Temer se despede do Parlamento - Íntegra do Discurso
O SR. PRESIDENTE (Michel Temer) - Quero, em primeiro lugar, Deputado José Mendonça Bezerra, incorporar-me a todas as palavras de enaltecimento de sua figura como Parlamentar e como homem público, que honrou e engrandeceu o Estado de Pernambuco e que constituiu uma família maravilhosa, que também saúdo agora, nesta Casa, na presença de seu filho e de seu genro. Seu filho já foi nosso colega e Governador de Pernambuco, seguindo, portanto, a trilha e o exemplo que V.Exa. deu a seus familiares, aos pernambucanos e a todos os brasileiros.
Quero registrar uma coisa extremamente pessoal. Eu, muitas e muitas vezes, aqui na Casa, ainda não Presidente, angustiado com certos problemas, sentava-me, Senador Armando Monteiro, ao lado do Deputado José Mendonça Bezerra — elesempre ficava na penúltima ou última fileira, na sua modéstia habitual. Eu me sentava lá e conversava 10 ou 15 minutos com S.Exa., de quem recebia, Presidente Marco Maia, muita paz, muita tranquilidade, muita serenidade. E eu dizia: Por que estou me afligindo, se essa figura preciosa aqui sentada, o Deputado José Mendonça Bezerra, tem essa tranquilidade e essa harmonia interna? Vou harmonizar-me internamente. E saía harmonizado internamente, para cumprir as tarefas do meu cargo.
Por isso, neste momento, eu soube aplaudi-lo e, naturalmente, soube lamentar, como lamentaram todos, que S.Exa. não vá estar mais nesta Casa.
Já cumprimentei todos os familiares, mas quero, juntamente com os demais colegas, aplaudi-lo mais uma vez. (Palmas.)
Srs. Deputados, Sras. Deputadas, ex-Presidente Paes de Andrade, ex-Presidente Arlindo Chinaglia, Presidente Marco Maia, ex-Presidente Inocêncio Oliveira, ex-Presidente João Paulo, meus amigos e minhas amigas, quero, neste momento, tomar a liberdade de pedir licença a todos para fazer um brevíssimo pronunciamento de despedida.
No dia de amanhã, eu devo apresentar minha renúncia à Presidência da Câmara dos Deputados, e não poderia fazê-lo, Deputado Marco Maia, sem antes me despedir, digamos, solenemente. É claro que, particularmente, játenho me despedido de todos, mas eu queria fazê-lo de uma forma mais solene, para que ficasse registrado nos Anais desta Casa o quanto devo ao Poder Legislativo brasileiro.
Afinal, esta Câmara dos Deputados elegeu-me por três vezes seu Presidente. E, ao eleger-me, sempre me deu o maior apoio, na convicção mais absoluta de que, embora existindo Situação e Oposição, quando se trata da Presidência da Casa, existe um corpo único, que é o de Deputados Federais. Por isso — registro com alegria cívica esse fato — eu sempre tive o apoio daqueles da Situação e daqueles da Oposição, porque Deus me deu a graça de entender que, ao ocupar determinado cargo, se deve representá-lo adequadamente.
E o Presidente da Casa não é nem Líder do Governo nem Líder da Oposição, mas Líder e representante de toda a Casa.
Por essa razão, penso eu — com minhas falhas e defeitos, mas talvez com algumas pequenas virtudes, que consegui superar— , consegui sempre o apoio muito entusiasmado de todos os colegas que passaram por esta Casa, no passado, em 1997, 1998, 1999 e 2000, e daqueles que aqui se acham nesta legislatura e durante meu mandato de 2009 e 2010.
Eu quero, ao despedir-me de todos, dizer que nós, no Legislativo, temos a consciência absoluta do nosso valor institucional. Nós sabemos, mais do que ninguém, que somos, na verdade, representantes do único titular do poder que a Constituição indica, que é o povo.
Eu peço licença para essa trivialidade porque, muitas vezes, vejo como é importante recordar conceitos e como é importante recordar obviedades, porque as obviedades vão sendo esquecidas — e nós aqui não nos esquecemos disso, nem eu nem qualquer dos colegas, homem ou mulher, que está nesta Casa.
Nós todos temos a consciência de que exercemos o nosso papel como representantes populares, ora acertando, ora errando. Mas, quando acertamos ou erramos, é sempre com a melhor das intenções. No geral, nós só acertamos e, porque acertamos, nós ajudamos o Executivo e ajudamos o Judiciário, os outros órgãos do Poder que, na determinação constitucional, devem funcionar com independência, porém harmonicamente.
A razão é óbvia: se o poder é uma unidade, os órgãos que nascem para o seu exercício são emanação deste único poder, que é o popular. Então, os órgãos estarem no exercício de seu poder, quando a Constituição estabelece que devem ser independentes e harmônicos entre si, significa que todos devem colaborar entre si para o bem comum, e não para o bem dos seus integrantes.
Por isso, quero mais uma vez falar da importância do Legislativo brasileiro, da sua importância fundamental para o Executivo e para o Judiciário; afinal, somos a fonte primária, a fonte inaugural, a fonte vestibular da lei. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer se não em virtude da lei, ou seja, se não em virtude de uma decisão do Poder Legislativo. Só há execução para executar a vontade popular, expressada pela lei. Só há jurisdição para jurisdicionar, para julgar de acordo com a lei.
Somos, na verdade, os promotores de tudo aquilo que acontece em nosso País. Ao dizer isso, senhoras e senhores, meus prezados colegas, podem verificar com que tristeza deixo o Poder Legislativo, esta Casa que me acolheu há 24 anos, jána Constituinte.
E aqui eu tomo a liberdade de contar, Deputado Roberto Magalhães — que também vai deixar esta Casa — , que, estudante de Direito que era, ouvia doprofessor Ataliba Nogueira, meu professor de Teoria Geral do Estado, as maravilhas que ele dizia como participante da Constituinte de 1946. E eu, quando ouvia aquelas coisas, aos meus 18, 19 anos, disse: Que coisa fantástica se um dia eu pudesse participar de atos e gestos como esses que o Prof. Ataliba Nogueira descreve nas suas aulas.
Pois foi, portanto, com uma emoção, como as senhoras. e os senhores podem imaginar, uma emoção extraordinária que, em 1987, eu tomei posse na Constituinte que produziu o Estado mais democrático que a nossa história constitucional conheceu. Um Estado que não se contentou em dizer literalmente que é um Estado de Direito ou um Estado Democrático, que são expressões sinônimas, mas disse que o Brasil é um Estado Democrático de Direito ao enfatizar que, a partir daquele instante, haveria uma profissão de fé de que nós nunca mais passaríamos pelos acidentes que passamos no passado.
Os senhores sabem que a história constitucional brasileira, desde 1891, é plena de acidentes institucionais, de acidentes políticos — ora democracia, ora sistema centralizador, ora sistema autoritário. Essa é a nossa história constitucional, que não preciso repetir e reproduzir às mentes esclarecidas que agora me ouvem e me escutam.
Mas, quando surgiu a Constituição de 1988, a primeira sensação que tive foi a seguinte: eu vivi apenas para participar da Assembleia Constituinte. Imaginei que voltaria à minha profissão de advogado e professor universitário. Eu disse: Daqui eu não sairei.
Procurarei não sair, porque esta é a grande casa produtora da redenção nacional, e, a partir daí, meus amigos, nós passamos a ter um clima institucional absolutamente tranquilo; mesmo com um ou outro acidente de natureza política, jamais tivemos crises institucionais.
E foi isso que permitiu que, em um dado momento, intelectuais fossem eleitos Presidentes da República, operários fossem eleitos Presidentes da República, uma mulher fosse eleita Presidente da República, por causa do clima institucional de absoluta tranquilidade que nós vivemos. Em outras palavras, eu creio que este é o primeiro momento em que o País vive uma absoluta consonância, uma absoluta igualdade entre a Constituição formal, que é o que está no texto da Constituição, e a Constituição real, que é aquilo que acontece no País.
Por isso, eu digo que vivi esses momentos desde a Constituinte, aprendendo cada vez mais no Poder Legislativo. Se me permitem, vou tomar liberdade por mais uns minutos e confessar que um dia aqui, com o Presidente Paes de Andrade, na época jáum antigo líder do nosso MDB, cheguei com uma visão um pouco elitista, achando que a representação popular, especialmente para produzir uma Constituição, deveria ser integrada a esta Casa apenas pelos mais versados na ciência política, no direito constitucional, os mais, digamos assim, privilegiados intelectualmente. Eu cheguei — confesso e faço mea-culpa por esse episódio em 1987 — , achando que assim fosse porque eu era do plano teórico.
Eu tinha sido Secretário da Segurança Pública e Procurador-Geral do Estado de São Paulo, mas não tinha ainda experiência legislativa. Até que um dia, um colega, de um jeito muito humilde, convidou-me para passar um dia no seu bairro, numa região paupérrima de São Paulo. Eu fui lá passar o domingo com ele. E, ao fim do dia, compreendi, no plano prático, o que significa a teoria da representação popular. Eu disse: Interessante, eu não conseguiria focalizar, verbalizar, transmitir as angústias desse povo. Poderiatransmitir, como transmiti, ao longo do tempo, as angústias da classe jurídica, da classe média, da classe dos advogados, enfim, de setores que não eram exatamente aquele que eu estava visitando. E foi lá, precisamente, que compreendi o fenômeno da representação popular. Eu disse: Só ele consegue verbalizar, vocalizar as dificuldades deste povo que aqui convive com ele e que o elege.
Portanto, eu aprendi muito nesta Casa. Chegando, como acabei de dizer, de alguma maneira pretensiosamente, foi aqui que aprendi a ficar cada vez mais humilde, para não dar azo àquele ditado popular espanholque tipifica a atitude de muitas autoridades e que diz: Si quieres conocer a Juanito, dale un carguito. Então, eu aprendi esta humildade extraordinária no Parlamento brasileiro. E devo a este Parlamento toda a minha vida pública.
Devo-lhe o entusiasmo que tive para participar de seis eleições e o entusiasmo que tive para participar dessa última eleição, ao lado da Presidente Dilma, como candidato a Vice-Presidente da República.
Então, ao agradecer esse apoio que me deram, cito uma frase curiosa de José Saramago, que escreveu tantos livros. Ele diz: "Eu não sou o autor dos meus livros. Os personagens que me fizeram autor." Então, ao agradecer aos senhores,quero dizer que eu não chego aos locais por mérito próprio; eu não sou autor daquilo que fiz nem daquilo que consegui. Os personagens, se me permitem a comparação, que são os amigos do Parlamento, éque me fizeram chegar aonde cheguei.
De modo que, ao agradecer-lhes — eu gostaria tanto de citá-los nominalmente — , mas, ao agradecer-lhes, quero dizer que levo daqui a saudade, mas a saudade que, tenho certeza, serácompensada pelas visitas que os senhores me autorizarão a fazer aqui ao Parlamento e pelas visitas que, certo e seguramente, eu receberei de todos os Parlamentares — como disse há pouco em uma entrevista — , com as portas abertas para o Parlamento brasileiro, ciente e consciente da importância dessa instituição.
Vou para o Executivo levando no coração o Poder Legislativo e a certeza de que lá eu serei também um representante dos senhores e das senhoras.
Muito obrigado e até breve. (Palmas.)
Eu vou passar a Presidência ao Deputado Marco Maia e agradeço mais uma vez. (Palmas prolongadas.)
Ainda quero dizer algumas palavras: quero que aplaudam o Dr. Mozart. (Palmas.)
Quero que aplaudam todos os funcionários desta Casa, especialmente aqueles que me deram amparo ao longo desses dois anos. (Palmas.)
Quero, finalmente, que aplaudam os senhores mesmos. (Palmas.)
Muito obrigado.