Manhã - 05 de maio de 2004

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

EVENTO: Seminário

DATA: 05/05/04 - INÍCIO: 9h40min - TÉRMINO: 12h19min

DEPOENTE/CONVIDADO — QUALIFICAÇÃO

JEFFERSON PERES - Senador da República.

RONALDO CAIADO - Deputado Federal.

BRUNO REIS - Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG

SUMÁRIO: Seminário Ética nas Eleições Municipais. Painel A Reforma Política sob a Égide da Ética Pública.

OBSERVAÇÕES: Houve exibição de imagens.


O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Bom dia. Dando prosseguimento ao Seminário Nacional sobre Ética nas Eleições Municipais, teremos hoje pela manhã o segundo painel, que tratará da reforma política sob a égide da ética pública. Teremos como expositores o Deputado Ronaldo Caiado, do PFL de Goiás, Relator da Comissão Especial da Reforma Política, o ilustre Senador Jefferson Peres, do PDT do Amazonas, e o Sr. Bruno Reis, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Cada um terá um prazo de 15 minutos, que poderá ser prorrogado em caso de necessidade.

Com a palavra o Senador Jefferson Peres.

O SR. SENADOR JEFFERSON PERES - Bom dia, Deputados, senhoras e senhores. Antes de mais nada, peço-lhes desculpas pela minha curta participação neste evento. Tenho outros compromissos assumidos. Daqui a pouco irei à CCJ para relatar um processo e às 11h estarei no Itamaraty para participar de uma solenidade. Sinto-me um pouco frustrado por não poder ficar aqui para discutir tão fascinante tema.

Gostaria de parabenizar a Câmara pela iniciativa da realização deste seminário. Espero que ele se multiplique País afora e ganhe os meios de comunicação, porque o assunto é de extrema relevância. Causa-me muita angústia esse processo crescente de deterioração da ética na política, infelizmente, na sociedade brasileira em geral.

O processo eleitoral, o processo de votação, em si mesmo, avançou muito em relação ao passado. Hoje em dia é muito mais limpo, inclusive por causa da introdução da urna eletrônica. O processo de captação de voto, contudo, é muito mais corrompido. Apenas como constatação, sem fazer juízo de valor, está havendo uma crescente "desideologização" da vida política. Os eleitores estão perdendo suas referências. O voto de convicção, para lembrar Norberto Bobbio, parece que vai ficando cada vez mais escasso, sendo substituído pelo voto de permuta.

A chamada reforma política aperfeiçoa as instituições e pode avançar muito na melhora dos mecanismos do processo político. Entretanto, toda mudança institucional será praticamente inútil se não houver mudança cultural e comportamental tanto dos candidatos como dos eleitores.

Não sei para onde estamos indo. Não sou nem nunca me arvorei a ser profeta num país como o Brasil, onde é muito difícil fazer previsões de curto prazo, quanto mais de longo prazo. Não posso afirmar que a sociedade brasileira está caminhando para melhor ou para pior. Não me sinto seguro para dizer isso. Portanto, recuso-me a fazer previsões.

O atual processo político é extremamente corrompido. Há compra de voto, aberta ou disfarçadamente, em todas as classes sociais, ao contrário do que muitos pensam. Mudanças institucionais ou legais, como o mecanismo de financiamento público de campanha e as listas fechadas para Deputados em eleição proporcional, podem ajudar um pouco, mas também podem criar novas formas de corrupção. Pode-se simplesmente pegar o dinheiro público para corromper um número menor, o que até facilitará a ação dos corruptos. Os Deputados Caiado e Orlando Fantazzini, o ilustre palestrante e eu comentávamos a esse respeito.

Em tese, nada mais racional do que o sistema de listas fechadas, pois assim acabaria a disputa canibalesca entre candidatos do mesmo partido, que não mais trabalhariam uns contra os outros. Hoje o maior inimigo de um candidato a Deputado é o seu próprio colega de partido, porque um voto que ele tira do candidato do partido é contado em dobro. Ele tira o voto de um concorrente e acrescenta-o à sua votação. Realmente, é canibalismo puro. Com as listas criaríamos um espírito de equipe e todos passariam a trabalhar em conjunto, e a compra de votos por cada candidato a Deputado seria reduzida.

Por outro lado, comentávamos que isso poderia facilitar e tornar mais barata a compra, porque em vez de comprarem milhares, se não milhões de eleitores, os candidatos ricos e corruptores comprarão apenas alguns convencionais. A compra poderia ficar mais barata, é verdade, como dizia o Deputado Ronaldo Caiado, mas também seria mais fácil de ser identificada e denunciada. Isso é um custo, e, como em tudo na vida, há de se pesar o custo e o benefício. Sempre que o benefício for maior do que o custo, deve-se adotar a medida. Nesse caso da lista, talvez o benefício seja maior do que o custo.

Obviamente, é muito mais fácil e barato corromper 500 convencionais do que corromper 500 mil eleitores. Os caciques poderiam pegar dinheiro público de campanha para corromper convencionais, com custo zero para eles, e o caciquismo imperaria nos partidos brasileiros.

Como impedir a compra de votos, que, eu diria, aberta ou disfarçada, hoje é desbragada? A compra de votos também ocorre muito na classe média, cujos integrantes têm uma postura arrogante em relação aos mais pobres, olham com muito desprezo para o eleitor que vende seu voto em troca de remédios, passagens etc. Dizem que o eleitor que vende seu voto em troca de remédios, de passagens, de telhas, tábuas, de seja o que for, não tem consciência. Curiosamente, muitas vezes uma família de classe média vota em determinado político, mesmo sendo corrupto, um mau político, não merecendo voto, só porque ele conseguiu emprego para algum membro dela. O eleitor de classe média racionaliza e concede-se uma auto-absolvição dizendo que é um voto de gratidão. Se não der o voto ao corrupto que lhe deu o emprego estará sendo ingrato. Assim ele se justifica, mas na verdade está vendendo voto da mesma forma que o eleitor que trocou o voto por telha ou por tábua. Entretanto, há atenuantes para o mais pobre, que além de ter nível cultural mais baixo e menos consciência da importância do voto, às vezes encontra-se em estado de extrema necessidade, o que não ocorre com a classe média.

A venda de votos tem sido desbragada, repito. A reforma política ajuda a aperfeiçoar o processo e por isso deve ser buscada. Não se deve cair no pessimismo, cruzar os braços e dizer que é inútil, que se está caminhando para uma situação pior. Quem faz isso já morreu. Quem não luta e não tem esperança já está morto e não sabe. Particularmente, nunca vou cair nessa história. Jamais vou perder a capacidade de me indignar e de lutar. Só quando os meus neurônios não funcionarem mais ou quando estiver mesmo na sepultura.

Devemos lutar. De fato, vejo um quadro muito difícil, com a disseminação do voto de permuta, que é um processo extremamente corrompido. O que mais se pode fazer? De um lado, o clientelismo na relação entre político e eleitor; do outro, o fisiologismo na relação entre Legislativo e Executivo. São duas formas diferentes de corrupção. O eleitor rende-se cada vez mais ao processo de clientelismo e o Parlamentar ao fisiologismo, na troca com o Executivo.

Além da reforma política, muito pode ser feito no Brasil. Por exemplo, é mais fácil combater o fisiologismo do que o clientelismo em uma sociedade cuja se população encontra extremamente empobrecida, até a classe média. Creio que duas medidas ajudariam muito a diminuir a taxa de fisiologismo na relação entre Legislativo e Executivo. Em primeiro lugar figura o Orçamento impositivo, pois uma das moedas de troca é a liberação de verbas. Enquanto o Executivo tiver o poder de contingenciar e liberar verba na medida da adesão dos Parlamentares, haverá uma moeda fortíssima. Se for instituído o Orçamento impositivo, obviamente essa moeda desaparecerá, pois as verbas serão liberadas independentemente da vontade do Executivo ou da postura do Parlamentar.

A segunda moeda de troca no fisiologismo é a distribuição de cargos. Deveria haver uma profunda reforma administrativa no Brasil, com a criação de uma burocracia profissionalizada e uma drástica redução do número de cargos comissionados. Haveria, portanto, uma burocracia para servir ao Estado, e não aos Governos. Isso também reduziria muito a corrupção. Na medida em que houvesse poucos cargos a distribuir, a moeda de troca estaria extinta e o fisiologismo estaria reduzido a níveis muito baixos.

É claro que a redução do número de partidos, não pela proibição, mas pela cláusula de barreira, também contribuiria muito. Quanto maior o número de partidos no Congresso, maior a possibilidade de cooptação pelo Executivo.

Desculpem-me se os frustei um pouco. Não tenho fórmulas mágicas, apenas convicções. E não se pode exigir que todos os políticos ajam dessa maneira. Ainda ontem dizia no Senado que tive a sorte de — desculpem-me o auto-elogio — antes de ingressar na vida pública tomar a vacina tríplice contra a trindade maldita da política: corrupção, oportunismo e demagogia. Aliás, para mim ela funcionou em 2 casos. Quanto à corrupção eu já estava imunizado, talvez geneticamente. Mas quanto ao oportunismo e à demagogia, a vacina funcionou.

Certamente, nem a política nem a vida são feitas de pessoas com compromisso ético inarredável, acima de quaisquer tentações. Talvez isso seja um privilégio, ou — quem sabe? —, muitas vezes, um fardo. A classe política reflete a média da sociedade, que não é feita de pessoas com 100%, 90% ou 80% de compromissos éticos inarredáveis.

Enfim, o que se pode fazer é aperfeiçoar os mecanismos que minimizam a taxa de corrupção na vida pública. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Agradeço ao Senador Jefferson Peres as palavras.

Convido o Deputado Chico Alencar para presidir os trabalhos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Agradeço ao Deputado Orlando Fantazzini, companheiro, irmão, colega de representação, de partido, de angústia e de esperança.

Atrasei-me por causa da violência no meu Estado, o Rio de Janeiro. Estou aqui desde ontem, mas um camarada de uma rádio pediu-me uma entrevista, esticou muito a conversa, e fiquei aflito, pois não moro tão perto daqui. De qualquer forma, peço desculpas pelo atraso. Aliás, os políticos deveriam tomar também vacina contra atraso. Estou precisando dela, porque às vezes me enrolo com tantos compromissos, no dom da ubiqüidade que nos é exigido nesta Casa, principalmente nas terças, quartas e quintas-feiras.

Dito isso, passo imediatamente a palavra ao Deputado Ronaldo Caiado, que fez um excepcional trabalho, de forma extremamente dedicada e competente, como Relator do projeto de reforma política, que está engavetado, mas ainda não empoeirado — o que é um consolo.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Inicialmente, agradeço o convite aos Coordenadores do Seminário Nacional sobre Ética nas Eleições Municipais, ao meu colega Deputado Chico Alencar, que tanto se destacou em todo o ano de 2003 na Comissão Especial de Reforma Política, ao Deputado Orlando Fantazzini, que há pouco presidia os trabalhos, ao Prof. Bruno Reis e ao nosso experiente Senador Jefferson Peres, que fez um relato com clareza ímpar dos sintomas que estão, sem dúvida nenhuma, desmoralizando e desgastando o atual sistema eleitoral brasileiro.

Desejo saudar também o Prof. Cintra, homem conhecido na Casa, que tem discípulos Brasil afora, é dedicado à causa e tanto nos auxilia não só na elaboração do projeto, mas também trazendo experiências de todo o mundo.

A Dra. Miriam, assessora com conhecimento não só sobre a Constituição, mas também sobre toda a legislação eleitoral brasileira, ajuda-nos a elaborar complexo e difícil trabalho, qual seja, propor projeto de lei infraconstitucional, lei ordinária, para alterar o atual sistema eleitoral brasileiro.

Na linha de raciocínio do Senador Jefferson Peres, eu gostaria de continuar a exposição. S.Exa. foi transparente em relação ao processo de compra de votos e em relação ao troca-troca partidário, ou seja, aos pontos que inquietam toda a população e a todos nós, políticos, mostrando que o atual sistema eleitoral transforma voto em mandato. Como vamos transformar voto em mandato sem que cada vez mais avance o processo de compra de votos, de troca de benefícios, o que interessa a determinado grupo de pessoas? Como vamos fazer com que o Parlamentar ou político tenha vínculo com seu partido, não para registrar sua campanha, mas no decorrer do processo para o qual foi eleito, sem que haja desrespeito total aos partidos políticos?

Estão aí as distorções e os vícios do atual sistema. Quais as vacinas que deveremos aplicar para minimizar o que vem aflorando a cada dia que passa? Como um Governo faz base de sustentação? Com a liberação de emendas ou, ao mesmo tempo, com a nomeação dos apaniguados daquele político para cargos. Com isso ele se sente confortável para mudar de partido, porque tem o compromisso não de discutir os grandes temas da Casa, mas de que está sendo deformada a função do Parlamentar, seja Senador, seja Deputado Federal, Estadual, seja Vereador, como a obrigação de levar obras diretamente ao Município ou atender diretamente o Município da sua base eleitoral. Assim, fica muito fácil para os Governos Federal, Estaduais e Municipais sugar esse Parlamentar. Se é vetado ao Parlamentar verbas do Orçamento, se não é oferecido a ele nenhum cargo e sua base é pressionada, ele se sente asfixiado e é obrigado a migrar para um partido da base do Governo diferente daquele partido que o elegeu. Como vamos trabalhar esses desafios? Como vamos avançar e fazer com que o fator financeiro não seja o determinante numa campanha eleitoral?

Estamos discutindo as eleições para Prefeitos e Vereadores de 2004. O Prefeito e o Vereador sabem que podem ter no palanque um Parlamentar com densidade eleitoral, que realmente seja respeitado em âmbito nacional. Mas naquela hora é mais importante para ele o Parlamentar no palanque ou alguém que será o financiador da sua campanha, que bancará todos os Vereadores, a campanha de Prefeito, que se comprometerá com ele a contratar o melhor trio elétrico, a realizar os showmícios, a distribuir camisetas e dizer a ele que no dia da eleição pode contratar mil cabos eleitorais para defender sua eleição.

Como disse muito bem o Senador Jefferson Peres, temos de entender que com todos os benefícios prestados à democracia brasileira, o atual sistema eleitoral se exauriu. E por quê? Porque, de acordo com essa maneira de se fazer política, a competência, a seriedade, a dedicação, o empenho do Parlamento serão secundários. Isso com raras e honrosas exceções. Não quero generalizar, dizer que todos vão votar assim. Não é isso. Mas o que estamos sinalizando? Não mexermos no atual sistema. Estamos dizendo aos jovens e aos que pretendem entrar na política que ser bom Parlamentar é defender suas idéias, propostas, debater a ALCA, o MERCOSUL, o Projeto de Biossegurança, ou discutir um projeto de segurança, como disse o Deputado Chico Alencar, que acabou de falar da caótica situação por que passa o Rio de Janeiro e outras regiões do Brasil. Ou será que não vale a pena dedicar-me apenas a fazer caixa dois para financiar Vereadores e Prefeitos e garantir minha reeleição? Essa a interrogação que fica. O atual sistema se exauriu e induz a essa prática. Os que resistem serão, sem dúvida, excluídos do processo eleitoral, porque chegará o momento em que isso assumirá tal proporção que os bons vão se retirar cada vez mais do processo, e os financiadores de campanha de caixa dois, como o narcotráfico, o jogo do bicho, o tráfico de arma, o roubo de carga e outras coisas, crescerão e identificarão quais seus candidatos em cada região do País.

Trouxeram-nos uma experiência ímpar: no Rio de Janeiro, criaram centros comunitários em certas regiões do Estado, onde a pessoa dá assistência médica, dá oportunidade de o cidadão praticar esportes e faz também a transferência de pacientes em caso de doença. O cidadão necessitado ou o jovem que pratica esporte não pergunta quem é o financiador. Para ele aquela pessoa está substituindo o Estado e por isso ela votará no financiador para Senador, Deputado Federal, Estadual ou Vereador.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Deputado Ronaldo Caiado, quando Deputado Estadual elaborei singelo projeto de lei que proibia que o nome do Parlamentar ou o sobrenome em geral da progenitora fosse dado a esses centros, mas ele não chegou nem na Comissão de Constituição e Justiça. No meu Estado há uma Deputada que tem um carro funerário no qual está escrita a seguinte frase: "Na vida e na morte, Núbia é a sua sorte". Ela ganha todas as eleições. Até morto vota nela.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Mas essas distorções — e a maioria do Plenário está rindo — representam a realidade. É o que está acontecendo, e é exatamente a isso que o atual sistema está induzindo.

Se não está bom, se o atual sistema chegou a um momento em que dá sinais de fadiga, de stress, de ruptura, de cansaço, por que não o alterarmos? Qual é o grande problema de testarmos uma outra maneira, uma outra metodologia, já que não se trata de uma PEC? É lei ordinária. Sendo assim, se não estiverem de acordo com o que pode acontecer na próxima eleição, em 2006, podemos mudar. Por que continuarmos com esse atual sistema? Como vamos combater o troca-troca partidário? Em 13 meses, nesta Casa, 125 Deputados Federais mudaram de sigla partidária, 25% da Câmara dos Deputados. Este é o mecanismo para o qual o Executivo tem de fazer base de apoio.

Ora, do que nós precisamos? Precisamos exatamente que os senhores e as senhoras, que são formadores de opinião, entendam que ninguém aqui está querendo atrapalhar a vida do Vereador, do Prefeito, do Deputado Estadual, do Deputado Federal, do Senador. O que nós estamos querendo é exatamente iniciar um novo sistema.

É uma revolução? Sim. É uma mudança substantiva na maneira de fazer política no Brasil? Sim. Sofrerá resistência na Casa? Sim, porque os 513 Deputados Federais foram eleitos de acordo com as atuais regras que estão aí. Mudá-las não é tão fácil assim. No entanto, o Deputado Chico Alencar sabe que, na Comissão Especial, esse projeto foi aprovado por 26 votos contra 11, uma vitória significativa. Apenas o PL, o PTB e o PP se colocaram contrariamente a esse projeto de lei. Mas o PT, PFL, PSDB, PCdoB, PSB, PPS, PV votaram favoravelmente. Por quê? Porque entendemos que aquilo que o Senador Jefferson Peres apontou é uma realidade.

Como médico-cirurgião, cabe a mim, além de analisar os sintomas, chegar ao diagnóstico. Ao chegar ao diagnóstico, qual é a cirurgia que traz melhor custo benefício? Risco eu correrei, mas eu tenho de propor algo. Eu não posso simplesmente dizer ao doente: "Eu sinto muito". E daí?

Esta Comissão não está propondo mudar o sistema brasileiro. Continua o presidencialismo, continua tudo dentro da proporcionalidade com que nós elegeremos nossos representantes. Não estamos discutindo assuntos que dizem respeito à forma e ao sistema de governo. Estamos debatendo especificamente, no sistema eleitoral brasileiro, como vamos alterar o financiamento de campanhas eleitorais.

Se identificamos o financiamento de campanhas eleitorais como sendo o ponto principal que precisamos atacar e alterar, como viabilizaremos o financiamento público exclusivo de campanhas para que ele sobreviva? Nós aí fomos montando o projeto de lei que apresenta a lista fechada ou pré-ordenada, o final das coligações nas eleições proporcionais e a criação das federações partidárias.

Vou me apressar, já que o tempo é escasso. Peço que passem rapidamente os slides.

Aproveito para registrar a presença, que muito nos honra, da minha colega Deputada Juíza Denise Frossard.

Espero poder passar rapidamente aquilo que colocamos no papel e que foi aprovado na Comissão Especial.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Creio que essa projeção está na pasta dos participantes.

(Segue-se exibição de imagens.)

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Os temas são exatamente esses: financiamento público de campanhas eleitorais; linhas partidárias pré-ordenadas nas eleições proporcionais; federações partidárias; coligações partidárias só nas eleições proporcionais — lógico que as coligações continuariam nas eleições majoritárias — para Presidente, Senador, Governador e Prefeito. E a cláusula de desempenho, como disse o Senador Jefferson Peres. Com a inclusão da lista partidária pré-ordenada ou lista fechada, diminuímos a cláusula de desempenho e vamos mostrar rapidamente.

O que foi mais ou menos levantado? Essa campanha custaria em torno de 7 reais, multiplicado pelo número de eleitores. Isso resultaria no valor de 812 milhões de reais. Seria o volume no Orçamento da União, Senador, que identificamos num trabalho já feito pelo Senado Federal, com o Senador Sérgio Machado, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas e o Tribunal Superior Eleitoral. A distribuição desse valor se daria da seguinte forma: 1% dividido entre todos os partidos que têm registro no Tribunal Superior Eleitoral; 14% entre todos os partidos que têm representante na Câmara dos Deputados; e 85% seria dividido entre os partidos, de acordo com a proporcionalidade da bancada de cada um deles. Ou seja, estamos mantendo os partidos ideológicos, dando a eles condições de sobreviverem e, ao mesmo tempo, fazendo uma distribuição que valorize diversas variantes, desde o registro dele no Tribunal Superior Eleitoral até a sua representação na Câmara dos Deputados. E o terceiro ponto, o item maior, a sua eficiência, ou seja, o número de Parlamentares.

Não vou detalhar esse critério de distribuição porque também está na pasta dos senhores. Isso também já está no corpo da lei. Para que os diretórios regional e municipal não sofram amanhã punições no repasse da verba, porque, às vezes, o Presidente nacional do partido não gosta de um determinado candidato ou o Presidente regional não é simpático a ele, nada poderá alterar a distribuição dos recursos. Ou seja, o partido que tem candidato a Presidente da República tem 30% da verba retida para a campanha nacional; se faz coligação, 20%. A distribuição se fará, então, nas eleições nos Estados. Isso quer dizer que 70% ou 80% serão distribuídos aos diretórios, de acordo com duas variantes: 50% pelo número de eleitores de cada Estado e 50% sobre o número de Deputados Federais eleitos na última eleição.

Essas são exatamente as regras para definir bem o repasse do dinheiro para o diretório estadual de cada um dos partidos.

Distribuição municipal. Se essa lei já estivesse valendo, se tivesse sido sancionada, o diretório nacional reteria 10% desses recursos e o diretório regional, 10%. Oitenta por cento seriam distribuídos para os diretórios municipais, de acordo com a primeira variante: 50% na proporção do número de eleitores de cada Município e 50% na proporção de Vereadores eleitos naquele Município em relação ao número de Vereadores eleitos no Estado.

O financiamento público de campanha é exclusivo. Fica proibida qualquer outra fonte de financiamento. Nenhum candidato poderá fazer doação. É para isso que quero chamar atenção dos senhores.

Sendo a lista fechada, o candidato não terá mais o santinho, ele não vai fazer campanha no palanque: "Eu peço voto porque vou fazer a estrada número tal, ou vou construir..." Deputado e Vereador não constróem nada. Quer dizer, estamos desfigurando a imagem do Parlamentar ao dizer que nós, do partido "a", vamos defender em conjunto a proposta da saúde, ou da segurança pública, ou da infra-estrutura, de acordo com o projeto. Assim será o discurso, e não aquele em que um Vereador puxa a camisa do outro porque falou no bairro dele, o que não podia ter feito, ou porque dá um pontapé no outro por estar prolongando demais o discurso e por isso o eleitor já está indo embora do comício. Então, não é nada disso, como ocorre hoje.

Se determinado candidato é forte naquele Município específico, a ele será dada a oportunidade de falar. Não estaremos ali numa briga fratricida em que, ao votarem em mim, estarão derrotando o outro. Não, pelo contrário, ao votar em nós, estarão votando no partido. E, de acordo com o maior número de votos que esta legenda obtiver na eleição, maior número de Deputados ou de Vereadores vamos eleger naquela eleição. O povo vai comparar. É igual a um time. Está muito na moda isso hoje, apesar de eu não entender muito de futebol. Qual é o time melhor para defender o Município? Esse aqui que apresentou esses candidatos? E a população vai preferir analisar exatamente a lista apresentada por cada candidato a acreditar que um cidadão sozinho vai resolver o problema da Câmara de Vereadores.

Vamos acabar com essa política de enaltecer ou cultuar personalidades, fazendo com que aquela pessoa passe a ser mais importante do que o partido do seu Município. É em cima disso que temos de trabalhar.

Vamos continuar votando no Prefeito, no Governador, no Senador e no Presidente da República. Agora, nos Vereadores e Deputados Estaduais, votaremos de acordo com a lista apresentada à população.

Vejam bem um detalhe. Para essa eleição de agora, calcula-se que existam 420 mil pré-candidatos a Vereadores e a Prefeitos no Brasil. Como é que o juiz eleitoral vai controlar o gasto de 420 mil candidatos?

Então, com o projeto de lei, o dinheiro será repassado ao partido e é ele que terá de prestar contas ao juiz eleitoral. Em cada Município, por maior que seja, vamos ter 15, 6 ou 4 partidos que apresentarão candidatos. O juiz terá de auditar 4, 5, 6 ou 12 contas, de acordo com o número de partidos. O candidato não terá de fazer a sua prestação de contas. O partido é que terá de responder por aquele dinheiro que o tribunal repassou para que ele fizesse a campanha naquele Município.

Essa primeira prestação de contas será feita 45 dias antes da data da eleição, e a segunda, 10 dias após. Hoje, cada candidato apresenta suas contas 30 dias após a eleição. Aí, realmente, o tribunal não tem referência nem do que ele gastou nem como gastou. Há simplesmente aquele espelho das notas que ele apresenta ao tribunal para informar o que ele gastou, e o juiz eleitoral diz o que ele gastou. Não há como ele ser auditado. Então, não há como ser punido.

O sistema eleitoral de hoje diz com toda a clareza: "faça caixa dois, pois quem não fizer não vai ganhar a eleição, porque não tem mecanismos de controle dos gastos nas campanhas eleitorais. E aquele que for cumprir exatamente o que está aí, vai perder as eleições, já que hoje eleição não é mais pela competência, pela seriedade. Veja, não estou generalizando.

O Norberto Bobbio disse aqui que voto com convicção está diminuindo a cada dia que passa. Isso é uma verdade, mas não podemos deixar que isso aconteça. Temos de voltar ao tempo em que o voto era por convicção, por acreditar que aqueles Parlamentares serão os melhores para defender o seu Estado, o seu Município e o seu País.

Doação e punição. As punições seriam as que existem hoje na lei, mas que não são cumpridas. Se se tratar de pessoa física, a multa por ter repassado qualquer dinheiro será no valor de 5 a 10 vezes a quantia doada; se se tratar de empresa, além da multa, ela será proibida de celebrar qualquer contrato com o Poder Público pelo período de 5 anos.

Punições ao Parlamentar, ao candidato ou ao partido. Se for o partido que buscou o dinheiro, e o tribunal detectar que, além do valor previamente repassado para fazer a campanha, há sinais a mais de gastos com, por exemplo, showmícios, palanques e outdoors, caem os registros de todas as candidaturas. Se foi algum candidato que buscou dinheiro, apesar de não haver interesse — por que cada candidato vai buscar dinheiro se ele não está mais pedindo voto para ele? —, o candidato é que perderá o registro da candidatura. Se isso acontecer após a diplomação, o candidato perderá o diploma.

Atualmente, temos uma eleição no Brasil que custa em torno de 10 bilhões de reais. São fontes lícitas num pequeno percentual. Desvio de verba do Orçamento é o que mais acontece. São obras públicas superfaturadas, desvio de verbas, dinheiro de narcotráfico, de tráfico, de roubo, de jogo do bicho.

É impossível auditar as contas, porque são milhares as prestações de contas em todo o Brasil. Só o corregedor do Tribunal Regional Eleitoral, Desembargador Lazzarini, num debate na OAB de São Paulo, relatou que, na última eleição, em São Paulo, havia 2 mil pré-candidatos e 7 mil denúncias ao Tribunal Regional Eleitoral, por descumprimento da legislação eleitoral. Isso em 90 dias.

O atual é o financiamento público de campanha exclusivo. Não haveria outra fonte. O valor financiado são 812 milhões mais ou menos, pois varia de acordo com o número de eleitores. Fonte: Orçamento da União. Controle de prestação de contas: é possível serem controladas e auditadas. Máximo de contas que podem existir: 27, porque são 27 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Punições: é possível serem aplicadas.

Chamo a atenção exatamente para o repasse do dinheiro do Orçamento da União. É uma crítica, porque o cidadão vai dizer que, se o Governo não tem dinheiro para aumentar o valor do salário mínimo, para a saúde e educação, como vai gastar para financiar político numa campanha eleitoral? Não tem, porque o que se desvia do dinheiro do Orçamento para fazer caixa dois para as campanhas eleitorais é muito mais do que os 812 milhões.

Outra coisa: os senhores viram o Lalau, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, os anões do Orçamento, os gafanhotos, o Waldomiro, o PC. Estamos falando com pessoas vividas. Em cada eleição, cada Vereador e Prefeito sabe quem é o operador de campanha de cada político no Município. E esse cidadão ficou mais importante. Manda mais que Ministro e Secretário de Estado, porque tem nas mãos a intimidade daquele político. Esse é o ponto com o qual precisamos acabar. Estão querendo até criar uma faculdade para operador de campanha hoje em dia, tamanho é o crescimento dessa profissão no Brasil.

Em relação a esse fato específico, hoje temos emendas individuais. Só os 513 Deputados Federais e 81 Senadores somam em torno de 1,5 bilhão por ano de emendas individuais. Se estamos numa lista, não precisa mais de emenda individual. Com isso, somariam 6 bilhões de reais em 4 anos.

O SR. SENADOR JEFFERSON PERES - Permita-me um aparte, Deputado. Alguns Deputados do Amazonas, não todos, claro, têm esquemas absolutamente imbatíveis. Ninguém pode vencê-los numa eleição. Um tem 10, outro tem 15, outro tem 20 Municípios e Prefeitos deles. Aqui na Câmara dos Deputados, são governistas sempre, em qualquer Governo, porque precisam ser governistas para conseguir a liberação de verbas. Então, apresentam emenda ao Orçamento para seus Municípios e Prefeitos e conseguem tranqüilamente com os Governos aos quais aderiram a liberação de verbas. O Prefeito amigo libera ou contrata, mediante licitações viciadas, a empresa laranja dele e do Deputado. Fazem caixa dois, porque as obras são superfaturadas. Então, o Deputado é chamado para inaugurar a obra e ganha o apoio da população porque é um benfeitor do Município, fez o caixa dois para financiar a campanha, tem a máquina da Prefeitura para ajudar na campanha eleitoral. Esse sistema é imbatível.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Exatamente. É esse o quadro. Sabemos as dificuldades que teremos, mas temos de apresentar alternativas à população para que ela não pense que o sistema eleitoral ou a prática política vai continuar conforme o relato feito pelo Senador.

Próximo, por favor.

Disposição transitória de lista fechada para lista aberta.

Nas listas pré-ordenadas (fechadas), cada partido ou federação deverá preservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para as candidaturas de cada sexo. Apresentamos também detalhes de como, na convenção, isso iria ocorrer.

Fim do voto nominal nas eleições proporcionais, ou seja, não se votaria no Vereador, no Deputado Estadual, nem no Deputado Federal. Cantar-se-ia, nas eleições proporcionais, como válidos apenas os votos dados às legendas partidárias e às federações. O voto nominal seria no Prefeito, no Governador, no Senador e no Presidente da República.

Criação de federações partidárias. Não seria exatamente uma substituição às coligações, teria abrangência maior. Os partidos se aglutinariam em âmbito nacional e precisaria haver um período mínimo de convivência de 3 anos. Essa estrutura teria de ficar mantida por um período mínimo de 3 anos. Isso para não haver processo de coligação, no qual se vota em A, elege-se B, e a coligação, depois do dia da eleição, desaparece, e cada um vem para a Casa com o seu discurso ou com a sua proposta.

Estes são os detalhes da criação das federações.

Fim das coligações nas eleições proporcionais. O entendimento é de que cada partido deverá apresentar sua lista de pré-candidatos. Com isso, não caberá mais a composição e coligação.

Cláusula de desempenho. Por criarmos a lista pré-ordenada e ao mesmo tempo impedirmos as coligações nas eleições proporcionais, em entendimento com vários partidos, resolvemos diminuir — já que a lista fechada e a não-coligação nas eleições proporcionais também são cláusulas de barreira —, a fim de que cada partido obtenha 2% dos votos válidos e ao mesmo tempo eleja pelo menos um representante em 5 desses Estados. Esse passou a ser um ponto importante.

Outro ponto que não existia desde o Código Eleitoral de 1965 e que acrescentamos: os partidos que não atingiram o quociente partidário poderão participar das sobras de votos. Hoje, essas sobras ficam restritas apenas aos partidos que atingiram o quociente eleitoral. Pode-se ver um Parlamentar que obteve 99 mil votos não atingir o quociente eleitoral de 100 mil e, no entanto, ver um outro partido trazer para a Casa um Parlamentar que teve 30 mil ou 40 mil votos.

Nessa nova legislação, ampliamos a participação política feminina. O instituto ou a fundação partidária de educação política destinará pelo menos 30% do fundo partidário para estimular a participação da mulher no processo eleitoral. Vejam os senhores que, no Congresso Nacional, apenas 8% das mulheres ocupam as cadeiras na Câmara dos Deputados. Nos países onde há lista fechada, esse percentual vai de 36% até 45%. Também será dado a elas maior espaço no tempo de rádio e televisão pelo horário gratuito dos partidos.

Vou mostrar-lhes rapidamente um quadro bem explicativo da bancada eleita em 2002. O PT, com 91 Deputados Federais, manteve os 91; o PFL elegeu 84 Deputados Federais, perdeu 21 em 13 meses; o PSDB perdeu 18 Deputados Federais; o PDT perdeu 9 Deputados Federais; o PTB de 26 Deputados foi para 52, dobrou a bancada, mas não foi no voto e sim na sucção, igual uma sanguessuga, uma drenagem direta.

O SR. SENADOR JEFFERSON PERES - Permite-me, Deputado. Por mera coincidência, somente os partidos de oposição perderam.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Exatamente.

O PL de 26 foi para 43; e o PP de 49 subiu para 54 Deputados Federais. Não repassei todos os 125, mas o maior percentual de cada partido.

Muito obrigado e desculpem-me pelo avançado da hora. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - A tolerância da Mesa foi mais que justa, porque este tema é importante, o trabalho é alentado, sério, o que significa uma verdadeira revolução nos costumes político-eleitorais do País. E temos de trabalhar para isso.

Claro que esse projeto sofre fortíssimas resistências na Câmara dos Deputados, na medida em que o conservadorismo é inato. Por que mudar um sistema que me permitiu chegar até aqui? Esse deve ser um pensamento muito forte. Mas vamos insistir em seminários como este, que se sucedem pelo Brasil afora e são muito importantes.

Convido para usar da palavra o professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Bruno Reis.

O SR. BRUNO REIS - Obrigado, Deputado.

Agradeço à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar pelo convite, cujas razões permanecem para mim um mistério até agora, mas é um prazer e uma honra participar do debate.

Certamente, minha apresentação é dificultada pela qualidade das intervenções anteriores, tanto pela autoridade moral que emana de toda intervenção do Senador Jefferson Peres quanto pela evidente competência com que o Deputado Ronaldo Caiado conduziu, como Relator, o projeto de reforma política nesta Casa.

Essa competência é visível pelo vigor com que a proposta pode ser defendida. Ela permite ao Deputado exibir o vigor na sua defesa porque é boa e toca em pontos fundamentais, com todos os riscos que mudanças desse tipo necessariamente comportam. Posso dizer, em meu nome e no de vários colegas com os quais tenho eventualmente conversado ao longo dos últimos 10 anos, que essa proposta congrega opiniões, teses bastante disseminadas no meio dos que ensinam ciência política por este País afora. Portanto, este projeto é um avanço.

Há, pelo menos, duas teses que me são bem caras e que caberia sublinhar. O projeto tem o mérito de eventualmente avançar sem ao mesmo tempo ter de se obrigar a reinventar a roda. Faz essa revolução a que o Deputado Chico Alencar se referia sem ter de reorganizar drasticamente todo o sistema eleitoral. São intervenções pontuais, tópicas, de efeitos eventualmente controláveis, testáveis, reversíveis. Por exemplo, ninguém está partindo para uma redistritalização de todo o sistema eleitoral do País. Ele opera na legislação infraconstitucional, é um projeto de lei. Tudo isso são méritos importantes que aumentam a viabilidade do projeto e a responsabilidade com que seria implementado.

As duas teses que me são bastante caras e das quais me lembro são as que o Dr. Jairo Nicolau, há mais de 10 anos, se referia. Os debates eram abertos, e as pessoas falavam em distrital puro, distrital misto, etc. Ele dizia que existem duas coisas que se tem de fazer — e esse projeto as contém. Primeira, restringir coligações nas eleições proporcionais do ponto de vista puramente filosófico da consistência com o sistema proporcional. Se operamos com o sistema proporcional, presumimos que os partidos de alguma maneira significam algo. Portanto, a proporção de voto que os partidos tiveram numa eleição deve estar representada no Parlamento. As coligações nas eleições proporcionais falseavam isso, produziam distorções notórias. Claro que havia mal-estar, por outro lado, com a inviabilização de pequenos partidos que eventualmente poderiam querer cultivar sua identidade, ainda que com pouca expressão parlamentar. Essa dificuldade é engenhosamente viabilizada pela criação da figura das federações que, na verdade, me surpreendeu quando dela tomei conhecimento. Não tinha me ocorrido e acho bastante engenhosa. Cristalizam-se essas coligações um pouco mais e permitem-se que eventuais afinidades entre blocos partidários ganhem expressão eleitoral, expressão na Câmara dos Deputados, permitindo ao mesmo tempo tanto a transparência da representação quanto a sobrevivência de expressões, porém legítimas.

Segunda, é a lista fechada, ponto que me é caro e mais polêmico, que, com todos os riscos e incógnitas que suscitam, é mais afim ao princípio proporcional do que a lista aberta e tende a produzir desejável fortalecimento organizacional dos partidos. Um dos sintomas mais evidentes dessas vantagens é o fato de que a lista fechada substitui outras cláusulas de barreira draconianas, prazos longos de filiação, restrições um tanto arbitrárias à operação do sistema. Por que alguém tem de permanecer 3 anos nos partidos? Por que tem de ser 5% e não 4%, ou 3%, ou 2% como cláusula de barreira? Isso tudo é sempre um número mágico, mais ou menos arbitrário. Se presumimos que os partidos significam algo, por que não esse partido fixar e oferecer sua chapa, apresentar-se como tal, e não como coleção de indivíduos, e permitir ao público decidir? Tende a ser educativo a médio prazo, com todas as dores do parto que provavelmente suscitará.

Apenas tentando mobilizar um pouco de literatura, gostaria de lembrar que lista aberta em sistema proporcional é relativamente excepcional. O caso típico em regime de representação eleitoral proporcional é uma lista fechada. Em alguns lugares, onde há sistema misto, toma-se a propensão a voto individualizado como sintoma de relativa despolitização e desinformação política do eleitorado. Há uma obra clássica sobre o caso da Itália, que presume que as regiões onde o voto nominal mais aparece seriam menos educadas politicamente em alguma medida.

Espero voltar ao assunto nos debates. Esses temas são polêmicos, mas, por enquanto, na minha apresentação, vou deter-me mais ao financiamento das campanhas. Talvez seja o problema mais dramático, e precisamos ser bem sucedidos nesta questão.

O Deputado Ronaldo Caiado, na sua apresentação, foi persuasivo para a importância de que isso funcione de maneira justa, mas é também onde nos deparamos com mais incógnitas, mais incertezas e mais dúvidas sobre nossa capacidade de operar eficazmente no sentido de, no limite, inibir o caixa dois, que é o que está em jogo aqui.

É difícil pensarmos num tema mais importante quando se trata de ética em eleições, que, afinal, é o tema deste seminário. Sobretudo, na medida em que começamos a ficar, como lembrou o Senador Jefferson Peres, mais aptos e capazes de controlar o processo de votação e apuração — e cada vez haja menos denúncias e suspeitas sobre manipulação direta, voto jogado fora, erros na apuração e fraudes eleitorais —, o grande foco de preocupações éticas, no que diz respeito à eleição, é o financiamento.

Provavelmente, aquilo que o Senador exprimia como sensação de certa deterioração ética na captação do voto diz respeito precisamente à nossa capacidade de controlar financiamento. Na verdade, é crucial, porque a definição, um dos atributos da democracia moderna é a pretensão um tanto extravagante de isolar o sistema econômico do político. Nenhuma outra sociedade, em outro momento da história fora do capitalismo democrático, pretendeu esse isolamento. Tipicamente, o indivíduo mais poderoso, dono do poder político, é também a pessoa mais rica. E a ostentação dessa riqueza é requerida como sinal externo de poder. Uma vez que nos tornamos democráticos, trata-se, nesse ponto, de isolar as duas coisas. Nenhum país do mundo pode gabar-se de ter conseguido fazer isso. A tentativa, de certa maneira, define o empreendimento democrático.

Sob essa perspectiva, a idéia do financiamento público exclusivo das campanhas pode parecer a solução. Devemos caminhar nessa direção. Isso certamente deve ser um desiderato. No limite, temos condições de dizer que ninguém está catando dinheiro no mercado, porque uma vez que pessoas tenham maior ou menor quantidade de dinheiro podem, eventual e livremente, doar mais ou menos dinheiro para diferentes pessoas. O poder econômico com suas assimetrias está, de certa maneira, numa sociedade estratificada, desigual, como a nossa, contaminando o processo. É preciso barrá-la. A minha dúvida é apenas a respeito da melhor maneira de se fazer isso, se vamos direto, etc. É algo inclusive a respeito do qual tivemos ocasião de trocar impressões lá fora. Confesso que toda a exposição feita pelo Deputado, há pouco, transforma algo que antes era uma resistência. Neste momento é, sobretudo, uma dúvida, ou seja, parte da persuasão está operando sobre mim, fico fermentando as idéias na cabeça.

Enfim, trago preocupações para compartilhar com o público e verificar o que poderemos fazer em seguida. Acompanho, em larga medida, o argumento apresentado num artigo recente do cientista político David Samuels, da Universidade de Minnesota, que operou a respeito disso em um caso brasileiro. De fato, são poucos os países que permitem aos candidatos arrecadarem e despender fundos por conta própria. O Brasil é um deles; os Estados Unidos é outro. Certamente, o atual cenário dos Estados Unidos quanto a isso não é de se orgulhar. Evitar que cheguemos a um estado igual ao deles é um desiderato. Atualmente, acompanhamos noticiário a respeito da corrida à eleição presidencial nos Estados Unidos, e a avaliação das perspectivas dos candidatos gira em torno basicamente da capacidade de arrecadar dinheiro. O problema naquele país com o ex Governador de Vermont, Howard Dean, que perdeu em Ohio, produziu reversão nas expectativas e não consegue mais arrecadar dinheiro. Está liquidado. Quinze dias depois, ele foi verificar e estava liquidado mesmo. Quer dizer, há algum problema aí, porque ele parecia imbatível uma semana antes.

O problema básico não é tanto o que se proíbe ou se permite legalmente. Escândalos de caixa dois e de campanha têm abalado governos do mundo todo, embora ninguém possa arrecadar dinheiro. Na Alemanha, na França, na Espanha, enfim, em toda a Europa, no Japão, escândalos sucessivos sobre arrecadação de campanha têm sido a fonte principal de problemas e dores de cabeça para governantes e, sobretudo, ironicamente, para ex-governantes. Esses problemas aparecem quando eles deixam o poder.

A questão crucial, portanto, seria averiguar a capacidade estatal de impor a observância da proibição. Isso requer uma série de coisas que vão além da legislação eleitoral stricto sensu. Poderia requerer um substancial fortalecimento da capacidade fiscalizatória do Poder Judiciário, do TSE, embora devo conceber que o Deputado Ronaldo Caiado argumenta persuasivamente a respeito da economia envolvida, ou seja, em vez de lidar com milhares de contas, a lista fechada diminui drasticamente a quantidade de candidatos formalmente concorrendo, do ponto de vista relevante da fiscalização, o que é importante. Mas além do aumento da capacidade fiscalizatória, talvez também requeira, para a sua plena eficácia, mudanças legais nos sistemas bancário e tributário. Na verdade, dinheiro de caixa dois normalmente vem de caixa dois. Quer dizer, o dinheiro de caixa dois de campanha sai de um caixa dois de empresa. Na medida em que as empresas estão encorajadas a ter legislação tributária, não conseguem encorajá-los a legalizar o excesso de dinheiro. Assim como a legislação eleitoral eventualmente obriga o caixa dois de campanha, muitos empresários vão alegar que a legislação tributária obriga caixa dois nas empresas, no bom sentido. Independentemente de entrar no mérito, se é verdade ou não, eles existem. Isso pode ser uma fonte de contaminação, uma vez que existe dinheiro sobre o qual a receita não tem controle, não se conhece rigorosamente. Isso é um dinheiro que pode vir a contaminar, independentemente da expansão da capacidade fiscalizatória do TSE. Embora, é claro, sinais exteriores de riqueza, como disse o Deputado, são sempre sintomas que os tribunais podem perseguir.

Portanto, essa pode ser pelo menos uma razão de cautela quanto ao financiamento exclusivamente público. Para termos esperança de fiscalizar adequadamente as campanhas, temos de ser capazes de fiscalizar, também de forma adequada, as empresas ou então de incentivá-las, tanto quanto possível, a declararem as contribuições feitas. O problema é que essa tática fica excluída com o financiamento exclusivamente público, a questão de se ter eventualmente um sistema engenhoso de incentivos fiscais e tributários que encorajem a declaração da contribuição feita, porque o financiamento sobretudo público torna de imediato ilegal toda a contribuição. Talvez haja a questão de custo/benefício. Sete reais por eleitor resulta — isso pode ser um mérito, mas também um ônus — em um gasto total bem menor do que o que se gasta hoje em campanhas eleitorais. O risco que se corre, na ausência de providências adicionais, é aumentar o incentivo ao caixa dois pelo fato de introduzir um garrote importante sobre o orçamento das campanhas. É mais fácil fiscalizar com a lista fechada. Mas ao mesmo tempo em que entra o financiamento público e ele reduz drasticamente o orçamento, pode ser que a... Pergunto-me: o que faria o TSE se efetivamente começasse a acontecer uma certa desobediência generalizada? Talvez o TSE e os tribunais eleitorais se vejam obrigados a coibir os casos mais graves e encontre uma solução de compromisso que acabe... Temo que a lei seja desmoralizada.

O artigo do cientista político americano David Samuels, que tem um bom trabalho sobre o assunto, chega a recomendar um sistema misto que comece o processo de expansão do financiamento público por uma redução importante do valor máximo de contribuições permitidas e produza um processo transicional, que talvez tivesse como horizonte um financiamento exclusivamente público. Mas talvez a questão seja avaliar o custo/benefício e um ponto ótimo de capacidade de implementação da lei. É uma estratégia que os americanos são especialistas desde a Independência, desde que fizeram a Constituição. Em vez de esperarem que se instaure o reino da virtude de alguma maneira ou contar que o Governo vai ser capaz de impor observância de um comportamento estritamente virtuoso, eles operam de maneira que presuma o vício e tentam minimizar-lhes os malefícios. Fazem um cálculo custo/benefício e tentam ver como operar. Eu não tenho resposta, em princípio, para qual seria a melhor maneira de fazer isso no Brasil. Tenho certeza de que os Deputados desta Casa estão em muito melhor posição do que eu para avaliar a capacidade de implementação de uma ou de outra proposta. Estou apenas trazendo uma preocupação.

Em suma, era o que gostaria de trazer para o debate. Outras considerações e anotações que eu poderia ter prefiro deixar para depois, para que todos possamos conversar melhor.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Prof. Bruno Reis.

Vamos agora aos debates. Operosas e dedicadas servidoras da Comissão podem colher as inscrições. As pessoas poderão usar o microfone. Quem tiver maior inibição pode fazer o questionamento por escrito e enviá-lo à Mesa. Serão em torno de 10 inscrições. Peço aos debatedores que anotem as eventuais perguntas. Vamos fazer 2 blocos de 5 perguntas. Claro que o debate não é só para perguntas, a pessoa pode e deve também trazer o seu ponto de vista.

Peço aos senhores que se identifiquem.

O SR. LUIZ FILIPE MÚCIO - Sou advogado e milito em política desde os 13 anos de idade. Como advogado, tive oportunidade de participar de praticamente todas as eleições que se realizaram neste País.

Quero, publicamente, manifestar meu apoio ao projeto de lei que está sendo apresentado pelo Deputado Ronaldo Caiado. Ao mesmo tempo, manifesto minha esperança de que medidas como essa possam ser aprovadas para o bem do País.

Também gostaria, com o devido respeito, de posicionar-me contrariamente à posição do Prof. Bruno Reis. A grande verdade é que para as coisas acontecerem neste País devemos adotar medidas duras e imediatas ou não resolveremos absolutamente nada. Medidas paliativas, que procuram introduzir modificações mínimas, tendem a ser deturpadas com o passar do tempo e cair no velho ramerrão do politicismo brasileiro. E vimos isso acontecer na história do País e na dos Tribunais Regionais Eleitorais e na do Tribunal Superior Eleitoral. A tendência do Poder Judiciário, sem qualquer crítica, é sempre ser benevolente, e nós, advogados, contribuímos efetivamente para que isso ocorra.

Apenas desejo manifestar publicamente o meu entusiasmo por estar participando deste seminário — repito. Apesar desses anos todos de ceticismo quanto à política brasileira, podemos contribuir de forma efetiva com projetos dessa natureza.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Luiz Felipe.

O segundo inscrito é o Sebastião dos Santos, de Lavras, Minas Gerais.

Estão também inscritos Costa Neto, Adísia Sá, Rubens Canizares e Márcio Costa.

O SR. SEBASTIÃO DOS SANTOS VIEIRA - Sou Vereador na cidade de Lavras. Estou aqui acompanhado de mais 3 colegas da Câmara de Vereadores de Lavras. Também sou médico urologista — o Dr. Ronaldo Caiado é cirurgião.

É um prazer estar aqui. Estou feliz por participar desta ampla discussão. É triste sairmos da nossa cidade e constatarmos que poucas pessoas participam do debate. Ontem, a Deputada Luiza Erundina manifestou tristeza por não haver participação mais ampla neste debate.

Também estou feliz por conta das mudanças propostas. Tenho assistido a algumas discussões e creio que há muita coisa errada no que se refere à ética na política. Às vezes as nossas leis são muito falhas e abertas; deveriam ser mais apertadas no sentido de dificultar.

Quero registrar 2 pontos que considero importantes. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada para melhorar, mas poderia ser um pouco mais contundente. Hoje, percebo os efeitos dessa lei não só na minha cidade, mas em todo o País. É essa lei que dá aos Prefeitos a possibilidade de realizarem algo. Mas muita coisa que se pede, que não seja do interesse do Prefeito ou do partido, fica restrita à Lei de Responsabilidade Fiscal, que não permite a realização.

A Lei de Responsabilidade Fiscal deveria determinar que no último ano antes das eleições nada que fosse de ordem politiqueira pudesse ocorrer. Muitas coisas no Brasil acontecem mesmo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, ela deveria ser mais apertada, mais contundente, deveria dificultar mais.

Aconteceu um problema comigo e com os colegas presentes. Gostaria de saber como será a solução desse problema com essa mudança política. Na minha cidade, os partidos se organizaram e não deixam entrar um Vereador. Os partidos foram se estruturando e dizem: "Em meu partido, Vereador não entra". Então, os Vereadores tiveram que ficar todos no mesmo partido. Há 7 ou 8 Vereadores no mesmo partido.

Da maneira como está em minha cidade, não vai ser mais por candidato e sim por partido. Hoje são 17 Vereadores no mesmo partido, porque os outros partidos não deixam entrar nenhum Vereador. Os outros partidos pensam: "Ele está querendo vir pegar os votos dos outros e se eleger. Aqui não vai entrar". Como vai ficar essa situação? Essa questão já está sendo um problema. São Vereadores honestos, que trabalham, que fizeram um bom trabalho, mas agora, por questão de legenda, muitos vão ficar de fora da participação política no Município.

Queria saber, com essas novas mudanças, o que vai acontecer agora e no futuro.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Sr. Sebastião.

Concedo a palavra ao Sr. Costa Neto. Em seguida, à Sra. Adísia Sá. Se as pessoas quiserem aproximar-se, podem fazê-lo.

Como há 6 inscritos, farei o bloco da intervenção do Plenário. Depois a Mesa responderá e fecharemos os trabalhos da manhã.

O SR. COSTA NETO - Bom dia à Mesa, ao Deputado Ronaldo Caiado e a todos os presentes.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - O senhor é de onde?

O SR. COSTA NETO - Sou de Imperatriz, Maranhão.

Em relação aos gastos de campanha, é fácil resolver a questão. Primeiro, o voto não deveria ser obrigatório. Segundo, analfabeto não deveria votar. O analfabeto sabe votar, mas não sabe em quem votar. Por exemplo, se entrarmos na casa de uma pessoa, ela diz: "Só posso votar em você se me der um sapato". Os políticos estão investindo no eleitor e não na campanha. A partir da hora em que se investir na campanha, deixará de haver o problema de gasto excessivo, pois só se investirá nela. Por exemplo, 7 reais por eleitor. Esses 7 reais deveriam ir para a saúde, algo essencial. Esse recurso sairá de algum lugar, já que é um gasto público.

Na minha opinião, o voto não deveria ser obrigatório. A partir daí, escolhe-se quem quiser e o programa de partido.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Agradeço ao Sr. Costa Neto.

Concedo a palavra à Sra. Adísia Sá.

A SRA. ADÍSIA SÁ - Bom dia. Sou jornalista do Ceará, Fortaleza, do jornal O Povo. Sou membro da Comissão de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas.

Minhas perguntas vão para o Deputado Ronaldo Caiado. Primeira: com relação à verba por partidos, como será a cota por candidato? Segunda: quais os critérios para formação das listas de candidatos? Terceira: o que inibe ou impede a compra do voto no corpo a corpo dos candidatos? Quarta: como são proclamados os vitoriosos, ou seja, como se sabe quem foi votado e por ordem?

Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Agradeço à Sra. Adísia Sá a objetividade.

Concedo a palavra ao Sr. Rubens Canizares.

O SR. RUBENS CANIZARES - Bom dia a todos. Sou Vereador de Londrina. Estou participando do Congresso com os Vereadores Bordin e Kanashiro, que estão presentes. Ontem falei sobre a questão e hoje vou aproveitar a presença do Deputado Ronaldo Caiado para perguntar mais claramente.

Algumas questões são extremamente polêmicas quando se trata de ética. Imaginei uma maior participação neste importante Congresso, nem tanto por parte dos Deputados Federais da Casa, que têm seus trabalhos — e hoje há sessão —, mas por parte de Vereadores, Prefeitos e Deputados Estaduais.

Fiquei imaginando, Deputado Ronaldo Caiado, se não estamos tratando neste projeto de algumas questões um pouco utópicas. Como disse ontem, devemos tratar questões éticas na base, vinculando-a à educação e começando pela conscientização da classe política, pois temos de mudar a imagem de o político fazer de seu mandato um balcão de negócios.

Como disse o Senador, em todos os Estados e Municípios há compra de votos. E sabemos quem são realmente os operadores de campanha, quem faz caixa dois. Hoje, no Estado do Paraná, o caixa dois já está oficializado e já se chega ao caixa três, caixa quatro, ou seja, está totalmente profissionalizado esse subterfúgio de campanha.

Discordo do projeto no sentido de supor que o financiamento público de campanha vai dar um basta ao caixa dois. Não acredito que isso seja possível se não mudarmos a mentalidade da política e, principalmente, dos políticos. Vamos continuar tendo políticos para os quais o financiamento público de campanha vai ser uma verba a mais, pois quem tiver condições de fazer essa arrecadação de campanha vai continuar do mesmo jeito.

Se o projeto mudasse a consciência política — o que sei ser impossível —, tudo bem; mas ele não muda. E este é o grande problema que vejo: em vez de nós, políticos, fazermos um trabalho de base nos bairros, passando pela realidade de Vereador e fazer um acompanhamento da população, fiscalizar a Prefeitura, exercer realmente o mandato, vamos ter de nos preocupar com o partido para garantir o nome em uma lista. Enquanto isso, os políticos sem-vergonha, em vez de comprar eleitores, vão comprar partidos, para garantir seus nomes nas listas.

Para garantir estar nessa lista será necessário conceder excessivo poder aos partidos ou a um presidente regional de partido. A gente sabe hoje que a municipal depende da estadual e a estadual depende da nacional. Vai-se acabar fechando uma lista e escalando um time que não se mexe. Quantos o PT, o PMDB, o PSDB, o PFL ou qualquer outro — sou filiado ao PHS — vai eleger, por exemplo, em Londrina? Já se sabe mais ou menos quantos determinado partido elege, um a mais ou a menos.

O que me preocupa é se não estamos tratando este projeto com utopia, se ele não está lidando com a questão da conscientização e, claramente, com a questão de se ter uma definição da questão ética na política. Não vejo o projeto como solução: ele provoca mudanças, tem suas vantagens e desvantagens, mas não resolve, por exemplo, o problema do caixa dois de campanha. Pelo contrário, acho que poderá representar reforço no caixa de campanha ao dar força aos partidos, pois quem faz arrecadação de campanha para caixa dois, se estiver entre os primeiros da lista, com boas chances de se eleger, vai continuar operando o caixa dois da mesma forma.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Com a palavra o antepenúltimo inscrito de nossa relação, Sr. Márcio Costa.

O SR. MÁRCIO COSTA - Bom dia a todos. Sou servidor da Câmara dos Deputados.

Quero abordar algumas preocupações sobre este projeto de lei, até porque, durante todo o ano passado, acompanhei a Comissão Especial que promoveu calorosos debates sobre o tema.

Em tese, sou a favor do financiamento público de campanha e do corpo do projeto, mas para que ele possa, até pelas resistências que existem na Casa, ser melhor debatido e até aprovado, há que se resolver algumas fragilidades e algumas preocupações.

A mais importante delas, e central, é a que toca sua legitimidade, porque esse projeto muda substancialmente a forma de se fazer política no Brasil. Houve o projeto das Diretas, de alta legitimação, e houve o projeto da mudança do sistema de Governo, submetido a plebiscito. Talvez coubesse a esse projeto um referendo. Digo isso porque há nele o aspecto do aumento da carga tributária.

Pelas palavras do próprio Deputado Ronaldo Caiado, esse aumento hoje representaria mais de 800 milhões de reais, que, segundo o Sr. Bruno Reis, não seriam suficientes. E concordo que 7 reais por voto não é quantia suficiente para a disputa eleitoral. Nas eleições seguintes, poderiam esses 800 milhões passar para 1 bilhão, ou mesmo para 2 bilhões. E, por este fórum de debates, notamos que a população que compra pão, arroz e feijão está interferindo nesse processo de significativa mudança. Esse é um aspecto do projeto que vai ser muito atacado.

Outra questão também fundamental é a forma por meio da qual se governa no Brasil: a coalizão. Será ela mantida? E como formar maioria, já que o Governo precisa de maioria? Com a cláusula de barreira, hoje em 2%, teríamos 12 partidos na Casa; com 5%, teríamos 7 partidos. Com 12 partidos na Casa, e o PT, o maior de todos, com 17,5% dos votos — menos de 20% —, como formar maioria para governar? Não mais se comprarão Deputados, mas sim os partidos por inteiro? Essa é outra questão fundamental a que esse projeto não responde.

Da mesma forma, o projeto não responde à questão da fidelidade partidária, tampouco do próprio financiamento de campanha. Como cuidar do financiamento de campanha? E aí o Sr. Bruno trouxe a fórmula do Prof. Samuels, que é a gradativa mudança do financiamento privado para o público.

E mais: do meu ponto de vista, o remédio que o projeto traz significa a pena de morte para os partidos, afinal, uma vez que o partido desobedeça qualquer item do projeto, todos os Deputados perderão o mandato.

Deixo, portanto, a interrogação: o projeto, dessa forma, passa?

Gostaria que os debatedores me ajudassem nesse trabalho de convencimento do projeto.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Com a palavra a Sra. Lucimar Nascimento.

A SRA. LUCIMAR NASCIMENTO - Bom dia. Sou professora da rede pública do Distrito Federal e também da rede pública em um Município do entorno de Brasília, região complicada que o Deputado Ronaldo Caiado conhece em razão das várias campanhas que já fez.

Diante da intervenção feita pelo Vereador de Londrina e, sobretudo, dos dados apresentados ontem pelo Sr. Cláudio Abramo, da ONG Transparência Brasil, sobre as pesquisas e estatísticas que revelam que jovens entre 16 a 24 anos são os que mais facilmente vendem votos, pensando como educadora e professora de história e sociologia e que trabalha com jovens, constatei que realmente é preciso repensar o processo educacional no Brasil.

Há uma certa frustração, pois se pensou que, com a redemocratização do País, isso iria melhorar. Acho que melhorou muito, mas, ultimamente, não sei se por angústia ou tristeza de ver tantas coisas acontecendo, se começou a perceber que isso ainda está muito falho.

Por que estou dizendo isso? Nós, professores preocupados com essa questão, estamos tendo dificuldades. Há uma rejeição, dentro das escolas, por parte dos professores, dos diretores e dos próprios alunos de debater este tema, o processo político no País. Além de professora, sou militante há 19 anos do Partido dos Trabalhadores e sei que acabam nos vendo o tempo todo como pertencentes à militância tal ou ao partido tal. Então, há dificuldade de introduzirmos esse tema no processo educacional, e acho que isso tem que ser repensado por várias entidades, pelo Governo, enfim.

A implementação, o funcionamento de uma lei em um País, em um Município, é um processo cultural, é um processo histórico. Implementa-se a lei e, ao longo do tempo, vai-se aperfeiçoando, as pessoas vão entendendo a nova lei e as novas questões que ela apresenta. Nesse sentido, quero ouvir mais sobre o projeto. Acho que é um bom projeto, mas quero pensar um pouco antes da implementação da lei. Há muita angústia ao vermos a situação dessa região do entorno, mas começamos a notar que não é só aqui. Mas a nossa situação é muito delicada. Acho que quem mora distante ouve muito falar dos problemas da região do entorno, da gravidade da situação em todos os sentidos, violência, tudo.

Tudo bem, é um projeto de lei, mas fico pensando no que aconteceu nas eleições passadas e no que vai acontecer nesse processo das eleições de 2004, sob a égide da lei que existe atualmente. Nesse sentido, fico pensando no que pode ser feito. E não dá para esperar muito tempo, pois retomo o que disse ontem em relação à maneira como foram eleitos os Vereadores na última eleição. Cito principalmente o caso da Irmã Helena. O que ela fez e como ela se elegeu, enfim, o que aconteceu, foi um tapa da na cara de todo mundo — do Poder Judiciário, do Ministério Público etc. Mas ficou tudo por isso mesmo. Não seria o caso de promover essa capacitação, esse investimento maior no estatal, principalmente no Poder Judiciário e no Ministério Público?

Sou uma peregrinadora do Ministério Público. Quando chego em minha cidade, a promotora reclama porque só ela é promotora na cidade e há 10 mil processos para serem avaliados. Portanto, não há condições. Os processos ficam esperando, esperando, e os Vereadores que cometeram crimes eleitorais — especialmente a Irma Helena, um caso que cito em todo lugar que vou, porque temos grande indignação em relação a esse caso — encerrarão seus mandatos este ano e tudo vai ficar por isso mesmo, sem qualquer punição.

Portanto, acho que temos que trabalhar pela aprovação do projeto, mas neste momento é preciso pensar também em fortalecer o Poder Judiciário e o Ministério Público, para que não aconteça ainda por mais duas ou três eleições o que vem acontecendo historicamente no Brasil.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Lucimar. Finalmente, concedo a palavra para a Ana Maria.

A SRA. ANA MARIA - Bom dia. Cumprimento os componentes da Mesa e todos os presentes. Sou do mesmo Município da Lucimar. Sou professora, com formação em pedagogia, e já fui diretora de duas escolas no Município. No momento, estou na Secretaria de Educação, lidando com a formação do professor no Município. Resolvi entrar para a política porque o Município onde moro há 19 anos, Valparaíso de Goiás, é novo, emancipado em 1995, com eleição em 1996. Estamos na segunda gestão. Tivemos 2 Prefeitos, mas o nosso Município está em petição de miséria. Nós, educadores, estamos conscientes disso. Mas há muitas questões que não convém comentar aqui.

Tudo que ouvi foi gratificante, pois estou aprendendo. Pretendo ir para a vereança — aliás, não sei até onde vou, mas será com muita fé e determinação, por um Município melhor, por mim, pelos meus filhos, pelos meus netos. Tudo que vi até agora não me satisfaz e me deixa indignada.

Com relação à ética na política, em nosso Município já começaram aquelas estratégias vergonhosas de alguns políticos. Gostaria de deixar aqui uma proposta. Eles começaram um trabalho sobre o qual precisamos esclarecer as pessoas nas bases, pessoas de poder aquisitivo mais baixo e com menor grau de instrução mas que não são idiotas. Não é utopia da minha parte, tenho fé e vou fazer com que essas pessoas se façam respeitar, ou seja, que tenham dignidade para pensar no Município de uma forma melhor, que imponham respeito.

Domingo passado, levantei uma bandeira e fui à luta mesmo. Fiz uma reunião no Pacaembu 1, uma comunidade pobre que conheço bem, porque fui diretora em uma escola próxima por 4 anos. Sentei-me com aquelas pessoas — havia mais ou menos 38 pessoas, fora as crianças, porque quando aparece alguém de fora a comunidade faz festa, quer saber das novidades, etc. e tal — e fiz um esclarecimento: que ficassem com um pé atrás em relação ao espírito doador de alguns políticos; que há 8 anos estamos vivendo num processo democrático verdadeiro e a comunidade continua no anonimato, na pobreza, sofrendo com a falta de respeito, enfim, em uma bagunça total. Até o acesso ao local é complicado. Inclusive, tive o pneu do carro furado quando ia para lá.

Peço aos presentes que espalhem essas informações. Vamos à luta! Vamos esclarecer as pessoas que não têm acesso às informações! Vou propor à Irmã Dagmar que estruturemos uma forma de passar as informações que aqui obtivemos aos companheiros de partido, o PSC.

Obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Ana Maria.

Após a exposição dos 8 participantes relacionados, que nos trouxeram contribuições muito ricas e nos mostraram que a cidadania está viva, passaremos à parte final do nosso painel no período da manhã.

O Deputado Ronaldo Caiado registrou com muita pertinácia todas as questões e irá agora respondê-las.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Primeiramente quero agradecer as palavras ao Dr. Luiz Filipe, que não só manifestou apoio ao projeto como deu sua contribuição como advogado com vivência na área da legislação eleitoral. Vamos recorrer a V.Sa. no momento em que tivermos dúvidas também quanto à prática da legislação eleitoral. Agradeço também ao Sebastião dos Santos, Vereador do Município de Lavras, Minas Gerais, que teceu comentários sobre como está sendo burlada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que passa a ser utilizada de acordo com o interesse e vontade do cidadão que está no exercício do Executivo.

Realmente, sabemos que isso existe, que a lei não coibiu o caixa dois e que tem sido, muitas vezes, em âmbito municipal e estadual, utilizada como maneira de não se dar resposta às reivindicações. Vamos trabalhar para aperfeiçoá-la, fazendo com que as pessoas que irão ocupar esse cargo sejam mais qualificadas. Essas situações acontecem quando há pessoas despreparadas, sem caráter ou compromisso com a ética, capazes de burlar tudo. Isso é uma verdade. Então, temos que melhorar também a qualidade daqueles que irão ocupar cargos executivos em âmbito municipal, estadual e federal.

Sobre o problema dos Vereadores, que, segundo o debatedor, hoje não encontram guarida em outros partidos políticos que não o PP e que isso acontece porque os partidos não autorizam a entrada de Vereadores, quero deixar claro que é essa exatamente a situação que o atual sistema impõe. Isso é fruto do atual sistema. Isso só ocorre quando se tem um sistema como o de hoje. Por quê? Porque os partidos pequenos se aglutinam, fazem acordos e vão eleger um ou dois Vereadores, ou vão acertar quem vai ser o puxador de votos, mas não querem os que já têm estrutura montada ou que são Vereadores. Dentro da lista fechada ocorre o contrário: se o Vereador for competente, sério e amanhã quiser mudar de partido, todos os convencionais e delegados estarão suscetíveis a trazer aquele Parlamentar para o seu partido e, portanto, esse Vereador não terá a menor dificuldade.

Por isso vejo que o que V.Exa. relata é exatamente fruto do atual sistema, ou seja, precisamos modificar esse ponto também, para não deixar com que haja essa utilização do partido apenas para atender à necessidade de um jogo de pessoas.

O Sr. Costa Neto, representante da cidade de Imperatriz, no Estado do Maranhão, declara-se contrário ao voto obrigatório e ao voto do analfabeto. Quero dizer da minha posição 100% contrária às posições de S.Sa.

Em primeiro lugar, o voto obrigatório é a garantia que você dá ao cidadão humilde, àquele cidadão desassistido. Caso contrário, principalmente em Imperatriz, que conheço bem, só vão votar aqueles que tiverem a permissão de alguns. O cidadão diz: "Olha, você não precisa votar. Você é funcionário aqui, é empregado aqui na minha fazenda, enfim, não precisa votar". Portanto, ele seleciona quem vai votar. Os que vão votar estarão de acordo com os poderosos da região. Será dia de serviço, não haverá obrigatoriedade, então, não é preciso votar.

O Deputado Chico Alencar e o Prof. Bruno falaram sobre a situação dos Estados Unidos, onde o voto é facultativo. Eles estão pensando em rever essa posição, porque se o voto fosse obrigatório provavelmente o atual Presidente não teria chegado ao poder.

Esse é um outro tema que caberia em outro seminário, pois a discussão seria exaustiva. Mas acho que a posição deve ir em sentido exatamente contrário. Isso mostra o porquê de o Brasil ser hoje a segunda maior democracia do mundo em participação dos eleitores nas urnas. Isso se dá exatamente pela obrigatoriedade do voto. Acho isso um ponto positivo e é o que dá garantia ao cidadão humilde de poder exercitar a cidadania.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Deputado Ronaldo Caiado, fazendo um adendo às observações de V.Exa., quero dizer que sempre me elegi apresentando essa idéia. Sempre fui muito simpático à idéia do voto voluntário, porque só o cidadão consciente, que estaria entendendo mesmo aquele bem da cidadania, que é o voto, iria exercê-lo. Se o voto fosse voluntário, o curral eleitoral seria extinto. Mas, sinceramente, estou repensando isso, até porque, às vezes, não mudar de idéia é não ter idéia.

Hoje começo a considerar mais essa proposta, a partir de vários argumentos na mesma linha trazida pelo Deputado Ronaldo Caiado. Não é uma questão fechada no PT, até porque o voto, além de ser um direito, também é um dever. De fato, no tempo da eleição, a obrigatoriedade faz com que o cidadão mais alheio ao processo pelo menos se interesse, ainda que nos últimos 10 ou 5 dias da propaganda na televisão. Ele vai olhar a propaganda e vai pensar: "Eu tenho uma decisão a tomar".

Se estabelecermos o voto voluntário — não tenho opinião formada, estou apresentando aqui a minha dúvida, acho ser uma boa questão para um seminário &mdasho; efeito poderá ser até contrário ao que os defensores dessa idéia pretendem.

Lembro que uma vez, não em Imperatriz, mas no interior de Pernambuco, numa cidade chamada Mirandiba, li uma frase pichada na parede que me chamou muito a atenção: "Seu Nicácio, homem que cuida da pobreza mesmo fora do tempo da política". E eu perguntei a um camponês, uma figura extraordinária, Sr. Oscar, morador da região, quem era o Seu Nicácio. O Sr. Oscar respondeu que ele havia sido Prefeito, era candidato novamente e estava querendo dizer que não era daqueles que apenas aparecem... Perguntei-lhe o que era "tempo da política", e ele me respondeu que era a época da eleição.

Infelizmente, hoje, no Brasil, a política restringe-se à eleição. Fora isso, as pessoas cuidam de suas vidas, de sua sobrevivência, dos amores, do futebol e dos filhos, quando, na verdade, o grande desafio de todos nós aqui — e por isso somos poucos neste seminário — é horizontalizar a política, criar aquilo que o Boaventura de Souza Santos chama de "democracia de alta intensidade". No Brasil, a democracia ainda é de muito baixa intensidade. Talvez o voto voluntário contribua até mesmo para que essa densidade se torne ainda mais baixa. Essa é uma questão.

O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Em relação aos analfabetos, caminho conforme a mesma tese. Não podemos privar o cidadão analfabeto — que às vezes tem capacidade maior do que a dos alfabetizados — do direito de detectar as deficiências e analisar as dificuldades de sua região. Não podemos puni-lo porque o Estado não deu a ele a oportunidade, na infância ou adolescência, de ter acesso ao banco escolar.

Em minha opinião, esses pontos podem ser discutidos em outra oportunidade ou projeto. Desculpe-me o Costa Neto, mas eu não poderia deixar de comentá-los.

A Dra. Adísia, da cidade de Fortaleza, que aqui representa o Estado do Ceará, fez objetivamente 4 perguntas. A primeira delas: "Quanto será a cota por candidato?"

Dra. Adísia, eu gostaria que pudéssemos enxergar que, de acordo com a proposta, não se repassa dinheiro a candidato, ou seja, o repasse será feito ao partido político. O partido determinará o cronograma de todo o processo eleitoral. Não se repassa dinheiro para o Deputado Chico Alencar, para o Deputado Ronaldo Caiado, nem para qualquer pré-candidato. O partido definirá o calendário e promoverá os eventos. Nós, pré-candidatos, estaremos nos debates, na televisão, nos comícios e nos seminários defendendo a proposta do partido.

De acordo com a proposta, o candidato não tem compromisso com gastos, não terá obrigatoriedade de fazer santinhos, outdoors ou de contratar som. Todos nós estaremos no palanque dizendo: O nosso partido propõe isso, e os candidatos que defenderão essa tese são os de nomes A, B, C, D. O partido lançará os nomes, para que a população os analise. Com isso estaremos dando espaço para que as melhores pessoas daquela comunidade cedam seu nome e sua experiência para participar do processo eleitoral, o que não é feito hoje.

Portanto, vamos buscar o melhor sindicalista, o melhor líder dos trabalhadores, dos produtores, dos empresários, dos funcionários públicos, dos cientistas, dos professores, enfim, vamos buscar os melhores de cada área. Hoje, essas pessoas estão afugentadas do processo político porque sabem que terão de gastar dinheiro ou leiloar sua consciência para algum patrocinador de campanha. Então, o dinheiro será do partido.

A segunda pergunta é em relação à lista dos candidatos. Respondo que essa lista será identificada na convenção.

A terceira pergunta: "Seria mais fácil, então, comprar os convencionais. Como se dará o processo na convenção?" Se não me engano, o Vereador Rubens também formula a mesma pergunta e alega que o candidato preferirá aglutinar o caixa dois e, ao chegar à convenção, comprará os convencionais para ficar em posição privilegiada na lista do partido. Então, em vez de disputar lugar com os eleitores, o candidato vai disputar na convenção.

Hoje ocorre o seguinte: o cidadão registra a candidatura, vai para a base e faz o que no interior chamamos de "dobradinha com todo mundo". Aí sai o PHS em dobradinha com o PCdoB, com o PFL, com o PDT, com o PMDB e com uma série de partidos. E, se tiver dinheiro, ainda compra todos os Prefeitos e Vereadores do Paraná. E você, que perdeu a Prefeitura para ele, vai se queixar a quem? "O Rubens comprou meu Prefeito, como é que eu faço?" Você vai ficar no palanque chorando? Para quem você vai fazer a denúncia? Esse é o atual sistema.

A dúvida que existe é se esse cidadão vai comprar os votos dos convencionais no partido. Imaginem que estamos na convenção do nosso partido e determinada pessoa foi até lá para comprar meu delegado convencional. Como não existe segredo em política, em 2 minutos já saberei a proposta feita àquele convencional. Isso é bobagem.

Um Vereador experiente que está na audiência já sacudiu a cabeça, porque sabe como o jogo é jogado.

Em 2 minutos, já estarei na tribuna dizendo que, apesar de estarmos lutando pela transparência e pela ética no processo eleitoral, aparece esse cidadão propondo determinado valor a um convencional. Ora, trabalhei pelo partido, montei o diretório, atendi reivindicações partidárias, mas esse sujeito acha que, com dinheiro, um pára-quedista que chegou ontem ao partido pode corromper alguém como seu caixa dois. Ora, é o local mais adequado para desmoralizar, exatamente no âmbito do partido. É na convenção partidária que isso pode ser feito da melhor forma. Nessa hora, sem dúvida, terei pelo menos esse mecanismo para coibir as pessoas que não têm vida partidária ou qualquer compromisso com a cidadania. Dessa forma poderei excluí-los do processo. Assim, no momento do voto, os delegados poderão decidir se vale a pena votar no candidato que trabalha pelo partido, pelo Município e pelo Estado ou se é melhor votar naquele pára-quedista que se propôs a comprar o partido com o caixa dois.

Além disso, os outros partidos poderão pedir à população que não vote naquele partido porque a lista de candidatos dele foi feita como no processo de ingresso naquelas faculdades em que o sujeito tropeça, deixa cair a carteira de identidade e pouco tempo depois recebe a notícia de que foi aprovado no vestibular, notícia que recebe juntamente com o boleto bancário de 600 reais por mês. É isso o que acontecerá! Haverá determinados partidos agindo exatamente como as faculdades que não estão interessadas em formar pessoas, mas única e exclusivamente em ganhar determinado valor por mês. Mas esse partido terá votos? A lista apresentada receberá quantos votos? Nenhum. Quem votará em uma lista dessas?

É isso o que precisamos entender. A maneira de escolher o candidato vai mudar.

Se continuarmos a enfocar o sistema proposto de acordo com a ótica atual, será difícil entendermos. Mas se vocês entenderem que, a partir da lista, o cidadão vai buscar dinheiro para gastar na campanha, podemos perguntar que campanha será essa. Ele poderá até buscar dinheiro pessoalmente, para ampliar seu patrimônio à custa de dinheiro indevido, mas não terá como explicar por que quer dinheiro para financiar campanha que será custeada pelo partido. Ao se aproximar do cidadão para pedir dinheiro para a campanha, o cidadão poderá dizer que não vai ajudar porque esse auxílio não existe, já que também não existe o gasto.

Peço a vocês que comecem a analisar a situação a partir de outra ótica, e não da atual.

Atualmente, se pretendo ser candidato, sou obrigado a ter caixa de campanha, pagar outdoors, contratar trio elétrico, promover "showmícios", enfim, manter enorme estrutura pessoal, até mesmo para disputar com um colega de partido, para conseguir mais votos do que ele. Meu adversário não é alguém de outro partido, mas colega do meu próprio partido. Tenho que ter mais votos que ele, tenho que tomar os Vereadores e Prefeitos dele. Vejam que loucura é o atual sistema. O certo é que teremos como coibir ou pelo menos minimizar a compra desses convencionais, inibindo a prática atual de nossa política eleitoral.

Vou responder à última pergunta: "Como identificar os eleitos?" Se a lista registrar Zé da Silva, primeiro, Maria, segundo, Teresa, terceiro, Chico, quarto, José, quinto, e assim sucessivamente, se o quociente eleitoral no Município for de 2 mil votos e o partido atingir 10 mil votos, os 5 primeiros da lista serão os eleitos. Ou seja: quais serão os eleitos? Os 5 primeiros colocados. Portanto, os eleitos serão identificados pela ordem colocada.

Acho que foi o Márcio que perguntou sobre o interesse do cidadão em ser o terceiro, quarto ou quinto da lista, sabendo de antemão que apenas serão eleitos 2 ou 3 e que ele não terá chances de eleição.

Em primeiro lugar, vai depender da competência da lista. Se apresento uma lista boa, por que vou acreditar que normalmente aquele partido elegerá apenas 2? Não. Pode nem eleger um. O povo pode dizer que não quer determinado time na Câmara de Vereadores. Ele não vai votar nominalmente no candidato A, ele vai votar na lista partidária. A preocupação que o partido vai ter é a de buscar nomes que tenham credibilidade, densidade eleitoral e, ao mesmo tempo, carisma e simpatia ante a população do Estado e do Município.

Por que a pergunta já está predefinindo o número de eleitos por partido? Respondo: porque hoje a regra atual é essa. Hoje, cada um de nós sabe muito bem que um partido não é instrumento de cidadania, mas é instrumento de Governador, de Prefeito e de Presidente. Hoje, partido não é instrumento de cidadania. O Governador de Estado, há poucos dias, tomou 27 Prefeitos meus. Qual é o Prefeito que sobrevive com o atual sistema de pressão do Governador? É bobagem...

Então, o cidadão chega ao governo e, em 2 minutos, faz maioria na Assembléia e maioria no número de Prefeitos. Como é que você vai coibir isso sem se alterar o sistema eleitoral de maneira a acobertar — não quero dizer blindar —, ou pelo menos proteger esse cidadão que está no exercício de Vereador, de Prefeito, de Deputado Estadual, de Deputado Federal?

Se conservarmos as regras atuais, os Governadores farão sempre maioria, porque, estando no exercício, terão maioria. Se perder o mandato, todo mundo migrará para o partido que ganhar a eleição, porque o sistema atual induz a isso. Ele não protege o Deputado, o Vereador. O Prefeito fica vulnerável ao corte dos convênios, ao atraso dos repasses. Basta o Estado atrasar repasse de ICMS que o Prefeito não terá opção? Então, são esses quadros específicos e bem identificados que temos que atacar.

Como vamos identificar os eleitos? Exatamente pela lista.

Agora eu passo à pergunta do Rubens, Vereador de Londrina. Acredito que, por ter sido uma exposição curta, não conseguimos repassar aos presentes a força da lista fechada. Trata-se de instrumento poderosíssimo, que, ao mesmo tempo, tem o efeito de resolver várias deficiências do atual sistema eleitoral. A lista fechada fortalece o partido político, viabiliza o financiamento público e exclusivo de campanha, porque não serão milhares a prestar contas, e sim o partido, que será responsável pela prestação de contas.

Mais ainda: a lista fechada — e o Sr. Márcio Costa disse que não discutimos o problema da fidelidade, porque não tivemos tempo — acaba exatamente com esse troca-troca partidário. Por exemplo, o cidadão foi eleito pelo PP, mas quer ir para o PHS. Tudo bem, você pode vir, mas você vai entrar no fim da fila, meu amigo, até porque o Rubens já vai ter conversado com os delegados, com os convencionais, enfim, já terá trilhado sua vida partidária, e aquele cidadão não chegará na última hora para superá-lo. Por quê? Porque ele terá que passar por um vestibular chamado convenção. Então, como um pára-quedista que acabou de chegar ocupará meu lugar na lista?

Qual é a vantagem da lista? A lista é tão inteligente — e temos discutido muito o assunto, Deputado Chico Alencar — que vamos poder, daqui a alguns dias, evoluir para extinguir o tempo de filiação partidária. Se, ao mesmo tempo, um Deputado, um Vereador ou um líder político for punido no seu partido, porque um cacique resolveu dessa maneira — e cacique é fruto do atual sistema —, esse político poderá, amanhã, ser convidado por outro partido.

O argumento poderá ser o seguinte: determinada pessoa está sendo vítima de um processo de exclusão porque não se dobra à pressão do cacique do seu partido. Esse cidadão não será apenado. O partido que convidá-lo poderá alegar em convenção o seguinte: quem não quer, amanhã, um Chico Alencar em sua lista? É um Parlamentar com densidade eleitoral, discurso e conteúdo. Se, amanhã, ele tiver um problema, outro partido vai querê-lo. E por quê? Porque, no palanque, no horário da televisão e da rádio, ele poderá puxar mais tantos mil votos para o partido, que, em vez de eleger apenas 2, poderá eleger 4 ou 5, em razão do aumento do número de votos na legenda.

Vejam como aumentou nossa liberdade de enaltecer os bons. Além disso, a lista garante transparência ao financiamento de campanha. O argumento contrário seria que a lista não inibiria o caixa dois. Como não? Eu saberei, por exemplo, quanto o PHS receberá em Londrina para concorrer numa eleição para Prefeito. Saberei também quantos partidos apresentaram candidatos. Portanto, se ele se apresentou em um showmício, parabéns para ele, mas não se poderá dizer que foi uma doação. Não existe isso. O show terá um preço de mercado, e, se custa 50 mil reais, serão 50 mil reais na conta dele. Da mesma forma, se o outdoor custa tantos reais por mês, serão tantos reais por mês na conta dele. Portanto, saberemos exatamente como contabilizar o gasto. E mais: o partido terá que apresentar ao Tribunal Regional Eleitoral e ao Juiz Eleitoral a primeira prestação de contas de seus gastos 45 dias antes das eleições, e a segunda será 10 dias após as eleições. Assim, o mecanismo de controle de despesa será enorme.

O Prof. Bruno Reis disse que talvez possa existir uma solução transitória. Infelizmente, nesse caso, todos na Comissão defendemos posição mais enérgica em relação a isso. Por quê? Porque a transitoriedade flexível dará oportunidade para que o financiamento público de campanha acoberte ou seja pano de fundo do caixa dois. Nesse caso, ficaríamos desmoralizados. Ou seja, estaríamos permitindo que o dinheiro do "caixa e" entrasse e o dinheiro público fosse exatamente a cortina para o candidato dizer que não há problema, que tudo está sendo feito com o dinheiro do financiamento público de campanha, embora acrescido de uma boa fonte. Seria o escândalo das "mãos limpas" que ocorreu na Itália, exatamente porque houve esse tipo, onde não há controle maior.

Em relação ao que disse o Vereador Rubens sobre tratar-se de processo utópico, não acredito que seja utópico. Pelo contrário, acho que estamos sendo bem realistas e tentando solucionar cada problema identificado por meio de mecanismos capazes de coibir os abusos.

Sobre a mudança de consciência política, quero dar o exemplo do que acontece hoje com as concorrências — e esta é uma tese muito inteligente levantada pelo Prof. Cintra — em que há o marco regulatório, ou seja, critérios para se entabular um contrato empresarial. Não se pode, de maneira alguma, mudar a consciência popular se essa consciência estiver de acordo com a prática política atual. Não há marco regulatório que contemple todas as distorções existentes.

Então, o que buscamos no projeto? Colocar marcos que determinem como fazer a campanha eleitoral. Com isso, será possível mostrar à população que o processo e o sistema mudaram e que, portanto, vale a pena colocar o nome num partido para disputar uma eleição. Se não houver sinais claros de bons resultados, não haverá como conscientizar a população, se o atual sistema induz exatamente à compra de votos, sob as mais variadas formas, como disse o Senador Jefferson Peres.

E quais são os marcos regulatórios? O financiamento público, a lista, o final das coligações, a criação de federações, enfim, todos são marcos regulatórios para um novo sistema eleitoral.

Sobre o poder excessivo dos presidentes de partido e a continuidade do caixa dois, já respondi. Lembro, contudo, que se esse presidente tiver todos os convencionais na mão e fizer a lista dele, com os nomes do pai, da mãe, do irmão, do filho e do genro, pergunto: mesmo que ele apresente essa lista à população, que votos ele conseguirá?

Com todo o respeito, cito o exemplo de um colega nosso, o médico Enéas, que, sozinho, teve 1 milhão e meio de votos e elegeu consigo mais 5 Deputados Federais. Se fosse por lista, todos teriam votado no partido do Deputado Enéas se não conhecessem os outros Deputados?

Quer dizer, o projeto visa à supressão da pessoalidade do processo eleitoral, e se passa a raciocinar sobre o conjunto de nomes apresentado pelo partido. O voto passa a ser sobre o conjunto, e não mais num único nome.

Quanto ao caixa dois, vai haver mecanismos de controle. Poderá haver desvio? Sim, mas o cidadão sabe que cairá seu registro ou até o de toda a chapa. Ele deverá ter a noção de que isso poderá acontecer.

Relativamente às questões postas pelo Sr. Márcio Costa, há a da tese defendida pelo Deputado Roberto Magalhães sobre o referendo. Em vez de o eleitor votar no candidato a Vereador, Deputado Estadual ou Deputado Federal, ele votaria na legenda. Então, teríamos de fazer também um referendo popular para perguntar se o partido teria o direito de, entre milhares de filiados, indicar apenas 150.

Ora, um partido que tenha hoje mil filiados, por exemplo, em Valparaíso, que tem 9 vagas para Vereador, poderá indicar 14 candidatos? Se o partido não pode colocá-los na lista, por que poderia identificá-los como pré-candidatos? Seria necessário fazer referendo sobre tudo, sobre toda a legislação eleitoral brasileira.

Em relação à cláusula de barreira, creio que houve confusão. Em verdade, diminuímos a cláusula de barreira quando acrescentamos a lista fechada e o final das coligações nas eleições proporcionais, o que também vai exigir maior participação do partido na eleição. Ou seja, deverá haver dedicação exclusiva, para se fortalecer o partido. Se não conseguir, fará uma federação de partidos.

O que discutimos agora? Segundo a legislação atual, já aprovada para 2006, se a trouxéssemos para 2002, apenas 7 partidos sobreviveriam e teriam funcionamento parlamentar. Estamos diminuindo esse número para que os pequenos partidos ideológicos possam sobreviver. Não estamos trabalhando para fazer no Brasil o bipartidarismo ou a democracia de partidos grandes. Ao contrário, estamos dando melhores condições de financiamento aos pequenos partidos e a opção da federação de partidos.

A Profa. Lucimar e a Profa. Ana Maria, de Valparaíso, no Estado de Goiás, falaram sobre as dificuldades que enfrentam na cidade, principalmente no período pré-eleitoral, quando baixa um espírito doador em todos os candidatos. Deputado Chico Alencar, é aquela frase a que V.Exa. se referiu sobre o candidato que se dedicava ao povo mesmo quando não era período de eleição. A Ana Maria e a Lucimar denunciaram o espírito doador que ocorre no período pré-eleitoral. Também o atual sistema induz essa prática. Se mudarmos a legislação, coibiremos essa prática e buscaremos as pessoas que, no decorrer de sua militância, ganharam credibilidade e não precisam agir dessa maneira na reta final.
Tal prática representa uma forma de compra de votos ou de maquiagem do resultado de uma eleição.

Sr. Presidente, as dúvidas são enormes, mas aproveitamos esta oportunidade para dirimi-las perante os formadores de opinião em todo o País.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Deputado Ronaldo Caiado.

Concedo a palavra ao Prof. Bruno Reis.

O SR. BRUNO REIS - Sr. Presidente, estamos no final da sessão e compreendo a necessidade que teve o Deputado Ronaldo Caiado de se estender no assunto, pois é o Relator da matéria e terá uma batalha política pela frente. Quero dizer que me solidarizo com S.Exa.

Tentarei ser breve e evitarei ser redundante nos pontos de vista que eventualmente compartilho com o Deputado Ronaldo Caiado. Vou atuar de forma complementar, e, portanto, é possível que não me dirija a todos os debatedores.

O advogado Luiz Felipe manifestou-se de forma contrária ao que chamou de minha posição. Esclareço que não chega a ser uma posição. Não sou Deputado, não estou defendendo proposta ou fazendo encaminhamentos. Trago à consideração de todos uma dúvida. Não se trata de figura de retórica, é apenas uma dúvida que tenho. Se do ponto de vista do homem público pode ser desejável que ele supere suas dúvidas em casa e defenda uma causa em público, do ponto de vista do professor e do acadêmico ele tem obrigação de ter dúvidas. A sua obrigação é levantar problemas. Vim aqui com esse espírito e estou longe de possuir persuasões cabais a respeito da matéria.

Portanto, não entendo minha preocupação como paliativo, mas como manifestação de preocupação a respeito da exeqüibilidade da lei tal como se encontra. Gostaria que a preocupação fosse tão fortemente implementada quanto possível. Para implementá-la mais plenamente, pode ser necessária versão mais mitigada da lei. Não apenas nesse caso, pois esse é um dilema que se apresenta em qualquer ato legislativo.

Houve uma manifestação do Vereador de Lavras a respeito da Lei de Responsabilidade Fiscal, sobre o fato de que ela não coíbe completamente gastos politiqueiros. Talvez isso seja uma impossibilidade.

A caracterização de gasto em determinada iniciativa como politiqueira ou não depende muito se a pessoa está na situação ou na oposição. Toda situação irá tentar caracterizar certo gasto como uma necessidade estrutural da comunidade, enquanto a oposição dirá que é demagogia politiqueira.

Naturalmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, por mais que constranja o Executivo, não pode levar o constrangimento até o limite de ele não conseguir escolher suas próprias prioridades e responder por elas perante as urnas. Se ela parecer politiqueira à maioria da população, isso deverá aparecer no resultado eleitoral. Estamos tentando aperfeiçoar o sistema eleitoral para que a transmissão se dê da maneira mais eficaz possível.

Endosso totalmente a posição do Deputado Ronaldo Caiado a respeito de voto obrigatório e voto do analfabeto. Não tenho nada a acrescentar em relação ao voto do analfabeto. Acho que o Deputado Ronaldo Caiado disse tudo que é importante. Não podemos penalizar duplamente uma pessoa que a sociedade condenou ao analfabetismo.

Com relação ao voto obrigatório, ouvimos nas universidades a defesa do voto facultativo. Esse é um flagrante cacoete elitista. As pessoas presumem que talvez fosse melhor para o País que apenas os educados e universitários decidissem o seu destino. Acredito que não decidiríamos melhor. Temos interesses pequenos como qualquer pessoa. Os nossos interesses pequenos são menos justificáveis publicamente do que os interesses dos mais humildes.

Qualquer pesquisa comparativa apresentada em países que têm voto facultativo para estudar o comparecimento e a participação popular revela que esta se correlaciona fortemente com o nível de educação e com a renda do eleitor. Quanto mais alta a renda, mais tende a aparecer. Em sociedades desiguais, estratificadas, de classe, a introdução do voto facultativo produz assimetrias sistemáticas na composição do voto e do eleitorado. Na defesa do voto facultativo, é comum se ouvir que no caso do Brasil é importante que o voto seja obrigatório também. Seria muito bom que no caso dos Estados Unidos o voto fosse obrigatório. Os Estados Unidos são uma sociedade muito desigual, racialmente dividida, os negros votam menos que os brancos e seria desejável que votassem um pouco mais, assim como os operários. As eleições deveriam ser aos finais de semana e feriados, como são aqui. Mas nem tudo o que fazemos é pior do que o que fazem os outros. Talvez o voto facultativo tenha pouco impacto em países como a Suíça, Suécia ou Dinamarca. Para os Estados Unidos, o impacto já é perceptível e significativo.

Se apóio o voto obrigatório nos Estados Unidos, imaginem no Brasil! No mundo ideal, o voto deveria ser apenas um direito. Se não quero participar disso, deixem-me em casa! Mas em um mundo sistematicamente estratificado como o nosso, a obrigatoriedade do voto contrabalança uma manifestação espontânea das assimetrias de Poder. Acho que ela deve ser mantida.

No caso do Brasil, o exemplo do Deputado Ronaldo Caiado é perfeito: em áreas de conflito, mais conflagradas, em vez do livre exercício do direito de voto, a remoção do voto obrigatório iria criar empecilhos para o direito do voto do cidadão que quer exercê-lo. Teríamos formas extra-eleitorais e coercitivas para inibir o ato eleitoral do cidadão.

Contornarei as perguntas mais técnicas e me deterei um pouco mais sobre o voto em listas, que é um tema mais polêmico. Preliminarmente, acho que é importante sublinhar algo que disse no início. No caso de sistemas proporcionais, a lista aberta é uma exceção. O caso típico é a lista fechada que está sendo proposta. O projeto não está inventando a roda, ao contrário, está adequando a prática do Brasil ao padrão observado no princípio representativo que escolhemos, que é o sistema proporcional. O tema tratado pelo Sr. Rubens, de Londrina, sobre educação, mentalidade, consciência e questão ética, é sempre penoso. Olhamos em volta e parece que as coisas não funcionam bem porque as pessoas, afinal, não colaboram. Quer dizer, se todos fôssemos bons cristãos e amássemos uns aos outros como deveríamos e oferecêssemos a outra face a toda agressão, mal e mal precisaríamos de Governo; não precisaríamos sequer da lei. A lei presume o pecado, digamos assim. É porque existem pecadores, porque as pessoas são oportunistas e, de certa maneira, atuam agressivamente atrás de oportunidades em seu benefício próprio que precisamos quebrar a cabeça para fazer uma lei. Não que a lei irá convertê-las ao bem, mas, eventualmente, que as obrigará a agir como se fossem boas. Ou seja, por coerção, produz-se uma estrutura de incentivo adequada que force a obtenção de resultados agregados análogos.

Por mais que sejam bem vindos, portanto, todos os esforços educacionais no sentido de produzir mentalidade favorável, a alavanca de que dispomos é legal e, no limite, coercitiva. Trata-se de elaborar uma lei que produza punições e incentivos que — espera-se — produzam, no devido tempo, mudança da mentalidade.

Certamente, a reorganização no sistema eleitoral produz mudança drástica na estrutura de incentivos. E podemos apostar que isso eventualmente vá mudar a cultura política em torno do tema. Claro é que haverá benefícios advindos dessa mudança e também, eventualmente, a possibilidade de que se constate, 30 anos depois, a produção de um problema. Aí trabalharemos novamente.

O fato é que não podemos nos queixar por estarmos começando pela mudança na legislação sem cuidar da parte educacional. Se for preciso priorizar a educação para só depois, lá na frente, alterar a lei, vai-se ficar eternamente educando; vai-se passar 40, 50, 60 anos na expectativa de mudar a lei, e, enquanto isso, a situação só piorará.

Relativamente ao problema da compra de votos de convencionais, embora o Deputado tenha explicitado bem esse ponto, gostaria de evocar uma frase do Senador Jefferson Peres e que me chamou a atenção ainda no início de sua exposição. Falando em tese, muito genericamente, disse S.Exa. que era mais fácil corromper 500 convencionais do que 500 mil eleitores. Tenho séria dúvidas sobre isso, por mais que o raciocínio pareça plausível — afinal, são só 500 pessoas.

O que me ocorre é que é mais fácil obter unanimidade numa assembléia de 500 pessoas do que numa mesa de boteco com 5 pessoas. Há fenômenos de massa ou de agregação tais que só mesmo num contexto de milhões de pessoas há eficácia na estratégia de compra de votos por atacado, ou na compra de Prefeitos e mobilização de cabos eleitorais por meio de um poderoso caixa dois.

Opera-se no atacado em grande escala, sobretudo em eleições, que dependem muito de meios de comunicação de massa, o que custa muito caro. Quem tem dinheiro tem vantagem comparativa em relação ao candidato que pedestremente levanta seus fundos de campanha.

Já na convenção, não que isso fique completamente neutralizado ou extinto. Eventualmente, poderá chegar alguém que suborne toda a cúpula partidária e, por pior que seja a chapa, ainda assim leve a eleição. Isso pode acontecer, mas certamente haverá aí um corpo-a-corpo em que aquele que está fora do esquema de milhões tem a chance de, como disse o Deputado, subir no palanque, fazer um escândalo e ver o que acontece.

De outra maneira, na hora do atacado, a influência do poder econômico na eleição é magnificada, não diminuída. Para alcançar todo mundo é preciso muito dinheiro. Sem ele, não há mágica que se possa fazer. Daí a sensação de que o processo eleitoral é cada vez menos idéia e cada vez mais propaganda e tal. E é mesmo assim. A escala em que isso opera é de dezenas de milhões de pessoas. Quando se opera para alcançar dezenas de milhões de pessoas, faz-se técnica publicitária: opera-se a distância, por meio de slogans e da compra de segundos na televisão. É preciso ser eficaz para vender seu sabonete. Podemos lamentar isso até o final dos séculos, mas essa situação não vai voltar, a menos que se volte tudo para o petit comité, o que também não é desejável.

No caso, a convenção, pelo menos, é uma instância intermediária em que uma decisão política é tomada por pessoas que vão se responsabilizar publicamente por ela. Ou seja, representa um foco de responsabilização. No limite, depois, na vida parlamentar, na medida em que o partido se apresenta como tal, ele vai também para o Parlamento como uma bancada, com uma expectativa de coesão muito maior do que a de hoje, quando a regra é a barganha, o salve-se-quem-puder atrás da sobrevivência e em busca da próxima eleição.

Hoje se propõe uma bancada que será eleita. A idéia de eventualmente admitir um político ou não bom de voto na sua chapa é mais ou menos como um time contratar um craque para a próxima temporada. Isso em si pode ter algum efeito pernicioso nas vésperas da eleição, pode-se pensar em alguém, além dos militantes de sempre, para ser chamariz; porém, pelo menos na hora da ação parlamentar pode-se presumir que há uma bancada minimamente coesa.

Acho que não é um benefício desprezível o fato de que essa coesão maior assim obtida, espera-se, possa nos dispensar das famigeradas cláusulas de barreira, que são, em larga medida, arbitrárias demais e que é algo a ser evitado, a bem da representação fiel da vontade do eleitor.

Os últimos pontos dizem respeito a algumas preocupações do Márcio Costa, para as quais devemos dirigir nossas atenções, principalmente quando assumimos aqui uma posição de simpatizantes com o sistema e que gostariam de vê-lo operando, até mesmo para fazer uma avaliação.

Realmente, acho um avanço que merece ser experimentado. Mas o problema levantado é importante sim: a legitimação do projeto. Esse é um projeto que já começou a ser difamado na imprensa. Devemos ser sensíveis à idéia de que quando se sai da lista aberta para a lista fechada, por mais que eu tenda a achar que produz benefícios para a democracia, operando como um todo, de fato, em si mesma, esta iniciativa tira uma prerrogativa do eleitorado e joga para dentro da convenção. Ou seja, está se retirando uma prerrogativa do eleitor, formalmente. Por mais que eu ache que vai produzir benefício, no limite, para o próprio eleitor, isso efetivamente é um foco pelo qual o projeto pode ser facilmente difamado. E acho que já começou a ser difamado por aí. Então, o problema da legitimação não é trivial, e a persuasão em torno de projeto dessa natureza envolve uma energia grande na busca da conquista de adesões. Acenar com um eventual referendo nesse sentido pode não ser má idéia, mas a melhor maneira de neutralizar também qualquer iniciativa é chamar plebiscitos, referendos ou coisas do gênero.

Assim como no plebiscito entre presidencialismo e parlamentarismo, o presidencialismo sempre vai ganhar, porque os candidatos a Presidente, com todo seu peso e carisma, vão denunciá-lo, com isso galvanizando o eleitorado e levando o seu apoio ao presidencialismo — eu nunca ouvi falar de um parlamentarismo que ganhasse o plebiscito —, acho que também uma iniciativa dessa natureza, se submetida a plebiscito, não terá chance. É fácil para aqueles que são contra falar que estão querendo impedir o eleitor de votar em fulano e sicrano, pois querem é colocar os apaniguados da convenção dentro do Congresso. É uma batalha perdida.

A única coisa aceitável nesse sentido, imagino, seria um referendo posterior. Uma vez aprovado, faz-se o referendo depois de duas ou três legislaturas. Com isso pode-se tentar contornar alguma dificuldade de legitimação, alguma barragem de contestação e difamação que eventualmente um projeto dessa natureza sofra.

O Márcio me atribuiu também a idéia de que eu teria dito que 7 reais por eleitor não seria suficiente. Quero me distanciar dessa interpretação. Ou seja, eu não sei se é ou não. Constatei que é uma redução muito importante que deve ser levada em conta na hora de se avaliar a exeqüibilidade da medida. Apenas isso. Pode ser perfeitamente suficiente, provavelmente gastamos dinheiro demais nas campanhas. Pode ser, mas não sei dizer se o é.

Quanto à formação de maiorias, há um ponto interessante que me provocou, qual seja a idéia de que tradicionalmente dependemos de coalizão. Operamos no famoso presidencialismo de coalizão, que Sérgio Abrantes batizou de maneira extraordinariamente bem sucedida há 15 anos. Acho que podemos ter problemas potenciais. Paradoxalmente, na medida em que melhoramos a representatividade do Congresso, pode-se ter dificuldade de governabilidade, sobretudo enquanto não adaptarmos às práticas novas a outras legislações, tais como a execução orçamentária, etc.

Penso que o Márcio estava preocupado com a Cláusula de Barreiras. Se se diminuir demais a Cláusula de Barreiras, pode-se ter partido demais e não haver maioria. Minha preocupação é outra: na medida em que se diminui o troca-troca, por mais paradoxal que seja, pode-se ter dificuldade em obter maioria. Você terá um Parlamento com maior peso e representatividade partidária, maior organicidade representativa — o que é bom —, mas, por outro lado, o regime é presidencialista e não parlamentarista. Eventualmente, o presidente eleito, se tiver minoria no Parlamento, terá particulares dificuldades para chegar à eventual maioria. Pode ser bom? Pode, pode ser educativo para nós todos. Aí sim o Governo não terá escolha e terá que fazer um gabinete de coalizão.

Nessa hipótese, esse gabinete será mais duramente negociado do que as emendas parlamentares e os preenchimentos de cargos, porque as bancadas serão mais coesas.

Tudo isso, no entanto, será um aprendizado que provavelmente será vivido em meio a algumas crises mais ou menos turbulentas, algumas dificuldades. Há dificuldades com relação a esse ponto que devem ser consideradas. Eventualmente esses nossos males todos têm suas razões de ser, porque eles nos ajudam a acomodar conflitos. Por exemplo, como contrafactual, eu poderia apresentar o caso da Argentina, apesar de bem diferente do nosso. São partidos mais coesos, com maior enraizamento social, mas também há um jogo de soma zero terrível entre os partidos, em que a cooperação intraparlamentar é mínima. Com uma eventual maioria parlamentar justicialista no Congresso e um Presidente da UCR, como aconteceu com Fernando de La Rúa, se houver crise, o justicialista manda o Presidente cair fora, rua para ele, pois não há acordo de compromissos, não há margem de manobra para se operar e acomodar situação de maneira a garantir alguma estabilidade institucional. Eventualmente, isso tem um preço social também.

É muito comum entre amigos os argentinos dizerem que o problema na Argentina é que lá não existe um PT, aquele partido com enraizamento. Tenho minhas dúvidas se não tem, mas costumo fazer troça e dizer, retrucando: parte do problema da Argentina também é que não há um PFL assim com toda reputação negativa. Quer dizer, eventualmente associamos este pensamento àquela brincadeira de que o PFL está sempre no Governo, mas pode ser suficiente o espírito cívico do PFL para conhecer as agruras do Governo e emprestar sua contribuição quando necessário e quando é chamado a isso. Na Argentina, não há esse ator, digamos, que ocupa o centro do espectro partidário e atua de maneira mais flexível, de forma a garantir governabilidade. Pode haver uma interpretação dessa natureza...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Não vamos contar para os argentinos, porque agora tem muito brasileiro achando que não tem mais PT no Brasil e que o PFL ficou meio de esquerda.

O SR. BRUNO REIS - É o PFL substituindo a minha posição sobre o PT. Pois é, estão esculhambando nosso sistema... Mas esse é um dos méritos exatamente da rotação no poder: estamos todos aprendendo aqui nessa brincadeira.

Bem, acho que isso basta. Vou poupá-los de mais digressões do que isso. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Senhores participantes, os Deputados precisam comparecer à sessão que está transcorrendo. Relembramos a todos os participantes que o seminário terá início às 14h, quando teremos um terceiro painel coordenado pela nobre Deputada Juíza Denise Frossard, cujo tema são os crimes eleitorais e a Lei das Inelegibilidades à luz da ética. Ao final, às 17h, teremos uma conferência de encerramento com o Deputado Paulo Rubem Santiago, coordenador da Frente Parlamentar contra a Corrupção, que seguramente vai nos enriquecer com suas palavras.

Portanto, bom almoço e declaro encerrada a presente reunião.