04 de maio de 2004

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

EVENTO: Seminário

DATA: 4/5/2004 - INÍCIO: 15h15min - TÉRMINO: 18h05min

DEPOENTE/CONVIDADO — QUALIFICAÇÃO

JOÃO PAULO CUNHA — Presidente da Câmara dos Deputados.

CARLOS MOURA — Secretário-Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

CLÁUDIO ABRAMO — Secretário-Geral da ONG Transparência Brasil.

DAVID FLEISCHER — Professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília e Presidente da ONG Transparência, Consciência e Cidadania.

SUMÁRIO: Seminário A Ética nas Eleições Municipais. Painel Os aspectos da cidadania e o combate à corrupção na legislação eleitoral.

OBSERVAÇÕES: Há exibição de imagens.


O SR. APRESENTADOR (David Rayol) - Senhoras e senhores, boa-tarde.

Solicitamos a todos que ocupem seus lugares para darmos início aos trabalhos. Pedimos também aos portadores de aparelhos celulares a gentileza de desligá-los ou configurá-los para o perfil silencioso. Obrigado.

Iniciamos, neste momento, a cerimônia de abertura do Encontro Nacional sobre Ética nas Eleições Municipais, iniciativa do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

Convidamos para compor a Mesa de Honra o Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados (Palmas); o Exmo. Sr. Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (Palmas).

Senhoras e senhores, sob o prisma da ética, o encontro traz à reflexão os seguintes temas: O Atual Sistema Eleitoral; As Listas Partidárias de Candidatos Preordenadas ou Fechadas; O Financiamento Público Exclusivo das Campanhas Eleitorais; A Reforma da Política; Os Crimes Eleitorais, e A Propaganda nas Eleições Municipais.

Neste momento, tem a palavra o Exmo. Sr. Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Boa-tarde a todos.

Quero fazer uma saudação especial ao nosso Presidente João Paulo Cunha, e ao 1º Vice-Presidente Inocêncio Oliveira. Ambos não mediram esforços no sentido de colaborar para que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar desta Casa pudesse realizar este evento.

Desde já, Presidente João Paulo Cunha, ficam os nossos agradecimentos, em nome de todo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, pelo apoio que V.Exa. e o 1º Vice-Presidente deram à realização deste primeiro seminário nacional de ética e decoro nas eleições municipais.

A intenção primordial deste seminário é discutir o pleito eleitoral sob o prisma da ética. Como as eleições municipais antes praticadas eram quase sempre fratricidas, expondo por vezes as mazelas políticas locais, creio que estamos diante de tarefa polêmica e árdua; porém, absolutamente necessária, quanto mais reconhecendo a fundamental importância das eleições municipais para o destino nacional e as atuais discussões legislativas acerca da reforma política no nosso País.

Como tradução maior da soberania popular, as eleições, mais que outros direitos políticos e sociais, exigem o cumprimento dos critérios éticos determinados nos mais diversos diplomas eleitorais.

Não falamos aqui de uma ética utópica, filosófica ou distante da realidade das disputas eleitorais. O que nos propomos a discutir é a ética cotidiana, aquela que nos apresenta o senso comum do certo e do errado. São os atos e as condutas já tipificadas em nosso ordenamento e que exigem seu cumprimento no dia-a-dia das campanhas, das propagandas e das prestações de contas nas eleições.

Segundo pesquisa da Transparência Brasil, realizada em 2002, pelo menos 3 milhões de eleitores brasileiros receberam oferta de vender o seu voto nas últimas eleições.

Mesmo diante da tipificação penal, que não tem intimidado ou coibido a ilicitude, a captação de votos ou de sufrágio é uma prática constante, um fenômeno usual, quase cultural nas eleições, que faz ilegítimo o pleito e demonstra a face mais aparente do abuso do poder econômico.

Ainda discutimos, no País, a eficácia e a aplicabilidade de algumas normas eleitorais, principalmente aquelas relativas à exigência de conduta correta dos candidatos nas eleições; as leis que pegam e as leis que não pegam.

A ética eleitoral, entretanto, é prática e não teoria, e sua validade depende de que todos cumpram o que é predeterminado: a boa eleição, aquela em que houve aplicação irrestrita dos preceitos e do roteiro fixado por lei.

A universalização da democracia e da cidadania, desejo de todos os programas partidários, depende necessariamente da escorreita conduta dos candidatos ainda no pleito.

Antes da discussão sobre se coexistem várias éticas — dentre elas a política, tipo diferente das outras e, de algum modo, mais permissiva — devemos aliar-nos àqueles que entendem que, de qualquer modo, a política e as eleições devem ocorrer sob critérios morais e comportamentais preestabelecidos, pautados em valores socialmente aceitos, os do senso comum, e que estejam consoante as mais diversas ideologias dos programas dos partidos políticos.

Num ordenamento jurídico como o nosso, em que a lei é o maior e fundamental instrumento de garantia de direitos, a expressa exigência da ética na Constituição é mecanismo de preservação de direitos, o que dá a ela a característica de direito ou garantia constitucional. E o modo como foi fixada a ética em nossa Carta a caracteriza, também e inclusive, como direito e dever individual de cada cidadão, ganhando, neste particular, a alcunha de bem indisponível e pétreo, como todos os outros direitos individuais.

Apesar de direito individual e social, a ética é também obrigação coletiva, abrangendo a necessidade de sua fiscalização e preservação perenes, porque se liga diretamente com a preservação da democracia e da dignidade da pessoa humana.

Como o caráter de cada indivíduo, cada eleitor, cada cidadão brasileiro, a ética é preocupação constante da atuação e conduta dos representantes populares. Não somente a pretensão da reforma política nos indica essa preocupação, mas também a grande quantidade de conferências, seminários e encontros realizados por todo País, discutindo, refletindo e exigindo ética nas eleições.

Assim, sob o prisma da ética, este seminário traz à reflexão temas como: Os Aspectos da Cidadania e o Combate à Corrupção na Legislação Eleitoral; O Atual Sistema Eleitoral; As Listas Partidárias Preordenadas ou Fechadas de Candidatos; O Financiamento Público Exclusivo das Campanhas Eleitorais; A Reforma Política; Os Crimes Eleitorais; O Clientelismo e a Propaganda nas Eleições, em especial, nas próximas eleições municipais.

Desejamos boas-vindas a todos. Que nossas reflexões sejam profícuas nesse árido terreno da ética eleitoral e que as palestras sirvam de inspiração às condutas eleitorais, senão coletivas, pelo menos que inspirem individualmente cada um de nós.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (David Rayol) - Anunciamos a palavra do Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados.

O SR. PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (João Paulo Cunha) - Caro Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar desta Casa, Sras. e Srs. Deputados, nossos convidados, é um prazer fazer a abertura deste Seminário sobre Ética nas Eleições Municipais, por conta da relevância e da presença desse tema, em particular, nesta quadra da História do Brasil.

Estamos praticamente a 5 meses das eleições. Para o debate da ética nas eleições municipais é preciso que olhemos para os próximos 5 meses e para o mês seguinte, mas também que possamos buscar, na nossa História e na história da política, as razões para determinado tipo de campanha ou para determinado tipo de caráter em períodos eleitorais. E mais que isso: é inevitável que neste tipo de debate acabemos fazendo uma interface com o debate da reforma política, em particular o sistema eleitoral estabelecido em nosso País.

A origem da política está na ação do cidadão para o bem comum. Entretanto, no decorrer dos anos, mais em particular durante a segunda metade do último século e especificamente no nosso País, a política passou, para a maioria da população, a ser encarada como um tipo de trabalho não muito nobre.

Por isso precisamos recuperar a nobreza da ação política e a distinção que as pessoas tinham perante os cidadãos, nas suas cidades, nos seus Estados e no País, para representá-los.

É preciso, portanto, a introdução da ética como caráter primeiro em qualquer disputa eleitoral e, mais que na disputa eleitoral, no exercício do mandato, tanto no Legislativo como no Executivo.

É por isso que se reveste este seminário de importância fundamental para despertar nas pessoas que estão na linha de frente da disputa eleitoral, mas também em toda sociedade brasileira, o desejo de buscar, com base na ética, os melhores candidatos para representá-los. Não é uma tarefa fácil — reconheço —, mas é imprescindível que as pessoas adotem o caráter ético para a escolha de seu candidato.

O nosso sistema eleitoral não ajuda, quer seja pela sua forma estrutural, quer seja pela sua cultura política. Se pedirmos, por exemplo, aos Deputados Federais para falarem sobre a nossa Casa, vamos reparar que culturalmente no Brasil se desenvolveu a idéia de que o Deputado Federal é responsável por levar recursos para uma cidade ou uma região.

Então, o bom Deputado é aquele que leva uma ponte, um matadouro, uma quadra, um asfalto. Esse é o bom Deputado — o que é um desvirtuamento da ação parlamentar primeira no Legislativo maior, a Câmara dos Deputados.

O papel do Deputado Federal não é brigar por recursos, mas cuidar da legislação que diz respeito aos moradores de norte a sul, de leste a oeste da nossa Pátria. Além disso, é sua atribuição primeira procurar fiscalizar o Executivo para que a aplicação dos recursos públicos seja feita de acordo com a necessidade do nosso povo e de forma correta.

Essa degeneração da ação do Deputado Federal, no meu ponto de vista, leva a uma visão — que constantemente observamos na prática — de que os governos formam a maioria com rapidez. Por que os governos do Executivo formam a maioria com rapidez? Como grande parte dos Deputados trabalha em função de obras para as suas cidades, é muito difícil eles ficarem em situação de oposição. Isso acaba levando o Deputado a ter, via de regra, uma postura condescendente com o Executivo, para que essa relação possa produzir ações concretas no seu Município, no seu Estado, como obras, para ele apresentar.

Este tipo de relação, já no exercício do mandato, acaba fazendo com que na disputa eleitoral a política maior não predomine. Então, o Deputado que se apresenta como uma pessoa preocupada com todos os brasileiros corre o risco de não ter audiência ao fazer campanha na sua região, porque as pessoas acabam procurando um deputado que esteja preocupado ali com o seu pedaço.

Do ponto de vista do cidadão comum, isso está errado? Não. Como é um fenômeno cultural, precisamos alterar isso. Mas o cidadão se preocupa, porque durante muitos anos os recursos do nosso País foram concentrados no Executivo nacional. E muitas vezes, por conta estritamente da relação política — e não da relação administrativa —, predominou aquele pensamento de que a relação política acabava redundando em recurso para a sua região. Esse é um problema que, no meu modesto entendimento, precisa ser corrigido.

A Câmara será muito melhor no dia em que predominar a visão nacional de um Parlamento que funciona aqui em Brasília. Para sanar esse tipo de problema, é inevitável a reforma política. Por quê? Porque essa prática tem uma interface muito forte com o nosso sistema. O nosso sistema é uninominal. O maior adversário do candidato a Vereador na chapa do PMDB é outro Vereador do próprio PMDB. O adversário maior do Vereador do PT é outro Vereador do próprio PT. Por quê? Porque são eleitos os mais votados da sua sigla. São eleitos aqueles que acabam se utilizando do voto dos mais fracos.

Sempre digo, em encontros de Vereadores, que dificilmente se encontra um Vereador eleito pelos seus próprios votos. Via de regra, ele precisa do voto daqueles candidatos menores, que acabam oferecendo a quantidade de votos para garantir o quociente eleitoral e eleger aqueles mais votados. Então, é uma disputa de nome contra nome, o que faz com que o projeto do partido para ação no Legislativo fique secundarizado.

É um partido de 30 candidatos, e 30 partidos de um candidato cada um. Cada um é o seu próprio candidato. Cada um é dono do seu próprio partido, porque ele não faz propaganda da idéia, do programa do seu partido. Ele faz a sua campanha.

Este é um problema que faz, com muita rapidez, com que as pessoas acabem degenerando os seus votos. Como preciso ter mais votos do que, por exemplo, o Orlando; como preciso fazer uma campanha mais forte do que a do Orlando, reduzo os meus critérios para obtenção de recursos. Tinha determinados critérios, mas, para conseguir mais recursos, eu os reduzo. E para conseguir mais recursos ainda, passo a não adotar critério nenhum. Então, qualquer recurso passa a ser bem-vindo durante a minha competição contra ele.

Qual é a alternativa para isso? Muita gente no Brasil diz: "Nossa, votar em lista?" É como se fosse a invenção da roda. Na maioria dos países europeus o processo já funciona assim. O cidadão não vota no candidato; ele vota no partido. E qual é a conseqüência disso? Na campanha, você não divulga o seu nome, mas o programa, que vale para você e para o colega de partido.

Segundo essa lista partidária, se neste momento a população quiser dar maioria para o partido A no Parlamento, ela vai votar no partido A. Se o candidato não cumprir com o seu programa, divulgado na campanha eleitoral, na próxima eleição o povo não vai votar no partido A, mas no partido B, para o Legislativo, e assim sucessivamente.

A virtude desse sistema é criar blocos parlamentares com as mesmas idéias, com a mesma base programática, com o mesmo objetivo de trabalho. Não existem companheiros disputando entre si. É evidente que as qualidades individuais, as representações pessoais e o trabalho individual acabam aflorando e tendo importância, mas para a disputa e para a prestação de conta, o que vale é o conjunto.

Outra virtude que isso traz é obrigar o candidato a qualificar a sua chapa. Se você sabe que um malandro pretende entrar na sua chapa, você pode retirá-lo. No sistema aberto, uninominal, esse malandro entra na lista, disputa com você e ganha, porque tem mais recursos e mais condições. Nem sempre é o melhor, mas acaba vencendo a eleição.

Do meu ponto de vista, para a garantia da ética no exercício parlamentar, quanto mais agarrado o Parlamentar estiver a uma sigla ou a um programa, mais certeza teremos de que ele vai errar menos. Quando digo isso por onde passo no Brasil muita gente fica assustada. Mas, como disse, em grande parte da Europa é assim.

Vejam como muda o poder, em vários países, de forma natural. Antes do atentado do último dia 11, em Madri, na Espanha, quem dominava a cena política era o Partido Popular, um partido conservador. O Primeiro-Ministro José María Aznar estava na frente nas pesquisas, mas perdeu a eleição para o Partido Socialista Operário Espanhol, que já esteve no poder alguns anos atrás — e isso ocorreu com muita naturalidade.

É verdade que o sistema também é parlamentar, mas mesmo no nosso sistema é importante que seja adotada a lista partidária, porque ela garante maior seriedade na formação da chapa, maior qualidade dos nossos candidatos, programa mais firme para todos e o exercício do mandato de forma melhor. Insisto, o nosso sistema precisa ser melhorado, porque ele sempre deixa uma série de buracos por onde as pessoas acabam escapando.

Invariavelmente, a corrupção no Brasil tem origem no financiamento de campanha. O Presidente, o Governador, o Deputado, o Senador, o Prefeito, o Vereador, todos estabelecem relações com seus financiadores, e em muitos casos acabam virando relações muito pessoais. Essa relação é transportada para a esfera pública e futuramente traz problemas. Reparem nesse fato. Levantei vários casos de corrupção no Brasil na última década. Invariavelmente, a origem é o financiamento de campanha, porque no meio da campanha bate um desespero no candidato e, cada dia mais ele vai fechando os olhos e vai recebendo qualquer tipo de recurso. Isso redunda num tipo de mandato que também vai perdendo a força. Por isso, é importante o financiamento público de campanha.

Noutro dia, ouvi uma pessoa dizer o seguinte: "Imagina se vamos tirar dinheiro do orçamento público para financiar os partidos e os candidatos. Isso o povo não vai entender." Concordo que se for mostrado dessa forma ao povo, ele vai rejeitar, mas se for mostrado quanto foi gasto na última eleição, a relação que a eleição acaba tendo com quem entra para a esfera pública e quanto dos orçamentos nos Municípios, nos Estados e na União se perde após a eleição por causa das relações estabelecidas, veremos que o financiamento público acaba sendo mais barato. Mais do que isso, ele possibilita uma disputa mais equânime. Se se sabe qual a origem do recurso, o teto que tem que ser gasto nacionalmente e se há prestações de contas periódicas, dificilmente vai-se conseguir gastar mais, porque os próprios candidatos vão fiscalizar um ao outro.

Temos um problema na origem, na idéia do papel do nosso Parlamentar. O mesmo vale para Vereador, na eleição municipal.

O ideal é o Vereador que pensa na cidade, porque ele é eleito para cuidar dela e de seus habitantes. É fundamental que tenhamos Vereadores assim, mas a cultura política obriga o Parlamentar a se agarrar a um determinado distrito, bairro ou categoria, e ele legisla em função daquilo para se reeleger, porque se trata de uma disputa uninominal.

Segundo, o nosso sistema eleitoral com lista aberta e cada um por si não é uma boa opção. Terceiro, o financiamento de campanha não é adequado. Quarto, não temos que ter fidelidade partidária.

A composição desses 4 elementos só pode ser combatida com a ética pessoal, ou seja, somente o caráter das pessoas é que pode fazer com que separemos o joio do trigo. Esta é uma boa medida: a ética pessoal, aplicada no caráter individual. Mas ela é insuficiente; a política não pode depender somente das boas pessoas, ela precisa ter regras que impeçam que pessoas ruins adentrem com facilidade. Não basta somente a ética pessoal, precisamos da ética institucional a partir de regras que criem barreiras e impeçam as pessoas mal-intencionadas de ultrapassar esse obstáculo.

Com esse ponto de vista, encerro dizendo que este seminário poderia ganhar um pouco de tempo pensando nisto: precisamos trazer homens e mulheres de bem para fazer política, mas isso é insuficiente; precisamos de regras que façam com que a ética seja levada em larga escala para a disputa política. Nesse sentido, é imperativo que mudemos o nosso sistema eleitoral. Só assim conseguiremos fazer com que a ética pessoal seja combinada com a ética das instituições das nossas regras e produza um novo quadro no Brasil que valha para as nossas cidades, para os nossos Estados e para o nosso País.

Parabéns, Deputado Orlando Fantazzini. Parabéns ao Conselho.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (David Rayol) - Senhores, devido a compromissos oficiais, neste momento, anunciamos a saída do recinto do Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha. (Palmas.)

A seguir, retornamos a palavra ao Deputado Orlando Fantazzini, que presidirá o primeiro painel do seminário: Os Aspectos da Cidadania e o Combate à Corrupção na Legislação Eleitoral — Leis nºs 9.504 e 9.840.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Antes de chamar os nossos convidados para comporem a Mesa, quero justificar a ausência de alguns palestrantes que, em razão de compromissos de última hora, não puderam comparecer.

Para o primeiro painel convido o Sr. Carlos Moura, Secretário-Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz; o Dr. Cláudio Abramo, Secretário-Geral da ONG Transparência Brasil; e o Prof. David Fleischer, Professor de Ciência Política da Universidade da Brasília e também Presidente da ONG Transparência, Consciência e Cidadania. (Palmas.)

Vamos passar a palavra ao Sr. Carlos Moura, Secretário-Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, entidade que trabalhou arduamente na coleta de assinaturas para a aprovação da Lei nº 9.840, a primeira lei de iniciativa popular aprovada por esta Casa.

O SR. CARLOS MOURA - Muito obrigado, Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Cumprimento o Prof. David Fleischer e o Dr. Cláudio Abramo, companheiros de Mesa, e demais participantes do seminário.

Ao ser convidado para participar deste seminário, veio-me uma indagação que transmito à Mesa e aos participantes: se o Brasil tem uma Constituição que trata dos direitos humanos, estribada na valorização da pessoa, na inclusão, que reconhece o pluralismo cultural brasileiro, o caráter interético do País e que nossa nacionalidade foi forjada e constituída por descendentes de europeus, de africanos, sobretudo de africanos do sul do Saara, por descendentes de indígenas, pergunto-me: O que falta para que essa Constituição possa realmente cumprir com seu objetivo de fazer com que todos os brasileiros possam ser partícipes do progresso ou do desenvolvimento deste País?

Seguramente, há necessidade de participação mais efetiva de todos no processo político, não só durante a disputa eleitoral, quando candidato, mas também depois, como participantes dos partidos políticos, nas convenções e nas candidatura. Devemos viver o meio político, trazer a política para o nosso dia-a-dia e não deixar que percalços trazidos à vida pública por aqueles que não cumpriram com os objetivos façam com que deixemos de participar do processo político.

Evidentemente, essa participação efetiva dar-se-á de muitas maneiras. Lembro uma delas: A Constituição Federal prevê leis provenientes de iniciativa popular. Foi isso que aconteceu quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil iniciou atividade destinada a, por meio de 1 milhão de assinaturas de eleitores, realizar uma iniciativa popular. Foi iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, coordenada pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz e outras entidades da sociedade civil, tais como a OAB, a Associação de Juristas, o INESC, o IBASE, a CUT, a Associação Nacional de Jornalistas e tantas outras.

Disso resultou um processo que foi encaminhado à Câmara dos Deputados com 1 milhão de assinaturas. O que se pretendia com aquilo? Que, transformado em lei, pudessem a sociedade civil e o Poder Judiciário ter uma ferramenta destinada a coibir e punir a compra de votos ou aquilo que chamamos de captação ilegal de votos.

Daí adveio a Lei nº 9.840, de 1999. Levamos quase 3 anos para conseguir esse 1 milhão de assinaturas, que foram entregues nesta Casa à Presidência da Câmara dos Deputados. Hoje temos a Lei nº 9.840, que diz que o candidato que for logrado comprando votos terá seu registro ou seu diploma cassados e, conseqüentemente, se for eleito, perderá seu mandato.

Para que essa lei funcione é preciso que todos nos tornemos seus fiscais. Mas se a um tempo formos fiscais dessa lei, também teremos de ser aqueles que vão instruir os eleitores e as eleitoras a não permitirem que suas vontades possam ser tisnadas por aqueles que quiserem perturbá-la por intermédio da compra do votos.

É preciso — e este é o momento, quando estamos às portas de uma campanha eleitoral — que cada um de nós possa efetivamente fiscalizar, ver se os candidatos estão na prática da compra de voto, e denunciar, fazer representação ao Ministério Público, ao promotor da sua comarca ou ao procurador de um Tribunal regional Eleitoral, para que os fatos sejam apurados. É uma lei produtiva, mas, ao mesmo tempo, inibirá essa prática.

Fala-se muito na modificação da legislação eleitoral na reforma política. Isso tudo é muito importante, mas cada um de nós, cidadãos, deve se propor ao exercício da fiscalização e da utilização do instrumental jurídico. Não me refiro só a este da Lei 9.840, que visa à punição do candidato que compra voto, mas também a todos os instrumentos jurídicos capazes da garantia e da salvaguarda da cidadania.

Deputado Orlando Fantazzini, companheiros da Mesa, senhores e senhoras do plenário, não há aqui nenhuma atitude mais moralista; há a necessidade da afirmação da nossa cidadania. Se formos instrumentos de fiscalização da Lei nº 9.840, contribuiremos efetivamente para que o processo eleitoral brasileiro não seja, de certa maneira, eivado de muitas irregularidades.

Há necessidade também de que tenhamos alguns gestos concretos nesse sentido. Convido todos, por exemplo, a constituírem comitês da Lei nº 9.840 para fiscalização dos candidatos e das candidatas. Informar, por exemplo, sobre a situação do candidato ou da candidata perante o Poder Judiciário. Como vamos sufragar um nome sem saber se ele tem algum problema com o Poder Judiciário? Devemos pesquisar um pouco.

Outra medida importante para a melhoria das condições políticas brasileiras é estimularmos a vocação que há em cada um de nós para a prática da política. Dizia no início que se não é só para ser candidatos, pelo menos que participem da vida política e escolham seus partidos. Se não se identificarem com as proposituras dos que já existem, formem um partido, procurem, de fato, estar presentes no processo político. Mas os senhores sabem que nem tudo do ponto de vista político é pacífico.

Transfiro-lhes mais uma responsabilidade e faço mais um pedido ao Parlamentar que nos preside: há no Senado Federal 2 projetos de lei que propõem modificação na Lei nº 9.840. Se isso acontecer, será um ato de desmoralização de uma iniciativa popular.

Essa Constituição altaneira, no sentido dos direitos humanos, da preservação e da garantia da cidadania, permite que 1 milhão de pessoas intentem a propositura de uma lei no Parlamento. A referida lei visa punir aquele que compra o voto. Posso dizer-lhes que não há nenhum Município do Brasil em que candidatos não tenham sido cassados ou não estejam sendo processados pela Lei nº 9.840. Portanto, a lei pegou. Mas há no Senado Federal 2 projetos de lei visando modificá-la, da seguinte maneira.

Todos sabem que nas decisões da Justiça Eleitoral os recursos não têm efeito suspensivo. Portanto, se o juiz eleitoral, em razão da Lei nº 9.840, pune, condena candidato que já foi eleito ou durante o período de campanha, o efeito é imediato, mesmo que ele recorra ao Tribunal Regional e, em seguida, ao Tribunal Superior Eleitoral.

O que se propõe no Senado é que os efeitos dessa condenação só passem a existir após o trânsito em julgado, ou seja, quando todos os recursos tiverem sido julgados pela instância máxima, no caso, o Tribunal Superior Eleitoral, ou, se houver alguma questão do ponto de vista constitucional, o Supremo Tribunal Federal.

Repito: a aprovação desse projeto de lei será vigorosa pancada na cidadania dos brasileiros e brasileiras que percorreram o País e conseguiram 1 milhão de assinaturas. Será também um desrespeito à Constituição, que, por intermédio dos Constituintes, abriu espaço para que houvesse essa iniciativa popular.

Essa é mais uma solicitação que faço à Mesa e ao Plenário, para que cerrem fileiras conosco, procurem os Parlamentares — Deputados, Senadores — e os alertem para que esses 2 projetos de lei não sejam aprovados; busquem os Parlamentares autores dos 2 projetos para conversar, explicar-lhes o sentido da alteração; busquem os Parlamentares Relatores para solicitar-lhes que não dêem, na qualidade de Relatores, voto favorável; procurem esses Parlamentares para discutir com eles. Quando estiverem em suas bases, perguntem: "Mas como é isso, Sr. Senador? O senhor está contra uma lei que pune o candidato que compra votos? O senhor está contra uma lei proveniente de iniciativa popular? O senhor está contra uma lei que visa garantir e a manter intacta a vontade do eleitor e da eleitora? Como é que eu, eleitor e eleitora, poderei novamente votar no senhor se a sua proposta é esta, desconstituir lei proveniente da cidadania brasileira?"

Agradeço ao Deputado Orlando Fantazzini pela oportunidade, aos senhores pela atenção e deixo para mais tarde, durante os debates, o selo dessa parceria no sentido de evitar que a Lei nº 9.840, de 1999, seja modificada.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Sr. Carlos Moura.

Em reforço à importância da Lei nº 9.840, faço breve relato. Na minha cidade, Guarulhos, na eleição de 2000, foram constituídos 100 comitês populares, em razão dessa lei. Com a constituição desses comitês, alguns candidatos tiveram seus registros cassados e outros foram processados.

A existência do comitê passou a inibir vários candidatos a se aproximarem do eleitor com propostas indecorosas de compra de voto. Esse foi um trabalho do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese de Guarulhos e da Associação Guarulhense para Defesa da Cidadania, entidade cujo presidente inclusive acabou premiado pela Transparência Internacional, em razão da ação pela cassação do Prefeito da cidade, que estava envolvido numa série de desmandos e corrupção.

É importante a participação da sociedade no exercício pleno da cidadania, como fiscal do cumprimento da Lei nº 9.840, porque, sem dúvida alguma, contribui no aspecto ético e na lisura das eleições. Portanto, é fundamental a iniciativa da CNBB de defender projeto de lei de iniciativa popular e necessária a participação da sociedade como um todo.

Passo a palavra ao Dr. Cláudio Abramo, Secretário-Geral da ONG Transparência Brasil.

O SR. CLÁUDIO ABRAMO - Sr. Presidente Orlando Fantazzini, colegas da Mesa, senhoras e senhores, é um prazer falar com todos. Vou tratar de duas questões relativas ao processo eleitoral: a compra de votos, objeto da Lei nº 9.840, e o debate que ora se trava a respeito da forma de financiamento de campanhas eleitorais.

Primeiro, antes de propriamente começar a abordar esses temas, para aqueles que não conhecem a Transparência Brasil, esclareço que represento hoje aqui uma organização não-governamental voltada exclusivamente para o combate à corrupção. Esse é o nosso único objetivo. Todas as nossas iniciativas são nessa orientação. Somos uma organização não-partidária. O combate à corrupção é uma atividade politicamente incorreta, quer dizer, os apoios que temos são pouquíssimos em quaisquer segmentos da sociedade. O setor privado não gosta muito de nós. Isso dá um pouco da feição do universo em que nos movemos.

Temos uma diretriz metodológica que procuramos aplicar a tudo que fazemos. Existe em nosso País um problema muito sério com o debate das questões políticas e que diz respeito à economia do Estado: a falta de embasamento em uma investigação dos fatos, o levantamento de números e de situações, a sistematização dessas informações.

Como há relativa carência desse tipo de atividade, o que ocorre é que a informação que muitos formadores de opinião têm a respeito do ambiente brasileiro é muito falha. Temos a atitude de procurar, ao máximo, levantar infodados, informações sobre os fenômenos que nos interessam, enquanto missão institucional.

Existe na consciência coletiva uma espécie de convicção de que o problema da compra de votos é gravíssimo no Brasil. Ouve-se falar que 30% dos votos brasileiros são comprados, 40% dos votos brasileiros são comprados ou 40% dos votos de toda uma região são sujeitos à negociação ilícita. Isso se diz há muitos anos. No entanto, na área acadêmica não se encontra referências a estudos sérios sobre isso. Afirma-se que 30% dos votos, por exemplo, são comprados na cidade tal ou na região tal, mas nunca foi feito um estudo sobre o fenômeno. "Fulaninho disse para fulaninha, que mencionou ao cunhado de não sei quem". E isso acaba virando consciência.

Fizemos os primeiros levantamentos empíricos jamais feitos neste País a respeito de compra de voto. Se existe compra de voto, é um problema. Muito bem, vamos tentar verificar qual a extensão desse problema.

Fizemos pesquisas de compra de votos em 2 ocasiões. A Transparência Brasil foi formada no ano de 2000. Fizemos a primeira pesquisa sobre compra de voto no início de 2001, logo após as eleições de 2000, e fizemos a segunda no mês de novembro de 2002, logo após as eleições. E temos feito pesquisas de acompanhamento do fenômeno de compra de votos em outras cidades, especificamente na cidade de Campinas, em São Paulo, que é um universo mais restrito.

Qual a perspectiva comum sobre o fenômeno da compra de votos, que é muito disseminada, que é mais freqüente nas regiões mais pobres, no interior e nos Municípios pequenos, nos níveis mais baixos de escolarização? Quanto menos instruída é a população, mais freqüente é a compra, e seria mais freqüente nas classes de renda mais baixas, ou seja, a compra de votos acompanharia o padrão de pobreza brasileiro.

Vamos examinar esse fenômeno.

(Segue-se exibição de imagens.)

Nesse conjunto à esquerda estão os resultados do levantamento nacional realizado após as eleições de 2000, em que perguntamos ao indivíduo pesquisado se alguém ofereceu dinheiro pelo seu voto nas eleições que acabaram de acontecer? O resultado foi o seguinte: na média nacional, 6% dos eleitores disseram que haviam sido sujeitos à oferta de compra de voto. Essa porcentagem era o dobro da média nacional nas Regiões Norte e Centro-Oeste, 12%; na Região Sudeste é menor, por volta de 4%, e o Nordeste e o Sul encontram-se mais ou menos no mesmo nível com 7%. O grau de imprecisão dessa pesquisa é de cerca de 2,5%, de modo que a constatação do fenômeno é afetada por esse fato.

As eleições de 2000 foram municipais, em que a proximidade do candidato com o eleitor é muito maior do que nas eleições gerais de 2002, em que o candidato é mais distante. A comparação direta entre os resultados não pode ser feita. Além do mais, nas eleições de 2002, representada pelo conjunto à direita, ampliamos a pergunta. Ao invés de perguntar apenas: "você foi sujeito à oferta de compra de votos por dinheiro", perguntamos: "você foi sujeito à oferta de compra de votos por dinheiro ou alguma outra coisa, como sapato?" Os resultados em 2002 indicam que a média nacional foi 3%; as regiões Norte e Centro-Oeste continuam sendo campeãs, com 5%. Depois vem Nordeste, Sudeste e Sul.

Insisto que não se pode comparar um número com outro e dizer que o fenômeno se reduziu entre 2000 e 2002 por causa das diferentes características dessas eleições e também porque a pergunta não era exatamente a mesma. É muito interessante ver como se distribui o fenômeno de acordo com os diversos cortes da amostragem que reflete o eleitorado.

À esquerda está a condição do Município, se é capital, periferia ou interior.

Os resultados do levantamento mostram que não parece haver diferença. Não parece ser verdadeira a crença de que compra de voto seria, por exemplo, mais grave no interior do que nas capitais. Também não há diferença significativa — à direita, no gráfico nº 5 — entre portes dos Municípios. Ele pode ser grande, pequeno ou médio, que o fenômeno se distribui da mesma maneira.

A renda familiar também não parece ser grandemente significativa. As pessoas são sujeitas à compra de votos. Da esquerda para direita — como sempre, à esquerda temos o ano de 2000 e à direita o de 2002 — temos classes de renda crescentes de até 1 salário mínimo até mais de 10 salário mínimo, e a diferença entre as classes de renda não é marcante. O que é muito marcante é a idade. Quanto mais jovem o eleitor, mais sujeito à oferta de compra de voto. Se pegarmos a população acima de 50 anos, nas eleições de 2002, foi 1%. Ao passo que na faixa de 16 a 24 anos foram 5%, 5 vezes mais. Isso é uma diferença significativa.

O nível educacional também mostra algumas surpresas porque não parece ser verdadeiro que quanto menos instruído, mais o sujeito é submetido à oferta de compra de votos. O fenômeno parece se concentrar nas faixas intermediárias: gente que tem ginásio incompleto e completo ou colegial incompleto, caindo no nível superior e também na população menos instruída.

Com o intuito de compreender como o fenômeno se dá, procuramos fazer um acompanhamento pré-eleitoral em determinado Município, Campinas, em São Paulo, que tem cerca de 700 mil eleitores, cidade relativamente rica.

Perguntamos, no âmbito de pesquisa lá realizada, quais os problemas mais sérios nas eleições daquele Município. E você vê que além de candidatos desonestos, 78% dos pesquisados acham que isso é um problema nas eleições. Imaginem, 78% dos pesquisados acham que candidatos desonestos são problemáticos nas eleições! A atividade Parlamentar, como foi aqui há pouco mencionado pelo Presidente João Paulo, não anda com IBOPE muito alto. Seja como for, 49% das pessoas perguntadas apontaram a compra de votos como problema. Então, existe a crença de que a compra de votos é um problema nessa região. Além de outros temas, aí caindo pela escala abaixo.

O financiamento privado das campanhas, assunto que está aqui sendo discutido, foi apresentado como problema por 31% dos pesquisados.

Curiosamente, diz-se que a manipulação de urna eletrônica, indicado por 18% dos pesquisados, seria um problema, sendo que não há nenhuma evidência de que isso seja um problema. Não há evidências nessa direção. As pessoas acreditam nisso não sei por quê. Certa fantasia.

Vamos ao que interessa. Então, perguntamos: "Você conhece alguém que negocia votos por apoio de serviços — no caso — da Prefeitura?" Dos entrevistados, 85% disseram que "não", mas 15% disseram que "sim". Quinze por cento das pessoas consultadas na população geral disseram que conhecem pessoa que negocia votos, que usa a máquina. É um número muito alto. Parcela elevada do eleitorado que não tem contato direto com a Administração. Entenda-se que as pessoas em geral não têm contato com a Administração; elas têm contato indireto e não direto. Mesmo assim, 15% dos pesquisados responderam "sim" a esse questionamento.

Quanto a sexo, as mulheres acham, com mais freqüência do que os homens, que o problema da compra de votos é grave.

Então, perguntamos: "Você venderia seu voto por dinheiro? Você venderia o voto? Você receberia grana para votar em alguém?" Aí, 76% disseram que "não", mas 19% disseram que "sim". Vejam, na pesquisa anterior que eu mencionei, perguntamos se o sujeito tinha sido submetido à oferta de compra; não perguntamos "você vendeu o seu voto?". Aliás, deixa eu explicar por que não fizemos a pergunta dessa forma. Não fizemos dessa forma porque vender o voto é crime. Fazer uma pergunta dessas em uma pesquisa constrange o perguntado. Então, por isso que fizemos dessa forma.

Mas, aqui, foi perguntado: "Você venderia?" É uma condicional contrafactual, quer dizer, não aconteceu ainda. Assim, 19% responderam que "sim" e 5% disseram que não sabem, "não sei, sei lá, vou pensar". Aí, perguntamos para os que responderam que venderiam o voto: "Mas por quanto, afinal, você venderia o voto?" Onze por cento responderam que venderiam por mais de 200 reais, que é quase um salário mínimo. E três por cento, esses números que estão aí, que eu não vou repetir.

Aí perguntamos se o sujeito, apesar de ter vendido o voto, votaria no cara que ofereceu comprar o voto. Aí, 55% disseram que "não" e 27% disseram que "sim". De modo que esse mercado, para um político que compra voto, não é muito seguro, o investimento não é grande coisa. Você tem uma chance de 55%, na cidade de Campinas, de o cara comprar uma mercadoria que não vai levar, de o fornecedor não entregar.

Em Campinas você tem uma distribuição que é um pouco diferente daquela que verificamos no plano nacional, em outra situação. Quem é que rejeita vender o voto? Aqueles 75% que disseram que não venderiam o voto. Todo mundo que tem pós-graduação. Campinas é uma cidade universitária, há grandes universidade lá, tem muita gente assim. Muito bem, as pessoas rejeitaram. Curso superior completo, 91%. Daqui para baixo, distribui-se mais uniformemente.

Idade. De novo, o que acontece? Quem basicamente aceita vender o voto? É a "turminha" dos 16 aos 24 anos. Trinta e um por cento daqueles que aceitam vender são aqueles carinhas ali. Depois, vai diminuindo com a idade, até que se chega à provecta idade de 50 anos ou mais — provecta para mim, que sou mais jovem —, quando cai para 11%.

O que esses números apontam? São hipóteses preliminares, são, digamos assim, alimento para o pensamento. Não são conclusões fechadas, nem refletem declarações muito taxativas a respeito do fenômeno, que é complexo. Não é simples pesquisar compra de voto. Não é simples.

E hipóteses preliminares? Que a compra de votos parece ser menos disseminada do que se crê. Quer dizer, a porcentagem não é tão alta quanto se ouve falar. De fato, parece ser mais freqüente nas regiões mais pobres, quer dizer, no Nordeste, no Centro-Oeste, no Norte a compra de voto parece ser pior do que no Sudeste especialmente. Não parece ser mais freqüente no interior e nos Municípios pequenos. Não há diferença estatística, pelo menos nesses levantamentos.

Os níveis médios de escolarização parecem ser os mais vulneráveis. As classes mais baixas de renda podem ser mais vulneráveis. Podem porque não parece certo que sejam. E parece claro que a vulnerabilidade é maior quanto mais baixa a idade.

Agora, para que serve tudo isso? Para informar a ação. Se queremos combater a compra de votos, se queremos chegar ao nível prático do combate à compra de votos, seria interessante que as iniciativas voltadas nessa direção não fossem concebidas na ignorância, ou pelo menos ignorando-se, deixando-se em segundo plano esse gênero de constatação.

Por exemplo, será que vale a pena concentrar uma campanha, como tem a OAB com a CNBB, e outras organizações, agora, de novo, para as eleições de 2004, sobre Municípios menores, deixando de lado as capitais? Não parece ser razoável. As capitais concentram grande quantidade de eleitores e não parecem ser diferentes de Estados com respeito ao fenômeno das comunidades menores do interior.

Uma estratégia de campanha contra a compra de votos — sugiro, com toda a humildade necessária — não deveria deixar de levar em consideração esse tipo de coisa. Também não deveria deixar de levar em conta que são os mais jovens os mais vulneráveis. Em termos de relação custo/benefício, voltar a campanha contra a compra de votos para eleitor com mais de 50 anos é atirar em alvo errado. Atire no eleitor mais jovem que você vai acertar mais. É o que se deduz. Se eu não tenho nenhuma informação para basear a minha ação, e eu só tenho essas, eu faria isso, quer dizer, levaria isso em conta. Não sei em que nível, mas levaria um pouco em conta.

Agora vamos mudar de assunto totalmente e falar de financiamento eleitoral. A Transparência Brasil tem uma iniciativa que é um projeto que se chama Às Claras, em que recolhemos dados sobre financiamento eleitoral — que são públicos, estão no Tribunal Superior Eleitoral —, e os submetemos a um tratamento estatístico e os apresentamos de forma mais amigável, digamos, do que o TSE.

Esses 2 gráficos que estão aí referem-se à relação existente entre número de votos recebidos por candidato e o volume das suas doações de campanha, doações declaradas aos TREs e repassadas ao TSE. Portanto, são doações legais. Não estou me referindo aqui a caixa 2, mesmo porque caixa 2 não é mensurável.

No gráfico de cima, estão todos os candidatos a Deputados Federais nas eleições de 2002. Eram 2.565 no País. Aquele número que os senhores estão vendo lá, R2 igual a 0,67, significa que existe uma forte correlação entre o número de sufrágios recebido por um candidato e a quantidade de dinheiro que ele recebeu como doação. No Brasil, o dinheiro é o grande eleitor.

No gráfico de baixo, exatamente a mesma coisa. Votos, na horizontal; dinheiro, na vertical, para os eleitos. Aquele número R2 igual a zero vírgula não sei o que mostra que a correlação entre dinheiro e voto é muito menor entre os eleitos. Então, na verdade, o que mostra esse gráfico? Mostra que esse padrão se repete para Deputados Estaduais em todo seu conjunto e em cada Estado, bem como para Senadores, que têm quantidade maior de candidatos. Para Governadores é menor, porque há muito menos candidatos a Governador.

Tudo isso mostra que os candidatos lutam entre si na disputa por recursos de campanha, e isso se reflete quase que diretamente no número de votos recebidos. No entanto, a maior parte dos candidatos que participa dessa luta não é eleita. São eleitos os candidatos que receberam mais financiamentos. Estou me referindo aos atuais integrantes desta Casa e não de algo abstrato; estou falando dos atuais Parlamentares. Não faz muita diferença se o candidato eleito recebeu um financiamento de 1 milhão de reais ou de 5 milhões de reais. Não é que não faça diferença, mas faz muito menos diferença do que para os candidatos não eleitos.

Esse ponto, então, pode vir a ser um argumento em favor do financiamento público de campanha. Primeiro, porque o papel do poder econômico no financiamento aparece de modo bastante claro; ou seja, o dinheiro elege. Contra isso existe o argumento, e é sempre necessário mencioná-lo, de que essa relação pode ter um efeito contrário. Isto é, candidatos eleitos atraem mais dinheiro, e não o dinheiro faz o candidato ser mais votado. Candidatos mais votados atraem mais dinheiro.

Esse tipo de debate ocorre sistematicamente na ciência política. Não sei se tem solução, mas a mim me parece claro que aqui, no Brasil, o dinheiro é um grande eleitor.

Aqui, neste gráfico, candidatos à Câmara dos Deputados nas eleições de 2002 e o número de doações individuais abaixo de 20 mil reais. O que acontece? O candidato que recebe doações precisa discriminá-las à Justiça Eleitoral. Esse gráfico mostra o nível de doações. Na linha vertical está o volume. Aqui, são todos os candidatos e a forma como se deu a distribuição para doações abaixo de 20 mil reais.

No próximo gráfico, doações acima de 20 mil reais.

Aqui, os Deputados Federais eleitos. Podemos verificar que a maior parte das doações para candidatos é de pequena monta. Não são doações altas, mesmo para os eleitos. Os eleitos recebem mais porque as doações individuais são mais altas, mas não é verdade que a maior parte dos candidatos tenha predominância de doações elevadas. A grande maioria dos candidatos, sejam eleitos ou não, tem uma distribuição de doações majoritariamente pequena. Há predominância de doações de pequena monta, o que em geral é considerado saudável pelo sistema de financiamento privado. Para o sistema está correto, não é um defeito.

Não nos esqueçamos que a regulação do financiamento privado de campanha eleitoral surgiu para permitir que as massas pudessem contribuir com seus partidos e eleger seus representantes contra o poder econômico. Essa é a origem do financiamento privado de campanha eleitoral. Então, esse tipo de financiamento não tem origem no capitalismo selvagem. Ao contrário, o financiamento privado surgiu para dar mais poder às circunscrições e aos militantes. Podemos verificar essa situação especialmente com os partidos operários europeus antes de 1917. Foi assim que surgiu o financiamento privado em campanhas eleitorais. A verdade é que a história transforma o mundo. No Brasil, no entanto, o padrão de financiamento privado de campanha eleitoral, o que se repete em todos os cargos, é o da predominância de doações de pequena monta. Isso se reflete, insisto, na saúde do sistema.

Não vou estender-me mais sobre esse tema; quero apenas finalizar com uma observação sobre o debate a respeito de financiamento público de campanha eleitoral. Não me parece que seja possível advogar o financiamento público de campanhas e a adoção de listas fechadas. Também não me parece muito defensável, não me parece factível uma defesa do sistema que vivemos atualmente. Essencialmente, o financiamento de campanha, juntamente com o método pelo qual os partidos definem ou definirão suas listas de candidatos, se lista aberta ou não, não são questões de fácil solução pelo tipo de debate que vem ocorrendo atualmente sobre o tema. Existe uma enorme predominância de propaganda pelo financiamento público de campanhas. Porém, o financiamento público de campanha tem problemas graves que precisam ser apresentados aos cidadãos. Por outro lado, esse assunto aparentemente saiu da pauta de prioridades do Governo. Não será votado nunca. Mas apenas suponhamos: se não houver um debate informado e crítico a respeito de ambas as posições, poderemos chegar a uma conclusão tomada na base do achei-que-é-legal, o que, na verdade, nunca leva a um bom resultado. Infelizmente, o financiamento público de campanha tem forças bastante poderosas em termos de audiência na sociedade, mas uma atitude muito pouco crítica e muito pouco propiciadora do debate. Isso precisaria ser feito com muito mais força e ninguém melhor do que esta Casa para exigir e implantar esse tipo de medida.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Cláudio Abramo.

Sem dúvida alguma, a exposição deixa bem claro que lamentavelmente a corrupção eleitoral ainda campeia no País; encontra respaldo no eleitorado, o que é lamentável. Devemos ser responsáveis em relação à sociedade, conscientizá-la da importância do voto por meio do processo educativo.

Por outro lado, o Cláudio também nos remete à importância e necessidade de aprofundamento da discussão nesta Casa, da formação do juízo de valor dos partidos e dos Deputados, que aqui se encontram para uma decisão final. Desse modo, contribui-se para a defesa não só do financiamento público, como também do financiamento privado.

Antes de passar a palavra ao Prof. David Fleischer, convido a Deputada Zelinda Novaes para assumir a Presidência dos trabalhos.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - Dando prosseguimento aos trabalhos, tem a palavra o Sr. David Fleischer.

O SR. DAVID FLEISCHER - Ser o último orador tem algumas vantagens e algumas desvantagens. A desvantagem é que vários assuntos já foram abordados; a vantagem é temos oportunidade de fazer alguma nova abordagem e comentar as abordagens anteriores.

Tenho também um problema, que os senhores podem perceber, que é a minha voz. Peguei um vírus que atacou minha garganta na quinta-feira e ainda não me recuperei dessa aflição. Então, vamos ver até onde minha voz agüenta para conversar com os senhores.

Em primeiro lugar, agradeço a oportunidade de participar deste evento e, ao Conselho, o convite.

Cumprimento os membros da Mesa, as Sras. e Srs. Deputados presentes e as outras pessoas reunidas na platéia, tanto para a reunião de hoje como para a continuação, amanhã.

A conclusão que encontramos nos oradores e nos expositores anteriores foi que, no mundo em geral e principalmente no Brasil, campanha eleitoral é uma coisa muito cara. A cada eleição, os custos para constituir e levar uma campanha eleitoral são cada vez mais caros. Isso é uma regra tanto aqui como na Argentina, na Alemanha, nos Estados Unidos, em qualquer lugar onde se realiza eleição com um eleitorado grande, com uma extensão geográfica muito grande, caso seja uma eleição estadual ou uma eleição nacional.

A classe política, os partidos, os candidatos, cada vez precisam de mais dinheiro e também de apoio material e pessoal, maior quadro de pessoas, mais cabos eleitorais para ajudar na campanha. Então, como o nosso colega Cláudio falou, o dinheiro, os recursos financeiros e materiais movem as campanhas.

Em geral, mas nem sempre, quanto mais dinheiro o candidato tem à disposição, mais votos ele consegue. Quanto mais dinheiro à disposição, maiores chances o candidato tem de se eleger. Em alguns casos, ocorre o contrário, porque temos alguns candidatos, principalmente no Brasil e em outros países, que têm fontes de apoio e de financiamento mais ou menos cativas. Quer dizer, são candidatos que conseguem puxar um grande segmento do eleitorado para apoiá-los, em função das suas idéias e do vínculo do candidato com esse segmento. Às vezes, nesse tipo de campanha de um candidato que já traz um segmento predeterminado a votar nele, os custos eleitorais para esse candidato são menores do que para um candidato que não tem um segmento atrás dele e que é relativamente desconhecido da população.

É por esta razão que as leis eleitorais aprovadas nesta Casa e no Senado fazem uma coação bastante forte sobre um tipo de candidato que é radialista, jornalista ou atua na área de televisão e rádio, na condição de repórter, ator ou dono. Essas pessoas sofrem restrições mais rigorosas do que o cidadão comum para se tornar candidatas.

Se uma repórter como a Fátima Bernardes fosse candidata a Deputada Federal pelo Rio de Janeiro, vamos supor, teria que sair da tela — se não me engano — 5 ou 6 meses antes da eleição, justamente para não usar a sua aparição como puxador de votos.

A classe política, que aprova as leis eleitorais ao longo dos anos, tem certo cuidado para calçar determinado tipo de adversário que poderia fazer um estrago muito grande em termos de votos. O político tradicional morre de medo e de raiva do candidato que ele chama de "o candidato pára-quedista". Um pára-quedista caiu na minha região, vamos supor, carregando algumas malas, porque ninguém viaja sem levar mala.

Alguns tipos de candidatos têm precauções mais fortes para tentar diminuir o seu poder de fogo junto ao eleitorado. Isso demonstra a preocupação que se tem em termos de mais ou menos equilibrar a disputa entre os candidatos.

Temos muitas leis neste País e em outros países para tentar igualar as chances entre os candidatos e diminuir o poder de fogo que alguns podem ter em condições especiais. Se a lei vai pegar, varia de um país para outro.

Em alguns países as leis pegam fortemente e qualquer variação, delito ou infração pode ser punido fortemente. De vez em quando, até um Primeiro Ministro, como na Alemanha, pode cair, porque o sujeito levou o caixa 2 da campanha para um banco em Luxemburgo; além de não deixar o dinheiro num banco alemão, levou-o para Luxemburgo.

Em outros países, a possibilidade ou probabilidade de a lei pegar diminui pelo funcionamento ou desfuncionalidade do sistema legal, jurídico.

Infelizmente, nosso caso no Brasil foi pela desfuncionalidade. Na semana passada, tivemos 2 casos que foram para julgamento no TSE: envolvimento de dinheiro na campanha e origens desse dinheiro.

Num deles, um Senador e um Deputado perderam os mandatos por causa de 26 reais gastos com 2 pessoas, quer dizer, 52 reais foram gastos para comprar os votos, nessa Unidade da Federação,




]





e custou o mandato desses 2 Parlamentares.

No outro caso, a acusação — o Ministério Público — alega que foram gastos 40 milhões de reais, desviados dos cofres públicos para custear a campanha de certo candidato e supostamente usados na compra de votos. Neste caso o TSE decidiu pela absolvição.

A cada eleição, a lei manda que o Tribunal de Contas da União faça uma verificação dos candidatos, do seu CPF, para ver se alguns deles têm as suas contas penduradas ou rejeitadas pelo TCU. E a lei manda, muito corretamente, que esses candidatos tenham suas candidaturas impugnadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Tanto em 1998, como em 2002, o TCU fez como a lei manda: pegou a lista dos candidatos a Presidente, Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, e verificou cada nome.

Em cada instância, em 1998 e 2002, o TCU mandou uma lista de mais ou menos 2.000 nomes que seriam, em princípio, inelegíveis. Devidamente, o TSE impugnou todas essas candidaturas, mas essa punição é diferente da punição estabelecida na lei de 1999, sobre a qual acabamos de conversar e não houve imediato efeito supressivo. Cada uma dessas 2.000 pessoas, sem exceção, conseguiu liminar expedida por um juiz qualquer para manter a sua candidatura. Os que foram eleitos não sofreram um processo continuado para cassar seus mandatos por esse delito de contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União.

Outro problema que temos é que, às vezes, se a lei é violada, ela mesma obriga explicitamente o Poder Público a tomar certa decisão, mas esta decisão não pega.

Em 1994, tivemos o caso de um Senador candidato à reeleição que, por sinal, era Presidente do Senado. O Tribunal Regional Eleitoral do seu Estado descobriu que ele havia distribuído, no próprio Estado, de 500 a 600 mil calendários, que apoiavam sua candidatura, impressos pelo Centro Gráfico do Senado. Quer dizer, ele usou o dinheiro público para imprimir os calendários e os distribuiu. O TRE cancelou sua candidatura, este cancelamento foi mantido pelo TSE e foi enviado um recurso para o Supremo Tribunal Federal, que manteve a cassação da candidatura, porém, não houve tempo para se retirar o nome dele da cédula. Todos devem se lembrar que, em 1994, não tínhamos a urna eletrônica — tínhamos duas cédulas de papel, uma para os cargos executivos e outra para proporcionais. Então não houve tempo hábil para confeccionar uma nova cédula. O eleitorado do seu Estado votou e ele foi devidamente eleito e reconduzido. Aí ficou a dúvida: ele "foi eleito" — entre aspas —, mas sua candidatura já havia sido cassada até pelo Supremo Tribunal Federal. Então, o que fazer?

Numa sessão extraordinária, em janeiro de 1995, a decisão final coube ao Congresso. No primeiro mês do mandato do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Congresso estava reunido e, numa tramitação rapidíssima, expressa, aprovou uma anistia retroativa, para atender esse Senador e alguns outros que apareceram, pois os Tribunais Eleitorais descobriram que também tinham usado o mesmo tipo de recursos públicos na sua eleição. Se o Senador ou Deputado tivesse usado esse mecanismo, bastaria repor o custo do papel e da tinta — não a mão-de-obra e o resto das despesas — para cobrir o gasto e receber uma anistia retroativa.

Nessa situação, em janeiro de 1995, faltou coragem e pulso ao Supremo para declarar essa anistia retroativa inconstitucional. O Judiciário recuou e não desafiou a decisão tomada pelo Congresso Nacional.

Esse caso da anistia retroativa é extremamente excepcional. Às vezes, as leis são bonitas e bem elaboradas tecnicamente, mas na prática, por todas esses defeitos no nosso sistema, a lei não opera.

Falamos um pouco sobre a lei votada no Congresso em agosto de 1999 — no limiar, no decurso de prazo de um ano antes da próxima eleição, em 2000 — para criminalizar a compra do voto ou oferecer alguma vantagem em troca do voto do cidadão em candidato x, y ou z.

Foi mencionado aqui que de fato essa lei partiu de uma iniciativa popular apoiada por mais de 1 milhão de assinaturas colhidas no Brasil inteiro. Porém, nas poucas semanas que restavam, agosto e início setembro de 1999, não houve tempo hábil para se fazer uma perícia e verificar a autenticidade de todas essas assinaturas. Mas um grupo de Deputados encampou ou patrocinou essa proposta de iniciativa popular e a apresentou como projeto de lei. As lideranças partidárias requereram urgência urgentíssima para a medida, que foi aprovada a toque de caixa na Câmara dos Deputados e ainda mais rapidamente no Senado Federal.

Meu ponto é: embora tenha sido uma medida de iniciativa popular frente ao Legislativo, ter tramitado e sido deliberada rapidamente, foi preciso tornar-se um projeto de lei normal para ser aprovada. Muita gente ficou questionando no final de 1999 se em 2000 a lei realmente pegaria.

Todos devem lembrar que a televisão noticiou o caso de um delegado, no interior do Paraná, que indiciou um cidadão que havia publicado num jornal um anúncio e oferecia a venda do seu voto. É claro que o cidadão fez isso de gozação, mas o delegado foi lá, prendeu o sujeito e o indiciou por crime eleitoral. Não indiciou quem queria comprar, mas quem tinha oferecido vender. A televisão deu muito destaque a esse episódio para tentar chamar a atenção sobre o fato de que realmente a lei não tinha pegado ou tinha pegado na base da gozação.

Porém, de 2000 para cá, verificamos fatos relativos aos Prefeitos eleitos em 2000. Especificamente um jornal, nos últimos dias, apresentou uma lista de todos os Prefeitos no Brasil, ou cassados por impeachment pela Câmara Municipal, ou cassados pelo Poder Judiciário, nesses últimos 3 anos e meio. Mais de 90 Deputados sofreram ações, ou na Justiça, ou na Câmara de Vereadores, com base nessa lei. Alguns de fato foram cassados e removidos, outros estão com o seu processo ainda em tramitação e ocupam o cargo por força de liminar, enquanto não termina o julgamento final. O apanhado geral feito por esse jornal mostra que, sim, em alguns casos, essa lei pegou e atingiu alguns desses Prefeitos eleitos em 2000.

Os senhores devem lembrar também que, no início do ano 2000, os jornais e a televisão fizeram muito alarde sobre o FUNDEF, que todos conhecem muito bem. O FUNDEF é um fundo de dinheiro federal aplicado à educação fundamental para tentar elevar o nível de financiamento da educação em âmbito municipal com reforço de recursos federais. Os jornais e a televisão chamaram a atenção para o grande número de Prefeitos já flagrados pelo TCU, pelo Ministério Público, pela Polícia Federal, desviando esse dinheiro, usualmente com faturas falsificadas, e em alguns casos, com interferência do crime organizado para falsificar faturas e recibos. Questionam-se se os 1.500 Prefeitos flagrados e acusados nesse caso do FUNDEF seriam enquadrados e impugnados em suas candidaturas a reeleições.

Se não me falha a memória, de 2000 para cá, levantou-se todo esse alarde, e os jornais e a televisão mostraram todas as faturas e recibos falsificados. Jornalistas visitaram os vários Estados envolvidos, mas tenho impressão de que ninguém foi impugnado a se candidatar à reeleição em 2000.

Novamente, este ano, 2004, os jornais e a televisão também levantaram esse caso sobre o FUNDEF. O atual Governo Federal falou que precisamos fazer algumas modificações de procedimento, para evitar esse tipo de problema.

A Controladoria-Geral da União tem encontrado vários casos, em suas amostragens, de prefeituras que, não apenas com o FUNDEF, mas com outros recursos, têm tido alguns problemas. Novamente questionamos se os poderes públicos — TCU, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário — tomariam alguma medida perante esses casos já levantados pela polícia e pelo Ministério Público para alguma ação em relação aos Prefeitos que se candidatarão à reeleição este ano. A nossa grande dúvida é se a lei vai atingi-los, embora a mídia tenha divulgado muitos casos, tanto este ano quanto há 4 anos.

O Cláudio está lembrando que a Lei de Responsabilidade Fiscal estava entrando em vigor em 2000. Daquele ano para cá, já está fortemente em vigor. Isso impedirá algum Prefeito que violou as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal a se candidatar à reeleição ou se tornar candidato a outro cargo em 2006? Os senhores devem-se lembrar que mais ou menos 40% dos Prefeitos que se candidataram à reeleição em 2000 foram reeleitos. Então, a não ser que haja algum jeitinho, esses Prefeitos não podem se candidatar a um terceiro mandato. O jeitinho ao qual me refiro é que, em alguns Municípios, o Prefeito que já está terminando seu segundo mandato articula mudar seu domicílio eleitoral para um Município vizinho para candidatar-se de novo e se eleger Prefeito novamente. Os jornais e alguns tribunais eleitorais têm encontrado esse artifício, esse jeitinho. São poucos, realmente, que conseguirão esse intento.

Outra questão é a tradicional tutela do voto. O cabo eleitoral ofereceu um dinheirinho ou algum agrado, seja dentadura, óculos, panela de pressão, metade de um par de sapatos, telhas, para compensar o voto do cidadão. É claro que esse tipo de fenômeno obedece àquela descrição que o Cláudio fez no seu relatório sobre renda, escolaridade, periferia, tamanho do Município, etc. Como o cabo eleitoral realmente verificará se o cidadão votou correto para Prefeito do Município?

Antigamente, era mais fácil, quando a cédula eleitoral não era na urna eletrônica. Quando a cédula era de papel, o cabo eleitoral já dava a cédula preenchida e rubricada pelos mesários e entregava o título eleitoral para o cidadão antes de ele entrar no recinto eleitoral. Então, era mais fácil controlar ou tutelar como a pessoa votava.

Com a urna eletrônica, que entrou em vigor nas eleições municipais em 2000, todo mundo achou que não haveria mais tutela, que o voto era totalmente secreto, pois é digitado por número, não havendo mais cédula de papel. Porém, em 2001, um então Ministro do TSE, cujo nome não posso mencionar, disse-me: "David, você acredita que a urna eletrônica impediu qualquer tutela sobre o voto nas eleições do ano passado, em 2000?" Eu falei: "Sim, Ministro. A impressão que todo o mundo tem é essa". Ele falou: "Não, David. Não foi bem assim. Em muitos Municípios pequenos, descobrimos que houve um mecanismo muito criativo. Temos de lembrar que essas coisas exigem muita criatividade por parte dos políticos e seus cabos eleitorais".

Saindo da urna, um cabo eleitoral se encontrou com o eleitor e perguntou: "Fulano, você votou no Dr. Chico para Prefeito?" "Sim, senhor, votei no Dr. Chico". O cabo perguntou: "E a foto do Dr. Chico apareceu na tela?" "Sim, apareceu a foto dele. Eu votei nele sim, senhor". O cabo perguntou: "E na foto do Dr. Chico, você notou alguma coisa diferente, estranha?" O eleitor pensou: "Ah! Sim, ele estava com uma gravata borboleta muito idiota. Isso era a senha que já tinha sido embutida na foto do Dr. Chico" Ou falou: "De fato, eu nunca vi o Dr. Chico sem bigode. Não sei por que na foto ele não tem bigode".

Havia várias senhas em vários Municípios. Quando foi entregue a foto do candidato ao Tribunal Eleitoral, para entrar no disquete da urna eletrônica, já havia sido embutida uma senha. Então, o eleitor um pouco mais atento, que percebeu a senha, ganhou o agrado. O eleitor desatento, mesmo que tenha votado no Dr. Chico, mas que não conseguiu sacar qual era essa senha na foto, não recebeu o agrado.

De acordo com o depoimento desse Ministro do TSE, a tutela nos Municípios pequenos sobre o voto dirigido do eleitor pelos cabos eleitorais não acabou.

Nos Municípios médios e maiores, nas metrópoles, esse tipo de controle é mais difícil. Quando se trata de uma eleição presidencial, para Governador ou Senador, numa circunscrição maior, esse tipo de tutela é quase impossível, mas nos Municípios pequenos é mais fácil fazer esse tipo de controle.

Precisamos esclarecer o eleitor para evitar esse tipo de problema. Quanto mais consciente for o eleitor, quanto maior o seu nível de educação e escolaridade menor será o risco de ocorrer esse tipo de problema.

Por exemplo, na Argentina, no Chile e no Uruguai, nossos vizinhos do Cone Sul, o nível de escolaridade, a porcentagem de gente com mais de 18 anos com curso secundário completo é muito maior do que aqui no Brasil. Quer dizer, o eleitorado nesses três países tem um nível de escolaridade bem maior, infelizmente, do que o eleitorado aqui no Brasil. Naqueles países, a classe política e os governos encontraram meios de investir mais na educação fundamental e secundária.

Temos de fazer um esforço muito grande para aumentar a escolarização e o nível de consciência do eleitor em todas as cidades do Brasil.

Muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - Concluídas as exposições, daremos início ao debate.

A assessoria está aqui ao lado com uma lista para inscrição dos interessados.

Enquanto isso, alguém deseja se manifestar? Cada participante disporá de 3 minutos.

A SRA. LUCIMAR - Sou professora e moro num Município de Goiás a mais ou menos 25 quilômetros de distância da divisa com Goiás, em Valparaíso de Goiás. Sou professora da rede pública do Distrito Federal e do meu Município. Atualmente, sou primeira suplente de Vereadora do Partido dos Trabalhadores.

É interessante pensar na angústia que sofremos ao participar do processo eleitoral há muito tempo e verificar como as leis são aplicadas.

Fui anotando algumas situações que ocorrem na minha cidade. Valparaíso tem em torno de 130 mil habitantes. Amanhã encerra-se o prazo para a inscrição de títulos. Haverá em torno de 45 mil eleitores. Muitas pessoas que lá trabalham moram aqui no Distrito Federal.

Quem de Brasília não ouviu falar do famigerado Entorno de Brasília. Digo famigerado não porque não goste de lá, mas porque aprendi a sofrer. Moro na região há 12 anos, aprendi a gostar do lugar e sofro junto com a população suas mazelas.

Fiz um esquema interessante de se colocar aqui no painel. Como se dá a questão eleitoral? No último processo eleitoral, houve a eleição de Vereadores que nem lá moravam. É o caso da Irmã Helena. Na época, conseguimos fazer uma representação no Ministério Público, que solicitou um inquérito à Policial Federal, mas não foi adiante não sabemos o porquê. Se, na época, houvesse uma parceria maior com a Transparência Brasil e com a Comissão Brasileira Justiça e Paz, talvez chegássemos a algum lugar. Para a moralização daquela cidade, a Irmã Helena deveria ser cassada. Ela foi eleita prometendo lotes no Park Way, um local nobre do Distrito Federal. Para a classe média, ela prometia lotes. A pessoa deveria comprovar que o título era de lá e assinava um livro. Pessoas daqui transferiram o voto para lá. Isso está no inquérito, inclusive com o depoimento de um funcionário da Imprensa Nacional, que foi um dos que pagou uma taxa de 200 ou 300 reais pela inscrição relativa ao lote. Ele percebeu que era uma jogada e acabou concordando em prestar o depoimento. À classe mais pobre, ela dava cestas básicas e botijão de gás. Como ela era evangélica, dizia que uma força divina dava para ela cestas básicas e botijões. Assim, conseguiu muitos votos. E mais: transferiu pessoas de igrejas de Brasília. Quando há eleição para Prefeito lá, aqui em Brasília não há. Então, os políticos desonestos daqui correm para eleger seus candidatos lá. Ela transferiu vários eleitores. Igrejas inteiras foram transferidas para o Município de Valparaíso. A Irmã Helena foi a segunda mais votada em um Município em que não havia sequer morado.

É o único caso que conheço de uma pessoa que não gastou dinheiro na eleição, mas ganhou. Ela é uma funcionária pobre da Fundação Hospitalar. Na época, seu esposo estava desempregado. Hoje ela tem uma mansão na cidade, construída com o dinheiro que recebeu pelas inscrições relativas aos lotes no Park Way. Então, é um caso engraçado e muito triste.

Existe outro caso. Sabemos que um dentista prático não pode atuar, é proibido pela legislação, mas dois Vereadores, um dos quais já está no segundo mandato, devendo ir para o terceiro, ganham votos fazendo tratamento dentário e dentaduras. Um deles é o Carlinhos Dentista. A Ana Maria, que é colega de outro partido da cidade, também sabe dessa história. O outro é o Nilo Dentista, hoje o segundo suplente, que, nas eleições ao GDF de 2002, foi preso. Conseguimos flagrá-lo com muito dinheiro e talões de vale-transporte. Moradores de Valparaíso iam votar no GDF.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - Relembro que cada participante só terá disponibilidade de 3 minutos.

A SRA. LUCIMAR - Então, ele foi preso e teve de pagar fiança. Esse caso está no processo relativo ao Governador Joaquim Roriz.

Há ainda o caso do Dr. Adriano, que não mora na nossa cidade. Ele é médico. Mora na Asa Norte, no Distrito Federal, e é Vereador lá. Ele foi eleito usando a medicina para ganhar votos. O candidato a Prefeito, na época dele, conseguiu eleger pelo menos um Vereador. Enfim, isso tudo nos deixa muito tristes, porque não conseguimos fazer com que as pessoas sejam punidas. Num determinado caso, o Ministério Público foi acionado, mas não deu em nada.

Para encerrar, não seria possível criar algum órgão para fiscalizar esse processo? Não sei qual é a avaliação que se faz hoje da CGU, criada pelo Governo para fiscalizar a aplicação de verbas.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - Seria melhor que as respostas fossem dadas depois das intervenções.

Com a palavra a Deputada Luiza Erundina.

A SRA. DEPUTADA LUIZA ERUNDINA - Saúdo a Mesa, os palestrantes, os Drs. Cláudio Abramo e David Fleischer, os que vieram a este seminário, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e justifico a ausência de Parlamentares a esta reunião.

Estive aqui no início da reunião, mas saí, porque tive de percorrer várias Comissões ao mesmo tempo. Os trabalhos desta Casa concentram-se na tarde da terça-feira e na manhã e tarde da quarta-feira. O trabalho da Câmara dos Deputados limita-se a um dia e meio de votação em plenário e de funcionamento de Comissões Permanentes. É fácil concluir que não se trabalha bem em nenhuma dessas Comissões. Alguma coisa não vai muito bem do ponto de vista ético, na forma como esta Casa funciona, levando em conta ainda a dificuldade que existe para participar de um debate sobre tema tão importante, tão transcendental e premente, uma vez que estamos às vésperas de eleições municipais no País inteiro, que tem mais de 5 mil Municípios. Podemos ter a idéia da complexidade desse processo, com desigualdades regionais e estágios diferenciados de compreensão do eleitor em relação à sua responsabilidade.

Só melhoraremos o sistema eleitoral brasileiro no dia em que reformularmos o sistema político brasileiro. Funcionou no ano passado inteiro a Comissão Especial de Reforma Política, que tentou modificar alguns dispositivos da Lei Eleitoral e da Lei Partidária, corrigindo distorções e criando mecanismos de controle do desempenho do processo eleitoral e da estrutura, organização e funcionamento partidário.

O relatório final desse projeto de lei foi aprovado na Comissão Especial, mas até hoje sofre enorme pressão e resistência de alguns partidos, provavelmente até da maioria deles, que não querem se subordinar a modificações que tirem o componente individual da concorrência pessoal no processo eleitoral. Não aceitam a idéia de listas preordenadas, listas fechadas. Fala-se sobre a ditadura das direções partidárias. Temos ditadores na direção dos partidos, porque não há vida partidária. Não participamos do quotidiano dos partidos, o que faz com que certas direções se perpetuem e, via de regra, não são direções democráticas. Isso sugere que, se não se fizer uma profunda reforma desse sistema, vai ser difícil, porque é preciso qualificar os eleitores e o voto. Sem um processo de conscientização, de educação e de melhoria da qualidade da escolha pelo eleitor, vai ser difícil melhorar a qualidade dos representantes. Trata-se de um círculo vicioso em que, se não for rompido, certamente ainda vamos conviver com essas distorções durante muito tempo.

Outro ponto é a questão da lei que pega e da lei que não pega. Por exemplo, com essa lei, que deveria ser de iniciativa popular, exatamente pela burocracia do processo de apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, terminou se conseguindo um arranjo e alguns Parlamentares assumiram a autoria, tirando o caráter de iniciativa popular, pelo menos na sua tramitação formal na Câmara.

Essa lei foi aprovada, está em vigência, e já tem apresentado alguns resultados como mecanismo de controle e fiscalização do processo eleitoral, mas também apresenta desvantagens ou riscos do uso na disputa mesquinha, pequena, fraudulenta, do jogo político em regiões mais atrasadas, com menos controle da sociedade e da mídia, como é o caso agora do Senador. Aliás, não sei se já falaram sobre ele, João Alberto Capiberibe, Governador por duas vezes do Estado do Amapá, e sua esposa, Janete Capiberibe, Deputada Estadual várias vezes. Esse casal pagou um alto preço pelo compromisso com a democracia. Estiveram exilados por décadas, tiveram seus filhos no exterior. Trata-se de pessoas decentes, de um rigor ético inquestionável. E exatamente eles foram vítimas dessa lei, aplicada de forma distorcida, tendenciosa, fruto de um mesquinho jogo político no Estado do Amapá, pelo PMDB, contra eles, porque os Capiberibes sempre foram figuras que resistiram ao atraso daquele Estado, beneficiando Senadores e o jogo político, mesquinho, injusto, atrasado, do coronelismo.

A Justiça faz, a meu ver, vista grossa para alguns casos. Na mesma semana em que se cassaram 2 mandatos, o do Senador e o da Deputada, absolveu-se um Governador claramente comprometido com desvios éticos no uso da máquina do Estado, no interesse de sua reeleição. Imputou-se ao Senador e à Deputada o desvio de 26 reais por compra de votos — 2 votos, cada um a 26 reais. Não se tem provas de que realmente eles pagaram por esses votos. E ninguém indaga se não foi algum inimigo dos 2 que forjou essa situação, comprou essas pessoas que os denunciaram, o que se transformou em uma enorme injustiça, não só contra os 2, mas contra a democracia, contra a soberania do voto popular daquele Estado.

Essa a indagação que faço aos expositores e ao Plenário: como podemos aplicar leis importantes como essa, controlando o seu mau uso ou os desvios em seu uso por meio de jogos mesquinhos, de uma disputa desigual, sobretudo nesses fundões aonde não chegam a mídia nem o controle social de forma mais eficaz?

Estamos vivendo uma situação de perplexidade, com impacto no mundo inteiro. O Parlamento europeu já se manifestou por meio de parlamentares de vários Partidos. A ex-Primeira Dama da França, Madame Mitterand, manifestou-se dando o seu testemunho do que ela conhece desses 2 Parlamentares e denunciando essa injustiça. Deu-se ao caso desses 2 Parlamentares tratamento diferente do dado a outro caso, em que flagrantemente desrespeitava-se a lei e os princípios éticos no trato da coisa pública.

Gostaria de ouvir os expositores sobre como fazer valer essa lei em toda a sua integralidade e, ao mesmo tempo, como controlar o uso abusivo da lei contra pessoas, contra lideranças políticas e contra o processo democrático em nosso País.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - Antes de passar a palavra ao próximo participante, Anselmo Reis, peço à Deputada Luiza Erundina que assuma a Presidência.

Com a palavra o Sr. Anselmo Reis.

O SR. ANSELMO REIS - Em primeiro lugar, desejo cumprimentar a Deputada, todos os membros da Mesa e os presentes aqui.

Quero reportar-me especificamente ao Dr. Carlos Moura, que faz uma defesa de extrema importância da Lei nº 9.840, de 1999, que introduziu o art. 41-A na Lei nº 9.504, aplicando, porém, penalidades previstas na Lei Complementar nº 64, e também encaminha a tramitação para a Lei Complementar nº 64. É evidente que a lei é de extrema importância e salutar para o País. Como a Deputada Luiza Erundina demonstrou, tem de haver tratamento igualitário.

Mas a preocupação que me acomete é que há vários Tribunais Regionais Eleitorais que entendem que esse artigo introduzido na Lei nº 9.504 é inconstitucional, na medida que dá atribuições previstas na Lei Complementar nº 64.

A minha indagação é: qual a justificativa que os Deputados ou Senadores que apresentaram o novo projeto utilizaram para alterar essa lei? Eventualmente será necessário lei complementar, e quero crer que será, e é possível que essa dúvida seja esclarecida agora pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o recurso do Senador do Amapá. Se realmente a ação foi ajuizada com base na Lei nº 9.504, cujo art. 41 foi introduzido na Lei nº 9.840, essa matéria agora vai ser clareada, porque até hoje o Supremo não se manifestou acerca do art. 41-A da Lei 9.504, se é constitucional ou não. Sei que vários Tribunais Eleitorais entenderam que é inconstitucional.

Por outro lado, há uma confusão muito grande. E aí a Deputada Luiza Erundina, mais uma vez, tem razão ao reclamar da ausência dos Deputados nesta Comissão, porque é nesta Casa que são votadas as leis. E ocorrem disparates como os previstos, por exemplo, na Lei Complementar nº 64, que trata das inelegibilidades e prevê para um Vereador a desincompatibilização, em alguns casos, em 6 meses; para Prefeito ou Governador, 4 meses. E um funcionário público, para se candidatar a Presidente da República, pode se licenciar do seu cargo 3 meses antes. Esses são os absurdos da lei.

Vou fazer, rapidamente, menção à bela conferência do Prof. David Fleischer, que se reportou às impugnações dos registros de candidaturas, à Lei Complementar nº 64. E o legislador previu isso se beneficiando. Quando os Tribunais de Contas dos Estados ou da União comunicarem aos Tribunais Regionais Eleitorais ou ao Tribunal Superior Eleitoral que o Sr. João dos Anzóis teve suas contas rejeitadas — há casos em que o Ministério Público Eleitoral, por iniciativa própria, impugna o registro da candidatura — lá existe um artigo que diz: "salvo se as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, órgão competente, constitucionalmente, estiverem sendo questionadas na Justiça". Ora, mesmo que as contas estejam sendo questionadas na Justiça, ele é candidato, infelizmente.

Num seminário desta natureza, que trata de temas importantes, como a Lei Complementar nº 64, a Lei nº 9.504, a Lei nº 9.840, em que foi introduzido o art. 41-A, os Deputados que votam, pelo menos a maioria do Conselho, deveriam estar presentes. Concordo integralmente com a Deputada Luiza Erundina quando S.Exa repreende os Parlamentares pela ausência, embora saibamos de suas intensas atividades.

Não quero me estender. Só pergunto o que fazer em relação ao projeto que está tramitando na Casa. Se a justificativa é por lei complementar, acho que até a decisão do Supremo Tribunal Federal poderia ser a saída.

São essas as minhas ponderações.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zelinda Novaes) - O próximo participante é o Sr. Veridiano. Mas antes que lhe seja passada a palavra, quero devolver a presidência dos trabalhos ao Deputado Orlando Fantazzini e parabenizar todos os oradores pela excelência dos temas abordados, principalmente nesta oportunidade em que estamos discutindo nesta Casa a reforma política. Este seminário enriquecerá bastante os trabalhos, principalmente os da Comissão que trata da reforma política na Câmara dos Deputados.

Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Veridiano.

O SR. VERIDIANO - Sr. Presidente, boa-tarde. Cumprimento todos os presentes.

Sou secretário da Deputada Maninha e faço parte da Associação Comunitária da Expansão do Setor O.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Sr. Veridiano, peço a V.Sa. que aguarde alguns minutos, porque um dos palestrantes está com problema relativo ao horário do vôo e por isso terá de se retirar. Antes, porém, ele gostaria de registrar uma saudação final.

O SR. CLÁUDIO ABRAMO - Sr. Presidente, quero só me despedir e agradecer mais uma vez o convite para participar deste seminário.

E repito minha reivindicação no sentido de que os temas que discutimos aqui, incluindo a última intervenção, que achei muito interessante, a respeito da necessidade de se verificar qual a real aplicabilidade de leis que podem ser, na aparência, moralizadoras, ou podem trazer algum mecanismo de melhor regulamentação da atividade, mas, por carregarem contradições com outros dispositivos legais, podem tornar o objetivo inatingível, sejam objeto de debate. Não se resolve os impasses sem debater de maneira inteligente o assunto.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Sr. Cláudio Abramo, o Conselho de Ética e a Câmara dos Deputados agradecem a V.Sa a presença.

Passo a palavra ao Sr. Veridiano e peço-lhe desculpas pela interrupção.

O SR. VERIDIANO - Sr. Presidente, para tratar da ética na política e da democracia, temos de fazer uma avaliação sobre o País. Na verdade, a democracia no Brasil é muito recente. Vivemos 20 anos de ditadura militar, o que fez com que o povo não participasse das decisões. A correlação de força é desigual.

Se há 500 anos tem uma elite que governa este País, não será de uma hora para outra que vai se instalar uma verdadeira democracia. O Congresso representa a sociedade brasileira, assim como o Judiciário também. Quando falamos em democracia, temos de entender que se trata de um processo em construção, porque os mecanismos são criados para que a mesma elite se perpetue no poder. Claro que as barreiras vão sendo quebradas com a prática da democracia e com a participação do povo.

Nessa última eleição, um representante das classes populares chegou ao Governo e não ao poder, assim mesmo fazendo alianças com vários setores conservadores. Isso não se muda de uma hora para outra. Tem de ser construído. As aberrações acontecem. Já ouvi falar que acontecem apenas nas cidades do interior, o que não é verdade. Aberrações acontecem muito nas grandes Capitais, no Rio de Janeiro, em São Paulo. No Distrito Federal — e o Prof. David tratou do voto eletrônico —, as pessoas fazem coações. Vão de casa em casa para dizer que vão distribuir lotes, isso e aquilo. Eles anotam o número do título de eleitoral, a seção, a zona eleitoral e fazem ameaças: "Se você não votar em mim, eu vou descobrir" ou "se você não votar em mim, vou cortar isso ou aquilo". As pessoas são ameaçadas e, se não tem muita informação, acabam cedendo, com medo da pressão. Por exemplo, quantos caminhões que estavam distribuindo abóbora não foram presos aqui no Distrito Federal?

Outro ponto importante refere-se aos candidatos acusados de corrupção. Muitos deles, às vezes, eram desconhecidos na cidade, mas tiveram um espaço muito grande na mídia e acabaram sendo eleitos. O candidato foi preso, depois foi solto como herói, e a mídia acabou dando espaço para a sua eleição.

Outra mentira. Hoje eu estava vendo um livro lá na Câmara Legislativa sobre os gastos dos candidatos eleitos. Vemos candidato rico da cidade dizer que gastou 14, 20 mil reais em sua campanha, quando sabemos, pelo tamanho da campanha, que ele gastou milhões e milhões de reais. Mas em sua declaração consta que ele não gastou quase nada.

Outro questão é a da televisão. O professor disse que a lei é rígida contra as pessoas que são apresentadoras ou donas de televisão. Mas existe um candidato ou pessoa que passa 4 anos usando o seu canal de TV. Todos os dias ele aparece na televisão. Depois, 6 meses antes da eleição, ele desaparece. Isso é justo? Acho que não.

Acho que a igualdade na eleição não existe. E não vejo como melhorar isso a curto prazo. Vai demorar muito a se encontrar solução para o problema. Vai depender muito da participação do povo, da conscientização da sociedade, de toda essa mudança. A questão da influencia está no Congresso e no Judiciário. Quem são os representantes? Quem são os juízes? Quem são os representantes dos juizes? Quem indicou esses juizes para julgar determinada causa? Essa mudança vai depender muito da prática da democracia.

Espero que a democracia no Brasil continue por mais 100, 300, 500 anos. Aí, sim, um dia o nosso povo vai conseguir votar sem coação.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Carlos Hauly) - Agradecemos ao Sr. Veridiano a intervenção.

Por mais 3 minutos, concedo a palavra ao Sr. Gerardo.

O SR. GERARDO - Sr. Presidente, cumprimento a Mesa e os demais companheiros e companheiras que aqui se encontram.

Sobre alguns pontos, questionarei o Dr. Carlos Moura. A minha preocupação é com 2 projetos que tramitam nesta Casa e no Senado da República, projetos esses que mudam a Lei nº 9.840. O companheiro que me antecedeu fez uma rápida referência a essa lei, que altera o dispositivo da Lei nº 9.504 e da Lei nº 4.737. No art. 41-A, ela é rígida com relação ao candidato. A preocupação, neste sentido, é que, parece que a coisa é mais direcionada ao candidato, quando ele doa, oferece, promete, entrega ao eleitor, com fim de obter voto, bem como vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego, função, etc. Se for o cabo eleitoral, parece que a pena não se aplica ao Deputado ou ao Vereador.

Gostaria de entender bem essa questão. Parece-me que ela é direcionada ao candidato; se o candidato não for pego fazendo isso, ele está dispensado, mas o cabo eleitoral pode fazer à vontade, prometer em nome dele e não será punido. Parece-me que essa lei é dura numa questão e frágil noutra.

Dr. Carlos Moura, essa lei com a qual V.Sa. está preocupado — Aliás, V.Sa. chama a sociedade para criar os comitês — modifica o quê? O que ela diz? Não entendi bem o que ela diz sobre essa modificação. Ela é completa?

O Dr. Cláudio Abramo mostrou grande preocupação com uma pesquisa que mostra que o eleitor de 16 anos e o cidadão que está cursando o 1º e o 2º graus colocam à venda o seu voto. Quero fazer um questionamento a esse respeito. Parte da sociedade reclama do voto aos 16 anos. E ficou bem nítido e claro na pesquisa que a venda do voto aos 16 anos é muito bem acentuada. Minha preocupação é nesse sentido e por isso gostaria que a Mesa fizesse uma exposição sobre esse assunto.

Fiquei preocupado, também, Prof. David, quando V.Sa. expôs a questão da candidatura de Prefeitos. Por exemplo, um Prefeito que municipalizou parte do seu Município, criou um novo Município. Esse cidadão, eleito pela segunda vez, transfere o título para o Município que foi criado e, na próxima eleição, se candidata naquele Município. Pergunto: a lei garante a esse Prefeito a possibilidade de ser candidato no Município recém-criado, sem nenhum problema? Porque ele teve um trabalho enorme durante seu mandato. Aquilo era apenas um bairro ou uma cidade ligada àquele Município e ele transformou em Município. Esse cidadão transfere seu título e vai ser candidato normalmente. A lei assegura isso a esse cidadão?

Eram essas as perguntas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Carlos Hauly) - Agradecemos ao Sr. Gerardo.

Vamos ouvir, também, o Sr. Rubens Canizares, Vereador de Londrina.

O SR. RUBENS CANIZARES - Boa-tarde a todos, Deputado Luiz Carlos Hauly, de Londrina, PSDB do Paraná, demais membros da Mesa, senhores presentes, vim a este seminário sobre ética na política e nas eleições, juntamente com mais 2 Vereadores de Londrina que estão aqui presentes, mas confesso que fico um pouco surpreso com o fato de ter tão pouca gente participando da discussão sobre tema tão importante para a vida política da nossa sociedade. É sinônimo do despreparo da nossa classe, como políticos e representantes da comunidade, não darmos a devida atenção e a devida importância a um tema como este.

Está de parabéns a Câmara dos Deputados e a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados por preparar este seminário. A estrutura desse evento é grande, com divulgação em âmbito nacional. Fico triste e envergonhado com a classe política por não estar aqui presente, por não haver gente sentada no corredor desse auditório, que não é tão grande assim, debatendo esse assunto. Seria muito melhor se tivéssemos aqui não 20, 30, mas 60 pessoas.

E quando falamos de ética, Deputado Luiz Carlos Hauly e membros da Mesa, temos que — no Legislativo normalmente vamos atrás, funciona mais como tapa-buracos, fazemos mais função de bombeiro indo atrás dos problemas da comunidade do que tendo uma ação pró-ativa — parar e pensar um pouco mais à frente. As leis que vi aqui hoje, algumas defendidas com muito empenho, com muito ardor, sobre a questão da reforma política do Brasil, para mim são tapa-buracos da legislação. Se hoje temos problemas de caixa dois... E aqui não vamos ser hipócritas de achar que todo mundo declara tudo que gasta, como a gasolina do seu carro para fazer uma simples visita, numa campanha política, até porque é humanamente impossível você conseguir contabilizar tudo que se gasta em uma campanha política. Vamos ter um financiamento público em que o Governo vai despender recurso para a campanha, e quem tiver acesso vai continuar tendo acesso ao dinheiro, vai continuar tendo caixa dois e comprando voto.

Outra questão. Se você tiver indicação por partidos, em vez de você fazer... E estou falando dos políticos sem-vergonha, da podridão da política, precisamos deixar claro isso. Precisamos parar de legislar para as minorias de sem-vergonhas e safados e começar a legislar para a maioria de gente séria, de gente que quer fazer um trabalho decente e, acima de tudo, com ética.

Com o financiamento público de campanha, no meu modesto entendimento, teremos caixa dois da mesma forma, porque continuarão as mesmas formas de controle, que hoje são falhas e por culpa nossa também. Em vez de comprarmos votos, teremos de comprar diretório de partido para estar em primeiro, segundo ou terceiro lugar na lista.

Devemos parar para pensar nisso. Não estou dizendo que sou contra ou favorável, mas que devemos discutir e não ser hipócritas, achar que resolveremos o problema ético das eleições com apenas uma lei. Temos legislação e é a coisa mais linda do mundo. Em Londrina, temos legislação que tornaria o Município o melhor do mundo, e não é isso que a gente vê. No Município de cada um aqui, garanto que há legislação muito mais do que é cobrada, muito mais do que é feito.

O que devemos fazer é encarar a ética enquanto educação, encarar a ética e investir desde criança, ensinar para que o cidadão tenha consciência política decente. Não podemos ficar com tapa-buraco, com remendo em legislação, conserta um, entra como emenda modificativa, manda para o Senado, volta para a Câmara, vem para um lado, vem para outro. Isso eu falo, também, fazendo críticas a nossa atuação como Vereadores, porque muitas vezes legislamos dessa forma. Devemos ter noção de que, para ser político hoje, Deputado Hauly, não é preciso fazer nada, qualquer engraçadinho pode ser candidato a Vereador, a Prefeito, basta não ter protesto. Se você tem as certidões que a legislação exige, você pode ser candidato a alguma coisa. Há a questão da idade. Antes de uma idade você não pode ser candidato a Senador ou a Presidente da República — não me recordo agora —, mas você pode ser sem ter nenhum tipo de aptidão. Devemos criar algum curso preparatório para que possamos já ceifar maus políticos, como fazemos, por exemplo, na minha empresa de construção civil. Eu só contrato pedreiros que tenham curso no SENAC, ou experiência comprovada em carteira, ou que demonstrem capacidade para fazer um bom serviço. Em política também deve ser assim. Não podemos continuar aceitando o que já vimos aqui diversas vezes. O indivíduo não serve para nada, ou é bandido profissional que compra votos e entra na política, ficando durante muito tempo com mandato. Creio que não precisamos citar nomes. Então, essa é uma questão de ética. Está de parabéns a Câmara dos Deputados por promover esse seminário. Devemos pensar mais na educação de base e na ética dos nossos filhos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Carlos Hauly) - Agradecemos ao Sr. Rubens Canizares, Vereador de Londrina, e também aos outros dois Vereadores.

Os nossos conferencistas estão limitados pelo horário. Acredito que o tema é muito abrangente e de grande interesse da sociedade. Este seminário está sendo transmitido para todo o Brasil, por intermédio de meios de comunicação, como a TV Câmara, a Rádio Câmara e o Jornal da Câmara, que darão o máximo de divulgação ao mesmo. A oportunidade é ímpar para demonstrarmos nossa preocupação com a transparência e a ética.

Eu mesmo apresentei projeto que cria a prestação de conta por meio eletrônico, apresentei o projeto eleitoral, fui autor de projeto de lei que obriga os Municípios, os Estados e a União a publicarem suas contas na Internet. Infelizmente, essa medida ainda não vingou em todo o Brasil, mas estou atrás, cobro e luto para que todos os Municípios e entes federados cumpram a lei. O nome da página é www.contaspúblicas.gov.br.

Estou também estou acabando de elaborar uma lei de responsabilidade eleitoral: o candidato prometeu, não cumpriu, perde o mandato. Este é o teor do projeto que está sendo elaborado há alguns meses. Ele está dando um pouco de trabalho. Vimos legislação internacional com o mesmo propósito. Junto à minha assessoria, estamos elaborando o projeto de lei. Já temos legislação que determina a cassação do candidato por compra de voto. Já é uma lei conhecida. Tem de ser aplicada. No Brasil, há um problema grave, a ineficácia do poder legal. Temos até muitas leis, o que falta é cumpri-las.

Para finalizar, passo a palavra ao palestrante Carlos Moura, Secretário- Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

O SR. CARLOS MOURA - Obrigado, Deputado Hauly. Quero propor uma reflexão porque acredito nos 3 Poderes, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Se este plenário estivesse cheio de Deputados seria ótimo. No entanto, tenho dúvidas de que se assim fosse os senhores teriam oportunidade de fazer perguntas e contestações, que são de muita profundidade e riqueza. As atividades desta Casa estariam sendo cumpridas, não discuto, mas não sei se com celeridade.

GGGostaria também que refletíssemos sobre qual seria a nossa reação quando — não se trata de xenofobia, é uma questão de Direito Internacional — não-brasileiros com responsabilidade política em seus países, inclusive responsabilidade institucional, questionam decisão do nosso Poder Judiciário. Não sei qual seria a reação do Poder Judiciário de outros países se um brasileiro contestasse suas decisões.

Levantou-se questão sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 9.840. Eu deveria ter trazido um acórdão do Tribunal Superior Eleitoral reconhecendo a constitucionalidade dessa lei. Todos sabemos que só se levantam questões constitucionais após a decisão de um tribunal superior, e o Tribunal Superior Eleitoral já reconheceu a constitucionalidade da referida lei.

Foi solicitada uma explicação sobre o que é a Lei nº 9.840. A resposta é que ela introduz modificação, por meio do art. 41-A, da Lei das Eleições; na Lei nº 9.504, de 1997, e na Lei nº 4.737, de 1965, que é o Código Eleitoral.

O art. 1º diz: "A Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:

Art.41-A - Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato — levantou-se a questão: candidato ou cabo eleitoral? É candidato aquele que se propõe a ser sufragado pelas urnas, e evidentemente após a sua candidatura ter sido registrada — doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990."

O texto da lei é muito claro. Se há dificuldade na aplicação da lei, creio que temos de ir ao Poder Judiciário para testá-la. Inclusive, a lei está sendo testada. Argumentou-se que poderia haver abuso de poder, mas tudo isso é passível de ser corrigido. Está aí o art. 121 do Código Penal: "Matar é crime". Ocorrem erros judiciários e nem por isso tentaremos reformar ou desconstituir esse artigo.

No que diz respeito à preocupação trazida pela companheira de Valparaíso sobre a possibilidade de haver um órgão controlador, quero dizer que já há. É o Ministério Público. Ela trouxe provas da ação da sociedade civil representada por ela e por seus companheiros. Eles foram ao Ministério Público e fizeram a proposta. Agora, quanto ao julgamento, condenação ou apenação daquele que infringiu a lei, isso é outra coisa.

Continuo com a certeza de que a Lei nº 9.840 é de fundamental importância para o aprimoramento do processo eleitoral brasileiro. Agradeço à Câmara dos Deputados e ao Conselho de Ética a oportunidade de realizarmos esse diálogo.

É uma grande alegria poder participar dos trabalhos com o querido Sr. David Fleischer, que tenho o prazer de reencontrar depois de tanto tempo.

Há muitas mazelas neste País. Uma delas é visível quando olhamos para o plenário: há aqui somente 3 pessoas negras, o que mostra que neste País os negros são discriminados.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Carlos Hauly) - Agradecemos, em nome da Câmara dos Deputados, ao Secretário-Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, Carlos Moura, a participação.

Passo a palavra ao Professor de Ciência Política da UnB e Presidente da ONG Transparência, Consciência e Cidadania, David Fleischer.

O SR. DAVID FLEISCHER - Vou falar rapidamente sobre 4 pontos e encerrar minha exposição.

Em primeiro lugar, quero me referir ao fato de um Prefeito não poder se reeleger no seu Município e poder transferir seu domicílio eleitoral para outro Município ou Distrito que ele tenha ajudado a emancipar. Ele tem de cumprir o prazo de transferência do seu domicílio eleitoral e todas as exigências da lei para poder ser candidato pelo outro Município.

Parece que já há uma decisão dos tribunais eleitorais nesse sentido, porque é comum no Brasil alguém de determinado Estado transferir-se para outro para candidatar-se a algum cargo eletivo, Governador, Senador, Deputado. De vez em quando os Tribunais Eleitorais vetam, mas usualmente permitem. Leonel Brizola, em 1962, transferiu-se do Rio Grande do Sul para a Guanabara e foi eleito Deputado Federal. Em 1958, o Governador Jânio Quadros transferiu seu título para o Paraná e se elegeu Deputado Federal por aquele Estado. Ou seja, há uma longa lista de casos como esses.

Também transferir eleitores de um Município para outro, com fins eleitorais, é muito comum no Brasil. Em Brasília, desde a época dos governos militares, sabemos da transferência de eleitores para cidades do entorno, em Minas Gerais e em Goiás também, para reforçar determinados candidatos a Prefeito. Acontece também em outros Estados.

Lembro-me — não sei se foi em 1996 ou 2000 — que no dia das eleições a Polícia Rodoviária, por ordem do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, parou vários ônibus fretados que levavam eleitores que moravam em BH para votar em Municípios do interior. As movimentações haviam sido detectadas porque os tribunais regionais têm rotinas em seus computadores para detectar grandes movimentações de eleitores de um Município para outro. Quando a movimentação é muito grande, o tribunal manda investigar ou convoca a polícia para ver o que está acontecendo.

Em terceiro lugar, quero me referir ao papel do Supremo Tribunal Federal. Enquanto não houver reforma do Judiciário, o Supremo pode tomar qualquer decisão, porque, no dia seguinte, algum juiz do interior pode emitir uma decisão ou liminar contrária à decisão que o Supremo tomou. Enquanto não houver o instituto da súmula vinculante, ou qualquer medida que vincule ao Presidente o que o STJ ou o STF decidiram, mesmo questão de inconstitucionalidade, o juiz de primeira instância pode interpretar de modo diferente.

Finalmente, quanto à lista fechada, predeterminada e preordenada, assunto bastante debatido hoje, ela é usada em quase todos os países do mundo que praticam a representação proporcional. A única exceção, além do Brasil, é a Finlândia, que usa o sistema de lista aberta.

Uma das vantagens da lista fechada na Argentina é que nessa lista aplica-se uma cota para candidatas mulheres. Na Argentina, a mulher tem de constar pelo menos no 3º, 5º e 7º lugares na lista fechada. De uma eleição para outra a porcentagem de mulheres na Câmara dos Deputados pulou de 7%, que é mais ou menos a porcentagem nesta Casa, para 23% da representação.

Esse é um dos artigos que poderia ser incluído, caso seja adotada a lista fechada no Brasil, se houver pressão suficiente para emplacar esse tipo de cota preferencial de ordem para candidatas mulheres. A Argentina implantou essa medida, se não me engano, em 1991 ou 1993.

Agradeço a oportunidade de conversar com os senhores sobre a ética na eleição municipal e também sobre a proposta de reforma política. Agradeço, em nome do Sr. Coordenador Deputado Luiz Carlos Hauly, à Câmara dos Deputados. Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Carlos Hauly) - A Câmara dos Deputados é quem agradece ao Prof. David Fleischer a disposição de se apresentar neste seminário.

Amanhã, dia 5, às 9 horas, teremos o 2º Painel: A reforma política sob a égide da ética pública. O coordenador será o Deputado Chico Alencar. Participarão também o Deputado Ronaldo Caiado, Relator da Comissão Especial da Reforma Política; o Senador Jefferson Péres e o Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Bruno Reis.

O nosso coordenador não se encontra presente no momento, mas creio que podemos encerrar este evento, que atendeu às expectativas do Seminário Nacional sobre a Ética nas Eleições Municipais.

Declaro encerrada a presente reunião. (Palmas.)