabelecimentos de cultura e de trabalhos auriferos, a especial graça, de uma moratoria, que haja de durar seis annos da data desta minha Carta Regia, em cujo periodo não poderão ser inquietados por dividas que tenham contrahido com a minha Real Fazenda e que só ficarão obrigados a pagar no fim do mesmo periodo. Ordeno-vos finalmente que para poderdes executar tão uteis objectos sem gravame da minha Real Fazenda, introduzais na administração de rudo o que diz respeito á maior economia e me proponhais tudo o que possa contribuir para o mesmo fim pelas respartições competentes,como a suppressão do posto de Capitão Mór Regente da Campanha, o excessivo ordenado de  Thesoureiro da Intendencia da Villa Rica, de muitos Fieis de Registro que não podem ser pagos pelo rendimento dos mesmos Registros.. E sobretudo vos ordeno que desde logo deixeis de prover postos Milicianos com soldo, voltando neste ponto ao que antigamente se praticava na Capitania e assim procedereis logo com os que fordes propondo,pois com aquelles que ja teem soldo, nada mando alterar, excepto se forem promovidos a postos superiores. E igualmente vos ordeno que façais logo supprimir o pagamento da musica dos regimentos milicianos, que me consta montar ao enorme preço de muitos contos de réis, o que é um abuso intoleravel, e de que me devieis ter proposto a suppressão. O que assim tereis entendido e fareis executar, como nesta vos ordeno. Dada no Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1808.

PRINCIPE.

Para Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1808


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1808, Página 37 Vol. 1 (Publicação Original)