05 de maio de 2004
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR
EVENTO: Seminário
DATA: 5/5/2004 - INÍCIO: 14h15min - TÉRMINO: 18h22min
DEPOENTE/CONVIDADO — QUALIFICAÇÃO
FERNANDO NEVES - Ministro do Tribunal Superior Eleitoral.
JOELSON DIAS - Membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
SUMÁRIO: Seminário Nacional A Ética nas Eleições Municipais. Painel Crimes eleitorais e a Lei das Inelegibilidades sob a Luz da Ética.
OBSERVAÇÕES: Há intervenção inaudível.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Juíza Denise Frossard) - Senhoras e senhores, boa tarde a todos. Vamos reiniciar nossos trabalhos. É um prazer recebê los aqui novamente.
Iniciamos neste momento o terceiro painel do Seminário Nacional A Ética nas Eleições Municipais, para debate do tema Crimes Eleitorais e a Lei das Inelegibilidades sob a Luz da Ética. Convido para tomar assento à Mesa os seguintes expositores: Dr. Fernando Neves, Exmo. Sr. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral; e o Dr. Joelson Dias, advogado.
O Dr. Roberto Monteiro Gurgel, Vice-Procurador-Geral Eleitoral, em virtude de um compromisso, não pôde vir e mandou-nos sua justificativa.
Convido também para tomar assento à mesa o nosso querido Deputado Gustavo Fruet.
Cada expositor disporá de 15 minutos para sua manifestação. Uma vez concluídas as exposições, daremos início ao debate. Cada convidado previamente inscrito terá o prazo de 3 minutos para interpelar os expositores, e estes, naturalmente, terão 5 minutos, mais ou menos, para as respostas.
As inscrições poderão ser feitas com as funcionárias que se encontram nas laterais deste auditório.
São essas as regras traçadas, que esperamos sejam obedecidas.
Na ausência do Dr. Roberto Monteiro Gurgel, Vice-Procurador-Geral Eleitoral, pediram-me que traçasse algumas considerações sobre ética.
Estivesse eu ainda no exercício da magistratura, minha fala seria diferente. Como hoje estou na política, preferi abordar o tema com base nas campanhas eleitorais.
O que é a ética?
Em rápidas palavras, poderia dizer que ética é a ciência da conduta que leva ao bem, que encaminha as atitudes humanas em direção à virtude.
Lembro-me do imperativo categórico de Kant: fazemos porque deve ser feito, independentemente de qualquer conotação que se queira dar. Mas, para que o fim seja ético, necessário é que os meios que nos levam até o fim sejam também virtuosos e, portanto, éticos.
Caminhos antiéticos não levam a uma finalidade ética. Ou seja, não existe nenhum exercício ético de mandato popular alcançado por meios antiéticos. Uma campanha eleitoral sem ética será definidora de um mandato popular sem ética. E como são as campanhas eleitorais antiéticas? São aquelas que enganam os eleitores. Esse engano pode vir com promessas que, de pronto, os candidatos e seus partidos sabem que são impossíveis de cumprir. Esse é um ponto a se levar em conta, em especial numa época em que pesquisas eleitorais e campanhas publicitárias procuram substituir a consciência e a opinião dos candidatos na elaboração dos discursos de campanha.
Há que existir pesquisa, é óbvio, para registrar o que pensam os eleitores e quais são as suas expectativas em relação aos mandatos. É importante saber o que eles pensam. Mas essa pesquisa deve ter o objetivo ético de servir tão-somente para que o candidato molde suas propostas a partir da consciência e da opinião que tem sobre tais expectativas. A pesquisa terá objetivo antiético se servir tão-somente para moldar o discurso ao que pensa o eleitor, independentemente do que vai fazer o candidato depois de eleito. Tal comportamento, é claro, servirá como engodo e, naturalmente, como traição.
Da mesma maneira funcionam as campanhas publicitárias, penso eu. Elas terão fim ético se servirem tão-somente para traduzir, de maneira criativa e inteligente, o que de fato pretende o candidato. O contrário ocorre todas as vezes em que as campanhas publicitárias têm como fim maquiar, esconder de alguma forma a verdade sobre o que pensa e como agirá o candidato depois de eleito.
São também antiéticas as campanhas que utilizam a máquina pública como instrumento de campanha. Não há ética alguma num mandato conquistado a partir, por exemplo, de inauguração de obras feitas com objetivos eleitorais, com o objetivo de enganar o eleitor. São os famosos tapumes às vésperas das eleições.
Mas há que se ter presente um fato, penso eu, para que não se crie a desilusão, para que não se perca a fé: a democracia no Brasil é bem recente, e o processo está ainda em evolução, em amadurecimento. Os eleitores, que somos todos nós, a cada nova eleição vão descobrindo as artimanhas eleitorais e nas urnas vão negando o seu prosseguimento.
As eleições, portanto, constituem — não tenham dúvida disso — processo purificador eleitoral. As últimas eleições presidenciais, por exemplo, agregaram mais um valor ao processo eleitoral. Nós aprendemos que muito do que é dito não pode ser cumprido. Precisamos ter a exata compreensão disso. Temos de analisar mais profundamente as propostas e verificar se de fato são factíveis. Nem tudo o que se promete pode ser cumprido. Se for cumprido, é o caos. Esse fator estará presente, eu creio, nas próximas eleições municipais.
Podem estar certos de que a população brasileira está aos poucos, mas com persistência, colocando as campanhas eleitorais nos trilhos da ética. Ela sabe que, enquanto não houver ética nas campanhas eleitorais, não poderá contar com mandatos éticos e resultados que digam de perto o verdadeiro interesse público.
Eu gostaria de terminar esta reflexão lembrando que o mundo mudou muito depois de 11 de setembro de 2001; e mais ainda depois de 11 de março de 2004. Às vésperas das eleições na Espanha, praticamente eleito o candidato que até então era o Primeiro-Ministro de um governo sério, produtivo e economicamente viável, o Governo espanhol vacilou entre dizer a verdade e esperar um pouco até avançarem as eleições. Diante daquela dúvida, a massa crítica que se formou — eu a chamo de opinião pública, que existe em razão da rapidez das informações — foi para as ruas sem que tivesse havido qualquer combinação. É impossível mobilizar milhares de pessoas da noite para o dia, mas havia consciência crítica ali, e a população foi para as ruas dizer: "Dêem-nos a verdade. Antes de votar, queremos a verdade, seja ela qual for".
Essa exigência dos eleitores é que colocará os políticos e as campanhas eleitorais nos trilhos. Eu estou muito ansiosa, Sr. Ministro, para ver os resultados das eleições que virão. Serão mais um passo em direção à democracia.
Essas eram as considerações que tinha a fazer.
Neste momento, passo a palavra ao Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Dr. Fernando Neves, pelo tempo que julgar necessário.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Obrigado, eminente Dra. Juíza Denise Frossard, ilustre coordenadora deste painel.
Começo agradecendo à Casa o convite, em meu nome e em nome do Tribunal Superior Eleitoral, para participar deste importante encontro, deste importante seminário. Realmente, discutir ética é fundamental. Mais importante do que a discussão, porém, é a aplicação. Assim penso.
Estamos aqui dando um passo importante — e não digo para o aperfeiçoamento ou a divulgação — para a conscientização da importância da ética nas nossas relações, inclusive naquelas que dizem respeito a um dos maiores exercícios da cidadania: a escolha de quem ditará as políticas públicas deste País, a escolha das pessoas que vão definir nossa vida e a de nossos filhos, que vão disciplinar o caminho que o Brasil vai seguir.
O seminário é importante, e a Justiça Eleitoral sente-se honrada em poder dele participar.
Nossa ilustre coordenadora já me fez um grande favor. Eu tinha planejado falar um pouco sobre ética, mas S.Exa. praticamente esgotou o tema, mostrando muito bem que a ética não analisa o que o homem faz, mas o que ele deveria fazer. Ela surgiu como uma necessidade de regular a vida em comum da sociedade, cujo objetivo é atingir a felicidade, o bom viver, a tranqüilidade pessoal, familiar, profissional, social, quer dizer, o convívio tranqüilo entre todos nós.
Se ética é a ciência da moral — moral essa que envolve diversos aspectos, como a própria liberdade, a diferenciação entre o bem e o mal —, podemos dizer que a ética recomenda, estuda e indica caminhos seguros. Todas as religiões pregam a existência de um código de ética, código esse que varia de acordo com o tempo e o grupo a que se destina. Em determinados países, os homens têm diversas mulheres, e nada há de irregular nisso. Aqui, não. Não sei se isso é bom ou ruim, Sra. Deputada; não sei se é viável as mulheres também poderem ter diversos homens. A nossa sociedade não convive bem com esse tipo de experiência.
Os próprios criminosos têm um código de ética, se é que se pode falar em código de ética para criminosos. Eles têm regras de conduta violentíssimas. E qualquer transgressão, falha ou desvio é punido de forma extremamente rigorosa, em razão das características daquela sociedade, daquele segmento ou grupo.
Portanto, temos de tratar a ética de modo amplo, a partir de princípios básicos que a todos interessem.
Em todas as religiões temos ética. Os Dez Mandamentos da religião cristã já são um código de ética, como o são as regras de Buda e de outros pensadores espirituais, todos eles a definir o que é importante para cada um na consideração dos modos de proceder. E há certa similitude entre esses pensamentos e o que dizia Confúcio há 2.500 anos sobre a reciprocidade: "Não fazemos o que não queremos que nos façam". Essa é a primeira regra de conduta, eu acho. Ninguém deve agir em relação a outra pessoa de forma diferente daquela com que gostaria que agissem consigo. Por esse aspecto fundamental, pode-se entender essa variação na ética, na sintonia fina da ética, em razão dos momentos e dos grupos em que ela é aplicada.
A meu ver, fundamental é a punição pela falta de ética. É absolutamente necessário que as transgressões — entenda bem, Deputada, não com aquela rigidez do código de ética dos criminosos — sejam sancionadas pela sociedade. A falta de ética tem de gerar, não digo uma discriminação, mas uma sanção que recomende principalmente ao transgressor que não atue novamente desse modo. A pena deve ter sempre um caráter educativo. Esta é a razão de ser da sanção, ou seja, se fez, deve entender que não pode fazê-lo novamente.
São poucos os casos em que pessoas devem ser segregadas em razão da sua personalidade porque representam perigo para a sociedade. O que temos, na maior parte das vezes, é a falta de explicação. Ou, então, pessoas são levadas a um ou outro procedimento em razão de necessidades pessoais. Por exemplo: é muito difícil para um pai de família ver seu filho chorando com fome. Que conduta ética se pode exigir dessa pessoa que vê seu filho sem médico, sem alimento, sem cuidado? Pode-se exigir que vá para a fila de emprego? Essa é uma responsabilidade de todos nós, dos 3 Poderes. Temos de contribuir para que esse estado termine e para as pessoas ajam normalmente, como devem.
Vamos entrar um pouco mais agora no campo de que estamos tratando aqui: a ética nas eleições municipais, ou seja, como devem agir os candidatos na busca do poder.
A Deputada Juíza Denise Frossard mencionou um ponto que me pareceu da maior relevância: as promessas inviáveis. Muitas vezes, as promessas dos candidatos não têm condições de ser cumpridas. Será ético o candidato prometer algo que sabe que não vai cumprir?
Não tenho dúvida de que quem está nos vendo pela televisão sabe discernir o que é possível do que não é possível, sabe enxergar quando uma promessa de campanha nada mais é do que uma promessa de campanha. Mas será que os 120 milhões de brasileiros que têm direito a voto são capazes de fazer essa distinção? Não estariam eles sendo levados a erro quando acreditam que determinado candidato pode tornar o círculo mais redondo, que poder tornar branco o preto? Isso nós temos de discutir e sancionar.
Muito ligado à ética também na própria campanha, além da promessa inviável, bem trazida ao debate pela Deputada Juíza Denise Frossard, está o proceder na campanha, relacionado em muitos casos a atos de corrupção eleitoral.
Sobre corrupção vou buscar em Dante a seguinte definição, que me parece perfeita: "A corrupção ocorre quando o ‘não’ vira ‘sim’ por dinheiro". Aquilo que não era de um jeito passou a ser porque alguém recebeu algo para assim alterar.
Infelizmente, temos tradição em manter certa complacência com os desvios na conduta administrativa. Pe. Vieira, em um dos seus famosos Sermões, já dizia que os emissários do reino português vinham ao Brasil não preocupados com o nosso bem, mas com os nossos bens. Estavam de olho nos nossos bens.
Isso tem melhorado? Tem melhorado muito. Realmente, há hoje uma consciência muito grande. E eventos como este, assim como aqueles patrocinados pela Ordem dos Advogados, pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e por uma série de outros organismos e entidades, têm buscado fiscalização muito grande do processo eleitoral, para afastar prontamente da disputa aquelas pessoas que não agem de forma ética ou correta.
Falando em bom português, temos o exemplo típico do art. 41, "a", da Lei nº 9.504, que permite o afastamento imediato da campanha daquele sujeito que comprovadamente — e eu faço questão de adentrar nisso um pouquinho mais à frente — está comprando votos, está prometendo algo em troca do voto do eleitor. Esse é um dos instrumentos mais eficazes da Justiça Eleitoral.
Tenho certa preocupação com o debate hoje em evidência sobre a alteração dessa regra, que teria efeito tão-somente após o trânsito em julgado das decisões. Isso significa tornar letra morta aquilo de que a lei hoje dispõe. Porque qualquer advogado — e o Dr. Joelson poderá confirmar — não terá nenhuma dificuldade em arrastar processo relativo às eleições municipais, assunto de que estamos tratando aqui neste ano, por 4 anos, até que o Supremo, julgando improcedente o terceiro ou o quarto embargos de declaração, evidentemente todos protelatórios, venha a permitir o trânsito em julgado daquela decisão.
Vejam bem os senhores — e estamos falando em ética —: será razoável afastar da Justiça Eleitoral esse instrumento que é uma resposta do Congresso Nacional a um movimento de mais de 1 milhão de pessoas? O Deputado, por favor, corrija-me se estiver errado, mas não me lembro de outro movimento popular que tenha trazido a esta Casa 1 milhão de assinaturas e tenha resultado em lei.
Acho que o Congresso Nacional tem de ser sensível a essa vontade popular, porque a grande maioria do povo brasileiro não compactua, não aceita, não tolera práticas aéticas, irregulares, corruptoras. Não. O brasileiro é correto, o brasileiro é sério. E não podemos permitir que casos isolados denigram a imagem de um povo magnífico.
Todas as vezes em que tenho oportunidade de falar para juízes, para representantes do Ministério Público, para aquelas pessoas que têm a obrigação de aferir e de punir essas condutas, faço questão de ressaltar a importância da verificação precisa do fato. É um instrumento poderosíssimo, mas que não pode ser utilizado para vinditas, para perseguições. Os magistrados têm o dever, têm a obrigação de analisar rigorosamente os autos e só aplicar a pena se o tipo estiver devidamente caracterizado.
Na nossa convicção pessoal, podemos declarar com absoluta certeza que determinado candidato elegeu-se a troco de dinheiro, elegeu-se porque usou a máquina pública, elegeu-se porque comprou votos. Ora, se isso não estiver devidamente provado nos autos — e esta é principalmente uma responsabilidade do Ministério Público ou de quem for o autor da ação, ou seja, fazer a prova do fato —, os juízes não podem e não devem aplicar a sanção. A garantia de cada um de nós é que a Justiça examine o processo e julgue de acordo.
E aqui sou muito atrevido, porque falo na presença de uma das grandes magistradas deste País; não sei se S.Exa. voltará à atividade, mas, como deixou claro aqui, ainda é magistrada. Então, sabe bem da importância de julgar.
Quando toleramos uma violência contra o nosso vizinho porque não gostamos dele ou do seu cachorro, que estraga o nosso jardim, e não chamamos a Polícia quando alguém entra na casa dele, e dizemos "ele que se vire", estamos aceitando que isso ocorra conosco amanhã, e não teremos um vizinho para nos socorrer. A sociedade deve buscar, unida, aquilo que é importante, fundamental: o bom comportamento.
A transparência nesses eventos de campanha é fundamental para que se observe a ética. Nada pode ser sigiloso, tudo deve ser muito claro, evidente; qualquer pessoa pode conhecer tudo. A Justiça Eleitoral tem caminhado para isso em diversos processos. Desde a documentação relativa a registro de candidato até a prestação de contas, tudo está disponível a qualquer pessoa. A imprensa, meros interessados, organizações não-governamentais podem ir à Justiça Eleitoral e verificar todos esses documentos. É claro que vão responder pelo uso que fizerem das informações, mas é fundamental que todos conheçam a pessoa que está pleiteando o cargo público.
Dos diversos pontos deste painel consta o tema A Lei das Inelegibilidades sob a Luz da Ética. Sempre tive a idéia de que a inelegibilidade não tem sentido e se tornou mais sem sentido ainda depois que se permitiu a reeleição sem a necessidade do afastamento, porque existem situações peculiares. O Prefeito — vamos tratar da eleição deste ano, mas poderíamos estar falando do Presidente da República ou de um Governador de Estado — pode concorrer à reeleição sem que se afaste do cargo, mas o seu Secretário, o chefe de seção ou o servidor público tem de se afastar da função.
Invertemos a presunção de inocência. O que temos aqui é a expectativa de que, quem exerce um cargo público, dele vai se aproveitar para favorecer a sua eleição. Eu acho que essa não deveria ser a regra. Eu sempre pensei assim. Acho que não adianta o cidadão vender o sofá porque encontrou a mulher sentada nele com outro homem. Não é o caminho. Temos de buscar soluções. Se ela estiver fazendo algo de errado, resolva-se com ela. Mas vamos afastar todo o mundo dos cargos na expectativa de que venham a usá-los para se favorecer?
De qualquer forma, trata-se de lei complementar em vigor e que impõe a regra. Talvez ela mereça do Congresso Nacional uma revisão. E este é o foro apropriado para essa discussão.
Há exigências engraçadíssimas, como nós falávamos. O Ministro Luiz Carlos Madeira, que participou comigo de um seminário realizado na semana passada em Santa Catarina, foi questionado sobre a razão de se exigir das pessoas que vão disputar o cargo de Prefeito o afastamento de 4 meses e daquelas que vão disputar o cargo de Vereador o afastamento de 6 meses. Eu também não sei. Deve haver uma razão. O legislador da Lei Complementar nº 64 deve ter tido seus motivos. Talvez seja esta a oportunidade de o Congresso repensar a Lei das Inelegibilidades.
Mas não deixo aqui de dar a mão à palmatória em um ponto: realmente tem um sentido importante, principalmente para a igualdade entre os candidatos, que um não esteja exercendo cargo público. Talvez eles pudessem seguir em melhores condições de igualdade, porque quem exerce cargo público naturalmente tem exposição maior na mídia. É justo que os órgãos de imprensa dêem a ele maior espaço. O Prefeito que é candidato à reeleição não deixou o cargo e pratica atos de gestão da Prefeitura, atos dos quais tem de prestar contas, atos que as pessoas do Município têm necessidade de conhecer. E aí vem a grande dificuldade dessa divisão, dessa linha tênue: até onde vai a informação e onde começa a propaganda? Isso realmente é muito complicado. São questões que a possibilidade de reeleição trouxe, e ainda vamos ter muito a discutir sobre isso.
Outro aspecto que é importante destacar se refere à relevância da atuação popular no controle de condutas reprováveis, não só nos crimes eleitorais, em que qualquer pessoa está habilitada a levar ao Ministério Público, o titular da ação penal, o conhecimento da infração, para que, a partir daí, desencadeie-se o inquérito, a investigação, a denúncia e a ação penal. Mas acho que o brasileiro tem também a obrigação — porque é uma obrigação com o seu País, com o seu futuro — de buscar formas de impedir, de coibir, de sancionar, de punir aqueles atos que não chegam a caracterizar infração penal, um crime eleitoral, mas que, evidentemente, constituem transgressão às normas de uma campanha limpa e ética.
A Justiça Eleitoral, como já disse, pelo exemplo do art. 41-A, tem instrumentos para isso e tem buscado dar eficácia a eles, para não decepcionar a sociedade, que quer julgamento, que quer a apreciação pelo Poder Judiciário. Nem digo que quer punição, que pode ou não ser uma conseqüência. O que a sociedade quer, e tem todo o direito de querer, é a manifestação do Poder Judiciário sobre determinada questão, sobre uma dúvida surgida, sobre um ponto que foi motivo de indagação: estará esse candidato agindo corretamente? Ele comprou voto? A sua propaganda é enganosa? E a obrigação do Poder Judiciário é dar pronta resposta a isso.
Mais do que isso — e peço desculpas aos senhores, procurando justificar a defesa que faço da aplicação imediata do art. 41-A —, há uma necessidade evidente de que as decisões do Poder Judiciário tenham eficácia. Não podemos admitir que os processos tramitem e, no caso específico da Justiça Eleitoral, só venham a ter solução quando encerrado o mandato, quando transcorrido o prazo de 3 anos da eleição, o prazo da inelegibilidade em conseqüência de transgressão eleitoral.
Senhores, acho que este é um ponto de cujo debate cada um de nós tem a obrigação de participar. E participar de que forma? Nas cidades, nos comitês criados em todo o Brasil para apurar e contribuir na formação dos processos, visando coibir essas candidaturas, principalmente no Ministério Público, que representa a sociedade e tem a obrigação de agir prontamente para coibir todo e qualquer fato irregular.
Não se pode cobrar do Judiciário falta de pronunciamento, ou absolvições, ou término de processos sem o fornecimento da prova necessária, da instrução devida. A ampla defesa e o contraditório são garantias insculpidas na nossa Constituição e são fundamentais em qualquer Estado de Direito Democrático. Elas não podem ser de forma alguma desprezadas, mas não podem tornar o processo letra morta.
Na construção da legislação penal, tenho certeza, e da legislação quase penal — as sanções administrativas, eleitorais; e o processo eleitoral tem muito a ver com o processo penal —, o Congresso Nacional exerce papel muito importante, ouvindo a sociedade, atendendo aos seus reclamos, aquilo que a grande maioria deseja, que são eleições limpas, decisões seguras. O que se quer é evitar corrupção, é evitar falta de ética.
Permita-me, Sra. Deputada, apenas para encerrar, pois vejo que o meu tempo está chegando ao final, destacar um ponto para o qual, creio, o Congresso Nacional pode dar grande contribuição: a melhor definição das sanções nos casos de prestação de contas irregulares, vícios em prestação de contas de campanha.
Realmente, hoje o Brasil possui um dos melhores sistemas de controle de financiamento de campanhas eleitorais. Isso não foi dito pela Justiça brasileira, que evidentemente é suspeita quanto aos mecanismos que desenvolveu, mas por quem estuda o tema no mundo todo. Temos hoje um sistema seguro, eficaz, mas que no final, se as contas são rejeitadas, não leva a praticamente nenhuma sanção.
Confesso que é muito sério, por motivos de rejeição de contas, que podem ser diversos, impedir a posse de um Parlamentar, de um administrador, de um Prefeito municipal, de um Governador e até de um Presidente da República. Mas é fundamental que se crie oportunidade, com tempo razoável, para aquilatar, avaliar a importância e o significado da infração, do vício ocorrido em prestação de contas; verificar se aquele candidato que não conseguiu administrar as contas de sua campanha está apto a administrar as contas do País, do Estado, do Município ou, no caso do Legislativo, se está apto a formular as regras de conduta pública que vão, como já disse, definir os rumos do País.
Agradeço a atenção aos senhores. Estou à disposição para as perguntas que espero, sinceramente, venham a seguir.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Juíza Denise Frossard) - Muito obrigada, Sr. Ministro Fernando Neves, pela brilhante e enriquecedora exposição, que conseguiu pinçar tudo, passear por toda a legislação da inelegibilidade.
Concedo a palavra ao Dr. Joelson Dias.
O SR. JOELSON DIAS - Muito obrigado, Deputada Juíza Denise Frossard, em nome de quem cumprimento todos os membros da Mesa. Destaco inicialmente a honra com que recebi o convite para participar de tão importante seminário, cujo nome já diz absolutamente tudo sobre a sua relevância.
Tenho sempre acompanhado nos encontros e seminários de que participo a agonia, a aflição dos expositores que falam depois do Ministro Fernando Neves. E hoje me vejo exatamente nessa situação. S.Exa. há muitos anos ocupa uma cadeira no Tribunal Superior Eleitoral, é decano da Corte e com certeza reúne, não só por sua idoneidade moral, mas também por seu conhecimento da matéria de Direito Eleitoral, as características que ficaram bem evidenciadas na verdadeira declaração de princípios em que se constituiu a sua intervenção.
Falar sobre ética é falar sobre conduta. Como já havia destacado V.Exa., Sra. Deputada Juíza Denise Frossard, e também o Ministro Fernando Neves na sua intervenção, há muito já se chegou ao consenso de que falar de ética é falar do outro, é reconhecer a existência do outro e, exatamente por conhecer a existência do outro, saber como se comportar em relação a ele.
Essa foi, acredito eu, a grande evolução da discussão ética, quando se saiu daquela discussão, ainda na Grécia Antiga, de quais seriam os valores que formariam a natureza humana e, em função disso, quais seriam os fins e os meios que disciplinariam o comportamento humano. Passou-se da busca de um valor absoluto para a compreensão da existência do outro. Esse, a meu ver, foi o grande avanço. E daí a absoluta pertinência da citação de Confúcio pelo Ministro Fernando Neves, relativamente à responsabilidade que todos nós cidadãos temos para com os que coabitam conosco a sociedade: não fazermos o mal, se não desejamos o mal.
Esse avanço, penso eu, passa hoje pela necessidade de questionarmos, como cidadãos, nosso próprio comportamento, nossa própria conduta em relação àqueles que fogem desses princípios éticos que a sociedade, em determinadas regiões e em determinados momentos históricos, estabelece como princípios válidos; que fogem da própria disciplina que o Direito, indo mais além, impõe como obrigação em relação a todos os cidadãos.
É muito CLAUDIfácil denunciar o que, ética ou juridicamente, tem-se como errado, mas a mim me parece que o questionamento que o cidadão deveria fazer sobre a sua própria conduta, sobre o seu próprio comportamento, acaba não adquirindo a mesma relevância.
Quanto ao sentido prático do Direito Eleitoral, é muito fácil denunciar determinado abuso, determinado crime, mas não se sentir indignado ou indignada por ter recebido proposta imoral ou até ilegal de venda de voto, por exemplo. Critica-se muito a conduta do candidato — e é óbvio que ela deve ser não apenas criticada, mas também punida em situações tais —, mas parece que a sociedade acaba aceitando com muita complacência as ofertas feitas.
E aí deve ser feita distinção fundamental. É óbvio que o cidadão sem condições, que vive despojado dos seus direitos, aliás, nem tem conhecimento deles, vai ter reação totalmente distinta a uma proposta imoral ou ilegal que lhe é feita daquele que já dispõe desse conhecimento.
E digo isso porque acho que a sociedade, o Judiciário, a própria Justiça Eleitoral deve avançar na aplicação de sanções a estes que, de algum modo, compactuam com o cometimento de todas essas infringências ético-jurídicas ou se omitem, no sentido de buscar também a responsabilização de quem permite ou de quem se omite.
Exemplo prático disso é o número de processos baseados no art. 41, "a", ao qual o Ministro Fernando Neves também se referiu antes, que obviamente vão resultar na cassação de um registro ou até mesmo de um mandato. E vimos o número de Prefeitos que perderam o mandato por práticas previstas no referido artigo.
Contudo, de certo modo, não teremos essa mesma investigação, essa mesma perquirição no que diz respeito ao cometimento de um crime. Muitas vezes, a prática dos crimes previstos no art. 41, "a", resulta também na prática de um crime eleitoral previsto no art. 299 ou em outros do Código Eleitoral, inclusive por parte daquele que se dispõe a vender efetivamente o seu voto ou receber a proposta de venda do seu voto.
Essas considerações são relevantes porque, retomando aquele aspecto da ética, mostram o papel que cada um tem, não somente de denunciar, mas também de adotar atitude ativa para coibir esse tipo de prática. E aí passa pelo eleitor que não examina as propostas de um candidato, que acredita nas suas promessas, que não as analisa bem.
Mas voltamos sempre a esta situação: num país de condições econômicas e sociais em desigualdades tão abruptas como o nosso, fica difícil realmente esperar que a sociedade como um todo reaja a essa situação.
O que importa é lembrar que o Direito Eleitoral, a Justiça Eleitoral, de certa forma, parece ter conseguido lidar bem com esses valores, com esses interesses protegidos. Mais do que a previsão de crimes eleitorais, a legislação eleitoral conseguiu identificar outras sanções para aplicação em relação a essas infringências ético-jurídicas.
Num Estado em que as penas privativas de liberdade, reclusão e detenção fazem mais é contribuir para a reincidência do que para a ressocialização do condenado, realmente é importante discutir até que ponto os crimes eleitorais previstos no Código Eleitoral, em sua maioria com penas privativas de liberdade, reclusão e detenção, ainda atendem a essa situação moderna que existe hoje. Constata-se que realmente as penas privativas de liberdade não são — talvez nunca foram — a solução mais adequada para incriminação daqueles que cometem delitos.
Por isso, vamos verificar na legislação mais atual que há ainda, para aqueles crimes considerados realmente mais graves, a previsão de penas de reclusão e detenção, mas para muito deles já se começa a pensar na prestação de serviços à comunidade e na aplicação da pena de multa.
Nesse ponto, atuam 2 fatores bem interessantes. A legislação, quando tipifica o crime, já consegue avançar nessa pena alternativa ao encarceramento, quando prevê a prestação de serviços à comunidade, muito embora pudesse ter ido muito mais além para prever, por exemplo, as penas restritivas de direito.
Portanto, essa é uma análise que julgo pertinente seja feita pelo legislador numa eventual reforma da legislação eleitoral, numa eventual consideração de novas condutas a serem apenadas. Se não, muito mais interessante do que prever a reclusão e a detenção seria prever as penas restritivas de direitos, porque, obviamente, haveria a interdição temporária de direitos, dentre eles do exercício de cargo ou função ou mesmo de atividades que dependam de autorização do Poder Público. Parece ser isso realmente o que mais toca o infrator no âmbito do Direito Eleitoral. Mais do que a possibilidade de ser preso, quer me parecer que aquele que comete uma transgressão vai se preocupar muito mais se o seu direito de votar e ser votado será preservado.
É óbvio que a condenação que impõe pena de reclusão ou detenção resulta também na suspensão, ainda que temporária, dos direitos políticos, por força da própria Constituição. Mas o que se discute não é a conseqüência dessa pena e, sim, a própria pena que a legislação eleitoral contempla e o resultado, as suas conseqüências. Muito embora ninguém mais sustente apenas o caráter retributivo da pena, ou seja, quem fez o mal tem de pagar por esse mal. E é aí que a ética e o direito se interpenetram, porque é um conceito ético, antes de qualquer coisa.
Temos de lembrar também do caráter de prevenção dessa pena. Talvez, naquele aspecto de prevenção geral, já se saiba de antemão que aquilo pode resultar na interdição de direitos. Talvez muitos pensem realmente no cometimento desse delito antes obviamente de sua prática, e no aspecto mais específico da prevenção. Aquele que cometeu o delito será penalizado naquilo que mais lhe importava: exatamente o exercício do cargo ou da função.
Por isso eu disse antes que o Direito Eleitoral, de certa forma, parece ter conseguido combinar muito bem esses fatores, porque há determinadas condutas em que os bens e os interesses jurídicos são de extrema relevância, mas não foi necessário entender a proteção desses bens e direitos como crime. Bastou apenas entender como infração administrativa e para tal estabelecer sanção que, como vinha dizendo antes, a meu ver, não me parece menos grave para o delinqüente do que efetivamente a prisão.
O legislador foi sábio em prever a inelegibilidade, a cassação do mandato, a cassação do registro. Nesse aspecto, combinado o Código Eleitoral, do qual vem a previsão dos crimes eleitorais, com a Lei de Inelegibilidades, temos, pelo menos em tese, realmente um sistema eficaz de coibição do cometimento dessas infrações.
Sr. Ministro, parece-me que a Lei de Inelegibilidades traz hoje de mais importante justamente a possibilidade de se declarar a inelegibilidade de quem abusou do poder econômico e do poder político. Concordo plenamente com V.Exa. nos aspectos que dizem respeito à desincompatibilização e ao afastamento do cargo. Não me parece que a sociedade esteja pronta para a reeleição, quando ela for instituída, porque, obviamente, instituiu-se a reeleição, mas se deixaram descobertos aspectos como o afastamento e a desincompatibilização.
Na realidade, não parece justo — novamente a implicação do direito com a ética — que o Prefeito e o Governador permaneçam no exercício do cargo enquanto outros servidores inferiores na hierarquia administrativa tenham o tempo de afastamento bastante reduzido.
Mas há outros aspectos na Lei de Inelegibilidades que resultam no impedimento da própria candidatura, quando se verifica a condenação, transitada em julgado, pela prática de determinados crimes contra a administração pública e outros, um aspecto de extrema relevância.
É interessante notar como isso avançou.
Mediante a Lei Complementar nº 5, de 1970, a Justiça Eleitoral indeferiu o registro daquele que simplesmente respondia a esse tipo de processo. Hoje, obviamente, não obstante o fato de o candidato responder a 1, 2, 3 ou 10 processos, ainda que tendo por objeto os crimes mais graves contra o patrimônio público, contra a ordem pública — o que, de certa forma, já evidencia o seu caráter, a sua conduta no futuro —, ele terá, sob a égide da Lei Complementar nº 64, de 1990, a possibilidade de se candidatar, exatamente porque, distintamente da Lei Complementar nº 5, não prevê mais a possibilidade de estar apenas respondendo a um processo para ter o seu registro indeferido.
Sr. Ministro, parece-me que assim é apenas porque a Lei Complementar nº 64, de 1990, distintamente da Lei Complementar nº 5, não contemplou mais essa hipótese de o candidato estar respondendo a um processo. No início, quando a Lei Complementar nº 64, de 1990, ainda não tinha sido editada, o TSE aplicava ainda a Lei Complementar nº 5 e não permitia o registro, se o candidato estivesse apenas respondendo a um processo.
Tudo isso tem implicação de ordem constitucional, porque a Constituição também não permite a perda ou a suspensão de direitos, salvo depois de condenação transitada em julgado.
Essa questão deve ser discutida. É óbvio que em certos casos é muito evidente que determinado candidato não mereceria o registro pelo tipo de crime, pelo que responde e pelo número de processos que pesa contra ele. Mas restaria sempre aquela possibilidade de estar respondendo a um único processo porque alguém, por motivação política, acabou logrando êxito no seu andamento. Nesse caso, o candidato terá o seu registro indeferido, muito embora mais adiante se constate que ele, realmente, não teve responsabilidade alguma.
Com a reforma constitucional de 1994 e a alteração do § 9º do art. 14 da Constituição, não se protege apenas a probidade administrativa, a normalidade e a legitimidade do pleito, mas leva-se em conta também a conduta pregressa do candidato.
Talvez este aspecto ainda demande muita discussão, mas ele já vem sendo apresentado à Justiça Eleitoral. Nas eleições passadas, muito embora os registros tenham sido deferidos, não foram poucos os casos, quer me parecer, em que houve, sim, impugnação do registro da candidatura pelo simples fato de determinado candidato estar respondendo por determinados crimes, e crimes sérios, que diziam respeito exatamente à ordem pública, o que já mostrava, de certa forma, o que se poderia esperar daquele candidato.
O Código Eleitoral faz a divisão de crimes, bens e interesses protegidos no alistamento, na inscrição, em relação a partidos, na votação do próprio sistema eleitoral. É uma gama muito ampla até de preceitos ali inseridos, prevendo exatamente a aplicação de sanções, se descumpridos. Sobre eles, durante o debate, poderemos nos aprofundar mais. Neste primeiro momento, pareceu-me de maior relevância discutir o art. 299, por estar tão vinculado ao art. 41, "a", e também a Lei de Inelegibilidades.
Há legislação extravagante, além do Código Eleitoral, na qual existe a previsão de crimes. A Lei Etelvino Lins, por exemplo, proíbe o transporte e a alimentação de eleitores no período eleitoral, aspectos que poderiam talvez ser discutidos com mais especificidade, se for do interesse de todos.
Para finalizar, quero apenas dizer que tudo o que deve ser aplicado, em termos de sanção, e o que deve ser protegido, em termos de bens e interesses juridicamente relevantes, não terá eficácia alguma se o Poder Judiciário não for sério, efetivo e eficaz.
A impunidade é, com certeza, a pior mensagem que se pode transmitir e o maior obstáculo à implementação dessa inspiração ética que move a sociedade, não obstante as transgressões que ocorrem, em casos particulares, e que justificam o próprio papel do Estado, enquanto único ente autorizado a usar o poder da força, da imposição para que determinada regra seja obedecida. Se a Justiça não evita a impunidade, e a sociedade não a auxilia nesse seu mister, com certeza todos esses princípios serão ditos ao vento. E o pior: colocarão em risco a própria segurança e a harmonia da nossa vida em sociedade.
Não poderia, Sr. Ministro, terminar minha intervenção sem tecer comentário sobre a observação feita por V.Exa. de que os advogados, com certeza, conseguiriam arrastar um processo por mais de 4 anos, até o Supremo Tribunal Federal. Eu, na condição de membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e de advogado militante — essa é a minha profissão, esse é o meu papel —, não poderia deixar de responder a essa sua afirmação, até porque sei muito bem que V.Exa., além de Ministro do TSE, vive do mister de advogado. Tenha V.Exa. a certeza de que o advogado só leva o processo até o Supremo porque não existe a possibilidade muito simples e fácil de levá-lo até a Costa Rica, até Haia. Se não, também o levaria. Não é o advogado que leva, mas a legislação que contempla a possibilidades de recursos. E tenho convicção absoluta de que aquele advogado que, às vezes, advoga em determinado caso, que tem que passar por todas essas instâncias até o trânsito em julgado, é o mesmo que, na maioria dos casos, encontra-se exatamente do outro lado, tendo que fazer com que o processo ande, com que o julgamento seja célere. Com certeza, não existe a figura do advogado que está apenas de um lado. Digo isso porque o processo não é do advogado; o processo é do cliente. Qual advogado diz ao cliente o seguinte: "Olha, perdemos na primeira instância. Os argumentos são muitos convincentes, a prova é muito contundente. Vamos desistir disso". Nenhum. É da própria índole do ser humano recorrer, buscando a reforma de uma decisão, principalmente quando os seus interesses estão em jogo.
A Justiça Eleitoral é flexível em relação a determinados princípios, exatamente porque o mandato não é do candidato e, sim, da sociedade, da qual ele é apenas um representante. Daí a possibilidade, então, de uma reforma judicial na qual não se suprimam talvez os recursos. Sempre é muito importante a avaliação de uma instância superior, mas que se aprimore a forma como esses recursos serão julgados e que a própria Justiça diligencie no sentido de dar celeridade aos feitos, para que não tenhamos esse prejuízo, como muito bem relatou V.Exa. na sua exposição.
Eram essas as considerações preliminares que eu gostaria de fazer.
Foi uma satisfação ter recebido o convite para vir compartilhar desta Mesa com tão distintas autoridades.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Juíza Denise Frossard) - Os 2 ilustres convidados expuseram, com brilho que eu não vejo há tempo e com grande poder de síntese, pragmaticamente, as grandes questões que nos atormentam.
Antes de Jaqueline colher as assinaturas, na condição de coordenadora do evento, quero destacar alguns pontos que ficaram no ar, exatamente para provocar o debate entre os 2 conferencistas.
O Sr. Ministro citou o art. 41, "a", que permite à Justiça celeremente afastar aquele que prometeu algo em troca do voto, por exemplo. E há projetos aqui na Casa que levam exatamente isso para o trânsito em julgado. Ao mesmo tempo, o Dr. Joelson lamentou que não se pode impugnar o registro do candidato que está respondendo a inquérito.
Agora vou puxar um pouco a culpa para nós políticos. Todas as vezes em que eu falo "nós políticos" levo um susto, porque sou uma figura muito híbrida. Mas me incluo entre os políticos; hoje sou política.
Na verdade, os partidos são o primeiro filtro, ao receberem uma filiação e permitirem que aquele filiado seja ou não candidato. Pelos filtros partidários, portanto, passaram todos os virtuosos, assim como todas aquelas pessoas tenebrosas da nossa história.
Quero lançar esta pimenta no plenário: o funcionamento dos filtros partidários.
Tudo o que temos de bom e de ruim, em termos de políticos, não tenham dúvida, passou pelas instâncias partidárias. Os partidos estão funcionando? Será que não estamos sendo muito condescendentes com eles? Eles estão agindo como deveriam? Tenho lá minhas dúvidas. Pode a Justiça ser a censora daquele indivíduo que está meramente respondendo a inquérito? A palavra da Justiça tem de valer de forma inquestionável. Se não, parece aquela brincadeira de criança: traça-se uma linha e, quem cuspir do lado de lá, xingou a mãe. A Justiça não brinca. Sua decisão deve ter efetividade.
Então, não podem acontecer idas e vindas. O partido político deve agir. Aquele que teve sua candidatura impugnada ou sua filiação desautorizada que procure a Justiça.
Jaqueline vai recolher as perguntas feitas por escrito.
(Intervenção inaudível.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Juíza Denise Frossard) - Deputado, peço desculpas. Adiantei-me um pouco.
Neste momento, passo a palavra ao meu colega Deputado Gustavo Fruet.
O SR. DEPUTADO GUSTAVO FRUET - Serei objetivo.
Gostei quando a Deputada Juíza Denise Frossard pediu que tratássemos do tema de forma pragmática e breve. Lembrei-me — e está aqui um conterrâneo nosso, o Sr. Luiz Felipe Haj Mussi, que foi Secretário Estadual de Segurança Pública do Paraná — de um padre muito famoso no nosso Estado. Na missa, ele diz que aprendeu no seminário que o bom orador e o bom sermão têm de ser como uma mini-saia: justa, curta e provocante. Nos primeiros 10 minutos se fala para os fiéis; depois de 20 minutos se está falando para os bancos, porque todos estão olhando para o chão; e nos últimos 30 minutos, para o diabo, porque ninguém agüenta mais ouvi-lo e o estão mandando para o inferno.
É prudente sermos muito pragmáticos e objetivos. Mas há algumas provocações. Eu, de forma objetiva, vou solicitar ao Ministro Fernando Neves permissão para comentar as recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que aplicaram a Lei Complementar nº 64/90: a ação de impugnação de mandato do Governador Joaquim Roriz, do Distrito Federal; e a aplicação do art. 41, "a" — o primeiro caso julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação a quem tem mandato —, relativamente ao Senador Capiberibe.
Ao final, vou explicar o porquê dessa solicitação, sempre entendendo a preocupação quanto ao fato de o Ministro ter participado, evidentemente, da votação.
Não faço aqui análise de mérito e, sim, avaliação da forma como se deram esses julgamentos. E por que isso? O Brasil, nos últimos 15 anos, sofreu mudança profunda, inclusive no modelo de Direito Eleitoral. É um dos poucos países com legislação eleitoral de tamanha relevância. Mas o que vimos nesse período foi instabilidade político-institucional. O Brasil vive de casuísmos. Pela primeira vez, para uma eleição nacional e uma municipal houve poucas alterações na legislação especial e nas resoluções da Justiça Eleitoral. O tempo é pouco para se consolidarem determinadas instituições, para se garantir estabilidade e certa previsibilidade em relação ao comportamento especial da Justiça Eleitoral e para a aplicação da legislação eleitoral.
Na verdade, o Brasil vive uma tendência, além dessa falta de estabilização que o tempo vai permitir, mas com um lado muito positivo: a democracia passa a ser rotina.
Muito mais importante do que a mudança da lei é a mudança de comportamento da opinião pública. Um processo de conscientização vai se aprofundando a cada período eleitoral. Daquele momento heróico da vida política brasileira, principalmente na década de 80, com a abertura das primeiras grandes eleições, passamos para a década de 90 com o impeachment de um Presidente da República. Assim, começamos a entrar na democracia, no processo eleitoral sob o signo da desconfiança — isso no bom sentido.
O Brasil precisa viver a experiência da contradição. Digo isso com muita tranqüilidade, no bom sentido, a fim de provocar a discussão. Há contradições. A Oposição tem um discurso, e o Governo adota o realismo. É o que vemos hoje no Governo do PT. A atual Oposição, quando estava no Governo, condenava justamente os mesmos argumentos utilizados hoje no debate político brasileiro. Exemplo disso é a discussão sobre o salário mínimo.
E por que a desconfiança? Porque não se aceita mais a mentira como instrumento do voto eleitoral. Temos de entender que, depois da guerra, a atividade mais brutalizada talvez seja a disputa de poder por meio da política. Então, não se pode imaginar que a política seja um encontro de escoteiros ou de freiras. Na verdade, a política tem pontos positivos e negativos. Todo o processo vai sendo filtrado ao longo do tempo.
E como tratar de forma objetiva os crimes eleitorais, com base na Lei das Inelegibilidades? É muito difícil. Estamos falando de segurança jurídica. Como definir propaganda enganosa, abuso de poder, entendendo que o processo eleitoral tem dimensão de tempo muito pequena? Temos de entender que vivemos 3 grandes momentos: o período da eleição; o período pós-eleitoral; e o período que fica numa massa cinzenta.
A Deputada Juíza Denise Frossard foi muito feliz no que disse. E usarei expressão um pouco extrema: está na hora de implodir as estruturas partidárias do Brasil, porque não há controle. Se, de um lado, conquistamos a autonomia no âmbito constitucional e da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de outro lado, tiramos do partido, agora como entidade privada, o controle público, em especial por parte da Justiça Eleitoral. O Colégio Eleitoral, que vai se reunir entre 10 e 30 de junho para escolher os candidatos a Prefeito e Vereador das eleições deste ano, já os escolheu há pelo menos 1 ano. E foram escolhidos sem sofrer qualquer tipo de controle por parte da Justiça Eleitoral e, em muitos casos, nem da Justiça Comum, a quem cabe a competência, quando há desrespeito a alguma norma processual e estatutária e não matéria de mérito.
Por muitas vezes, a Justiça, principalmente a Estadual e a Comum, não tem preparo para lidar com matérias de importância, tais como a matéria eleitoral. E há que se dizer que na reforma do Judiciário se discute uma nova forma de composição dos Tribunais Regionais Eleitorais, em especial com aumento do número de Juízes Federais. Quer dizer, há ainda o entendimento, dentro da realidade brasileira, de que pode haver na Justiça Eleitoral e na Justiça Federal, por competência, a interferência, em especial no processo eleitoral, quando se sabe a forma de elaboração de listas, sejam elas dos representantes da Ordem, sejam elas dos representantes do Poder Judiciário, em especial os juízes de primeiro grau.
Faço a observação como uma crítica a essa mania de legislar, a essa tendência à "juridização". É muito pouco provável, embora imaginem isso, que consigamos prever ou antecipar todas essas contradições por meio da legislação. Num país com uma usina de lei como o Congresso brasileiro isso é muito pouco provável. Isso gera enorme contradição. É uma dialética sutil entre 3 atores: quem elabora a lei, quem a aplica e a quem é dirigida. Isso é típico no caso dos crimes eleitorais. Com o Código Eleitoral, a Lei das Inelegibilidades e a Lei Orçamentária Anual, são mais de 70 tipos, a maior parte com previsão de pena de até 2 anos de detenção. Na verdade, há poucas condenações. Isso significa que o sistema é ineficiente ou há percepção equivocada de que está havendo excesso de corrupção no Brasil.
Como dar essa resposta?
Um jornalista do Paraná, em tom de brincadeira, disse que a Justiça Eleitoral tinha de contar com um juiz de vôlei: cometeu a fraude, é dada a punição em seguida. Porque até se constituir a prova e se analisar o potencial de ofensa no processo eleitoral, passa a eleição; e é eterna a prescrição quando se trata de impugnação de registro ou de representação, se isso se transforma automaticamente na impugnação da diplomação. Na verdade, por questões técnicas importantes — é claro que estamos falando em segurança jurídica —, quais são os casos de efetiva condenação de mandato popular no País? Há uma falsa percepção de que o processo eleitoral é a verdadeira corrupção ou, apesar de todo o avanço, ineficiente em dar a resposta.
O exemplo típico — e se trata de hipocrisia —, é a prestação de contas. Na verdade, a Justiça Eleitoral analisa a questão contábil. Ela vai analisar se, entre os doadores ou na prestação de contas, cometeu-se alguma irregularidade especial quanto à forma. Como a Justiça Eleitoral vai avaliar se houve ou não caixa dois? Como ela vai avaliar se aquele recurso levantado foi utilizado de forma abusiva?
Este é mais um dado para reflexão, inclusive do Congresso, Deputada Denise. Temos de saber qual o custo da democracia no Brasil; que preço queremos pagar. E não me refiro ao abuso, mas ao custo da política brasileira. Por exemplo: permite-se a reeleição de um Presidente da República, mas se ele quiser ser candidato a Vereador em São Bernardo do Campo tem de renunciar ao mandato 6 meses antes, sob pena de ser acusado de usar a máquina pública em seu proveito. Como se faz política no Brasil quando se sabe do custo de uma pesquisa? Quem paga por essas inserções de rádio e televisão, com material de muita qualidade, comerciais de 30 segundos a um custo de 80, 100, 150 mil reais, e grandes comícios? Qual vai ser a forma de financiamento do processo eleitoral? Por isso também sugiro a discussão sobre a implantação ou não do financiamento público.
Cumprimento o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar por tomar esta iniciativa. Aliás, trata-se até de contradição o Congresso possuir um Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, o que mostra como ainda não conseguimos alcançar determinados valores.
Devemos entender que a barbárie é irmã gêmea da civilização. Por vezes nos autodepreciamos e pensamos que aqui as coisas são piores. O Brasil não é pior nem melhor do que muitos países, inclusive aqueles tidos como modelos de democracia. Vejam o que ocorreu na Espanha, ou a última eleição da França, ou a discussão sobre o financiamento da campanha presidencial norte-americana. Estão até discutindo se implantam ou não a urna eletrônica brasileira.
Pergunto: como vamos melhorar os instrumentos para filtrar, evitar a generalização e enfrentar essa descrença? Essa é a pergunta que faço ao Ministro Fernando Neves.
Cumprimento o Dr. Joelson Dias pela brilhante intervenção.
Peço a análise desses casos, dos dispositivos aplicados e de que forma se pode trabalhar para que a Justiça Eleitoral seja mais célere.
O povo brasileiro não precisa de tutela, seja dos partidos, seja do Congresso Nacional. Nem deve imaginar que o Poder Judiciário vai lhe dizer que foi comprado ou iludido e, portanto, enganado na eleição, e que, na defesa do seu interesse, vai ser cassado aquele mandato popular. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Juíza Denise Frossard) - Muito obrigada, Deputado Gustavo Fruet.
Neste momento, pedindo desculpas à Mesa e dizendo-me honrada com a designação do Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, passo a coordenação dos trabalhos ao Deputado Orlando Fantazzini.
Desde já agradeço ao Ministro Fernando Neves, ao Dr. Joelson Dias e ao Deputado Gustavo Fruet. Terei de me ausentar para participar de eleição na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
Obrigada a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - A vida do Parlamentar é corrida. Saí da Comissão Especial que discute o trabalho escravo, e agora a Deputada Denise tem de se ausentar para ir até a Comissão de Segurança Pública Combate ao Crime Organizado. As atividades no Parlamento se dão dessa forma. Todos temos de cumprir nossa responsabilidade. Às vezes, não temos a oportunidade de participar de forma integral de todos os debates. O importante é que o Conselho de Ética, que não se resume apenas ao seu Presidente, tem procurado trabalhar de forma coesa, distribuindo e repartindo as responsabilidades para avançar cada vez mais nesse tema de suma importância para toda a sociedade que se propõe democrática.
Passo a palavra ao Ministro Fernando Neves, para as respostas.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Antes de enfrentar diretamente o tema abordado pelo nobre Deputado, quero tecer considerações sobre o que disse a Deputada Juíza Denise Frossard a respeito dos partidos políticos, na circunstância de serem realmente o primeiro filtro da escolha dos candidatos.
S.Exa. tem toda a razão. Os partidos são, como secundou o eminente Deputado Gustavo Fruet, os primeiros responsáveis pela indicação dos candidatos. Talvez agora tivéssemos de pensar um pouco mais em fortalecer os partidos, dar-lhes estrutura mais sólida, já que hoje estão muito ligados a interesses pessoais.
Sem citar nomes, quero dar um exemplo do qual fui testemunha. Outro dia estava no aeroporto, voltando de um encontro, e um ilustre Parlamentar — acho que S.Exa. não me conhecia — falava ao telefone celular sem qualquer preocupação com quem quisesse ouvir. Percebi que S.Exa. discutia com algum correligionário, preparando o lançamento de candidatura em algum Município. S.Exa. dizia: "Sim, sei que ele é inelegível, sei que ele não pode concorrer, mas a gente lança e, até eles anularem isso, os votos são válidos. Nós fazemos assim. Depois sobra o suplente". Quer dizer, um Parlamentar respeitado do Congresso Nacional sabe que o candidato que o seu partido vai lançar não tem condições de assumir, mas ele vai disputar a eleição, vai receber votos e depois o suplente ocupa o seu lugar. O importante para o grupo político dele era chegar ao poder, não importa se com A, B ou C; e vai lançar a candidatura do A porque atrairá mais votos.
O Parlamentar não se apercebeu bem — e aqui me permito abrir um intervalo para o meu comercial — que a Justiça Eleitoral alterou um pouco isso. O candidato que chegar sem registro à eleição tem os seus votos considerados nulos. Então, a estratégia dele está barrada.
Nobre Deputado Gustavo Fruet, realmente as duas decisões da semana passada foram objeto de muitas análises pela imprensa. Tenho de me ater a alguns aspectos técnicos, mas vou tentar dar uma explicação sobre o que o Tribunal tinha à sua frente e o que decidiu, sem insistir no meu voto vencido ou dar a minha opinião sobre outras situações.
O primeiro caso é o do Senador João Capiberibe e da Deputada Janete Capiberibe. As teses de Direito foram todas enfrentadas de modo unânime quanto à desnecessidade de se aferir potencialidade quando se investiga a prática do art. 41, "a", ou seja, a compra de um voto pelo candidato é suficiente para afastá-lo do pleito. Temos o exemplo típico de um caso ocorrido no interior da Bahia. O candidato deu uma caixa d’água a uma eleitora e foi cassado por isso. Depois que soube que a eleitora não havia votado nele, tomou-lhe a caixa d’água. (Risos.) Ele ofereceu algo para a eleitora; não precisa nem contar com a certeza do voto, basta oferecer e já está fora. Basta um único fato.
Nesse caso, todas essas teses de Direito foram vencidas, todas unânimes. Reafirmou-se a jurisprudência do TSE e se ficou no exame de uma situação de fato. E, como todas as situações de fato, sujeita ao subjetivismo de quem vai julgá-la. A Corte se decidiu: 4 eminentes Ministros entenderam que estava provada a participação do candidato na compra de voto, feita por uma correligionária da família Capiberibe, pessoa muito ligada à família. Eles entenderam que havia ali o conhecimento do candidato — e para essa sanção é fundamental que haja a participação direta ou indireta do candidato ou, no mínimo, a sua anuência explícita com a conduta daquela terceira pessoa — e que o caso estava provado nos autos. O Ministro Celso de Mello e eu entendemos que não estava provado. Mas essa é a análise dos depoimentos e das provas.
Essa é a virtude de se julgar num colegiado em que cada um expõe a sua opinião. Como digo sempre, a responsabilidade de dizer se estou certo ou errado não é minha e, sim, dos meus colegas; eles é que vão avaliar a minha situação. Então, entendeu-se que houve realmente proposta de compra de voto, feita pela presidenta de determinada associação. E 4 Ministros entenderam que se caracterizou a compra de voto, que havia a participação, ainda que indireta, dos candidatos, que ao final foram punidos.
O outro caso, julgado na semana passada, foi o do Governador do Distrito Federal. Não participei do julgamento. A maioria do Tribunal entendeu que só havia indícios de irregularidade. E para afastar alguém do cargo há de se ter certeza daquela irregularidade, certeza que, no outro caso, ao examinar a outra situação, a maioria entendeu presente.
Neste caso, a maioria entendeu que a certeza não estava presente, claro, analisando, caso a caso, as provas do processo. O eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que ficou vencido nesse segundo caso, entendeu que a soma de indícios tornava dispensável a prova da certeza. S.Exa. disse: "Tantos indícios me levam a concluir pela procedência do recurso e pelo afastamento do Governador do pleito".
Quando se examina a prova, a análise é subjetiva. É o mesmo que dizer se determinada pessoa é feia ou bonita — há algumas unanimidades, mas, em relação à grande média dos brasileiros, uns a acham feia e outros a acham bonita.
Não sei se está mais ou menos esclarecido o enfoque. Não estou entrando nas considerações pelas quais cada julgador entendeu isso ou aquilo, mas apenas explicando o que aconteceu.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Ministro. Proponho à Mesa que as perguntas sejam feitas em bloco de 3 pessoas.
Lembro aos convidados inscritos que cada um terá 3 minutos para formular suas questões.
Concedo a palavra ao primeiro inscrito, Lucas Batista Pinheiro.
O SR. LUCAS BATISTA PINHEIRO - Boa-tarde. Gostaria de agradecer à Mesa e aos senhores. Pergunto ao Ministro Fernando Neves se podemos falar de ética enquanto há Municípios com bastante acesso à informação, como São Paulo e Rio de Janeiro — as pessoas sabem como votar, onde votar, registrar o seu voto na urna e têm consciência da compra e venda de votos —, e pequenos Municípios no Norte e no Nordestes sem essa informação. Será que podemos falar de ética nas eleições municipais?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Gostaria de agradecer ao Lucas, que tem 14 anos e já dá demonstração de exercício de cidadania, e de cumprimentá-lo com uma salva de palmas. (Palmas.)
Obrigado, Lucas.
Concedo a palavra ao Sr. José Eugênio Maciel.
O SR. JOSÉ EUGÊNIO MACIEL - Boa-tarde a todos. Começo fazendo referência a uma questão do meu Estado, que vai ilustrar os fatos de que tomamos conhecimento pelos meios de comunicação.
No Município de Amaporã, o Prefeito foi cassado, a sentença comprovou o uso da máquina pública, do poder econômico. O interessante é que assumiu o cargo a candidata que perdeu as eleições. Muitas vezes, a Justiça reconhece tardiamente um direito. A candidata, que tem não a legalidade, mas a legitimidade, assume o mandato praticamente no final. Fica provado, depois de muito tempo, que o Prefeito usou e abusou economicamente da máquina. Ele foi cassado — antes tarde do que nunca —, e a lei prevê que alguém assuma o cargo para exercer o mandato até o fim.
O enfoque foi dado — não sou político — sempre do ponto de vista do político que compra voto, que abusa. Nós nos esquecemos de que o político compra voto porque tem quem se venda. É preciso que haja também mais rigor na punição daqueles que corroboram isso de algum modo.
Discordo — pena que a Deputada Juíza Denise Frossard não esteja presente — da afirmação de que os partidos são filtros para aqueles que assumem mandatos públicos. Os partidos também refletem a cultura de uma sociedade, essa é a verdade. Posso considerar determinado cantor excelente e vou confundir meu pensamento para elegê-lo Deputado Federal, Senador e assim por diante. E pode ser que eu cometa um equívoco muito grande.
Quando se acusa o povão, que vende seu voto em troca de cesta básica, deve-se lembrar de que muitos o fazem em troca de concessão de canal de televisão para votar a favor da reeleição, de 5 anos de mandato. E são pessoas que não precisam disso, não estão passando fome, a não ser a fome de poder.
Peço à Mesa que discorra sobre o Ministério Público. A impressão que se tem, pelo menos em boa parte do Paraná, é que o Ministério Público precisa agir apenas quando provocado. O cidadão não consegue romper aquela formalidade, aquele posicionamento do promotor um pouco acima. Embora se diga para o cidadão procurar o Ministério Público, ele não se sente protegido no sentido de denunciar as mazelas de um processo eleitoral. Em relação aos partidos políticos, realmente é uma instituição indispensável, não como está sendo dito aqui.
Para finalizar, há a questão da Justiça. O que mais vemos é um colocando a culpa no outro. Os Tribunais de Justiça alegam aplicar a lei que os Deputados, ao legislar, configuram. Os Deputados culpam o sistema judiciário. Na verdade, não é a lei em si, mas a falta de mecanismos ágeis que permitam ao Poder Judiciário existir como tal, de maneira mais aberta. Culpam-se os meios de comunicação, que às vezes são o que nos resta. Ao se denunciar um fato, independentemente de todo um rito processual, quando se vê a imagem de alguém vendendo o seu voto, pagando propina, já se entende, sem querer prejulgar, que não é preciso mais indício nenhum.
O distanciamento das instituições do Legislativo, do Judiciário, do Executivo, que faz também com que muitas leis não encontrem condições de serem aplicadas, cria esse distanciamento entre a sociedade e o Poder constituído.
O que vai ocorrer nas próximas eleições? De que precisamos? De um conjunto de leis, de meios eficazes para aplicá-las? Ou não precisamos de leis, mas apenas de um pouco mais de vergonha na cara, respeitando o cidadão e não vendendo o voto?
No momento em que a justiça ocorre, o exemplo do que houve em Amaporã chega a ser ridículo, para não dizer estúpido. Depois de provado que uma pessoa abusou do poder econômico, a outra assume o cargo no final do mandato que se mostrou legítimo. Mas há a coincidência das eleições, o Judiciário tem de agir e o advogado é culpado, porque usou de todos os meios.
É claro que a presunção da inocência deve ser preservada, mas penso que, efetivamente, em uma eleição, quando as regras já estão em vigor, não pode alguém assumir mandato eletivo sob suspeita de que não tenha legitimidade, quando há duvida sobre sua honestidade. E a dúvida em relação à coisa pública é diferente, a meu ver, de outro tipo de conduta da sociedade.
Era o que tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, José Eugênio.
Com a palavra o Sr. Veridiano.
O SR. VERIDIANO - Boa-tarde, Sr. Presidente, companheiros deste seminário sobre ética na política.
Principalmente agora, época de eleições municipais, é importante fazer este debate. A democracia se aprimora a partir do momento em que praticamos o processo democrático.
No Brasil, a democracia é recente. Desde a época em que os portugueses invadiram nosso País ela não era praticada. Nas primeiras eleições, era preciso ter certa quantidade de dinheiro para se candidatar; para votar, era preciso ter pelo menos a metade desse recurso. Mulheres, negros e pobres não participavam do processo democrático.
Sou uma pessoa leiga. Moro na Expansão do Setor O, um bairro de Ceilândia, no Distrito Federal, e estou trabalhando com a Deputada Maninha. Não tenho conhecimento jurídico sobre o assunto. Vou falar da experiência que acumulei.
As pessoas usam muito a palavra democracia para manter seu status e se perpetuar no poder. As leis são feitas para quem está no poder e para essas pessoas se perpetuarem no poder.
É claro que, às vezes, se fura esse bloqueio. Quando há ameaça, usa-se da força. Foi o caso do regime militar — pelo medo de se instalar um regime comunista, os militares assumiram o poder e a democracia foi deixada de lado. No Brasil ocorrem essas questões.
Na Expansão do Setor O as pessoas diziam: "Olha, Veridiano, o Roriz não será cassado". "Mas cassaram o Deputado, o Senador." "Ah, mas o Governador Roriz não será cassado."
Para o povo, a novidade seria a cassação do Roriz. A não-cassação é normal. As leis são feitas para os pobres, para os negros, mas os ricos sempre se salvam de alguma forma. Existem liminares, uma série de coisas, e a pessoa não é presa. O povo já previa esse resultado.
As campanhas eleitorais são tão caras que uma pessoa do povo dificilmente é eleita. Ela pode candidatar-se, há liberdade. Ela é livre, pode filiar-se a um partido, ao PFL, ao PMDB, ao PT. Pode ser candidata. Pode até conseguir espaço na televisão, mas não terá recurso para fazer um programa.
Sempre fica no poder quem tem muito dinheiro, quem tem rede de televisão. Isso é ético? Isso é democrático? Faço essa indagação.
Gostaria de fazer uma pergunta ao Ministro Fernando Neves. Acompanhei um pouco a votação do processo do Senador. Uma pessoa disse que recebeu dinheiro, e isso valeu como prova. No outro processo havia uma porção de documentos, mas eles não valeram como prova. Foi necessário perícia. Tive informação de que no outro processo essa mesma pessoa havia dito que tinha recebido dinheiro para falar que recebeu dinheiro do que foi cassado. Se o cabo eleitoral, não sendo da família, oferece dinheiro, vale a prova. Fotos, vídeo, filmagem são provas, ou é preciso fazer perícia?
Outra questão é o tempo da campanha. Estabeleceram que ela tem duração de 3 meses. Uma pessoa que é do povo, que mora em determinado bairro e tem de percorrer vários bairros a pé tem dificuldade de conseguir votos. Quem é dono de televisão, quem tem exposição na mídia nem precisa mais de televisão para se eleger.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Veridiano.
Com a palavra o Ministro Fernando Neves.
O SR. MIINISTRO FERNANDO NEVES - Abordo primeiramente a questão trazida pelo Lucas. Realmente, há uma grande diferença entre os centros urbanos, as grandes cidades e o interior do País. A preocupação da Justiça Eleitoral é levar a todas as regiões do País a mesma informação, seja quanto ao processo de votação, seja quanto à fiscalização dos procedimentos da campanha.
Sessões eleitorais são instaladas em aldeias indígenas. Eu brincava muito com o Ministro Nelson Jobim, dizendo que as nossas urnas funcionam tanto na Avenida Paulista quanto em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Ele ficava muito irritado com a comparação.
O fato é que temos grande diversidade. A preocupação da Justiça Eleitoral é levar informação a todos. Entretanto, a ética tem de ser a mesma, porque ética é correção de conduta. E não podemos admitir, por maiores que sejam as dificuldades, que se demonstre o modo que o eleitor do interior do País tem de proceder. Não posso dizer, pelos estudos que foram feitos e até por análises de jornais e revistas, que grande parte de investigações e ilícitos se localize em locais de menor expressão econômica. Temos exemplos gravíssimos em regiões de alto poder aquisitivo.
Basta citar o famoso exemplo de Camaçari, em que se apurou, principalmente em razão do elevado volume de recursos da Prefeitura, grande irregularidade no alistamento de eleitores. Esse problema ocorre em todos os locais. A nossa preocupação é recomendar uma postura ética em todo o País, evidentemente.
Quanto ao que disse o José Eugênio, reconheço e aceito a parcela de culpa da Justiça na demora de julgamentos. Sem querer ofender o Dr. Joelson, não estou dizendo que a culpa seja dos advogados, até porque também sou advogado. Estou temporariamente afastado da Justiça Eleitoral, mas espero retornar a ela um dia. Realmente o advogado tem obrigação de usar todos os meios possíveis para assegurar a melhor vantagem ao seu cliente, desde que dentro de um processo lícito.
A Justiça Eleitoral tem caminhado no sentido de buscar maior eficácia. Estamos defendendo a imediata aplicação das nossas decisões, justamente porque — já respondendo um pouco ao Veridiano também — a mera dúvida não pode ser suficiente para afastar um candidato do exercício do cargo para o qual foi eleito pela maioria da sociedade. Temos de dar alguma importância, porque efetivamente ela existe, a quem obteve o resultado das urnas, a quem saiu vencedor dessa disputa. Precisamos de decisão judicial dentro do devido processo legal. A mera suspeita não é suficiente, no meu modo de ver, para afastar alguém.
Todos nós temos uma parcela de culpa. A Justiça Eleitoral admite a sua culpa e a sua responsabilidade e tem buscado por todas as formas agilizar o andamento de processos. Basta ver as recentes decisões que estamos dando no caso de ação de impugnação de mandato eletivo, para citar um exemplo. Diz-se que o rito ordinário da Justiça Eleitoral é o do processo de registro. Portanto, temos a expectativa de que um processo que durava 3 anos possa ser resolvido em um período de 4 a 6 meses.
Realmente, é muito triste que a mudança ocorra somente no final de um mandato, até porque isso tem efeito na eleição seguinte. E não é bom para a democracia permitir que a eleição tenha influência de fatos que não deveriam dela participar.
Não quero entrar na análise do caso específico citado pelo Veridiano. Falei do modo de cada juiz ver a prova produzida. Em um caso houve depoimentos perante um juiz eleitoral, no outro foram apresentados documentos. Um dos eminentes juizes que julgou o caso disse: "Olha, eu acho que essas testemunhas deveriam ter sido ouvidas em juízo. O Ministério Público poderia ter requerido o depoimento dessas testemunhas, para que tivesse maior convencimento".
Discordo quanto à alegação de que não se pune Governador. Há, na história recente do País, um julgamento, do qual participei, em que foi afastado um Governador de Estado. Reconheço a responsabilidade pela demora do julgamento, não atribuída ao Tribunal Superior Eleitoral. Quando o processo lá chegou, foi julgado rapidamente. No entanto, demorou muito tempo no Tribunal Regional do Estado de origem.
A responsabilidade é da Justiça como um todo. Temos de buscar, cada vez mais, aprimorar os instrumentos e os procedimentos para tornar eficazes as nossas decisões.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Gustavo Fruet) - Obrigado, Sr. Ministro.
O nosso Presidente saiu porque teve início o processo de votação, mas logo retornará.
Passo a palavra ao Dr. Joelson Dias.
O SR. JOELSON DIAS - Deputado Gustavo Fruet, apesar de a pergunta não ter sido dirigida a mim, já que a questão foi suscitada, não posso conter-me sobre a decisão do TSE nos casos Capiberibe e Joaquim Roriz.
Sr. Ministro, V.Exa. viu que não me manifestei sobre o assunto na minha intervenção, até porque sou advogado do Partido dos Trabalhadores e de Geraldo Magela em um dos processos. Esse foi apenas um dos processos contra o Governador Roriz. Há outro, e sou advogado nele. Então, não me manifestei sobre o caso, obviamente, até para evitar qualquer consideração, qualquer juízo de valor.
Há 14 anos milito na Justiça Eleitoral. Inclusive, já fui servidor do Tribunal Superior Eleitoral. Preocupa-me a mensagem transmitida para a sociedade. Antes de qualquer juízo de valor sobre o caso, sendo jurista, é exatamente essa questão que me inquieta. Para o leigo passa-se a imagem de que o Tribunal acabou utilizando dois pesos e duas medidas ao julgar casos que se identificavam. Creio que o Tribunal deve ter essa preocupação. A presença de V.Exa. ajuda a esclarecer bastante os fatos. Se bem que, psicologicamente, é muito difícil compreender essas duas decisões.
No meu modo de ver, os elementos existiam em ambos os casos para que o Tribunal pudesse, dentro da sua discricionariedade e da sua avaliação da prova, chegar efetivamente a uma conclusão. Em um caso entendeu que os indícios eram suficientes. Nem considero prova no caso do Senador João Capiberibe e da Deputada Federal, porque evidentemente ainda não havia uma decisão de mérito sobre aquele processo. V.Exa. foi indagado exatamente a esse respeito pelo Ministro Relator. Foi-lhe perguntado se queria uma confissão do candidato. No outro processo esses elementos foram valorados. Entendeu-se realmente que não constituíam provas suficientes para a cassação do mandato do Governador Joaquim Roriz.
Impõe-se à Justiça Eleitoral responsabilidade muito grande de ter harmonia e consenso nas suas decisões, para que não fique parecendo que está julgando seletivamente. É isso que me preocupa.
Nós, que acompanhamos o trabalho da Justiça Eleitoral, sabemos da seriedade dos Ministros do TSE, do empenho em cada caso para realmente se fazer justiça. Na punição do art. 41-A há muito rigor. A condenação do Senador João Capiberibe e de sua esposa é só uma demonstração do rigor da Justiça Eleitoral no julgamento desses casos referentes ao art. 41-A.
Realmente, ficou um pouco no ar a absolvição do Governador Joaquim Roriz. É muito difícil falar em aplicação imediata do art. 41-A e aplicação efetiva das decisões da Justiça Eleitoral, se não cuidamos de um aspecto que, no meu modo de ver, é de extrema relevância: os prazos eleitorais.
Particularmente nos últimos anos — até mesmo fruto da minha advocacia perante a Justiça Eleitoral — tenho tido muita dificuldade para entender duas questões. Tenho procurado compreendê-las, porque, claro, fazem parte do âmbito da Justiça Eleitoral em que atuo. Primeiro, a razão de os prazos eleitorais serem tão reduzidos — e assim devem ser — durante o período eleitoral. Depois do período eleitoral, da diplomação do candidato, os prazos acabam se diluindo novamente. Temos situações como essa relatada por José Eugênio, do Paraná.
Recurso contra expedição de diploma, ação de impugnação de mandato eletivo, todas aquelas ações decorrentes da Lei Complementar nº 6.490 ou qualquer outro tipo de procedimento, representação ou ação que possa resultar na cassação do mandato deveriam ter prazos tão céleres quanto aqueles do período eleitoral. Realmente a espada de Dâmocles fica sobre o eleito, que passa meses ou até mesmo anos governando sem saber se está legitimado para tanto, porque pesa contra ele um processo na Justiça Eleitoral; e também sobre o candidato que no final vem a ser legitimado, pois o outro realmente tinha abusado do poder ou tinha fraudado as eleições.
Essa questão pode ser resolvida de 2 modos. Primeiro, pela reforma da própria legislação eleitoral, para que nos casos mais específicos os prazos para julgamento desses processos, talvez não com aquele mesmo rigor do período eleitoral, sejam necessariamente mais céleres. Independentemente da reforma da legislação eleitoral, a própria Justiça Eleitoral pode assumir a responsabilidade de imprimir nesse tipo de procedimento o rito célere que esses processos têm de ter, porque no final a sociedade é a grande prejudicada. No final não se sabe quem é legitimamente eleito para estar à frente do poder.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Permita-me. Dei um exemplo recente da alteração do rito da ação de investigação do mandato eletivo. Havia um processo que corria pelo Código de Processo Civil. E a partir da próxima eleição, em 2004 — isso consta de uma resolução do Tribunal —, haverá de se adotar o rito da Lei Complementar nº 64, o mesmo do processo de registro. Imagina-se que um processo que durava 3 a 4 anos vai poder ser resolvido em 4 ou 6 meses.
Estamos fazendo o possível para que isso ocorra, mas, é claro, temos de garantir o direito de defesa. Não é possível que, fora do período eleitoral, o advogado seja intimado por mera fixação de pauta na Secretaria. O advogado não tem como estar presente todos os dias no julgamento. Precisamos ter um pouco de racionalidade. Nem lá nem cá. Prazo aos sábados, domingos e finais de semana? As coisas mudam um pouco.
Volto, porém, a afirmar: a Justiça Eleitoral reconhece a sua responsabilidade, está preocupada em dar maior agilidade aos processos eleitorais e tem tomado providências nesse sentido.
O SR. JOELSON DIAS - Ministro, realmente não quero polemizar, até porque concordo exatamente com tudo o que V.Exa. disse. No entanto, a questão já está posta, a discussão vem sendo feita e a providência adotada pela Justiça Eleitoral já é fruto disso por que todo mundo passa.
Realmente, num primeiro momento, não tem lógica um recurso vir a ser julgado e um candidato afastado, como no caso de Mão Santa, depois de 3 anos. O caso do Paraná não é muito diferente. Enfim, essa preocupação tem de existir. Não sugiro que o prazo corra no sábado e no domingo, como ocorre durante o período eleitoral, mas podemos ter prazos de 3, 5 ou 10 dias, algo mais realista que permita realmente ao recurso ser julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral, eventualmente até pelo Supremo, em prazo razoável.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Não precisamos mexer nos prazos, basta o juiz da causa ter vontade de julgá-la. Isto é que tem que ser dito: o juiz da causa nos Tribunais Regionais, na 1ª Instância, por uma série de outros afazeres — não digo que seja má vontade por interesse pessoal —, no período eleitoral praticamente se afasta de todas as suas outras atividades e passa a cuidar apenas da eleição, fica por conta disso. Ao acabar o período eleitoral, ele tem de julgar todas as ações de família, de despejo, os crimes, tem toda a sua atividade e também a questão eleitoral. Se conseguir julgar nos prazos que a lei já prevê, encerraremos todos os processos dentro de 1 ano e acaba a eleição, o que é importante.
O SR. JOELSON DIAS - Outro ponto que me preocupa é a questão dos partidos políticos. A Deputada Juíza Denise Frossard citou com muita propriedade o fato de os partidos serem os primeiros filtros dessa questão. Por isso, comecei minha intervenção falando do papel da sociedade. É muito fácil denunciar determinado crime ou prática incorreta e fazer vista grossa quando o assunto diz respeito ao seu grupo. Vemos, então, os pactos de transgressão que acabam ocorrendo durante o período eleitoral: "Olha, não denuncio a sua irregularidade e você também não denuncia a minha. Eu faço vista grossa para aquilo que você faz e você faz vista grossa para aquilo que eu faço". Depois vem o resultado da eleição, é óbvio que ninguém se contém e tudo realmente vem à tona.
Essa é a responsabilidade. Não quero vitimizar ainda mais a vítima. A população é muito sofrida, as pessoas não têm esclarecimentos nem conhecem seus direitos. Não é um caso em que todos vão ser processados e apenados por terem recebido uma proposta de compra de voto. O que é de direito a Justiça cuida, mas há uma questão moral: o filtro que os partidos podem exercer e, a partir daí, a contribuição que podem dar.
Outra preocupação minha diz respeito aos partidos políticos. Tenho sido bastante crítico em relação ao fato de a Justiça Eleitoral ter aberto mão de sua competência no caso de julgamento dos partidos políticos e de disputas no âmbito partidário fora do período eleitoral por entender que essa é uma questão de matéria interna corporis; que o partido agora é da natureza de direito privado e que isso, salvo durante o período eleitoral, não está mais afeto a sua competência.
Tenho tido muito dificuldade de compreender essa questão. Ora, qual a finalidade do partido político a não ser possibilitar que os seus filiados disputem depois o mandato eletivo? Não existe para mim essa distinção pedagógica de que em determinado momento o partido é voltado para o período eleitoral e em outro não. E nesse período em que ele não é voltado para o período eleitoral, no ano em que não há eleições, o partido tem de submeter as suas demandas à Justiça Comum. Ora, se já estamos discutindo as dificuldades do processo eleitoral e com toda essa previsão de prazos reduzidos que temos na Justiça Eleitoral, o que dizer então de remeter essas matérias do partido político para a Justiça Comum? Isso me preocupa, porque há legislação no Congresso Nacional em que se discute uma reforma, com a criação das listas. E sabemos as disputas que ocorrem no âmbito partidário. Quantas vezes uma minoria partidária não é calada, tolhida e impedida de se manifestar? Às vezes, esse obstáculo não é de natureza política, mas de natureza legal mesmo, porque foram descumpridas determinadas normas estatutárias que impediram essas minorias de se manifestar, apresentar seus candidatos ou inviabilizar a apresentação de determinados candidatos ou a adoção de determinadas condutas pelo partido. Quando, porém, surge essa disputa partidária, se ela for no período não eleitoral, a própria Justiça Eleitoral remete a matéria à Justiça Comum. Ora, se de certa forma temos problemas de prazo na Justiça Eleitoral, o que dizer então da Justiça Comum?
Essa é uma outra preocupação que trago. Da mesma forma que a Justiça discute como satisfazer melhor o julgamento desses casos em que há debate sobre a diplomação e o mandato, a questão que tem de ser posta novamente em pauta é a da competência para julgar as matérias afetas ao funcionamento partidário, até porque não se admite candidatura avulsa. Ninguém pode se candidatar a não ser pelo partido político. Realmente, essa questão tem de ser trazida novamente à discussão, principalmente com a reforma que o Congresso propõe.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Vamos passar ao segundo bloco. Com a palavra o Sr. Paulo Apolo.
O SR. PAULO APOLO - Boa-tarde, Ministro, Deputados, advogados, amigos do plenário. Sou de Itatinga, interior de São Paulo. Tomei conhecimento deste evento por um convite do Presidente da Mesa aos amigos de Avaré, o que muito me gratificou. Fundamos naquele Município uma ONG para tratar da ética na política.
Sou estudante universitário, não tenho carreira política e nunca exerci mandato político. Na idade do Lucas, eu tinha várias idéias, era um sonhador, mas acabei acovardando-me diante do que aparecia na televisão sobre política e ficando de lado. Depois de 12 anos, vou colocar em ação o que penso. Por isso, encorajo meu amigo Lucas a não desanimar e ir cada vez com mais força.
Este momento é histórico, pois a ética é o grande divisor de águas na política. Coloco-me à disposição, no interior de São Paulo, para ser agente multiplicador da idéia do movimento de ética na política, a fim de que ele seja divulgado nas universidades. Minha esposa é professora. O movimento tem de se alastrar, começando pelos jovens.
Estou fazendo faculdade. Nos últimos 3 anos envolvi-me realmente com a política, embora sempre tenha mantido considerável distância dela. Entrei no Movimento Fé e Política, da Igreja Católica, que tem atitude ecumênica e conversa com diversos pastores sobre a responsabilidade da sociedade na política.
O grande momento de transformação é este. Para nossa alegria, a atitude partiu do Congresso Nacional. Parabenizo todos os senhores, o Ministro, os Deputados e os que participam deste encontro.
Podem contar com a minha ínfima ajuda — porém, com muita força de vontade — para difundir o pensamento de ética na política. Criamos uma ONG no interior e podemos fazer nossa parte em toda a região de São Paulo — Botucatu, Avaré, Itatinga e vários Municípios — para que a idéia ganhe corpo e frutifique cada vez mais.
Para encerrar, gostaria de fazer uma pergunta relacionada ao Poder Executivo do meu Município. No primeiro mandato do Prefeito, suas 4 contas foram rejeitadas. Está no quarto ano e as contas dos 3 últimos anos foram rejeitadas. Em 7 anos, 7 contas rejeitadas. Um dado importantíssimo: ele é daqueles coronéis temidos, não tem ética nem respeito pelo ser humano. Criamos essa ONG para, entre aspas, "não precisar" do Poder Executivo. O Prefeito comprou um clube e a Justiça impugnou a compra, porque havia vários pontos mal explicados. Cito o pagamento feito por nota promissória. Não havia condições de determinar quem estava recebendo o dinheiro. Isso é aviltante. Ficamos constrangidos e até irritados com esses acontecimentos. O processo foi encaminhado à Justiça e o Prefeito perdeu em todas as instâncias.
A pergunta que faço é a seguinte: esses processos são julgados em caráter de urgência ou não? Todas as contas foram reprovadas, houve esse problema do clube e sua compra foi cancelada. No entanto, não aconteceu nada. Sei que a Justiça tem vários instrumentos para dar espaço à defesa, mas há o perigo de ele ser reeleito, porque é um candidato populista, veste a camisa de defensor do povo, apesar de, na verdade, usufruir disso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Francisco Júnior.
O SR. FRANCISCO JÚNIOR - Boa-tarde, Ministro Fernando Neves, Deputado Orlando Fantazzini, Deputado Gustavo Fruet, Dr. Joelson Dias. Sou advogado militante, de Alagoas. Estou presente a este seminário porque o Partido Socialista Brasileiro, do qual sou Secretário de Organização, no Estado de Alagoas, foi convidado.
Aproveito a oportunidade para discutir um pouco a questão da inelegibilidade — Lei Complementar nº 64, de 1990.
Em nosso Estado, vários Prefeitos estão buscando as brechas da legislação para concorrer a um terceiro mandato. Gostaria de citar o caso do Município de Traipu, em Alagoas. Na eleição de 2000, uma vez que o Prefeito foi afastado judicialmente, o Vice-Prefeito assumiu a Prefeitura. Conseqüentemente, na ocasião do seu registro, foi feita a impugnação pelos adversários. Ela chegou até o TSE, que julgou o recurso improcedente, por ser beneficiado pelo instituto da reeleição. Esse caso foi amplamente discutido. Inclusive, salvo engano, também teve certa analogia com o caso de São Paulo, do Governador Geraldo Alckmin.
A decisão do TSE foi clara — tenho cópia dela. Ficou caracterizado que ele seria candidato naquela oportunidade, sendo beneficiado pelo instituto da reeleição. Contudo, agora afirma que vai disputar novamente a Prefeitura, alegando que não foi reeleito, mas eleito. De acordo com informações de alguns de seus correligionários, sua estratégia é registrar a candidatura. Os adversários tentarão impugná-la. Com isso, ele vai ganhar tempo, fechar acordos com as lideranças locais, no exercício do cargo de Prefeito candidato.
Ao apagar das luzes do período eleitoral, se porventura — é o que entendemos, até por força de decisão do TSE, que lhe deu o direito de se reeleger — julgarem favoravelmente à impugnação da sua candidatura, ele entende que já ganhou todo esse tempo para fazer os acordos, as alianças no exercício do cargo como candidato, podendo até manter sua foto na máquina, diante do pequeno prazo até as eleições. Conseqüentemente, os eleitores vão votar nele, mas em outro, no caso.
Uma vez impugnada sua candidatura, não haverá tempo de alterar todas as máquinas. É uma cidade do interior, com 15 mil eleitores, em que o nível de desinformação do eleitor é muito grande. Só para citar um exemplo, lá não existe TV local, a televisão só pega com antena parabólica. Ou seja, as notícias do Estado sempre chegam tardiamente. E ele pode ser beneficiado com isso.
Parabenizo o Ministro Fernando Neves por sua atuação no Tribunal Superior Eleitoral — tivemos acesso a várias decisões de S.Exa. —, por seu brilhantismo, capacidade de raciocínio e equidade nas decisões.
Pergunto: que meio a Justiça Eleitoral — a legislação já está posta para esse pleito e não há expectativa de alteração quanto às inelegibilidades — pode utilizar para coibir o registro dessas candidaturas, uma vez que também se esbarra na ética? Ou seja, o candidato, mesmo sabendo da sua situação de inelegibilidade, busca ludibriar a população para que consiga levar a sua candidatura até o apagar das luzes do processo eleitoral e assim se beneficiar, elegendo um correligionário seu, uma vez que fica bem mais fácil para ele conduzir o processo como candidato, em vez de apoiar um outro.
Que procedimento deve ser adotado para tentar coibir esse tipo de coisa — ou seja, não acatar o registro e enquadrá-lo já naquelas situações de inelegibilidade, em que o Prefeito que já está em seu segundo mandato nem sequer poderá registrar sua candidatura —, tentando buscar essa linha de raciocínio para que possamos ter clareza de que a população não será ludibriada em casos dessa natureza?
Faço mais uma pergunta: temos também em nosso Estado várias situações de concubinato na política. A Lei Complementar nº 64, de 1990, trata especificamente dessa questão. Há a tentativa de descaracterização dessa figura de direito, no sentido de deixar claro que se trata apenas de namoro, com o objetivo de ludibriar, sendo o companheiro candidato e tendo todo apoio, o que caracteriza, dessa forma, um terceiro mandato. Qual o pensamento do TSE em relação à tentativa de descaracterização do concubinato para ludibriar também a Justiça Eleitoral?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Luiz Felipe.
O SR. LUIZ FELIPE - Sr. Presidente, senhores integrantes da Mesa, sou do Estado do Paraná e membro do Conselho de Ética Nacional do PPS. Por esta razão estou neste importante seminário.
Em primeiro lugar, homenageio o Deputado Gustavo Fruet, que tem representado o Paraná de forma eficiente e eficaz, o que nos honra a todos nós, paranaenses, não só em defesa dos interesses do nosso Estado, mas também do Brasil.
Sr. Presidente, senhores conferencistas, tenho ouvido com muita atenção o que é dito neste seminário. Na medida do possível, também trago algumas sugestões. Em função do momento que vivemos e da descoberta da cidadania neste País, observamos que os procedimentos na Justiça Eleitoral, afinal de contas, terminaram não acompanhando o desejo da cidadania.
Todos nós sabemos das dificuldades enfrentadas pela Justiça Eleitoral, em que advogo há aproximadamente 30 anos. Portanto, conheço os seus problemas na época das eleições.
A minha sugestão é no sentido de que a Câmara dos Deputados e o Tribunal Superior Eleitoral pensem em um projeto de lei que altere o processo judiciário na Justiça Eleitoral, estabelecendo um processo único, em termos de audiência una, com produção concentrada de prova, obedecido o direito à ampla defesa. Seria a forma mais rápida de os fatos serem esclarecidos no momento oportuno. Ou seja, o juiz recebe a denúncia, desde logo designa audiência em que serão produzidas todas as provas. Ele teria um prazo exíguo para proferir sentença, com base nas provas colhidas rapidamente — recurso especifico, sem efeito devolutivo, com prazo exíguo e preferência na pauta para que o Tribunal Regional Eleitoral julgue.
No meu entendimento não haveria necessidade de se alterar a Constituição, que já estabelece importantes regras nesse caso. Ou seja, matérias de fato que implicam cassação do mandato do Prefeito ou do Governador seriam julgadas imediatamente em um processo concentrado, assegurados os direitos da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, previstos na Constituição. Isso é possível através de mudança legislativa. Teríamos apenas um processo na Justiça Eleitoral, de todos conhecido — dos políticos, dos advogados, dos juizes e dos promotores.
Temos na legislação eleitoral os mais variados procedimentos, que geram confusões, dúvidas, recursos, interpretações e acabam por denegrir a imagem da Justiça Eleitoral.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Aproveito minha condição de Presidente para fazer um questionamento.
No painel da manhã, o Prof. Luiz, se não me falha a memória, dizia que as campanhas eleitorais, de fato, se transformaram em um grande marketing — vende se um produto e não mais propostas e idéias. É óbvio que os Municípios que possuem emissora de televisão e podem fazer campanha eleitoral pela TV têm vantagem.
Vou utilizar o exemplo da minha cidade de Guarulhos, que tem 1 milhão e 200 mil habitantes. Estamos colados na Capital e não temos a possibilidade de utilizar a televisão. As emissoras concentram-se nas campanhas da Capital, embora a legislação estabeleça que, estando os partidos de acordo, a maior emissora pode concentrar-se na Capital e a segunda emissora, na segunda cidade. Esse acordo jamais ocorre, porque há interesses políticos. Em determinados momentos, para os partidos é importante que não haja campanha eleitoral televisionada.
Como podemos resolver esse problema que impede o debate partidário, o esclarecimento da sociedade e faz com que o eleitor de determinada cidade vote em um partido, em razão da discussão partidária de outro Município? Que regras poderíamos estabelecer para que fosse feita uma ação que possibilitasse a todos espaço para divulgar seus candidatos, suas propostas e não houvesse prejuízo? Como o Francisco Júnior mencionou, a população acaba ficando desinformada, e a desinformação tem interferência direta no resultado eleitoral.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Presidente, vou deixar a resposta de V.Exa. por último, porque é a mais interessante.
Parabenizo inicialmente o Paulo Afonso pela criação dessa ONG. É um exemplo a ser seguido em todas as cidades do País. É semelhante ao comitê denominado caça-corruptos, se não me engano — é o nome popular dele, é conhecido dessa forma —, criado pela OAB e pela CNBB. É um movimento de base, da Igreja, espalhado por todo o Brasil. E é fundamental a participação — esse é um dos temas do nosso painel — cidadã, a participação popular. O eleitor brasileiro tem participação ativa. Experiências como essas têm de ser difundidas e devem servir como exemplo.
As perguntas do Paulo Afonso, do Francisco Júnior e do Luiz Felipe tratam de casos concretos. Todos eles trouxeram a realidade de suas cidades, o que dificulta para mim, que ainda sou juiz. O correto é que o juiz ouça as duas partes, examine o processo e diga seriamente o que pensa do assunto. Ouvir uma parte sem ter todos os dados seria adiantar uma opinião sobre assunto que não conheço. Isso traria problema para mim, que poderia ser menor — simplesmente me afastaria do julgamento —, mas principalmente para o Tribunal. Esta reunião está sendo gravada. Vão dizer para o juiz que o Ministrou disse isso, isso e isso no semanário. Eu não tenho o direito de avançar nessas considerações sobre casos específicos.
Faço, porém, algumas rápidas observações. Temos o problema da prestação de contas. Tirando esse caso, o Dr. Joelson disse-o bem, o § 9º do art. 14 da Constituição estabelece que lei complementar fixará outras inelegibilidades, visando proteger a lisura das eleições e a normalidade do pleito, levando em consideração a vida pregressa do candidato.
A jurisprudência do Tribunal é firme no sentido de que sem lei não há como estabelecer isso. Mas o Congresso tem a possibilidade, já pela permissão constitucional, de estabelecer casos em que seja possível a Justiça aferir a vida pregressa do candidato. E vai ter de fixar parâmetro para isso. Assim, considerando o que o candidato fez até aquela data, poderemos definir se ele está capacitado ou não, obedecendo a parâmetros. A questão não pode ficar à mercê do subjetivismo do juiz. É preciso que haja parâmetros sérios fixados pelo Congresso Nacional, para que possamos aplicá-los.
Em relação ao concubinato, a jurisprudência é a Justiça Eleitoral. Não só o concubinato, mas toda e qualquer situação montada para fraudar ou excluir um impedimento ou obstáculo não tem sido aceita pela Justiça Eleitoral. Quando ela detecta uma fraude, pune rigorosamente.
Estou de pleno acordo com o Dr. Luiz Felipe sobre a necessidade de reforma da legislação. Ela é fundamental. A reforma do Código Eleitoral é exigida há muito tempo. Basta ver que a eleição se regula, na sua administração, por resoluções do TSE, no que diz respeito à votação. Temos a urna eletrônica — é uma leizinha com 4, 5 artigos, que permite a instalação do processo eletrônico de captação de votos. Tudo o mais é criação do Tribunal. No que diz respeito à informática, é bom que o Tribunal tenha certa margem de manobra. As evoluções são tantas que se deve deixar a critério do Tribunal a fixação dessas normas.
Nós não temos um código de processo eleitoral. Isso confunde o juiz, o Ministério Público e as partes envolvidas. Qual o procedimento a ser adotado quando se tem investigação judicial por abuso de poder econômico e, também, um fato típico do art. 41-A? Você vai para a representação do 22, está certo. Mas, se vai para uma conduta vedada, adota o art. 96 da Lei nº 9.504, se há eventual abuso de autoridade? É necessário que seja criada legislação mais atual sobre o assunto.
Sr. Presidente, a referência feita por V.Exa. pertence à Lei nº 9.100, que regulou a eleição de 1996, quando era possível a divisão. A televisão de maior audiência transmitia para a Capital; as demais, pela ordem de audiência, eram para os Municípios atingidos pela televisão da Capital, de acordo com o seu eleitorado. Mas o Congresso mudou o sistema da Lei nº 9.100 e foi para a Lei nº 9.504, em que todas as emissoras transmitem em rede para a Capital, com a possibilidade de, havendo acordo entre a maioria dos partidos, reserva de tempo de 10% para os Municípios vizinhos. Acho que é muito pouco. A finalidade da propaganda eleitoral é esclarecer o eleitor e levar a proposta do candidato ao seu eleitorado.
As eleições se tornaram um show, e os gastos são fantásticos. Hoje pela manhã um jornalista me perguntou sobre o assunto. Eu lhe respondi que, com muito pesar, o marqueteiro tomou o lugar, na campanha, que era do advogado. Hoje a campanha gira em torno do marqueteiro. O grande gasto da campanha é com o marqueteiro, com a produção dos programas a serem exibidos em horário que de gratuito só tem o nome — o candidato não paga, mas a sociedade paga muito caro por isso.
Soube que um dos candidatos à presidência dos Estados dos Unidos declarou que gastou milhões de dólares para a inserção do seu programa eleitoral na televisão. No Brasil, é a sociedade quem paga, através de compensação de créditos e débitos fiscais. A sociedade é que está pagando esse horário dito gratuito.
O Congresso poderia buscar solução para o problema. Não quero voltar ao tempo da Lei Falcão, mas talvez pudesse ser adotado o que foi idealizado pelo Senador Mário Covas, ou seja, um programa mais simples de propostas, talvez gravado ao vivo, sem esses recursos todos que estamos vendo. É uma coisa fantástica! São programas belíssimos, verdadeiros filmes, mais caros que muitos programas comerciais, em que os candidatos são vendidos. E alguns com propaganda enganosa.
Fizemos 2 seminários sobre o assunto com todos os partidos políticos e emissoras de rádio e televisão. Passamos uma tarde em São Paulo tratando especificamente da questão e chegamos à conclusão, em razão da legislação vigente, de que o Tribunal queria caminhar para dar maior abrangência e expansão à propaganda eleitoral. Mas não encontramos saída.
Se a lei for alterada, talvez a solução seja não considerar a relação de audiência, porque é muito difícil. Aprendi isso com a exposição dos diretores de televisão. Dizem que, no Brasil, o primeiro lugar está garantido. Depois temos uma discussão entre o segundo e o terceiro. Mas há ocasiões em que o terceiro lugar ganha do primeiro, em determinada faixa de horário de algum programa. Se for transmitido um bom jogo de futebol, todos vão assisti-lo; ou também um grande programa que esteja sendo transmitido por um canal de televisão.
Talvez a melhor forma a ser adotada seja o sorteio. Ninguém pode dizer que foi privilegiado. Há realmente tendência do espectador de, terminado o programa eleitoral, não mudar o canal. O eleitor que assiste ao programa de sua cidade em determinada emissora tem a tendência de continuar assistindo pelo menos ao começo da programação na mesma emissora. Para as televisões faz uma diferença fantástica, porque representa custo de espaço publicitário — e é disso que eles vivem.
Concordo com todas as preocupações. Podemos pensar em uma outra coisa. Tanto eu quanto qualquer outro juiz do Tribunal Eleitoral estaremos sempre prontos a vir ao Congresso Nacional, a fim de apresentar sugestões e participar da discussão, em razão da vivência que temos no trato do assunto.
Muito obrigado.
O SR. JOELSON DIAS - Eu falei no início sobre aquela dificuldade. Quero discutir o assunto com o Ministro.
Deputado Orlando Fantazzini, V.Exa. tem sido o grande mentor da Campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania. O aspecto da propaganda eleitoral na televisão passa muito pela discussão sobre o que são os meios de comunicação no Brasil e a que se destinam. Temos de ter consciência — já disse isso antes — de que a campanha não é do candidato ou do partido A, B ou C. A campanha é feita em razão do interesse da coletividade, da comunidade, da sociedade. Nesse campo há espaço muito largo para que o Congresso Nacional atue e diga efetivamente — não é obviamente o conteúdo, não é isso que estou sugerindo — os moldes em que a propaganda tem de ser apresentada para acabar com esse tipo de preocupação muito bem exposta por V.Exa.
Outro tema que precisa ser discutido é a maneira como a Lei nº 9.504 foi adotada. Não podemos esquecer que, apesar de termos no País o sistema federativo, a lei acaba, de certa forma, unificando tudo isso. Não contempla de forma mais específica as particularidades regionais. Não tenho resposta para o assunto. Não tenho modelo que possa sugerir. Dos males o menor. Parece-me que existe a lei, e há alguns anos vem dando certa segurança jurídica de como proceder. As questões regionais peculiares podem ser contempladas, mas dependem muito do Congresso. É sempre o Congresso que acaba, bem ou mal, fazendo as leis que não correspondem ou passam a mensagem para a sociedade de que está legislando em causa própria. Daí a omissão.
Em relação à inelegibilidade, por que muitas vezes se vê a ineficácia plena e absoluta da Lei de Inelegibilidade? O próprio Congresso votou que, naqueles casos em que é constatada a violação à norma, o prazo seria de 3 anos, contado da eleição. É óbvio que um candidato a Deputado Estadual ou a Deputado Federal não se candidatará a Vereador nos próximos 3 anos, por exemplo — quando muito, a Prefeito.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - O Ministro Sepúlveda Pertence cita muito uma frase do Presidente Juscelino Kubitschek, que diz que vitorioso não muda de método. Quem se elegeu não quer mudar a regra.
O SR. JOELSON DIAS - A lei não previu os 4 anos seguintes. Nesse caso, alcançaria a eleição seguinte. Foram 3 anos. Daí a absoluta ineficácia. Às vezes, não tenho na Justiça Eleitoral uma porção de julgamentos rápidos, céleres, porque se vai mudar a legislação, como disse muito bem o Sr. Luiz Felipe. A preocupação faz parte da Justiça Eleitoral também. Parece que é isso que vai acontecer . É o que esperamos. Haverá julgamento, mas não terá eficácia. O Congresso produz esse tipo de legislação. Deveria ser feita autocrítica, até porque estamos discutindo ética, antes de discutir aspectos jurídicos. Isso é de fundamental importância.
O Sr. Paulo Apolo abordou tema importante. É louvável a iniciativa da sociedade de constituir os seus comitês e não deixar para os partidos políticos essa atuação e fiscalização. Voltemos à legislação: de que adianta a sociedade civil constituir seus comitês e organizações não-governamentais, se a legislação eleitoral não permite que o cidadão, por exemplo, possa...
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - No mínimo, tiramos os corruptos do meio da eleição.
O SR. JOELSON DIAS - ...impugnar o registro? A Justiça Eleitoral, generosamente, numa construção jurisprudencial, permitiu que esse eleitor desse pelo menos a notícia de inelegibilidade. Mas não pode recorrer, não tem legitimidade para tanto. Esse aspecto deve ser repensado também. Vai reforçar a participação popular? Sim. É devida? Sim. Mas como fica contemplado? Talvez, Ministro, não se contemple a possibilidade de o indivíduo, isoladamente, oferecer a representação, porque a ele não é dado o direito de oferecer impugnação ao registro. Mas por que não na forma de mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a fim de permitir que uma entidade constituída há determinados anos, que atue somente naquela área, tenha essa legitimidade?
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Temos de alterar a legislação para isso.
O SR. JOELSON DIAS - Temos de alterar a legislação.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Temos recomendado às pessoas que têm conhecimento e não têm legitimidade para propor a ação que procurem o Ministério Público. Alguém perguntou sobre o papel do Ministério Público na eleição. Ele é fundamental, porque o Ministério Público é o representante da sociedade. Ele tem de ser o organismo que recolhe essas denúncias e toma as providências.
O SR. JOELSON DIAS - Exatamente. A preocupação do Sr. José Eugênio é nesse sentido. O Ministério Público também tem a obrigação, até por dever de ofício, de não esperar apenas a notícia da irregularidade, mas de atuar dentro do seu papel.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Sem dúvida, principalmente de ofício.
O SR. JOELSON DIAS - De ofício, exatamente, dentro da sua responsabilidade.
Era o que tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Vou fazer 2 comentários.
No meu primeiro ano de mandato, em 2001, apresentei projeto propondo que o prazo de inelegibilidade fosse de 5 anos, a partir do trânsito em julgado. Infelizmente, até hoje o processo está parado.
Em relação aos programas eleitorais — o Dr. Joelson Dias citou a Campanha Quem financia a Baixaria é Contra a Cidadania —, é interessante, Ministro, o número de denúncias, por parte da população, contra as inserções dos partidos na televisão. A população reclama que o conteúdo dos programas dos partidos é de baixaria, principalmente o que busca enganar o eleitor sobre suas realizações.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - O Tribunal de São Paulo fez um levantamento sobre o número de denúncias. Ele criou um disque-denúncia sobre propaganda irregular. É impressionante o número de denúncias feitas pela população — são milhares aqui, ali e acolá. As pessoas não gostam do errado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Para quem desejar fazer uso do nosso site, o endereço é ww.eticanatv.org.br.
Temos mais de 5 pessoas inscritas. O Ministro está com problema de agenda. Proponho, então, que os 5 inscritos sejam bem objetivos na formulação de suas perguntas. Vamos reduzir o tempo para 2 minutos para cada um e passar às considerações finais.
Com a palavra o Sr. Cláudio Dias.
O SR. CLÁUDIO DIAS - Boa-tarde. Cumprimento o Deputado Orlando Fantazzini, os demais Deputados aqui presentes, o Ministro e o Dr. Joelson Dias.
Vou ser objetivo. Sou Presidente da Câmara de Vereadores da cidade do Rio Grande, o mais antigo legislativo do Rio Grande do Sul e o terceiro mais antigo do Brasil. Sou suplente de Deputado Federal. Muito provavelmente V.Exa. tenha feito parte do julgamento do candidato Nelson Marchezan Júnior. Devido à impugnação da sua eleição, deixei de ser Deputado Federal.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - O Relator foi o Ministro Madeira, se não me engano.
O SR. CLÁUDIO DIAS - Exatamente. O candidato não foi impugnado no período pré-eleitoral e participou da eleição, o que considero injusto, embora não seja jurista. Uma vez que a população votou no nº 45 — são 4 números —, provavelmente queria votar naquele partido. Esses votos passaram para outro partido, que elegeu o Deputado, e continuo na minha posição.
Quero fazer 2 questionamentos. No que diz respeito ao poder econômico, os Deputados, comprovadamente, gastam nas suas campanhas eleitorais muito mais do que arrecadam durante os 4 anos de mandato. Em relação ao número na intenção de voto do eleitor, quero saber se não comprovaria a intenção de voto para o partido do candidato cuja votação foi anulada.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Desculpe-me, não entendi a segunda questão.
O SR. CLÁUDIO DIAS - Uma vez que se vota no nº 45, que era do PSDB, ele tem mais 2 números, não é?
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Três.
O SR. CLÁUDIO DIAS — Dois. Para Federal são 2 — 4 números. Considero injusto, não por eu ter sido vitimado, mas em razão de ali estar clara a intenção do voto do eleitor de que está votando em tal partido e em tal candidato.
Solicito ao Deputado Orlando Fantazzini — hoje à tarde conversávamos a respeito do assunto no elevador — que continue com essa garra e tenacidade, mesmo com pouco público. Se houvesse outros participantes aqui, com certeza teríamos um público muito maior e muito menos importante para a Nação.
Num primeiro momento, fiquei extremamente decepcionado e preocupado não pela qualidade dos palestrantes, mas por ver alguém do quilate do Senador Jefferson Péres demonstrar sua preocupação e até mesmo seu pessimismo em razão do que acorre em termos éticos neste País. Viajamos 4.500 quilômetros e vamos voltar extremamente preocupados. Mas, quando vemos magistrados da postura do Ministro e Deputados com a conduta de V.Exa., acreditamos que este País pode avançar.
Espero que esta Casa esteja cheia no próximo seminário, porque passam obrigatoriamente pelos políticos as transformações que se fazem necessárias. Não adianta responsabilizar o Judiciário e a população, se nós, políticos, não tivermos a coragem de promover as transformações que precisam ser feitas no Congresso Nacional para a melhoria da vida dos brasileiros e da conduta dos Parlamentares.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Sr. Cláudio Dias.
Com a palavra o Sr. Eduardo Felício Barbosa. Logo após, passarei a palavra ao Sr. Jorge Almeida.
O SR. EDUARDO FELÍCIO BARBOSA - Sr. Ministro, Sras e Srs. Deputados, senhores componentes da Mesa, senhoras e senhores participantes deste seminário, sou da cidade de Águas Lindas, considerada uma das mais violentas do País. Sou presidente da Liga de Esportes de Amadores de Águas Lindas de Goiás. Fazemos um trabalho social naquela cidade com o intuito de afastar os jovens das ruas e trazê-los para o esporte. Sou também funcionário da Câmara dos Deputados.
Sou candidato pela primeira vez, em razão do meu trabalho e principalmente das visitas que faço ao povo pobre daquela cidade. Por isso, recebi o convite para defendê-lo. Fui convidado, pela primeira vez, a participar de um partido. Prometeram-me que eu não participaria de convenção; ou seja, sairia direto como candidato. A princípio, empolguei-me. Encantado com esse sonho que desejo realizar, tenho trabalhado com muito afinco. Ocorre que, por ser candidato pela primeira vez, sou vítima de pessoas, infelizmente até do nosso partido, que usam de má-fé e não têm escrúpulos.
Recebi propostas, ao pé do ouvido, de algumas pessoas que fazem parte do diretório do partido, no sentido de liberar dinheiro para elas. Sofri essa humilhação e tive a tristeza de ouvir isso de pessoas que acreditava serem colegas do partido. Fiquei, então, tomado por essa agonia. Quero saber basicamente o seguinte: denunciamos ou não? Se denunciamos, temos a possibilidade, com amparo na lei, de não ser excluídos do partido, das eleições. O meu medo é não passar na convenção ou deixar de passar por ter denunciado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Jorge Almeida.
O SR. JORGE ALMEIDA - Boa-tarde aos membros da Mesa e a todos os presentes. Atuo na área de saúde, em São Paulo. Este ano concluirei meu curso de doutorado em gestão de governo.
As minhas duas perguntas foram praticamente respondidas pelo Dr. Joelson Dias — sobre o prazo eleitoral e o papel do partido político.
Pergunto ao Sr. Ministro, respeitando os Poderes, se o Tribunal Eleitoral tem acompanhado a reforma política. Em caso afirmativo, como pode colaborar nesse sentido?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. André Lisboa.
O SR. ANDRÉ LISBOA - Boa-tarde a todos, meus cumprimentos à Mesa. As minhas considerações se dirigem ao Exmo. Sr. Ministro Fernando Neves. Minha sugestão é no sentido de ganharmos atuação ética e inserirmos demonstrativos éticos na propaganda eleitoral, já nas eleições de outubro de 2004. Dessa maneira, poderemos valorizar ações éticas e ajudar a separar o joio do trigo. Tais medidas socioeducativas esclareceriam as conseqüências que atos antiéticos geram à boa governança, ou seja, junto com a propaganda eleitoral.
O TSE tem incentivado os jovens a exercerem sua cidadania, a votar? É preciso que haja uma propaganda mostrando o que é ético e o que é não-ético.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Pastor Roberto Santos.
O SR. ROBERTO SANTOS - Parabenizo a Mesa, o Presidente e todos os presentes. Sou do Rio Grande do Sul, ex-menino de rua. Criei-me sem pai e sem mãe. Vivi dezessete anos e meio sem documento e hoje sou pastor evangélico. Ao ler a Palavra, na FEBEM, tornei-me uma nova criatura. Fui ladrão, batedor de carteira, cheirador de cola. Da minha idade nem é bom falar, porque de repente tenho mais.
Convidado pela organização do Programa Fome Zero, tenho percorrido o País para divulgá-lo. Acreditei muito nesse programa, mas não acredito mais, porque não ouço falarem a respeito dele.
Pergunto ao Sr. Ministro, aos demais companheiros e à Mesa se o nome de uma pessoa de um Município pode influenciar uma eleição municipal. Por quê? Percorrendo o País, divulgando o Programa Fome Zero, fui a Sobradinho, Município mãe da energia elétrica no País, perto de Juazeiro e de Petrolina, cidade bonita, esquecida. O que fez um homem poderoso, que manda em toda a Bahia? Um colega da nossa Igreja elegeu-se fazendo campanha de bicicleta, transportando um auto-falante no banco de trás. Foi eleito no pleito de 2000 e nunca assumiu a vereança naquele Município. Prevaleceu o nome daquele coronel ou não? O meu colega está lá, tem carteira de Vereador, recebe toda a documentação, inclusive correspondências do Presidente do PMDB, Deputado Michel Temer. O processo dele já está com o Senador José Sarney, mas até agora não recebemos resposta. Daqui a pouco terminará o mandato, e o homem nunca o assumirá. Ele recebe correspondência, é considerado Vereador no Município e não é remunerado, mas sim o outro, que nem sequer se candidatou.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Gilberto.
O SR. GILBERTO - Boa-tarde a todos. Sou engenheiro há 23 anos e presidente do Movimento de Combate à Corrupção — MCC, em Jundiaí, São Paulo, há 7 anos.
Quero fazer o seguinte apelo ao Ministro, aproveitando o ensejo: a ONG, corroborando o que foi dito à Mesa, não tem legitimidade para entrar com qualquer processo de impugnação. Valemo-nos de inúmeras irregularidades cometidas por um candidato à reeleição, de um partido de oposição, que depois veio a se coligar. Entramos com ene processos, tendo em vista o número de irregularidades, e um deles acabou vingando — está em minhas mãos.
O que houve foi o seguinte: o Prefeito foi condenado a pagar multa e à inelegibilidade, só que o prazo passou de 3 anos. Portanto, ficou prejudicado. Está dito aqui que a cassação do registro não foi pedida no processo. Gostaria de saber se é necessário pedi-la, uma vez que foi reconhecido o crime naquele artigo que contempla uma série de coisas, entre elas multa, ilegibilidade e cassação do mandato.
Agora o processo veio para o TSE — vou deixá-lo nas mãos do Ministro — e fizemos todo o empenho. Há 7 anos brigamos no Município e já afastamos 3 secretários por irregularidades e uma série de outras coisas. No entanto, não temos voz, embora sejamos do Movimento de Combate à Corrupção. Por isso, precisamos nos valer de outras pessoas.
Analisando o processo, entendemos que houve uma composição jurídica. Não compreendemos por que é preciso pedir para cassar, uma vez que já foi reconhecido. Indago ao Sr. Ministro se ainda temos chance de ver as coisas acontecerem, passados quase 4 anos.
Agradeço a todos a atenção. Penso que a luta sempre vale à pena. Temos de lutar pela ética e pela dignidade. Se pudermos colocar, cada vez mais, políticos sérios e honestos na administração do dinheiro público, conseguiremos reduzir a desigualdade social.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Gilberto.
Para responder às perguntas e fazer suas considerações finais, passamos a palavra ao Sr. Ministro Fernando Neves.
O SR. MINISTRO FERNANDO NEVES - Tomei algumas notas. O Dr. Cláudio Dias mencionou a questão do poder econômico, de gastos superiores à arrecadação. As contas são rejeitadas. Isso é levado ao conhecimento do Ministério Público, que poderá ou não ajuizar uma das duas únicas ações possíveis — recurso contra expedição de diploma ou impugnação de mandato eletivo —, se entender que o gasto configurou um dos tipos que permitem essa ação.
Como disse mais cedo, o Congresso talvez pudesse trazer sanções mais efetivas para esse tipo de procedimento.
A outra questão, pelo que entendi, diz respeito a voto nulo. Para tanto, há distinção no art. 175, § 3º e § 4º: se o registro é cassado antes da eleição, os votos são nulos; se o registro é cassado depois da eleição, os votos contam para a legenda. É uma matéria legal, e foi com base nela que o Tribunal fixou esse entendimento. Quem chega, no dia da eleição, sem registro não tem os votos anulados, nem estes podem ser aproveitados pela legenda.
Esse procedimento visa justamente dificultar este pensamento: vou colocar uma pessoa que não tem registro apenas para trazer votos para a legenda. Um grande puxador de votos, principalmente numa eleição proporcional, traria uma grande quantidade de votos. Ele não seria eleito, mas a legenda aproveitaria os votos. Isso seria, para o Tribunal, uma fraude. Temos levantado alguns obstáculos para tentar impedir isso.
O Dr. Eduardo fez algumas considerações sobre denunciar ou não. É uma pena que o Dr. Gurgel não tenha vindo. Ele já tomaria a denúncia a termo. Se lutamos por um país melhor, se queremos um país melhor, todo mundo que tem conhecimento de alguma irregularidade deve comunicá-la a quem de direito para que se dê prosseguimento à denúncia.
O candidato terá de ser escolhido. Qualquer candidato sempre é escolhido em convenção. Não ocorre esta situação: prometo que você vai ser candidato sem passar pela convenção. Não é verdade. É a convenção que escolhe os candidatos. Pode ser que a diretoria tenha força suficiente para sair da convenção com esse resultado, mas terá de passar por ela.
Realmente, se a pessoa denunciar, talvez não vai contar com a boa vontade dos membros do diretório para defender sua candidatura na Comissão. Mas fico a perguntar: que prazer terá em permanecer num partido com esses dirigentes que lhe fazem essa proposta? Como estamos falando sobre ética, surge essa dúvida. São caminhos a seguir, com dificuldade. Talvez, se o senhor fizer a denúncia, não vai compactuar com esse procedimento irregular do diretório.
O Jorge Almeida perguntou-me se a Justiça Eleitoral tem acompanhado isso. Eu mesmo tive oportunidade de vir aqui falar sobre a reforma política, o problema da lista fechada, o financiamento público de campanha e a pesquisa. Outros juizes do Tribunal, como os Ministros Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e talvez o Luiz Carlos Madeira, estiveram aqui falando sobre assuntos ligados à reforma política. É claro que essa não é uma decisão nossa. Nós, convidados, sempre comparecemos para trazer nossa experiência, o que temos visto e ouvido e o que é de conhecimento. A decisão é do Congresso Nacional.
Quanto à reforma política, pessoalmente sou contra o financiamento público exclusivo, porque ele vai levar o financiamento privado para a clandestinidade e vamos ter um caixa 2 muito grande. Acho até que, por isso, o Deputado Ronaldo Caiado não me convidou de novo para falar aqui. (Risos.) O fato é este.
O Vandré falou sobre a propaganda do TSE. Como estamos encerrando hoje o prazo de alistamento, nossa propaganda está centrada nisso. Pelo que já vi da programação da propaganda eleitoral institucional do TSE, temos filmetes que vão ao ar mais perto da eleição, mostrando ao eleitor a importância de sua participação consciente e ética.
O Pastor Roberto me trouxe um caso concreto, sobre o qual infelizmente não tenho informações para dar. Também o Gilberto me apresentou um outro caso concreto, que estou levando como memorial. Vou ler o da outra parte e ouvir o relatório do processo para, quando aqui chegar, dar a decisão que me parecer justa.
Quanto à legitimidade da ONG, a matéria depende de providência legislativa para se propor a ação. Por isso, volto a dizer: o senhor disse que se aliou a um partido, fez as denúncias e, depois, o partido se aliou ao outro lado, o que o prejudicou um pouco. Por isso, recomendo sempre que se vá ao Ministério Público, que tem por obrigação ser insuspeito e não vai aliar-se, espera-se, a nenhuma corrente vencedora ou derrotada nas eleições.
Em relação à ética, Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer uma última consideração.
Realmente, é um problema muito sério buscar transparência na campanha eleitoral. Buscamos uma inovação este ano: a possibilidade de os partidos e os candidatos doadores de recursos, antes do dia da eleição, levarem ao juízo eleitoral informações sobre a arrecadação e sobre gastos de campanha, que figurarão nas páginas dos Tribunais Regionais Eleitorais na Internet, às quais qualquer leitor terá acesso. Dessa forma, o eleitor poderá saber como cada candidato está arrecadando e gastando o dinheiro.
Alguns partidos já manifestaram que não podemos impor essa obrigação, porque a legislação não a prevê. Trata-se de uma ferramenta que a Justiça Eleitoral está colocando à disposição dos eleitores, em sua preocupação com a ética e a transparência na campanha eleitoral. Alguns partidos já tinham imaginado o seguinte: "Nós vamos fechar a questão. Todos os nossos candidatos terão que seguir isso". Entretanto, já tenho ouvido algumas notícias de que há a seguinte preocupação: "Vamos ficar em desvantagem em relação a outros candidatos, que não vão fazer isso". Pergunto-me, então, um pouco preocupado, se é desvantagem ser ético.
Não podemos pensar em nossa situação, no prejuízo que podemos ter, temos a obrigação de ser éticos e de defender a ética. Só assim o País vai em frente, as crianças não morrerão de fome, terão alimentação, ensino e saúde. Desculpem-me, senhores, se volto a insistir neste ponto, mas essa é uma obrigação de cada um de nós. Se não fizermos isso desde a hora que acordarmos até a hora em que formos dormir — e, se for possível, sonhemos com isso também —, não estaremos dando uma colaboração efetiva ao nosso País.
Agradeço, Sr. Presidente, a oportunidade de estar aqui. Sinto que compromissos já assumidos no meu Tribunal me impeçam de prosseguir com os senhores neste bate-papo, que considero a melhor parte deste nosso encontro. Mas quero dizer que estou sempre à disposição da Câmara dos Deputados e da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, para aqui comparecer sempre que convidado, com muito prazer, para trazer minha experiência e a experiência da Justiça Eleitoral no Brasil.
Muito obrigado a todos os senhores. (Palmas.)
O SR. JOELSON DIAS - Sr. Presidente, como não poderia ser diferente, sinto-me realmente contemplado com a intervenção do Ministro Fernando Neves e tudo o mais que foi apresentado anteriormente pelos participantes deste evento.
A questão trazida pelo Eduardo Felício quanto a denunciar ou não uma irregularidade e ao risco que se corre depois de acabar não sendo candidato apenas revela bem o propósito deste seminário: discutir ética.
Por este dilema que o Eduardo revela realmente passam muitas pessoas. Há um interesse particular, fruto mesmo de um trabalho e de uma experiência de vida, de vir a ser candidato, ao mesmo tempo em que sabe que, se denunciar a irregularidade, o partido vai lhe tirar essa possibilidade.
É óbvio que existe um estatuto ao qual o partido tem de obedecer. É óbvio que o partido não poderá afirmar, durante a convenção, que lhe está tirando o direito de ser candidato apenas por conta da denúncia que ele eventualmente vier a fazer, mas todos sabemos que há uma forma de leitura das disposições estatutárias. Há, na prática, uma atuação das lideranças partidárias, que, infelizmente, acabam excluindo da sua lista de candidatos, dos seus convencionais, aqueles que se colocam em posição contrária a essa vontade ou a essa conduta da maioria.
Isso era exatamente o que eu vinha dizendo antes. Exatamente por situações como essas que eu, como cidadão, quero deixar minha sugestão para a Justiça Eleitoral, Sr. Ministro: realmente reconsidere essa jurisprudência, esse posicionamento de não julgar os casos específicos dos partidos políticos no âmbito partidário. A Justiça Eleitoral tem muito a contribuir. As suas decisões são muito pedagógicas. Acho que não é empecilho algum para ela dizer apenas que o estatuto do partido tem de ser respeitado, tem de ser preservado.
É óbvio que não se pede que ela entre no mérito das decisões, mas apenas que diga ao partido o seguinte: "Olha, se vocês, partido e filiados ao partido, resolveram e escolheram esse estatuto, essas normas de ampla defesa, de contraditório, de procedimentos para regularem a sua vida partidária, essas normas têm de ser aplicadas". Isso exatamente para que não haja casos como os denunciados por Eduardo Felício, que podem resultar em prejuízo pessoal.
Enfim, Deputado Orlando Fantazzini, acho que este seminário realmente foi um ganho. Todos os que aqui se fizeram presentes aprenderam muito na tarde de hoje. O propósito deste tipo de seminário é discutir muitas das questões que gostaríamos de socializar e debater com outros formadores de opinião. É exatamente esse tipo de oportunidade que este seminário proporciona.
Somente com base no que foi dito na tarde de hoje, o Ministro Fernando Neves poderá levar muitas considerações para o Tribunal Superior Eleitoral. Na presença de V.Exa., da Deputada Juíza Denise Frossard e do Deputado Gustavo Fruet, ouvimos muitas recomendações e sugestões, o clamor da própria sociedade sobre a proposta que este Legislativo tem de implementar.
Como advogado, integrante da OAB e representante da sociedade civil, também ganhei muito com as discussões suscitadas. Acho que o mais importante é esse compromisso de estarmos sempre reconstruindo, buscando deixar essas questões sempre em evidência, porque, realmente, elas necessitam de uma resposta, e uma resposta rápida. Foi exatamente isso o que este foro de discussão, este seminário permitiu.
De minha parte, meus sinceros agradecimentos pelo convite e pela iniciativa que V.Exa., a 1ª Vice-Presidência da Câmara dos Deputados e o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar tiveram de promover este seminário.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Quero agradecer ao Dr. Joelson Dias, grande colaborador no Conselho de Ética e em outras atividades da Casa, ao Ministro Fernando Neves, que deixou bem claro não se furtar a todos os convites, a presença. Somos testemunhas da colaboração do Tribunal Superior Eleitoral neste debate para a construção de novos rumos, com o objetivo de que a sociedade encontre de fato o melhor meio possível de assegurar e garantir um processo ético e democrático e que possamos, cada vez mais, aprimorar nossa legislação.
Nossos cumprimentos ao Ministro Fernando, que à frente ao Tribunal Superior Eleitoral tem tido comportamento ético exemplar.
Sr. Ministro, da vida, tiramos algumas lições. Há muitas vitórias que têm sabor de derrota, e muitas derrotas com sabor de vitória. O vitorioso que falta com a ética, é o grande derrotado. O derrotado, que persegue a ética e a moralidade, sempre sai vitorioso. Temos que zelar pela ética. É duro dizer isso para quem está numa disputa. Quem entra numa disputa, não quer perder. Mas temos que saber também o momento certo da vitória, para não termos que amargar rapidamente algumas derrotas, das quais, de forma alguma, vamos conseguir nos recuperar.
Portanto, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar tem procurado, de todas as formas, dar a sua contribuição. Nós, de forma colegiada, procuramos construir este seminário. Algumas pessoas mencionaram que o número de participantes era reduzido, mas, para nós, o mais importante é a qualidade. Quanto aos participantes, temos a certeza de que estão convictos da importância e da necessidade de avançarmos e alastrarmos pelo País uma consciência ética que de fato solidifique as instituições democráticas do País.
Muito obrigado ao Ministro Fernando Neves e ao Dr. Joelson Dias por darem essa grandiosa contribuição ao Conselho de Ética e à sociedade brasileira. (Palmas.)
Vamos fazer uma pausa para o cafezinho e retomaremos com a última palestra, do Deputado Paulo Rubem Santiago, Presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Vamos dar início à conferência de encerramento.
Concedo a palavra ao Deputado Paulo Rubem Santiago, do PT de Pernambuco, Presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, que fará uma explanação sobre a corrupção em geral, enfocando também o aspecto da corrupção eleitoral.
O SR. DEPUTADO PAULO RUBEM SANTIAGO - Boa-tarde, prezados participantes, Deputado Orlando Fantazzini. É um prazer colaborar com a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar.
Inicialmente, coloco à disposição dos presentes cópias do manifesto, encaminhado com a minha assinatura e a do Deputado Antonio Carlos Biscaia, do PT do Rio de Janeiro, também Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção.
O manifesto começou a ser distribuído no mês de novembro do ano passado, logo após a fase mais aguda da discussão sobre as reformas constitucionais. No final de janeiro, havíamos colhido a assinatura de 124 Deputados Federais, e agora, no mês de março, chegamos a um total de 169 assinaturas.
A Frente Parlamentar de Combate à Corrupção está estruturando seus trabalhos e vem se reunindo quinzenalmente sempre às quintas-feiras, a partir das 14 horas, na sala de reuniões do Espaço Cultural. Desde a sua primeira reunião, o trabalho é realizado em conjunto com instituições e associações que se dedicam à causa da ética na administração pública e do combate à corrupção. Dentre elas, destacaríamos alguns institutos lícitos, como a Associação de Auditores da Caixa Econômica Federal, do Tribunal de Contas, da Receita Federal e entidades representativas do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, todas manifestando o interesse e o apoio à participação da sociedade nessa Frente.
Gostaria também de informar que se iniciou ontem e será concluído amanhã, na sede do BNDES, na cidade do Rio de Janeiro, um encontro internacional sobre conflitos de interesses no serviço público. Amanhã, o Deputado Antonio Carlos Biscaia e eu participaremos desse seminário, para divulgar a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção e pedir o apoio das entidades nacionais e internacionais que lá estarão para a programação de eventos da Frente.
Deveremos anunciar na próxima semana a realização de um primeiro encontro internacional na Câmara dos Deputados, ainda neste primeiro semestre, quando trocaremos experiências e analisaremos ações conjuntas da sociedade com os poderes públicos no combate à corrupção.
Todos que vivemos o quotidiano da vida parlamentar, especialmente das relações da administração pública com a sociedade, somos envolvidos pelas manchetes, pelas denúncias, pelos grandes escândalos que lamentavelmente vêm ocorrendo no País. Muito pior do que esses grandes escândalos — casos que têm tomado páginas e páginas e longos momentos dos noticiários dos nossos meios de comunicação — é a sucessão quotidiana de pequenos e médios escândalos que se derramam sobre vários aspectos da administração pública, especialmente espalhados pelos Municípios brasileiros.
Temos dito de forma bastante crítica que, se a corrupção no País fosse apenas a manifestação desses grandes escândalos — como o do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, o do episódio da emissão de títulos públicos para o pagamento dos precatórios e outros que têm sido divulgados amplamente —, se tivéssemos apenas esses casos para nos preocupar em enfrentar e fazer valer a Justiça e o interesse público, estaríamos em situação bem melhor. Mas a maior demonstração de que a corrupção é crônica no País e acompanha a formação da sociedade e do Estado brasileiro são os inúmeros processos que o Ministério Público e os Tribunais de Contas têm remetido à Justiça, através dos quais se pede o ressarcimento aos cofres públicos de milhões e milhões desviados criminosamente por administradores públicos, via de regra, em conluio com entes privados: empresas, escritórios, grupos econômicos. São milhares e milhares de processos que passam pelo crivo do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, evidenciando assim uma imensa rede de corrupção espalhada em todo o território nacional e que, em alguns casos, vêm até fazendo parte da chamada cultura política brasileira.
Muitos dos eleitores com os quais convivemos e encontramos nas campanhas eleitorais, com a maior desfaçatez, muitas vezes, colocam-nos no canto da parede, perguntando o que será dado em troca do voto daquela comunidade, naquele momento crítico da vida do eleitor, naquele momento mais agudo de toda a sua carência como cidadão, trabalhador e pai de família.
Então, partimos para a criação da Frente como um esforço permanente de combate à corrupção, de revisão da nossa legislação de combate à corrupção e de reestruturação do Estado brasileiro, para que a nossa sociedade possa confiar no Estado, tendo a certeza de que ele está aparelhado, estruturado, articulado para promover um combate profundo, amplo e sem exceção à corrupção.
Assim como a sociedade se manifesta indignada frente a sucessivos casos de crimes contra a vida, contra a pessoa humana, exigindo até dos Parlamentares a revisão da legislação para que tais crimes sejam considerados hediondos, também consideramos a corrupção um crime hediondo. Muito mais do que os crimes comuns, em que se atenta contra a vida, o patrimônio do cidadão, da família, da empresa, do mercado, da padaria, da loja comercial, do pequeno negócio, quando a pessoa se vê diante da mão armada do assaltante, que vai lá tirar o faturamento do caixa do supermercado, leva o veículo pago com sacrifício por aquele pai de família, entra em uma residência e leva alguns bens daquela família, a corrupção age de uma só vez contra todos.
O desvio do dinheiro público é o desvio das condições essenciais para a promoção da saúde, da educação, da segurança, do desenvolvimento rural, da habitação, de um conjunto de políticas que são responsabilidade do Estado, que é financiado pelos cidadãos, pelas normas tributárias do País.
Lamentavelmente, muitas vezes a corrupção não é vista dessa forma.
Vivemos até há alguns anos um período nefasto, em que se dizia: "Determinado político rouba, mas faz". Como se fosse necessário roubar a população para provê-la de bens e serviços essenciais a sua condição de vida.
Não são poucos os casos. Estudos feitos nos Tribunais de Contas têm revelado uma enormidade de processos com volumes altíssimos de recursos a serem devolvidos aos cofres públicos, que, via de regra, não são adequadamente recolhidos.
Para os senhores terem uma noção, apenas na esfera do Tribunal de Contas da União, até o ano de 2002, haviam sido constituídos créditos, a serem devolvidos ao Poder Público, da ordem de 400 a 450 milhões de reais. Mas não chegamos a recolher sequer 10% desses valores, prova inequívoca de que nossa estrutura de Estado para combater a corrupção é absolutamente frágil, não consegue se impor como interesse público. Só mais recentemente é que os órgãos de investigação — Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita Federal, Banco Central — têm procurado agir conjuntamente para fazer com que a corrupção não seja tratada de modo fatiado: um órgão atua, depois remete suas conclusões para outro órgão, que por sua vez as remete a outro, até que chegam à Promotoria Pública ou à Procuradoria da República, para, enfim, serem levadas ao Judiciário, com pedido de condenação ou de devolução dos recursos subtraídos criminosamente da sociedade.
Nós estamos trabalhando agora para conseguir o lançamento e a estruturação da Frente em Estados e Municípios. Sabemos que essa tarefa é gigantesca em um país com quase 5.600 cidades, sendo a imensa maioria delas de pequeno porte, submetidas a uma lógica política formal, dura, muitas vezes violenta, em que famílias e oligarquias se repetem no poder há décadas, transformando as coisas públicas em negócios familiares ou até privados.
Já há manifestações de muitas unidades da Federação interessadas na implantação das Frentes Parlamentares nas Assembléias Legislativas. Municípios têm demonstrado grande capacidade de mobilização no combate à corrupção. Uma dessas experiências foi transformada em livro pela ONG Amigos Associados de Ribeirão Bonito — AMARRIBO, referência nacional que se soma a outros Municípios, como Maringá, que têm demonstrado capacidade única de indignação, de não-aceitação desse conluio entre política, gestão e corrupção.
O país digno de enfrentar esse desafio é aquele em que a sociedade civil se fortalece e constrói a república, em detrimento das práticas viciadas de corrupção, de desvio de recursos públicos.
Quando o Deputado Orlando Fantazzini me convidou para participar do encerramento deste seminário, fiquei preocupado com a possibilidade de relacionarem a corrupção eleitoral com a corrupção no seu universo global, sobretudo com a competência dos Municípios e dos mandatos parlamentares municipais. Muitos de nós que estamos aqui hoje, na Câmara Federal, tivemos oportunidade de começar nossos mandatos no Poder Público municipal, no Legislativo municipal. Eu exerci por duas vezes o mandato de Vereador, em Recife, e em 1992 fui reeleito como o Vereador mais votado da Capital. Desde então, por várias razões, pelo interesse, pelas propostas, pelas sugestões de pessoas das mais diversas entidades e movimentos, procurei estudar e refletir sobre a relação dos mandatos municipais com a corrupção nas administrações, sobretudo sobre os vícios e a corrupção nos Municípios.
Na última eleição, quando vim para cá, depois de exercer 2 mandatos de Deputado Estadual, tive a honra de ser eleito com os votos de 184 dos 187 Municípios do Estado, inclusive cidades do sertão de Pernambuco. Obtive votos de cidades de pequeno, médio e grande portes, das zonas urbana e rural, que me puseram entre os 9 Deputados Federais mais votados entre os 25 de Pernambuco.
Eu venho da área da educação. Fui professor da rede pública e, depois, da Universidade Federal de Pernambuco. Então, essa vivência, essa experiência me tem provocado um conjunto de preocupações, o que vejo com muito alegria, pois são as preocupações de milhares de pessoas do País, manifestadas por entidades, ONGs, universidades, sindicatos, Parlamentares, que já não aceitam mais a realidade segundo a qual a grande maioria das eleições municipais ocorrem mediante troca de favores, compra de votos e outros vícios.
Algumas cidades ainda hoje iniciam a pré-campanha eleitoral com pinturas nos muros e propagandas. Imensa quantidade de pré-candidatos usam como slogan de suas campanhas a expressão "o amigo perfeito", "o amigo do peito", transformando uma relação pública e política em privada e pessoal. Como se a eleição de um Parlamentar municipal fosse a eleição de um quebra-galho para as horas mais difíceis, alguém que nos socorre quando não temos assistência médica, quando secou o gás do botijão, quando não podemos pagar a conta de luz, quando temos de reformar a casa e precisamos de um milheiro de tijolos, de telhas, de cimento, de areia, de madeirite, de manilha. Enfim, toda a sorte de vícios têm marcado, lamentavelmente, boa parte das relações entre o Legislativo municipal e o eleitor, num país que, todos nós sabemos, tem a segunda pior concentração de renda do mundo; em que 1% da população é 18 vezes mais rica do que 50% da população mais pobre, se nos referirmos à Região Nordeste.
Então, é neste País profundamente desigual — que tem a segunda maior concentração de renda do mundo, que vem amargando há uma década taxas irrisórias de crescimento econômico, que ainda hoje ostenta taxas gravíssimas de desemprego e que em uma década viu multiplicar o endividamento público, sem que essa grande dívida constituída em 10 anos fosse transformada em saneamento, educação pública, saúde pública, segurança e habitação — que, daqui a alguns meses, serão renovadas as Câmaras Municipais e escolhidos o gestor ou a gestora dos impostos pagos à Administração Pública Municipal.
É evidente que corrupção eleitoral e financiamento de campanha são irmãos siameses. Uma simples consulta às contas de campanha dos Deputados Federais e Estaduais e dos Senadores da República mostrará quem de fato financia e como tem sido fácil transformar o financiamento de campanha em eleição privilegiada de procuradores de luxo para grandes grupos empresariais, muitos dos quais fortes dependentes dos negócios do Estado brasileiro: compras da Prefeitura e dos Governos Estaduais; despesas de custeio e de manutenção da administração pública; concessões públicas para exploração de serviços ou para desenvolvimento de políticas em prol dos interesses e das necessidades da população.
Essa relação da coisa pública com os negócios privados sempre envolveu grandiosos interesses, sobretudo imensos conflitos. Trata-se de um grande canteiro, de um grande caldo de cultura para que prospere a corrupção.
Toda a discussão, por exemplo, sobre as licitações, sobre o pagamento de obras públicas, as despesas do Poder Público, a resistência que ainda hoje encontramos nas Assembléias Legislativas e na imensa maioria das Câmaras Municipais, é importante para informatizarmos a ação do Legislativo e, a partir daí, fiscalizarmos a formação de receita de Prefeituras e Governos de Estado. Assim, poderemos acompanhar a evolução real dos gastos públicos, a partir da Lei Orçamentária aprovada.
Hoje pela manhã concedi uma entrevista ao jornal Estado de S.Paulo sobre a redução ou não do número de Vereadores nas Câmaras Municipais, motivo das últimas polêmicas. Ora, sabemos nós que a imensa maioria das Câmaras de Vereadores não têm estrutura para oferecer quadros técnicos de carreira estável, para que seus membros — que não têm obrigação de serem especialistas em muitas das matérias que lhes chegam à mão — aprovem ou rejeitem os projetos do Executivo ou até de colegas seus de mandato. Os Vereadores não têm assessores jurídicos para analisar a constitucionalidade ou não dos projetos nem assessores de finanças e orçamento público.
Nós anualmente recebemos os projetos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, das Leis Orçamentárias, mas não somos especialistas, não tivemos oportunidade sequer de concluir o ensino médio ou o curso superior. Assim, como poderemos, de maneira autônoma e independente, mesmo sendo Parlamentares eleitos junto com aquele Prefeito ou Prefeita, emitir parecer sustentável, consciente, rigoroso sobre aquele projeto? E como vamos acompanhar a execução daquele orçamento? Então, há uma estrutura em que o Estado atua de maneira virtual.
Eu tenho dito que talvez mais importante do que discutir o número de Vereadores das Câmaras ou quantos recursos do Tesouro Nacional devem gastar seria discutir em que condições atuam. Os Legislativos Municipais ou Estaduais têm de exercer suas prerrogativas. Em muitos casos, o Vereador é transformado em apêndice da Secretaria de Saúde. É ele que deve ter ambulância para carregar doentes, quando essa é atribuição do Estado, da Secretaria de Saúde. É ela que deve executar emenda constitucional que determine a aplicação de recursos mínimos para a saúde. O Vereador é que tem de ser o apêndice da Secretaria Municipal de Educação, criando escolas, consideradas comunitárias, mas cuja manutenção é feita com recursos do Tesouro Municipal. É o Vereador que tem de ser o apêndice da Secretaria de Ação Social, quando a Lei Orgânica de Assistência Social é clara, objetiva e determina como devem ser aplicados os recursos para o setor.
Então, se funciona com esse imenso universo de distorções, na verdade, não há direito representativo no Legislativo Municipal. Nós estamos assistindo, em razão de uma adaptação acomodada à realidade, à carência, à miséria, à ausência, ao desemprego, às necessidades do eleitor pobre, a uma transformação do Legislativo Municipal em apêndice do Poder Executivo. E esse é o seu pior papel, o que tem feito com que prospere a corrupção eleitoral, que é a busca de estrutura econômica para financiar uma campanha em que a disputa pelo voto é feita sobretudo em comunidades de pessoas carentes, que vão sendo aos poucos viciadas. É como se alguém cevasse, engordasse o caranguejo para comê-lo no dia em que estivesse gordo e pesado, em condições de ser negociado.
Esse modelo segundo o qual se casam a falta de estruturação do Poder Legislativo Municipal e a efetiva condição econômica e educativa dos eleitores tem feito com que o primeiro seja muito pouco eficaz para fazer cumprir a lei e cada um dos direitos do cidadão. E, muitas vezes, acaba sendo um apêndice das Prefeituras. Há casos em que os Tribunais de Contas recomendam, com farta documentação, a rejeição da prestação de contas dessa ou daquela Prefeitura, e as Câmaras Municipais votam pela aprovação das mesmas. Isso pode ser muito bom para o Vereador, pode ser muito cômodo para o Prefeito, mas é uma pouca vergonha para a maioria do eleitorado, é um cheque em branco para quem desvia dinheiro público.
E não sejamos hipócritas: não há diferença entre Prefeito, Vereador, Deputado Federal ou Senador que compactua com o desvio de dinheiro público e traficante, assaltante de banco, ladrão de carro ou de supermercado. Não há diferença. Por quê? Todos estão agindo ilicitamente, apropriando-se indevidamente do bem alheio, do que não lhe pertence. Da mesma forma, a sonegação fiscal é atitude hedionda de quem se apropria do imposto pago pelo consumidor, transformando-o em renda própria, patrimônio, ativo empresarial, sem nenhuma sanção dura da legislação vigente no País.
A preocupação com a ética nas eleições municipais não é apenas em relação ao discurso, ao que propõe o candidato a seus eleitores, às promessas jamais cumpridas, porque não há por trás delas nenhuma sustentação financeira e jurídica para que sejam executadas. A preocupação é sobretudo com o compromisso de o relacionamento entre eleitor e candidato não resvalar depois numa dependência e de tutela dos grupos econômicos que financiaram a campanha do Parlamentar.
Cito episódio recente e muito ruim para a Câmara dos Deputados. Um Deputado solicitou, na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, audiência pública para que fossem ouvidos representantes da Secretaria da Receita Federal, da Coca-Cola e da indústria de refrigerantes Dolly. As duas empresas estão em contenda judicial por benefícios fiscais e denúncias de sonegação. Lamentavelmente, embora a audiência tenha sido aprovada, o requerimento foi derrubado na Comissão de Finanças e Tributação. Depois chegou às mãos de alguns Deputados a lista de quem tinha sido financiado pela Coca-Cola. Alguns assumiram o recebimento de dinheiro para financiamento de campanha e disseram não se sentir em condições de aprovar requerimento de audiência pública para convocar a Coca-Cola e outras empresas para discutir sonegação fiscal no setor de bebidas.
Vejam como isso frustra a representação do voto e deturpa a verdadeira função do legislador, sobretudo a de discutir e aprovar leis, mas também de fiscalizar os atos do Poder Executivo.
Estamos neste momento muito preocupados porque tramita no Senado Federal projeto do Senador César Borges, do PFL da Bahia, que pretende promover alterações na lei de combate aos crimes eleitorais, na lei de combate à corrupção eleitoral. Se a intenção do Senador realmente vingar, estaremos fatalmente jogando no lixo todo o esforço realizado para que o País disponha de legislação que coíba duramente a corrupção eleitoral. A intenção do Senador é que o denunciado pela prática de corrupção eleitoral não seja afastado a partir do protocolo da denúncia pelo Promotor perante a Justiça, só podendo ser exercido o direito da sanção após o trânsito em julgado na última instância.
Todos sabemos da duração de processo dessa natureza, que percorre todas as instâncias até chegar ao Tribunal Superior. Então, na prática, se a intenção do Senador for aprovada, estaremos abrindo as portas para que se reinstale desbragadamente a corrupção eleitoral. Muitos Parlamentares terão a certeza de que poderão passar 4 anos no exercício do mandato e talvez até serem reconduzidos ao cargo, estando o processo ainda nas instâncias intermediárias do Poder Judiciário.
E, é claro, se no momento final chegar-se à constatação de mérito de confirmação das denúncias, que estrago não terá causado à sociedade durante o exercício do seu mandato alguém que se elegeu mediante a prática da corrupção eleitoral, traficando influência, sendo lobista de grupos interessados em negócios do Estado? Enfim, trata-se da mesma prática de décadas, de séculos, que tem marcado a relação dos defensores de interesses privados que tentam se apropriar dos negócios do Estado.
Felizmente, vivemos um momento de aperfeiçoamento das ações do mandato parlamentar, das ações do Poder Legislativo. O fato de cada um dos gabinetes dos Srs. Deputados Federais e Senadores permitir acesso eletrônico para acompanhamento cotidiano das despesas do Poder Executivo, com a possibilidade de isso ser transformado em argumento, em denúncia, em fiscalização e controle, é um avanço substancial para um país que tem pouco mais de 115 anos de República.
Da mesma forma, na Comissão de Finanças e Tributação já temos disponível a execução das funções previstas no Orçamento, passo a passo, mês a mês. Trata-se do que foi previsto na Lei Orçamentária, do que foi empenhado, do que foi liqüidado, de Restos a Pagar, o que permite uma visão real e concreta da trajetória de execução do Poder Público. Já que a sociedade delega poderes aos Deputados para que votem o Orçamento, presume-se, em tese, que tenham feito matéria orçamentária equilibrada, que atenda às necessidades e carências da população.
E pergunto a nós, que fomos Vereadores, e aos que são candidatos: quais Câmaras Municipais do País, de cidades com menos de 50 mil habitantes, estão informatizadas? Quais Prefeituras estão com todas as suas contas disponíveis na Internet para que as Câmaras Municipais acompanhem cada programa, cada função e cada atividade, além da execução das despesas públicas? Em quantas cidades do País e em quantos Estados da Federação, os Tribunais de Contas não encontram certos absurdos? Por exemplo, para que haja enorme propaganda da boa vontade do Prefeito ou das boas intenções do Governador, encontramos, nas Secretarias de cunho social, programas mirabolantes, programas cujos títulos fazem Jesus Cristo chorar. Mas, durante o ano, os recursos vão sendo cortados por decreto, depois, por pedidos de crédito. Quantas vezes as Câmaras Municipais têm de votar, ao longo do ano, sucessivos pedidos de crédito suplementar, sem que se possa oferecê-lo ao Vereador, que não é especialista em tudo?
O ideal seria obrigar todas as Câmaras Municipais a terem quadros concursados estáveis, de carreira na área jurídica e na área de finanças de orçamento, que não dependessem de nomeação do Presidente da Câmara ou de negócios do Vereador com o Secretário ou com o Prefeito do Município.
Se atingíssemos essa estabilidade funcional, tenho absoluta certeza de que, mesmo que a sociedade gastasse um pouco mais para remunerar 2, 3, 4 assessores nas áreas jurídica e orçamentária e lhes desse estabilidade na função e quadro efetivo de carreira, esses recursos se reverteriam, com certeza, com muito mais competência e eficácia para subsidiar o exercício independente do mandato parlamentar.
Lamentavelmente, há uma visão muito mais fiscalista, que vem na esteira dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal, na qual a preocupação maior com as Câmaras é saber quanto se gasta e não o que é feito. Penso que, nos limites em que as Câmaras se encontram hoje, com algumas distorções e algumas exceções, é possível o Legislativo Municipal exercer função excelente para a sociedade, desde que aparelhado para atuar nesse sentido. Sem esse aparelhamento, muitas vezes, o que ocorre, até em cidades de grande porte — existem vários exemplos disso —, são situações em que o legislador municipal não dispõe de estrutura para assessoria, nem de gabinete nem do poder, e termina valendo-se de verbas paralelas: convênios para subvenção social de associações fantasmas; criação de escolas paralelas à rede pública, cujos alunos não contam no censo escolar para fins do FUNDEF; ou transferência dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, por meio do programa Dinheiro Direto na Escola.
Assim, vamos nos adaptando a uma soma de absurdos e terminamos transformando o Legislativo Municipal num Frankenstein ou numa mula-sem-cabeça, porque vivemos do improviso, vivemos do interesse pessoal da relação do mandato com o Poder Executivo, em detrimento de serviços muito mais nobres e de funções muito mais dignas que poderíamos prestar às populações dos Municípios.
Encerro lembrando 5 grandes funções que hoje são de competência do Município. A legislação é uma aliada do Parlamentar municipal para que esse possa defender a saúde dos eleitores e da população sem substituir a função pública, sem ter de se endividar para comprar cadeira de roda, ambulância etc. Primeira função: a gestão do SUS, que, na sua razão mais profunda, leva à gestão plena e total pelo Município. Segunda função: a gestão da educação infantil e do ensino fundamental. O FUNDEF, embora com data marcada para sair de cena, 2005, é um instrumento que pode fazer com que o Município avance na educação infantil e no ensino fundamental. Terceira, todos os programas de assistência social, a efetiva implantação da Lei Orgânica da Assistência. Quarta, a Previdência dos servidores municipais. Nós, inclusive muitos Deputados Federais, não temos formação especializada para entender a Previdência, mas temos aqui uma consultoria que, em curto espaço de tempo, oferece-nos subsídios. Recebemos publicações, acessamos a Internet.
Quais os Vereadores que entendem de Previdência por este País afora? A grande maioria não tem essa chance, não teve escola para lhe informar sobre esse assunto, que movimenta, em algumas cidades, mais do que o Tesouro Municipal.
O fundo de previdência movimenta, em algumas cidades, mais do que a receita corrente líqüida do Município. Em muitos casos, os Prefeitos conseguem criar, da noite para o dia, fundos de previdência, atropelam a Câmara, passam a patrol por cima e os aprovam em 24 horas, e, alguns anos depois, os fundos estouram, e o Município entra em colapso financeiro. Quem é o responsável por isso? Não somente o Prefeito, mas também o legislador, que não estava atento, que não foi cuidadoso, que não foi reservado na hora de apor seu voto àquele projeto.
Então, são a gestão do SUS, do FUNDEF, da Previdência, o Estatuto da Cidade — Lei nº 10.257/01, que normatizou tanto o desenvolvimento e o planejamento urbano, quanto o processo de elaboração dos orçamentos. Hoje, no texto da lei, nenhum orçamento municipal pode ser aprovado se não for precedido de audiências públicas. Mas como vou promover audiência pública se nem entendo de orçamento, se fui eleito porque apoiei times de futebol, porque promovi festas de São João, porque ajudei muitas pessoas com remédios, porque fiz assistencialismo? Como vou discutir orçamento? Com este Legislativo sem estrutura? Na verdade, a falta de estrutura é o maior crime, e não a incapacidade do Parlamentar em responder a esse desafio.
A lei hoje, porém, está ao nosso lado, e, por mais que haja dificuldade, cada Município provavelmente é sede de comarca ou a comarca é acumulada com outra na responsabilidade da Promotoria Pública. O Promotor acumula algumas Comarcas e algumas Promotorias.
Então, há muitas ferramentas que podem desobrigar o Vereador de se endividar para ser assistencialista, de se endividar para substituir o Poder Público nas suas funções e fazer com que o exercício do mandato municipal seja a fiscalização e a efetivação da lei municipal, das leis que criam as condições e os direitos da população.
Esse é o esforço que vem sendo feito por nós, da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, pelo Conselho de Ética, Conselho não só voltado para o debate do Parlamento Federal, mas que se preocupa também com a ética em outras instâncias do Parlamento brasileiro.
Acredito que, com certo esforço, podemos caminhar, a médio prazo, para uma mudança radical e profunda no papel do Legislativo Municipal, sobretudo na mudança do processo eleitoral. Todos os senhores sabem que muitos Vereadores de 2, 3 ou 4 mandatos, de repente, perdem a eleição quando gastaram, na última campanha, muito mais do que nas outras, com assistência, compra de voto, sopões, cestas básicas, enxovais, ambulâncias, caixões de defunto. E essa é prática corriqueira neste País. E quantos perdem a eleição apesar de adotar desbragadamente esse tipo de conduta?
Temos o desafio da ética, da modernização, do controle social. Contudo, as leis que fazemos aqui, se não forem elaboradas com a população nos Municípios, permanecerão aqui. Não vai adiantar nada aprovar a Lei de Combate à Corrupção Eleitoral, o Estatuto da Cidade, a Lei Orgânica da Assistência Social, a legislação do SUS se, nos Municípios, para onde vai a competência fundamental nesses segmentos, a sociedade, o Vereador, o Promotor, o pastor, o pai de aluno, o conselho escolar, o sindicato rural, a cooperativa agrícola e o cidadão comum não se empenharem para fazer isso funcionar. Estaríamos brincando de fazer lei, levando parte dos recursos do País para fazer leis que, na prática, não são postas em funcionamento. Esse desafio e essa responsabilidade são nossos aqui e dos senhores nas Câmaras Municipais e nos Municípios deste País.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Agradeço ao Deputado Paulo Rubem Santiago, Presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, que deixou bem claro e demonstrado que o objetivo da Frente Parlamentar é amplo, sendo sua ação praticamente o resumo dos 2 dias de debate que aqui tivemos: a preocupação de combater a corrupção em geral na gestão pública, a preocupação de estimular a sociedade na implementação de legislações aprovadas pelo Congresso e o estímulo à sociedade civil a ter participação mais ativa.
Só com esses instrumentos vamos conseguir de fato construir cidadania mais ética, um Estado Democrático que tenha como valor primeiro a ética, a moralidade e o respeito à dignidade humana.
Agradeço ao Deputado Paulo Rubem Santiago e a todos que participaram deste I Seminário Nacional sobre a Ética nas Eleições Municipais.
Espero que o encontro tenha colaborado e tenha suscitado, obviamente, reflexões para que possamos implementar na prática, em nossos Municípios e Estados, o resultado das discussões aqui realizadas.
Muito obrigado e até o próximo seminário.
Está encerrada a reunião.