09 de dezembro de 2003
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR
EVENTO: Encontro
DATA: 09/12/03 - INÍCIO: 10h09min - TÉRMINO: 12h34min
DEPOENTE/CONVIDADO — QUALIFICAÇÃO
JOÃO PAULO CUNHA - Presidente da Câmara dos Deputados
PATRUS ANANIAS - Deputado Federal
LUCIANO ZICA - Ouvidor-Geral da Câmara dos Deputados
SUMÁRIO: Sessão solene de abertura do I Encontro sobre Ética e Decoro Parlamentar. Ética na gestão pública. Papel da Ouvidoria Parlamentar na solidificação do modelo brasileiro de representação política.
OBSERVAÇÕES: Há intervenção inaudível.
O SR. APRESENTADOR - Senhoras e senhores, iniciamos, neste momento, a cerimônia de abertura do I Encontro Nacional sobre Ética e Decoro Parlamentar, iniciativa do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
Convidamos para compor a Mesa de Honra o Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados; e o Exmo. Sr. Deputado Patrus Ananias.
Senhoras e senhores, o objetivo deste Encontro é promover o intercâmbio de experiências e o incentivo à criação de código de ética nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Pretende-se apresentar propostas de mudanças que levem a uma eficácia e aplicabilidade de regras de conduta ética indecorosa.
Neste momento, passo a palavra ao Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Sr. Deputado Orlando Fantazzini, responsável pela estruturação deste seminário e guardião das questões éticas da Câmara dos Deputados; Sr. Deputado Patrus Ananias, companheiro de partido que tem efetivamente, ao longo da sua vida, demonstrado fidelidade e compromisso com o critério de ação política que é a ética; Sr. Deputado Chico Alencar, senhoras e senhores, este seminário terá pouquíssima repercussão na imprensa, porque ele é propositivo, anda na frente dos acontecimentos. Ou seja, discute as questões éticas e de decoro para o exercício parlamentar federal, estadual e municipal, visando constituir para aqueles que exercem mandados e para a sociedade brasileira padrão ético de conduta pública.
Se esta fosse uma reunião para averiguar qualquer suspeita ou denúncia ou se fosse exercício de pirotecnia, certamente teria cobertura e destaque maiores. Por isso, precisamos aprofundar este debate na nossa sociedade em particular.
Como exigência da política contemporânea, a ética passou a ser imperativo para a vida pública e tem de ser dada ao conhecimento da sociedade brasileira, para que o conjunto da população considere esse critério — que ainda não é universal, mas precisa ser — no exercício do voto. Precisa ser universal a fim de que todos, ao fazerem a opção política por determinado candidato, tenham a ética como o princípio mais relevante a ser levado em conta. Se isso for concretizado — e para isso trabalhamos —, a ética na ação do Parlamentar se tornará absolutamente secundária, porque vigorará desde a origem do processo. Ou seja, quando alguém votar em um candidato e adotar para tal o critério da ética, automaticamente, no exercício do mandato, essa análise estará dispensada, porque embutida na sua opção de voto. Por isso é que se trata de questão importante. Precisamos fazer com que esse critério se alastre pelo País afora e todas as camadas da sociedade possam efetivamente incorporá-lo como algo imperativo no ato de escolha e no acompanhamento do mandato do seu representante
É inegável, nos últimos anos, a melhoria da ação política no Brasil. E melhorou porque a combinação de imprensa independente, boa cobertura e a atuação de um grupo de Parlamentares fizeram com que vários problemas na ação parlamentar adquirissem destaque e relevo. A própria sociedade começou a exigir que os parlamentos cortassem na própria carne, fazendo com que a ética e o decoro passassem a prevalecer no exercício do mandato. Tanto é que, após a ditadura, em particular do começo dos anos 90 para cá, este passou a ser assunto importante e permanentemente discutido no nosso País — nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Há inúmeros casos de Parlamentares que, fortemente investigados, ou renunciaram ao mandato, porque era inevitável o processo, ou aguardaram que os próprios colegas tomassem a decisão de retirá-los da vida pública através da cassação dos seus mandatos, como aconteceu na CPI do Orçamento.
Este ano, por exemplo, houve o caso do Deputado Pinheiro Landim. A Comissão investigatória — o Deputado Patrus Ananias fez parte dela — não teve dúvida alguma do seu envolvimento em atos irregulares, o que comprometia o decoro parlamentar. Essas conclusões impuseram ao Parlamentar a renúncia, o que ocorreu no início desta Legislatura, mostrando que quando há substância na denúncia certamente há conseqüência — e isso é bom para a vida pública.
Estamos incluindo neste debate em outras questões. O Poder Legislativo, de forma geral, é o mais transparente e o mais fácil de ser fiscalizado. Primeiro, pelo seu tamanho; segundo, pela quantidade de pessoas que diariamente acompanham seus trabalhos. Não tenho receio algum de afirmar — repito — que é o Poder mais transparente da República. E também é o Poder mais fácil de ser criticado e de nele se jogarem pedras, porque como a crítica é mais ou menos difusa, sem objetivo, é mais fácil fazê-la.
Na Câmara dos Deputados temos tomado várias decisões importantes. Nenhum outro Poder tem seus contratos na Internet, para que todos possam acompanhá-los. De nenhum outro Poder a sociedade sabe fazer a conta dos salários dos seus titulares, mas todo mundo sabe o salário dos Deputados. Aliás, no Brasil, na época da ditadura e mesmo no começo da redemocratização, pouquíssimas pessoas sabiam o salário de um Parlamentar. Hoje, é absolutamente de conhecimento público.
Estamos adotando diversas outras medidas, e aos poucos vamos tornando os atos do Legislativo em atos cada vez mais claros, cada vez mais transparentes, para que a sociedade possa de fato acompanhá-los.
Precisamos, porém, tomar cuidados, porque, na ânsia de querer fazer, muitas vezes podemos cometer injustiças.
Para processar qualquer denúncia há de ter fundamento. Não se pode instaurar processo a partir do recebimento de um simples e-mail com denúncia. Senão, esta Casa viraria um tribunal e não se garantiriam condições para a correta defesa. Não se pode, a partir de meros indícios, transformar esta numa casa de perseguição. As denúncias têm de apresentar um mínimo de substância, prova, base, para que possam ter seguimento e a Casa tomar as decisões.
Na realidade, este Encontro dá força e conseqüência à idéia, que não é minha mas de grande parte da Câmara dos Deputados, de fazer com que estejamos absolutamente sintonizados com a sociedade brasileira. O que se deseja é um Parlamento que esteja próximo da população e, ao mesmo tempo, aja com seriedade, honestidade e transparência e que a questão ética, espinha dorsal da sua atuação, faça parte decisão do cidadão ao votar, em que ele separa o joio do trigo, e do exercício do mandato. Portanto, temos de analisar com eqüidade os processos com que nos deparamos. E este Encontro vem contribuir para isso.
Parabenizo o Conselho de Ética e os Deputados que ajudaram na realização do evento.
Desejo que o Encontro ofereça sugestões que possibilitem ao Parlamento caminhar cada vez mais de acordo com os anseios da sociedade brasileira.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR - Senhoras e senhores, anunciamos neste momento a saída deste recinto do Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha.
Dando prosseguimento, passamos a palavra ao Deputado Orlando Fantazzini.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Em nome do Conselho de Ética, dou boas-vindas aos participantes do I Encontro Nacional de Ética e Decoro Parlamentar.
Agradeço ao Presidente desta Casa, Deputado João Paulo Cunha, o empenho, estímulo e incentivo para a realização deste evento; aos membros do Conselho de Ética, que de forma unânime aprovaram a propositura, e aos expositores que, com seus conhecimentos, vão colaborar, com debates, para a busca do aprimoramento da questão ética e do decoro no Parlamento nacional.
Muito jovem, com pouco mais de 2 anos, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa surgiu em face da propositura do então Deputado Waldir Pires, hoje Corregedor-Geral da União. Depois de grande lapso de discussões nesta Casa, a proposição obteve aprovação, não nos termos propostos e, talvez, como a sociedade brasileira esperava. Entretanto, esse dispositivo em vigor representa grande avanço.
Temos a convicção de que não se esgotam numa única legislação os conceitos sobre ética e decoro parlamentar. Portanto, temos a incumbência de, cotidianamente, promover debates e discussões visando ao aperfeiçoamento, e estarmos cada vez mais próximos às questões da ética e do decoro, um requisito fundamental e uma exigência da sociedade.
Nesses pouco mais de 2 anos, tivemos apenas um caso que tramitou pelo Conselho de Ética, o do ex-Deputado José Aleksandro, que, após sua conclusão, teve um recurso que não pôde ser apreciado, uma vez que S.Exa. não foi reeleito.
Como bem disse o Deputado João Paulo Cunha, muitas são as denúncias que aparecem nos meios de comunicação. Entretanto, muitas vezes tais denúncias também não chegam com a fundamentação necessária para que motivem a abertura de procedimento para apreciar a ética e o decoro parlamentar.
Temos a convicção de que o conjunto da sociedade e o Parlamento buscam, cada vez, se aproximar mais dos requisitos essenciais, para que possamos fazer com que prevaleça a vontade da sociedade.
O que pretendemos fazer aqui hoje é um debate, um estímulo ao conjunto das Assembléias Legislativas, das Câmaras Municipais, uma vez que temos a informação de que apenas 7 Assembléias Legislativas contam com um conselho ou um instrumento similar para aferir a ética e o decoro parlamentar e 61 Câmaras Municipais também dispõem de algum instrumento dessa natureza.
Portanto, é fundamental o aprofundamento desse debate, embora a transparência mencionada pelo Deputado João Paulo Cunha entre nós seja um fato. Mas, ainda assim, o Poder Legislativo é um dos Poderes menos queridos pela população. Há a visão de que as Câmaras Municipais, as Assembléias e o Parlamento brasileiro são casas que procuram, de todas as formas, acobertar ou fazer com que prevaleça a impunidade de seus membros. Isso não é verdade. Como bem disse o Deputado João Paulo Cunha, há numerosos casos em que Deputados Federais, Deputados Estaduais, Vereadores perderam o mandato, quando não renunciaram em face do julgamento que os condenariam.
Na perspectiva de aprofundamento dos debates, queremos obviamente fazer provocações sobre a necessidade de maior aproximação com a sociedade. Dessa forma, por que não pensarmos em possibilitar a participação da sociedade civil nos conselhos, ou, quando não, sejam eles um instrumento de aferição da ética e do decoro de todo o Poder Público? Se nos furtamos a esse debate, cada vez mais vamos nos distanciar da vontade e das necessidades de uma sociedade plenamente democrática.
Portanto, deixo aqui votos de boas-vindas aos participantes deste I Encontro. Esperamos que os debates sejam frutuosos e proporcionem bons subsídios para o aprimoramento dos códigos de conduta e para o fortalecimento da relação entre Parlamento e sociedade brasileira.
Declaramos aberto o I Encontro sobre Ética e Decoro Parlamentar.
Convidamos o Deputado Patrus Ananias, primeiro expositor, a usar a palavra.
A alteração do programa se deve ao fato de muitos que haviam confirmado a presença, por problemas de força maior, não puderam fazê-lo. Temos, porém, a convicção de que, com a presença dos senhores e dos nossos expositores, este será um dia muito profícuo para o debate das questões relacionadas à ética e ao decoro parlamentar.
Com a palavra o Deputado Patrus Ananias.
O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS - Bom-dia a todos. Inicialmente, saúdo o Deputado Orlando Fantazzini, Presidente do Conselho de Ética e desta reunião, e os Deputados Chico Alencar e João Alfredo.
A proposta do Deputado Orlando Fantazzini é para falarmos um pouco sobre ética na gestão pública. Vou fazer um breve comentário sobre o sentido da palavra "ética".
Falamos muito em ética na política, nos negócios, nas relações familiares e no trabalho, mas nem sempre temos clareza do significado, inclusive histórico e etimológico, da palavra.
Como muitos aqui sabem, não estou dizendo nenhuma novidade, apenas colocando um certo patamar para nossa reflexão compartilhada. A palavra ética vem do grego ethos, que originariamente significava o covil, o esconderijo, a morada dos animais, aquele local onde eles se protegem para procriar ou para se preservar das intempéries da natureza. Depois, por transposição metafórica, a palavra ethos tornou-se a morada cultural do ser humano. Então, ethos passou a ser ligado aos comportamentos, aos costumes, aos procedimentos das pessoas. Como não existe nenhuma pessoa isolada, sempre vivemos em comunidade, temos comportamentos e costumes comunitários.
Quando voltamos um pouco no tempo, constatamos que o ser humano, na sua aventura existencial, na sua peregrinação na face da Terra, que também é uma ascensão, sempre viveu em comunidade, dentro de certas normas, mesmo as comunidades que chamamos, um pouco arrogante e pretensiosamente, de primitivas — como se não fôssemos também primitivos, oferecendo-lhes um permanente espetáculo de guerra, violência, fome e miséria.
Mas essas sociedades, por exemplo, que não conheciam a escrita, como os nossos antepassados indígenas e até mesmo as atuais comunidades indígenas do Brasil — o que não quer dizer que sejam inferiores; são modalidades diferentes de cultura, de compreensão da vida, que não valorizaram a comunicação escrita — tinham suas normas — normas não escritas —, interdições, padrões de conduta, de comportamento, religiões, superstições, tradições e manifestações culturais que possibilitaram e possibilitam a sua coesão social. Então, a esse tipo de costumes, de comportamentos comunitários, chamamos de ethos vivido.
Mas como o ser humano também tem o dom da inteligência, embora nem sempre exercite bem o dom da reflexão, começamos a refletir sobre os nossos comportamentos, sobre os nossos códigos, escritos ou não, sobre as nossas normas de conduta e os procedimentos estabelecidos para garantir a coesão e a convivência da comunidade.
Nesse exercício de reflexão, começamos a praticar o que os pensadores chamam de o ethos pensado, uma porta aberta para a Filosofia. Sabemos hoje que a ética, ao lado da linguagem, é dos pontos mais trabalhados na Filosofia Política, na Filosofia do Direito e, especialmente, na chamada Filosofia Moral.
Alguns autores distinguem ética de moral. Segundo eles, a moral está ligada ao comportamento individual, à relação com o outro. É, por exemplo, o que nos leva a ajudar uma pessoa frágil ou deficiente a atravessar a rua, a ter carinho com as crianças e os mais velhas. Enquanto a moral está ligada ao comportamento de cada um de nós, a ética tem dimensão mais comunitária e mais política ¾ no sentido de polis, cidade, país.
Eu não faço essa distinção. Prefiro, a exemplo de outros, trabalhar ética e moral como sinônimos. Ética, vem do grego ethos, que significa costumes. Moral vem do latim moris, costumes também. Então, por que a distinção entre moral e ética, individual e comunitária? Temos de ter certa cautela, porque os valores éticos e morais são simultaneamente valores individuais, que incidem na conduta de cada um de nós; e valores sociais, coletivos, comunitários, uma vez que, quero reiterar, não existe o homem ou a mulher, não existe o ser humano por si só.
Um ponto lamentável na história humana, que tem incidência na ética, é a emergência do individualismo, a idéia de que cada um se basta. Há pessoas que acham que o sol nasce porque elas existem e que ele gira em torno do umbigo delas.
Nenhum ser é mais dependente do que o homem. Uma criança demora aproximadamente 10 meses para engatinhar; e mais 7 ou 10 meses para começar a falar. O tempo de dependência em relação aos pais e às pessoas que dela cuidam é enorme. Nós que fomos criados na roça sabemos, por exemplo, que duas horas depois de nascer, um bezerro já está correndo.
Vivemos em sociedade, por isso somos rigorosamente dependentes uns dos outros. Na primeira hora após levantamos de manhã, realizamos uma série de atos que outros nos possibilitaram. Se abrimos a torneira para lavar o rosto ou o chuveiro para tomar banho, houve alguém que canalizou a água, instalou o chuveiro e a torneira, que está garantindo o fornecimento da água. Se usamos o sabonete ou a pasta dental, houve quem os fizesse. Se vamos tomar café, houve quem o preparasse e quem levantasse de madrugada para fazer o pão. Vivemos, portanto, numa rede de relações.
Então, pensar a ética como construção coletiva e comunitária é fundamental. Na minha avaliação, nada é mais contrário à concepção ética da vida do que o individualismo, hoje muito em voga. É a questão do neoliberalismo, de cada um por si e o diabo contra todos, quando sabemos que Deus somente opera onde há solidariedade, fraternidade etc.
Voltando à questão histórica. A partir do momento em que o ser humano, as pessoas e as comunidades começam a refletir sobre conduta, comportamentos e costumes, começam a entrar no espaço de reflexão sobre a ética.
E aí vem a pergunta: o que é valor ético? Podemos falar em valores éticos universais? Existe uma natureza humana? Existem valores universais? Particularmente, estou convencido de que sim. Considero que os valores éticos começam a se consolidar à medida que se vão universalizando e resistindo ao tempo, ou seja, transcendendo espaço e lugares primeiramente vividos, proclamados e afirmados.
Há na humanidade um sentimento que transcende culturas, países e povos, de que a dignidade da pessoa humana tem valor fundamental, que possibilita a convivência social. Alguns podem dizer que isso não é verdade, porque convivemos com a guerra e a violência, com o assassinato gratuito de pessoas, com a morte por fome ou por falta de atendimento médico. Isso é verdade, sim. Mas, a despeito disso, vai-se impondo ¾ ainda que sofridamente e levando trombadas e recuos ¾ a idéia de que a vida humana é um valor supremo e fundamental e não um valor abstrato. A vida humana pressupõe o direito à comida, ao trabalho, à assistência médica e hospitalar, à assistência preventiva e curativa da saúde. O ser humano não é apenas matéria. Seus direitos estão relacionados à educação, à cultura, ao desenvolvimento da personalidade, à participação política e à cidadania.
Em alguns momentos, as conquistas civilizatórias têm afirmação muito forte. Cito o exemplo da Revolução Francesa, que pautou e sistematizou definitivamente os direitos e as garantias individuais. Posteriormente, as revoluções socialistas do século XX introduziram definitivamente, na história humana, os direitos sociais, econômicos, culturais e os relacionados com o trabalho e a seguridade social.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de dezembro de 1948, é um documento primoroso, pois sintetiza tanto as conquistas relacionadas com os direitos individuais, quanto com os direitos sociais e econômicos. Os princípios e valores éticos foram afirmados numa assembléia de nações e, ao longo do tempo, se consolidaram na consciência da humanidade.
Houve também personalidades que aceleraram os valores éticos, ao propor novos códigos. É o caso de Sócrates na tradição grega, de Jesus na tradição bíblico-cristã e outros que o acompanharam, a exemplo de Francisco de Assis, o Papa João XXIII e Gandhi. No Brasil, Herbert de Souza, o Betinho, e Dom Helder Câmara trazem novos padrões de convivência, com respeito ao outro e à natureza.
A ética política emerge nesse contexto de valores que se universalizam, atravessando povos e resistindo ao tempo. Onde, então, estaria o núcleo da ética política ou da ética na gestão pública? Trata-se de construção histórica das lutas dos movimentos sociais e, a partir daí, do desenvolvimento das consciências, baseada em que o poder político, mais do que um poder, é um dever e um serviço. Quando falamos, por exemplo, em poder ou autoridade, não devemos desqualificar: trata-se de um poder em nome do povo, exercido em nome da soberania popular e da comunidade.
Apesar dessa ressalva, permito-me pensar que palavras como poder e autoridade são reminiscência dos tempos de absolutismo. Naquela época, não havia relação recíproca de direitos e deveres entre quem exercia o poder e a sociedade. O poder era tudo. "O Estado sou eu", dizia um rei francês. Um czar da Rússia, que gostava muito de tomar vodca, quando acordava de ressaca, olhava para o espelho e dizia: "O império russo amanheceu de ressaca". A idéia era de que a soberania estava naquela pessoa por delegação divina.
Entre as contribuições prestadas à humanidade pelas revoluções liberais nos séculos XVII e XVIII está a de redirecionar essa visão: o poder não vem de Deus, não é uma delegação divina; o poder nasce da sociedade. Quem detém o poder político é, em última análise, o povo. Nesse sentido, a idéia do poder materializava-se na expressão da cidadania. Isso vem de muitos séculos, porque o poder político-democrático foi antevisto pelos gregos ¾ é claro que, em termos de cidadania, não incluíam as mulheres, os estrangeiros e escravos.
O poder é uma delegação e um mandato, portanto, um serviço, conforme adverte o Evangelho: "Quem quiser ser o maior que seja o menor e o servo de todos". Se compreendermos isso, ficará fácil deduzirmos que o poder não pode ser exercido em benefício próprio, mas, sim, visando ao bem da coletividade.
Isso elimina de imediato qualquer idéia de corrupção. A pessoa não pode usar o mandato, esse poder a serviço à coletividade, para se locupletar ilicitamente, para favorecer parentes e amigos ou para realizar negócios escusos. Isso é inaceitável.
Há um ponto básico a denunciar: qualquer forma de uso indevido do dinheiro, cargo e bens públicos ¾ para realizar negócios escusos e traficar influência ¾ é inaceitável do ponto de vista da ética e, sobretudo, do decoro parlamentar.
Nesse sentido, o decoro parlamentar vai além da ética; é uma exigência para aquele que exerce função de alta responsabilidade. Assim como exigimos do médico disponibilidade para atender o paciente à noite, quem exerce função pública, sobretudo oriunda de mandato eletivo, passa a ter deveres especiais, que vão além do não furtar e não deixar que furtem. Isso constitui premissa básica. Estou convencido de que deveríamos pensar seriamente em considerar crime hediondo, de lesa-pátria e inafiançável qualquer tipo de ato lesivo ao interesse público.
É importante fazermos uma distinção. É inaceitável o ato doloso, o enriquecimento ilícito — enfiar a mão no dinheiro público, negociar os bens do Estado, usar o cargo público para se promover, para ganhar dinheiro ou para atender a interesses de grupos particulares, de parentes e amigos. Agora, temos de distinguir o dolo — o enriquecimento ilícito, a intenção de subtrair bens e serviços públicos — do erro material. Às vezes, a imprensa estimula essa confusão. O administrador público ou mandatário pode cometer erro material ou de avaliação, por meio de escolhas e atos de arbítrio. Ele pode fazer opções equivocadas ou de que outros discordem, sem nelas estar presente a intenção, pois com elas não ganhou dinheiro, não favoreceu parentes, amigos ou interesses de grupos econômicos. No entanto, devemos ser cada vez mais rigorosos com o ato visível e doloso, contra o interesse e o bem públicos,
Também temos de pensar na ética além da questão financeira ou patrimonial. Esse dever de casa é fundamental. É a questão da honestidade, da transparência, da prestação de contas. Devemos ter acesso às contas públicas de todas as Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas e do Congresso Nacional; das Prefeituras e dos Governos Estaduais e Federal; do Poder Judiciário e do Ministério Público. Todos somos servidores do povo. Portanto, temos de prestar contas do que estamos fazendo e dos recursos públicos que gastamos para garantir as estruturas de trabalho necessárias ao exercício do mandato. Este é um ponto.
Por outro lado, a ética tem outros desdobramentos na política. Na minha perspectiva, a ética está ligada à construção da cidadania — acho que já caminhamos para isso A ação política, a gestão pública ética não manipula as pessoas e não aposta na infantilização, mas, sim, no crescimento delas. Ela quer formar cidadãos, pessoas humanas conscientes, responsáveis e participativas, formar agentes históricos.
Falar isso é fácil, mas, não, fazer. Vou usar uma expressão meio tosca, que falamos lá na roça do interior de Minas: isso é criar cobra. É muito mais fácil para nós que as pessoas não reivindiquem ou tenham consciência, pois assim podem ser manipuladas, corrompidas, compradas e enganadas. Apostar na cidadania é apostar em interlocutores que vão participar; reivindicar direitos individuais, coletivos e comunitários; e exigir ética, transparência e prestação de contas.
Constitui grande desafio pensar em política ética para a construção da cidadania, criando condições para que as pessoas possam multiplicar os dons que receberam e desenvolver a personalidade.
Hoje a ética tem novos desafios, a exemplo da questão da competência. A gestão pública ética é competente ¾ o que, aliás, está muito bem estabelecido no primoroso art. 37 da Constituição Federal. Esse artigo diz que a Administração Pública obedecerá aos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade, entre outros.
Então, quem é pago pelo povo para legislar, administrar, julgar conflitos também tem de ter compromisso com a agilidade e a eficiência na prestação desses serviços. A burocracia, a lentidão, a lerdeza para responder às questões concretas da sociedade parece ofensa ética. Atrás de um processo em andamento existem seres humanos aguardando decisão, sofrendo; quando o tratamos de forma fria, burocrática, estamos traindo o mandato, a confiança do povo e, portanto, ferindo princípios éticos.
Estou convencido — é uma tese que venho defendendo — de que no Brasil a capacidade de gestão tanto no setor público quanto privado é muito pequena — somos ineficientes, como regra geral da nossa história. Há honrosas exceções, mas como regra geral temos pequena capacidade de gestão. Só o fato de o Brasil estar entre os 4 ou 5 países mais injustos do mundo mostra sua incapacidade de atender às demandas da sociedade, desafios concretos relacionados ao direito à vida, já mencionado, como alimentação, trabalho, moradia, educação, saúde e outros.
Incluo então a competência como dimensão ética para estabelecermos prioridade. Se não podemos fazer tudo, se os recursos são escassos — o dinheiro não cai do céu, nem brota da terra —, se as carências, as necessidades num País brutalizado como o nosso, histórica e socialmente, são enormes, temos de estabelecer prioridades, fazer escolhas e também convocar a sociedade a participar. A prioridade, a vontade de fazer — maximizar recursos, estabelecer parcerias, criar sinergias, ações integradas — é enorme desafio que temos de pensar no Brasil. Por exemplo, é inaceitável o fato de Municípios próximos, de uma mesma região, com características econômicas, geográficas, históricas e culturais comuns, não terem nenhuma interação, não criarem consórcios, sinergias para coordenarem o desenvolvimento regional. Tampouco os Governos Estaduais e Federal interagem com os Municípios para potencializar as vocações locais.
Outro aspecto se relaciona ao fato de que a democracia, que é eficaz, é elemento fundamental da ética. Num país com um porte autoritário como o nosso muitas vezes ouvimos que a democracia é lerda. É aquela idéia do "deixa que eu faço, que eu resolvo". É o trator, a pessoa que se apresenta como capaz de resolver problemas, como se a democracia fosse sinônimo de assembleísmo, de democratismo, de incapacidade para enfrentar com pulso, com determinação os problemas sociais e econômicos, de viabilizar obras, políticas sociais.
Estou também convencido — falo de experiência positiva quando Prefeito de Belo Horizonte — de que a democracia é altamente possibilitadora. Além de ser instrumento próximo, irmã da ética e da cidadania, ela é possibilitadora, desde que estabeleça prazos, procedimentos e regras. É claro que a democracia não pode cair no democratismo, no assembleísmo; ela tem de estabelecer regras que possibilitem a participação mais equânime de todos. Mas como se pensar hoje, por exemplo, a questão ambiental sem envolver as pessoas? Como se pensar, por exemplo, o trânsito mais humano nas cidades maiores, na educação libertadora, sem envolver as pessoas, as famílias, as comunidades? Como criar aquilo a que os gregos chamavam de paidea, uma cidade cidadã, uma cidade cívica, sem envolver as pessoas?
Sempre afirmo que uma sociedade solidária, fraterna, justa, democrática se faz com pessoas solidárias, democráticas e justas, que praticam essas virtudes. Esses valores essencialmente comunitários também não surgem espontaneamente, são construídos na participação política.
Encerro minha participação, Deputado Orlando Fantazzini, agradecendo-lhe o convite, a oportunidade de estar aqui. Parabenizo-o por este importante momento, porque é sempre bom refletirmos sobre ética e temas correlatos’.
A democracia participativa popular, que estimula em todos os níveis o exercício da cidadania, a participação das pessoas, é fundamental para que tenhamos também ética na política. A participação começa com algo básico: o direito das pessoas à informação sobre tudo que seus representantes estão fazendo.
Era o que tinha a compartilhar com os senhores. Estou muito feliz porque posso não ter dito nada de importante para os senhores, mas, para mim, é sempre muito importante refletir sobre esses temas, porque eles nos mantêm acordados.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Agradecemos ao companheiro Patrus Ananias ter compartilhado conosco seus conhecimentos e sua rica experiência de vida e de ação política, quer no Parlamento, quer à frente da Prefeitura de Belo Horizonte. Suas considerações também provocam em todos nós reflexões no sentido de mantermos sempre vivas as questões da ética e do decoro. Nossos agradecimentos a S.Exa.
Convidamos o Deputado Luciano Zica, Ouvidor-Geral da Casa, a tomar assento à mesa. (Palmas.)
O Deputado Chico Alencar pede que façamos um convite aos presentes para uma Cantata de Natal que ocorrerá hoje no hall da Taquigrafia, pelo lançamento da campanha Por uma Cultura de Paz contra Todas as Violências, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz,
Quero registrar a presença dos Vereadores André Adão Antunes, de Pouso Alegre; Alberto Wagner da Rocha, de Sarandi; Marcelo Pagan, de Amparo; Clóvis Alves Filho, de Santa Rita; José Lucilo, de Patos de Minas; do Deputado Dalmo Ribeiro, Presidente do Conselho de Ética da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; do Deputado Pedro Ivo, da Assembléia Legislativa do Paraná; do Deputado Federal Luiz Carlos Hauly; do Dr. Fernando Gabriel Cazoto, Assessor desta Casa; da Dra. Cássia de Sá, de Fortaleza; de João Bosco Rosa Ferreira; de Marília Ibitinga Ferreira; de Dimas Freitas do Amaral; de Luciana Camargo Bueno e de Marcos Vinícius Teixeira Mendonça.
Passo a palavra ao Deputado Luciano Zica, Ouvidor-Geral da Câmara dos Deputados, que falará sobre Ouvidoria Parlamentar e solidificação do modelo brasileiro de representação democrática.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Bom-dia a todos os presentes; bom-dia a meu grande amigo e companheiro Deputado Orlando Fantazzini, a quem cumprimento pela iniciativa deste importante Encontro promovido pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados; e ao nosso amigo, o sempre brilhante Deputado Patrus Ananias.
Fui visitar minha mãe no interior de Minas Gerais, perto de Patos de Minas — encontram-se presentes companheiros dessa cidade —, e li nos jornais de lá algo que emociona a todos, o reconhecimento do povo de Belo Horizonte, constatado em pesquisa de opinião, ao trabalho de Patrus Ananias, à ética com que S.Exa. sempre se tem portado. Depois de 8 anos fora da Prefeitura de Belo Horizonte, o Deputado Patrus Ananias aparece com 39% das intenções de voto, o que demonstra sua postura de respeito à ética e aos interesse públicos.
Parabéns, Deputado Patrus Ananias. S.Exa. não é candidato, imagine se fosse!
Também cumprimento os que se interessam pela questão da ética, que muitas vezes passa longe dos espaços públicos em que deveria estar presente. Cabe a nós, que temos a tarefa de exercer a representação parlamentar, resgatar a ética em trabalho cotidiano, para que possamos merecer o respeito do povo brasileiro e sonhar com uma sociedade mais justa, e sem ética jamais haverá sociedade justa.
Antes de tecer considerações sobre o papel do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que temos o prazer de ver coordenado pelo Deputado Orlando Fantazzini, farei breve histórico da Ouvidoria Parlamentar.
Tivemos a honra de ser convidados a assumir o segundo período da Ouvidoria, criada por ato do Presidente Aécio Neves, na gestão passada, quando à frente da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. O primeiro Ouvidor foi o Deputado Luiz Antonio Fleury Filho, ex-Governador de São Paulo, que teve o grande mérito de montar estrutura capaz de dar a largada a um processo de aproximação entre a Casa e a sociedade, de criar uma porta que pudesse acolher as manifestações populares de insatisfação ou de satisfação com referência ao nosso trabalho parlamentar. Surpreendentemente ou por falta de outros instrumentos, a Ouvidoria acabou se transformando num termômetro do sentimento nacional sobre os serviços públicos hoje no Brasil, na maioria das vezes concedidos. O cidadão não tinha um canal para manifestar essa satisfação ou insatisfação — infelizmente, na maioria das vezes, insatisfação com o serviço público.
As empresas concessionárias de serviços públicos ou o próprio Estado, no exercício da prestação de um serviço público, muitas vezes, têm ouvidorias, canais abertos à participação do cidadão. No entanto, o sentimento dessas ouvidorias acaba sendo de pára-choque no enfrentamento dos interesses dos cidadãos.
Tenho feito debates com as ouvidorias de empresas concessionárias de rodovias ou de órgãos públicos em diversas cidades. Na maioria das vezes, essas ouvidorias têm grande dificuldade para entender que seu papel não é o de defender o interesse econômico de quem a contratou, mas, sim, ser um canal aberto ao cidadão, que se manifestará sobre o serviço prestado.
No caso da Câmara dos Deputados, deve-se mudar essa postura e, deste seminário, tem que sair proposta de mudança na constituição do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, para que não transformemos esse canal em instrumento de defesa da corporação, de abafamento da insatisfação e da demanda popular.
Faço primeiro a demonstração de como encontramos a Ouvidoria, com um corpo de funcionários extremamente dedicado, que considerou sua estruturação parte de sua vida. Estão presentes as Sras. Valéria, nossa Chefe, e Vera, entre outros funcionários, que se constituíram num grupo com o objetivo determinado de transformar aquele instrumento, criado com um horizonte de trabalho muito mais curto, em algo superabrangente, com grande alcance popular.
No começo, a Ouvidoria só era possível aos cidadãos que tinham acesso a Internet, telefone, que vinham a Brasília ou que podiam pagar os custos da remessa de uma carta à Ouvidoria. Diante dessa situação, tínhamos manifestação seletiva e pouco do verdadeiro sentimento da sociedade. A partir daí, sugerimos ao Presidente da Câmara, Deputado João Paulo Cunha, a criação de um instrumento, que tem sido objeto de contestação por parte de alguns Deputados, pelo enorme trabalho que dá, mas é importante para o cidadão manifestar sua opinião: a carta-cidadã. Trata-se de carta-resposta encontrada hoje nas agências dos Correios em todo o Brasil. O cidadão pode remetê-la tanto à Ouvidoria quanto ao gabinete de qualquer Deputado. O Deputado Luiz Carlos Hauly, aqui presente, deve ter recebido várias. Podem ser enviadas ao Presidente da Câmara, às Comissões Especiais ou às Temáticas opiniões sobre projetos em tramitação na Câmara dos Deputados. Enfim, apresenta uma série de possibilidades.
Evidentemente, um instrumento como esse, desconectado de politização, de maiores informações sobre o verdadeiro papel do Congresso Nacional ou mesmo de cada uma das instituições, no início, principalmente, transformou-se numa espécie de muro de lamentações, num meio para apresentação de dificuldades pessoais ou de demandas que nada têm a ver com o trabalho do Congresso Nacional diretamente — indiretamente, tudo tem a ver. Há grande demanda por solução de problemas pessoais, há pedidos individuais, atendimento que deveria ser feito, evidentemente, pelo serviço público, às vezes, mais facilmente acessado no próprio Município. Tem chegado também um conjunto de considerações sobre temas em debate no Congresso Nacional; demandas sobre as reformas previdenciária e tributária; dúvidas a respeito da estrutura de que dispomos como Parlamentares, de eventuais ou virtuais privilégios que possamos ter, que são até muito malvistos pela sociedade.
Esse conjunto de demandas, distorcidas, com uma visão incorreta do papel da instituição, fez com que idealizássemos uma campanha, que evidentemente ainda não conseguimos implementar, com vistas a que se exponha, em cada ponto de coleta dessas cartas, pelo menos de forma sintética, a interpretação do papel de cada um dos entes públicos — Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais; Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal —, para que o cidadão possa, quando vir o cartaz com essas informações, fazer uso mais positivo daquele instrumento, que não pode ser banalizado, transformado em algo desqualificado.
Temos procurado responder a todas as questões de âmbito nacional. Estamos publicando a avaliação, feita por nossa equipe, das primeiras 500 cartas que nos foram enviadas. Foram distribuídas por temas, até para orientar o nosso trabalho.
Além de questões dessa natureza, temos recebido muitas denúncias contra Parlamentares. Muitas pessoas vêem a Ouvidoria como se ela fosse uma delegacia de polícia. A Ouvidoria não tem o papel de fiscalizar a atuação dos Parlamentares. Desde a constituição desse instituto, quando recebemos qualquer demanda relativa ao comportamento de algum Parlamentar, temos adotado a prática de encaminhá-la ao próprio Parlamentar e à Mesa Diretora, para que ela tome as necessárias providências.
Temos grande preocupação com o papel que podemos desenvolver em parceria com os demais instrumentos da Casa no sentido de resgatar sua credibilidade perante a sociedade. Em certos acontecimentos, ela é justa, mas, na maioria dos casos, é injusta e construtora da imagem negativa do Congresso Nacional.
Há no Congresso, como em qualquer segmento da sociedade, seres humanos que se comportam mal. Não poderíamos imaginar que fosse diferente, embora fosse ideal que todos priorizássemos o interesse público. Não viemos aqui para resolver problemas pessoais, como a sociedade muitas vezes imagina. Há problemas de toda a ordem. Questiona-se a forma como construímos a estrutura de trabalho dos Parlamentares, a remuneração. Há a distorcida imagem de que o Congresso Nacional não trabalha. Todos sabemos que ocorre exatamente o contrário. Se não concordamos com essas afirmações, precisamos criar canais para que as pessoas possam saber o que está ocorrendo aqui e tomem posição com base naquilo que, de fato, acontece.
Levando em consideração os acontecimentos relativos à CPI dos Combustíveis e o desgaste por que têm passado as CPIs ultimamente, apresentei, com base em análise feita pela Ouvidoria, algumas propostas ao Presidente da Casa, uma delas para alteração do Regimento Interno.
Estamos saindo de uma fase em que as CPIs, principalmente no início dos anos 90, cumpriram importante papel na história do Brasil e acabaram por se transformar em instrumentos de esperança, de depuração da política, de consolidação da ética e da democracia no País. Quando havia determinado problema, as pessoas perguntavam por que não criávamos uma CPI para fazer as investigações. Às vezes, eram até coisas simples. Hoje, a imagem desgastada do Congresso Nacional tem muito a ver com a banalização das CPIs. Percebemos, muitas vezes, que as CPIs têm finais decepcionantes para a população.
Quando as denúncias envolvem Parlamentares, como no caso da CPI dos Combustíveis, o Conselho de Ética fica impossibilitado de atuar, porque tem de aguardar o andamento burocrático ou político da Casa, isto é, a decisão do Corregedor ou do Presidente de encaminhar o caso ao Conselho para análise.
E os casos vão se acumulando. Se, ao final de cada CPI, não conseguimos equilíbrio na consolidação das propostas apresentadas nos relatórios, a Casa vai ficando com a imagem cada vez mais desgastada. O mesmo deve acontecer nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais.
Sr. Presidente, diante de decepção como a que pessoalmente vivi na CPI dos Combustíveis, apresentei proposta de alteração do art. 35 do Regimento Interno da Casa, com o objetivo mais de abrir o debate do que de aprovar o que eu propus, até porque não tenho tanta segurança do resultado da proposta que apresentei. A Casa precisa promover esse debate.
Fiz uma proposta para que os membros das CPIs sejam indicados por sorteio feito pelo Presidente da Câmara entre os membros da Casa e que sejam publicados seus dados pessoais, de financiamento de campanha e de abertura de conta, a fim de que não pairem suspeitas sobre a atuação dos membros da CPI. Assim o cidadão não vai poder dizer que Fulano está lá porque defende determinados interesses. Seriam 30 Parlamentares escolhidos por sorteio, acompanhados pela sociedade.
Outra questão que tem sido objeto de discussão na Ouvidoria — não começou agora, mas ganhou peso com a Ouvidoria — é a tal da nossa estrutura, as mordomias que os Parlamentares têm. Acho que tratamos muito mal disso, explicamos muito mal à sociedade sobre o quanto ganhamos e como é constituída a nossa estrutura de trabalho. Deveríamos criar mecanismos de controle para a sociedade.
Estamos discutindo a Proposta de Emenda à Constituição nº 36, de 2003, que tenta estabelecer um instrumento que dê transparência à nossa estrutura. Já conversei com o Deputado Patrus Ananias e sei que ele acredita na proposta, embora tenha dúvida quanto a sua eficiência. A matéria tramita na Comissão de Constituição e Justiça, sob a relatoria do Deputado Sigmaringa Seixas, que ainda não apresentou seu parecer. A proposta é de que o reajuste de vencimentos de quem tem mandato eletivo tenha como teto o limite concedido aos aposentados e pensionistas do regime geral da Previdência Social. Esse é o único índice oficial que todos conhecem.
Ainda não fiz as contas, não sei se dá mais ou menos, mas já estou cansado de ouvir nas filas de banco o cidadão dizer que demos aumento de 50% para nós e nada para os aposentados. É justíssimo que a sociedade saiba quanto nós ganhamos e por que ganhamos. Não temos de ter vergonha de debater essas questões. Até em razão das manifestações que temos recebido na Ouvidoria, torna-se extremamente necessário explicar à sociedade toda a estrutura que precisamos ter, como ela deve ser montada e qual é o custo da democracia, o custo da manutenção desse controle, fundamental para que mereçamos a confiança do cidadão quando exercemos nosso papel de legislador e fiscalizador.
Temos trabalhado buscando não ser apenas um ponto de acomodação de força política na hora da eleição da Mesa, assim como não deve ser o Conselho de Ética. O Deputado Orlando Fantazzini tem feito um grande esforço nesse sentido. Não podemos permitir que instrumentos de participação popular como a Comissão de Legislação Participativa sejam uma demonstração de poder interno. Temos de transformar esses instrumentos, custeados pela sociedade, em mecanismos facilitadores das relações do público com o privado, do público com o público e do público com a sociedade. Do contrário, ao final dos nossos trabalhos estaremos decepcionados e desiludidos, e os milhões de brasileiros que acompanham nossos trabalhos, cada vez mais descrentes na política e mais distantes desta atividade.
Nenhuma comunidade melhora enquanto sua sociedade está longe das decisões políticas, seja a menor cidade, seja o maior país.
Vim hoje da minha cidadezinha do interior de Minas, que tem a mesma população de há 52 anos, quando eu nasci. Nasce mais gente do que morre, mas as pessoas vão embora, por falta de esperança, como aconteceu comigo. A população é de 2.500 habitantes. Fiquei por lá 2 dias, visitando minha mãe, e, guardadas as devidas proporções, a descrença, a falta de esperança e a desilusão são as mesmas. Temos uma tarefa muito dura para realizar, daí a importância do trabalho proposto pelo Conselho de Ética, coordenado pelo Deputado Orlando Fantazzini, de reestruturação dos instrumentos de que dispomos na Câmara dos Deputados.
O trabalho do Ministro Waldir Pires à frente da Controladoria da União também é motivo de orgulho muito grande. Sempre tive em S.Exa. uma referência positiva do ponto de vista da ética. O Ministro Waldir Pires está embebido do sonho de transformar a gestão da coisa pública em algo que mereça respeito, tem dedicado sua energia de forma brilhante a esse trabalho. Tenho muita esperança de que o Governo Lula deixe uma marca, pelo menos nesse aspecto, extremamente positiva. Já será um passo para resolver os graves problemas sociais que enfrentamos. A partir do momento em que conseguirmos introduzir a ética na política como elemento chave, a vida das pessoas vai melhorar, porque o projeto de construção da gestão pública levará em conta a ética e o respeito ao dinheiro que o cidadão paga para desenharmos um País novo e melhor.
Sr. Presidente, Deputado Orlando Fantazzini, concluo minha manifestação registrando o desejo de que consigamos, depois da experiência deste primeiro ano, eu à frente da Ouvidoria, V.Exa. à frente do Conselho de Ética, e também com a contribuição deste seminário, deixar para os que nos sucederão ferramentas de trabalho que consolidem a construção da ética, tão desejada e decantada em verso e prosa, embora pouco praticada.
Espero que, passados os 2 anos que teremos à frente desses órgãos, enxerguemos um, ,, ,,,,,,,,,,, futuro melhor do que o passado que tivemos e ainda mais estruturado do que o de nossos sonhos. Assim poderemos voltar a discutir adequadamente política com as bases que nos elegeram, com as pessoas que convivem conosco. Mais pessoas precisam se interessar pela dura tarefa de construir uma nova sociedade, objetivo que nos deve mover a todos no exercício do mandato público, com a transparência e o sacrifício devidos.
Bom dia de trabalho a todos e obrigado pelo convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Agradecemos pela participação ao Deputado Luciano Zica, brilhante Parlamentar de São Paulo.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Sou mineiro, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Um mineiro de São Paulo. Os mineiros estão tomando conta de tudo.
Parabéns, Deputado, pelo brilhante trabalho realizado na Ouvidoria.
O Deputado Luciano Zica reforça os argumentos do Deputado Patrus Ananias quando diz que a burocracia é um obstáculo à ética. A angústia do Deputado Luciano Zica também é nossa, do Conselho de Ética, uma vez que a burocracia impossibilita que muitos casos cheguem ao Conselho. E a sociedade, é óbvio, incomodada com essas situações, atribui, via de regra, a responsabilidade ao Presidente do Conselho. É muito comum recebermos e-mails ou correspondências em que se cobram providências para os Deputados cujos nomes estão envolvidos em algum ato que possa sinalizar falta de ética ou de decoro parlamentar.
Infelizmente, conforme eu disse no início do evento, nosso Código de Ética não é o ideal. O Deputado Luciano Zica lembrava o trabalho desempenhado pelo Ministro Waldir Pires. O projeto de lei do Código de Ética também é de autoria de Waldir Pires, que sempre primou pelo decoro na sua vida e no seu compromisso político, por entender que somente com respeito à ética poderemos construir uma sociedade verdadeiramente democrática, que preze o bem comum e a vida com dignidade como valores supremos da sociedade, como bem disse o Deputado Patrus Ananias.
Nossos agradecimentos aos 2 expositores.
Concederemos agora a palavra ao público, para seus questionamentos. Os convidados estão à disposição.
Peço que os interessados venham à tribuna utilizar o microfone. Estamos registrando este encontro. Cada pessoa que vier fazer uma intervenção terá prazo de 3 minutos.
A SRA. ADÍSIA SÁ - Bom-dia. Sou jornalista no Ceará e membro titular da Comissão de Ética e de Liberdade de Imprensa da Federação Nacional dos Jornalistas. Embora não tenha sido citada, está aqui presente a Presidenta da nossa Federação, a jornalista Beth Costa.
Eu gostaria de debater com o Patrus Ananias. Surpreendeu-me que um homem da política entrasse pelo campo da ética. Discordamos do senhor porque o senhor acabou dizendo que ética é diferente de moral, campos diferentes. O senhor disse que não confunde as duas coisas, que tanto faz ética ou moral. Absolutamente, para mim ética é uma coisa, moral é outra.
Ao Deputado Luciano Zica eu gostaria de dizer que fui ombudsman do jornal O Povo por 4 vezes e fundadora da Associação Brasileira de Ouvidores, Seção do Ceará. Percebo a sua dificuldade em definir ouvidoria. Acho que o senhor ainda está tateando. Deve ser muito difícil ser ouvidor dessa forma, porque o espírito de corpo é muito forte. É muito difícil resolver problemas ferindo os próprios companheiros, a própria carne. Faço-lhe a seguinte pergunta: quando o senhor diz que tem feito algumas sugestões à Mesa para a reforma do Regimento etc., o senhor toma essas iniciativas provocado pela população ou elas são criação de sua experiência? Está movido pelo ouvir-dizer ou pelo instrumento do próprio povo? O senhor pode não passar de relações públicas da Câmara. Cuidado para também não fazer o papel de assessor de imprensa da Câmara. Tudo o que o senhor está pensando emana dessas participações? Como é que o senhor prepara esse documento, para obter uma média das aspirações, das reclamações, das críticas, das sugestões que a Comissão recebe?
Finalmente, para não dizer que vim aqui apenas para falar, quero pedir uma cópia desse material aí.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Sra. Adísia.
Fica registrada a presença da companheira Beth Costa, Presidenta da FENAJ, que tem trabalhado conjuntamente na campanha contra a baixaria na televisão e pela ética na programação das tevês.
Com a palavra o Sr. André Barbosa.
O SR. ANDRÉ BARBOSA - Os Deputados Patrus Ananias e Luciano Zica já me conhecem.
Quando se fala em ética, eu observo uma coisa interessante. Sou de uma organização ambiental e sou ambientalista. Lembro-me de ontem ter ouvido de um Ministro do Supremo uma grande injustiça: "Vamos botar na cadeia todos esses juízes". Será que ele não deveria falar, com respeito à ética, primeiro em fazer uma perícia, para depois tomar as providências necessárias? Não seria esse o procedimento certo? Ou será que estamos na ditadura militar? Podíamos convidar o Ministro do Supremo para dar explicações de ética perante a Constituição.
Vejam bem. Aqui na Câmara todos são Deputados. Se eu fosse Presidente da Casa, não falaria em botar na cadeia certo Deputado. Isso não seria errado? Primeiramente eu teria de fazer uma perícia, para saber se o Fulano estava errado, e só depois sentenciá-lo. Não é correto o Ministro dizer que vai botar na cadeia todos os juízes do País que tenham errado.
Faço uma pergunta à Ouvidoria e ao Deputado Patrus Ananias, que falou sobre ética: é possível, numa democracia, isso acontecer?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Sr. André Barbosa.
Com a palavra o Sr. Deputado Dalmo Ribeiro Silva.
O SR. DALMO RIBEIRO SILVA - Saúdo o ilustre Deputado Orlando Fantazzini, Presidente desta Comissão, o caríssimo Deputado Patrus Ananias, coestaduano das Minas Gerais, e o nosso Ouvidor, Deputado Luciano Zica.
Na condição de Presidente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, estou aqui particularmente para parabenizar V.Exas. pela iniciativa deste importante evento. Espero que não seja o único. Na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, no início do semestre, promoveremos um grande encontro das Câmaras Municipais, com a presença de Deputados de vários Estados.
Não tenho indagação a fazer. Quero apenas deixar a mensagem da Assembléia Legislativa, da nossa Comissão de Decoro Parlamentar, instalada em maio de 2003 pelo Presidente Mauri Torres. Com determinação, o ex-Presidente desta Casa e hoje nosso Governador, Aécio Neves, tem sido o verdadeiro guardião da respeitabilidade do Parlamento mineiro.
Temos feito, não somente na nossa Comissão, como também na nossa Ouvidoria, inúmeros questionamentos. Mas, como disse o ilustre Deputado Patrus Ananias, temos de ser transparentes, e transparentes com letra maiúscula. Temos de trabalhar com a cabeça erguida e com a certeza do dever cumprido com os mineiros e com o povo brasileiro. É o que estamos fazendo.
Como eu disse, inúmeros questionamentos já foram feitos. Temos sistematicamente nos reunido na nossa Comissão e também com todos os Deputados e Lideranças, para que a ética e o decoro parlamentar sejam, acima de tudo, o marco da nossa Assembléia e do povo mineiro.
Saúdo V.Exa. de forma vigorosa. Sem dúvida alguma, a ética e o decoro são os princípios basilares do ordenamento jurídico e da verdadeira democracia.
Parabéns a V.Exas. por este encontro!
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Agradeço as palavras ao Deputado Dalmo Ribeiro.
Peço aos Deputados que respondam a esse conjunto de perguntas. Em seguida, concederei a palavra a outros inscritos.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Em primeiro lugar, quero agradecer à D. Adísia a experiência e por trazer essa importante reflexão. Ela teve a percepção de que estamos tateando. Não há dúvidas, D. Adísia, estamos tateando, sim, e provavelmente o faremos por um longo tempo. Espero que tenhamos sensibilidade no tato, para transformar um instrumento que talvez não tenha sido imaginado com a profundidade necessária em algo capaz de dar conta da difícil tarefa que é tornar o trabalho político em Brasília, particularmente o da Câmara dos Deputados, numa coisa visível para o cidadão, para que ele mesmo possa julgar, com base em informações transparentes.
Já que a senhora está junto com a nossa querida Beth — tenho certeza de que ela também entende da mesma forma —, gostaria de fazer uma reflexão sobre a dificuldade que é a lida com os meios de comunicação; a lida com o lide.
Muitas vezes, a imprensa não passa para a sociedade a verdade dos fatos, mas o que vende mais jornal, o que chama mais a atenção e o interesse que cada veículo de comunicação representa. A construção da ética nas relações humanas passa obrigatoriamente pela verdade. Liberdade de imprensa e de expressão não significa que cada jornal pode escrever do jeito que o seu dono quer. É preciso ser fiel à verdade. A informação precisa ser confiável. Sei que a Beth é uma batalhadora na defesa desse comportamento na área de comunicação.
Com relação a este questionamento, se as propostas que temos feito vieram como sugestões dos cidadãos, tenho a dizer que, verdadeiramente, não. Mas foram provocadas pelas demandas dos cidadãos. Usamos nossa capacidade de reflexão para tentar criar uma resposta que dê conta dessa demanda, atendendo ao funcionamento, minimizando as distorções.
Estamos tentando, com um projeto apresentado à Mesa da Câmara dos Deputados, usar o INTERLEGIS, sistema de trabalho em rede que inclui também as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, para que tenha a Ouvidoria mais condições de dar respostas mais rápidas e interagir com a sociedade. Pretendemos ver isso funcionando a partir do ano que vem.
A questão apresentada pelo André é extremamente preocupante. O próprio cidadão que nos procura, na maioria das vezes, constituiu na sua mente a idéia de que, quando uma notícia compromete Fulano de Tal, deve-se instalar uma CPI e colocá-lo na cadeia. A resposta mais rápida que o cidadão espera é a sentença, antes até de qualquer julgamento. Então, evidentemente, teremos de trabalhar nesse sentido. É preciso que prevaleça na sociedade algo óbvio: até que se prove o contrário, a pessoa é inocente.
Mas isso é fruto de uma construção. Nós destruímos a credibilidade ao longo do tempo. Precisamos reconquistá-la e combater a expectativa já mencionada. Alguns dirigentes, infelizmente, com a responsabilidade de dar encaminhamento ao assunto, acabam criando distorções, o que é muito preocupante.
Estamos agindo, embora a Ouvidoria não tenha a tarefa de investigar os colegas, D. Adísia. A Ouvidoria foi criada de maneira muito difusa, estamos tentando dar enfoque mais objetivo ao seu trabalho. Alguns Deputados me procuram e perguntam: "Tenho como ter acesso a processo contra Fulano de Tal?" Digo sempre que a Ouvidoria não é uma comissão de inquérito, não é uma delegacia de polícia e não tem processo contra ninguém. Não temos competência, inclusive, para investigar o que recebemos. Para mim, a Ouvidoria é um instrumento que pode ser muito útil, e será, creio eu. Se conseguirmos dar continuidade ao extraordinário trabalho que temos feito, poderemos chegar ao início do próximo ano em situação muito melhor do que aquela em que estávamos no início do ano passado no que diz respeito à relação com a sociedade.
Lembrei-me agora da música do Paralamas do Sucesso que diz: "Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou, são 300 picaretas com anel de doutor", em alusão a declaração atribuída a Lula, atual Presidente da República. A cada Legislatura, aumenta no Congresso Nacional o número de Parlamentares preocupados em construir uma atuação correta, séria, que, mesmo que não apareça, até por dificuldades de cada conjuntura, tem produzido uma melhora no funcionamento da Casa. Sou otimista e acredito nisso. Por isso candidatei-me 3 vezes a Deputado e estou aqui realizando essa tarefa. Se não, já a teria abandonado.
D. Adísia, o material ainda passará por revisão. Hoje mesmo a senhora, ou qualquer um dos senhores, poderá ter acesso ao material. A Ouvidoria funciona no corredor das Comissões, na sala T-40, atrás do Plenário nº 10. A Vera, a Janaína, o Matosinho e todo o pessoal que trabalha na Ouvidoria estão à disposição para oferecer as informações que se fizerem necessárias.
Espero ter respondido ao questionamento.
Agradeço ao Deputado Estadual Dalmo Ribeiro. Tenho certeza de que Minas Gerais não faltará com a sua contribuição na construção dessa história.
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Sem dúvida. Quanto a esse aspecto, concordo com a senhora.
O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS - D. Adísia, durante muito tempo, tive posição como a da senhora quanto a ética e moral. Há muitos anos, sou professor na área de Direito — Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito — e durante muito tempo entendi que ética e moral eram conceitos próximos, mas distintos. Porém, D. Adísia, li alentada obra sobre ética, de autoria do Padre Henrique de Lima Vaz, mineiro que considero um dos maiores filósofos de todos os tempos do Brasil e do mundo, recentemente falecido. Foi com o Padre Vaz que aprendi que ética e moral basicamente têm o mesmo significado. Nesse caso, remeto a senhora para discutir com a obra de Padre Vaz. Como eu disse, ele já faleceu, mas obra dele está muito viva. A senhora pode pegar os livros de ética dele e verá que é uma boa pedreira para subirmos. Há autores que, de fato, distinguem ética e moral. Achei os argumentos do Padre Vaz muito sólidos e, por isso, me convenci.
Considero improcedente a questão que o Dr. André expõe. Se bem entendi, temos 2 desafios. Primeiro, agir com discrição, mas com muita determinação. Não acho bom, no Brasil, o tipo de imprensa que se especializou em condenar sem julgar. Algumas publicações no Brasil se arvoram de maneira muito arrogante e muito pretensiosa. Não vou citar nomes, mas acho que as pessoas podem imaginar que publicações se colocam um pouco acima do bem e do mal e saem distribuindo julgamentos peremptórios. Só não fazem julgamentos em relação a si mesmas, assim como exame de consciência e autocrítica.
Temos de ter muito cuidado com a imagem das pessoas. Lembro-me, por exemplo, do caso da Escola Base, em São Paulo. Foi algo lamentável. Por isso temos de ter muito cuidado.
Pessoalmente, sinto-me satisfeito, assim como toda a Comissão, com o batismo de fogo que recebemos. Como mencionou o Deputado João Paulo Cunha, fui Relator da Comissão que julgou o caso do ex-Deputado Pinheiro Landim. Éramos 5 na Comissão, presidida pelo Deputado Luiz Piauhylino. Fizemos todo o trabalho e não saiu uma nota na imprensa. Até o momento em que entregamos o relatório ao Presidente da Câmara dos Deputados, ninguém sabia, a não ser a Comissão, o que havia no relatório.
Uma das coisas que penso comprometeu um pouco as CPIs foi a falta de certa reserva, de certo pudor. De um lado, o trabalho, sobretudo quando envolve julgamento de outras pessoas, tem de ser feito com muito rigor, mas com muita reserva e muito cuidado. Ninguém pode ser exposto à execração pública. A situação tem de ser apurada. Por outro lado, é preciso haver agilidade, ou seja, respeitar as conquistas históricas do Direito, o contraditório, o direito de defesa, mas com maior capacidade de processar.
Deputado Dalmo Ribeiro, vou fazer uma observação muito fraterna, mas muito franca. Por onde tenho andado, tenho sido muito cobrado com relação ao que aconteceu na Assembléia do nosso Estado, não nesta Legislatura, no passado. Sou funcionário concursado da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, aprovado em concurso público de provas e títulos. Quando não exerço mandato, dou aulas e trabalho na Assembléia. Nesse sentido, fico esperançoso e feliz de ver um homem com a sua dignidade à frente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Para o bem de Minas Gerais e da democracia, precisamos recuperar, de forma muito vigorosa, a imagem da nossa querida Assembléia, que ficou um pouco conspurcada em passado recente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Sr. Adão Pereira de Morais.
O SR. ADÃO PEREIRA DE MORAIS - Com muito orgulho, sou Vereador de Goiânia, a Capital mais bonita do Brasil. Estou exercendo o primeiro mandato. Apresentei um projeto na Câmara Municipal sobre código de ética e decoro parlamentar.
Como disse o Deputado Federal e colega de partido Patrus Ananias, grande ex-Prefeito de Belo Horizonte, é dever, é obrigação do titular do mandato ser ético, permanecer de todas as formas dentro da legalidade e agir com transparência.
Sou favorável à reforma política. Enquanto não houver reforma política neste País, com certeza absoluta haverá ainda muita gente sem moral e ética conduzindo os nossos destinos e elaborando leis para se beneficiar. Tenho essa grande preocupação. É preciso ter mais seriedade no que fazemos. Costumo dizer que em nosso mandato nós estamos, não somos. Muitos afirmam: "Eu sou". Não, nós estamos exercendo um mandato. A população tem todo o direito de mudar os destinos do País por ocasião das eleições.
Fico feliz pelo encontro, Deputado Orlando Fantazzini, e agradeço a V.Exa. o convite que recebeu a Câmara Municipal de Goiânia, instituição que represento neste momento. Aquela Casa legislativa ainda precisa fazer muitas correções e, com certeza, em 2004, a população dará ou não o direito a seus representantes de nela permanecerem.
Quero convidar todos para visitar Goiânia, cidade maravilhosa e que tem muito a oferecer. Na Câmara Municipal de Goiânia, a maioria não quer que o meu projeto seja implantado. Como disse, precisamos ter seriedade e honestidade no que fazemos. Estou satisfeito com o mandato que o povo me concedeu, tenho a obrigação de exercê-lo com dignidade e fiscalizar os atos do Executivo, assim como os do Legislativo.
Por último, quero deixar uma pergunta: não é importante mudar a relação política dos partidos? Precisamos urgentemente da reforma política e cabe a V.Exas. fazê-la. O projeto que tramita nesta Casa, com certeza, será benéfico para a população e para a democracia.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Tem a palavra o próximo orador.
O SR. ALBERTO ABRAÃO - Bom-dia a todos. Quero parabenizar, nas pessoas dos Deputados Orlando Fantazzini, Luciano Zica e Patrus Ananias, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados pela iniciativa deste I Encontro sobre Ética e Decoro Parlamentar.
Apresentarei duas questões e uma contribuição. Sou advogado em Maringá, noroeste do Paraná, e atualmente procurador jurídico da Câmara do Município de Sarandi. Durante dois anos, ocupei o cargo de procurador jurídico no Município de Maringá, a terceira cidade mais importante do Estado, e, na seqüência, de Ouvidor do Município. Tive a oportunidade de participar no começo do trabalho de difusão das ouvidorias pelo País, especialmente na administração pública. Estive em João Pessoa, no I Encontro Nacional de Ouvidorias, em que buscávamos consolidar princípios para orientar nosso trabalho. Adquiri experiência com o trabalho junto à Prefeitura. Depois disso, pela popularidade que a Ouvidoria alcançou, a Câmara Municipal de Maringá decidiu criar a Ouvidoria Municipal. Naquela oportunidade, fui chamado a opinar e me manifestei contra a instituição da Ouvidoria. Quero passar para V.Exas. essa experiência.
Na minha visão, o sacrário da democracia não está no Executivo nem no Judiciário, mas no Parlamento. O Deputado João Paulo citou esse aspecto, tenho a mesma opinião. Cada Deputado expressa a vontade popular. Na nossa concepção, o ouvidor é o advogado do povo, o representante do povo junto à estrutura estatal, contra a burocracia estatal, que emperra toda a máquina do Estado. Cabe ao Executivo efetivar os serviços públicos.
A meu ver, o Parlamento já não tem tanto essa função. O Ouvidor corre o risco, como disse a Sra. Adísia, de realmente se transformar em relações públicas da Câmara. Para mim, a presença do Ouvidor é a maior crítica que se poderia fazer ao Parlamento. Os 513 ouvidores desta Casa são os Deputados, os defensores da população. Eles expressam a vontade da população, absorvem totalmente a atividade de uma ouvidoria, porque já são ouvidores em si. Portanto, durante toda a sua gestão, encontrará dificuldades para estabelecer um espaço para alocar as funções de uma ouvidoria no Parlamento. Vejo a ouvidoria no Parlamento como um paradoxo.
É a opinião que desejava apresentar para debate.
Deputado Patrus Ananias, fico a perguntar também se política é a defesa do interesse público geral da sociedade. Se ética é o desenvolvimento desses valores, a aplicação desses valores, na defesa desses interesses, poderíamos utilizar com acerto a expressão ética na política. Haveria possibilidade de ter ato político destituído de valores éticos apropriados? Devemos fazer uma reflexão sobre isso.
Como contribuição, deixo a seguinte indagação: se as estruturas estatais — como foi dito aqui, e acho importante conhecer nossas carências —, como o Judiciário, não conseguem atender as demandas e se vivemos na sociedade repleta de paradigmas, de exemplos, não seria talvez algo a se estudar com mais profundidade? É necessário que se faça tramitar nesta Casa de leis, estabelecendo-os como prioridade das prioridades, processos que têm como partes autoridades que se apropriaram de recursos públicos, respeitando-se medidas de urgência, como o habeas corpus, e outras concessões cautelares. A idéia é de que se paralisasse tudo para que fossem julgados esses processos.
Sabemos que, no Judiciário, os processos mais demorados são as ações civis populares que tratam da apropriação de recursos públicos.
Acho que essa iniciativa contribuiria muito para agilizar a conduta ética do homem público.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Obrigado, Sr. Abraão.
Concedo a palavra ao próximo companheiro inscrito, o Sr. Carlos Augusto.
O SR. CARLOS AUGUSTO - Parabenizo os Deputados Luciano Zica e Patrus Ananias pela iniciativa de a Ouvidoria abrir este debate sobre ética e decoro parlamentar. Agora, o que mais me preocupa é se discutir ética e decoro Parlamentar sem que se tenha a urgência da reforma política, da reforma partidária, porque decoro e ética são segmentos.
O Deputado Luciano Zica mencionou que, nas CPIs, um Deputado fica preocupado com outro: quem financiou sua campanha, qual foi o passado dele. Ora, só podemos acabar com isso com a reforma política, com a reforma partidária.
Apenas um exemplo. Estive nos Estados Unidos, visitei o Parlamento daquele país. O Governador Aécio Neves estava comigo e pudemos conhecer o funcionamento daquela instituição. Lá, nenhum Deputado negou que recebia financiamento. Alguns chegaram a afirmar: "Sou financiado pela empresa tal e estou aqui na defesa da empresa tal; se eu não fizer isso, não serei reeleito".
É importante ressaltar isso. A meu ver, o Parlamento brasileiro teria de se mostrar mais para a sociedade, senão vamos continuar tendo CPIs direcionadas, aprovação de projetos direcionados, como já aconteceu.
Volto ao que disse o Deputado Luciano Zica e acrescento: não há necessidade, já que estamos discutimos ética e decoro parlamentar, de voltarmos a debater a urgência da reforma política e o financiamento de campanha e de darmos conhecimento à sociedade de quem está financiando quem?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o próximo inscrito.
O SR. PEDRO IVO - Parabenizo os Deputados Patrus Ananias, Orlando Fantazzini e Luciano Zica pela iniciativa de promover este encontro. Infelizmente, o público é pequeno, o que mostra algum desinteresse. Muitas Assembléias Legislativas foram convidadas a participar, e não compareceram. Mas a iniciativa é muito importante.
Atualmente, sou Deputado pelo Partido dos Trabalhadores no Estado do Paraná, mas também já fui Prefeito.
Quero fazer algumas perguntas de ordem prática. Com certeza, nas Assembléias, são numerosos os processos contra Deputados, e, no Congresso Nacional, esse número deve ser muito maior, pela quantidade de Deputados. Qual o procedimento adotado pela Comissão de Ética? Ela tem relatado todos esses processos? Ela está de posse de todos esses processos? Ela tem investigado a relação entre vida pública e questões particulares de empresa?
Essas são as maiores dificuldades que encontramos nas Assembléias Legislativas. Por isso, desejo saber qual o procedimento normal, como é feito esse acompanhamento, como funciona, se a Comissão se reúne periodicamente, se tem havido relatórios, se está tudo centralizado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Com a palavra o Deputado Luciano Zica.
O SR. DEPUTADO LUCIANO ZICA - Como este é o último bloco da parte da manhã, aproveito para fazer meus agradecimentos a todos.
Antes de tudo, volto ao que disse a Sra. Adísia, que virou o centro de nossos debates, não só pelos cabelos brancos, que sinalizam experiência acumulada, mas pela grande lucidez.
Quero dizer que concordo com a senhora, D. Adísia. Não sou um Parlamentar que atua em função do que sai no jornal. No entanto, estou preocupado com a informação que chega ao cidadão. Infelizmente, a notícia que sai no horário nobre da televisão vira verdade para a maioria das pessoas. E, na maioria das vezes, nem sempre essa notícia é absolutamente verdadeira. Também não sei se existe uma verdade absoluta para determinado fato. Trabalhamos e enfrentamos o debate sob a visão da ética, independentemente da questão da moral, principalmente cristã. Trabalhamos, vamos dizer assim, em cima de uma verdade virtual, em que a expectativa de todos recai sobre uma resposta a essa verdade, embora, na maioria das vezes, não tenhamos instrumentos para dar essa resposta. Por isso, temos de tentar criar.
Sou absolutamente contra censura de qualquer natureza. Também acho que, muitas vezes, os profissionais da imprensa trabalham sob a censura do jornal, da emissora de TV, enfim, sob censura permanente. É a minha lamentação e a minha angústia.
Em relação ao companheiro do Paraná, de Maringá, de Sarandi, que se referiu à atuação de ouvidoria no Parlamento, confesso que, quando fui convidado a assumir a Ouvidoria, fui com este sentimento, esta preocupação, do descabimento dessa iniciativa, e procurei instituir na Ouvidoria um papel definido dentro daquela estrutura.
Hoje acredito, sim, que faz sentido a sua existência, desde que não nos comportemos como muita gente imagina, ou seja, procurando substituir o exercício democrático do mandato popular ou mesmo adotando postura policialesca. Deixando de lado essas duas vertentes, acredito que a Ouvidoria pode trazer contribuições importantes.
Posso afirmar que num país como o nosso, que vive hoje situação incomum, tendo em vista que a prestação de grande parte dos serviços públicos foi cedida à iniciativa privada, há necessidade de um instrumento que possibilite ao Congresso Nacional ouvir a população sobre a qualidade da prestação desses serviços e, quando for o caso, elaborar mudanças.
Temos, por exemplo, que modificar agora o sistema elétrico brasileiro. No que diz respeito a essa área, grande parte de nossa população sofreu durante longo período e, infelizmente, continuará sofrendo algum tempo ainda, porque a reorganização do setor elétrico vai demandar de todos os agentes envolvidos esforço muito grande. É preciso criar novos instrumentos, que não podem ter nada a ver com o órgão incumbido de fiscalizar ou com a ouvidoria da empresa, que muitas vezes atua sob a orientação do interesse da própria firma. Precisamos estabelecer instrumentos que permitam a cada um de nós colher informações e passá-las adiante.
O que a Ouvidoria tem procurado fazer, principalmente em relação a temas mais polêmicos, como, por exemplo, o papel dos órgãos reguladores, questões de gênero ou outras que aparecem durante o debate, é promover seminários, convidar pensadores de cada área para consolidar opinião, a fim de possibilitar a ela própria a apresentação de contribuições mais elaboradas ao restante da Casa.
Além disso, não podemos deixar de ter consciência crítica. Não é preciso dizer que a pessoa agiu certo ou errado, apenas mostrar que há insatisfação com determinado tipo de comportamento, de forma mais coletiva, menos individual, embora não se possa deixar de considerar o que foi muito bem dito: cada um aqui representa parcela importante da população. Concordo plenamente.
Quanto à indagação apresentada pelo Sr. Carlos Augusto, não tenho dúvida de que a reforma política é indispensável para que tenhamos uma democracia mais próxima da verdadeira democracia.
Por exemplo, financiamento de campanha. Fui alvo de questionamento da mídia. Tive um trabalho enorme para responder. Fazia parte da CPI dos Combustíveis, e um jornalista publicou matéria, justamente na semana em que eu estava fora do Brasil, na qual citava que 12 membros da CPI tinham recebido financiamento de empresas que, em tese, estariam sendo investigadas, inclusive eu, pois durante minha campanha havia recebido 5 mil reais de uma grande usina de álcool. Na verdade, não sabia que aquela empresa era do setor de combustíveis, eu nem conhecia aquelas pessoas. Jamais aceitaria contribuição para a campanha se soubesse desse vínculo ou do interesse daquela empresa. Deu um trabalho enorme quebrar esse preconceito estabelecido.
Acho que hoje isso mudou um pouco. No Congresso americano há placas: lobby do setor tal; lobby do setor tal. Aquela representação tem uma natureza diferente. Sou defensor intransigente do financiamento público de campanha. Acredito que sai muito mais barato para o cidadão, para o Estado e para o País. Contribui-se efetivamente para a democracia na hora em que há financiamento público de campanha, como na Inglaterra.
Conheci naquele país um Deputado do Partido Trabalhista que quase teve o mandato cassado já no primeiro trimestre. Cada candidato podia gastar 28 mil e 500 libras na campanha e era rigorosamente investigado. Na prestação de contas da campanha dele, houve um erro. Devido a uma diferença irrisória na contabilidade, ele quase perdeu o mandato. Na Inglaterra há uma relação do mandato com a sociedade que considero extremamente positiva.
O financiamento público é indispensável para a construção da democracia. Como pode, numa mesma eleição, um candidato a Vereador em Goiânia, que é a Capital mais bonita do País, segundo o nosso Adão — eu acho que é Campinas, onde moro (risos) —, fazer campanha com 20 mil, 30 mil, 40 mil reais e um outro candidato a Vereador, com 1 milhão de reais? Vai haver uma distorção brutal. E isso acontece.
Precisamos de fato investir na construção de uma reforma política que tenha como pressuposto uma Constituinte exclusiva, um Congresso eleito exclusivamente para esse objetivo. Como vamos corrigir as distorções que há hoje em um Congresso eleito no meio dessas distorções? Nesse aspecto, tenho desesperança. Essa reforma, como disse, precisa passar por um processo legislativo exclusivo. Enfim, temos de batalhar com as ferramentas disponíveis. E existe essa oportunidade nesta era de esperança em que o Brasil se encontra.
Quero cumprimentar o nosso companheiro Deputado Pedro Ivo, do Paraná, que foi Prefeito de União da Vitória e hoje está à frente de um duro trabalho na Assembléia Legislativa do Paraná, e mais outros tantos companheiros que estão espalhados pelo Brasil afora, procurando dar uma contribuição a essa construção de democracia, que para mim passa necessariamente pela questão da ética e pelo tratamento sério da coisa pública.
Agradeço ao Deputado Orlando Fantazzini o convite. Gostaria de colocar à disposição de todos que quiserem passar pela Ouvidoria as informações sobre esse instrumento. Queremos receber contribuições. Por meio de nosso endereço eletrônico — ouvidoria@camara.gov.br —, estamos abertos a receber sugestões, a fim de que construamos o que pode ser um importante instrumento na convivência com a política e com a sociedade. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS - Concordo basicamente com as observações do nosso companheiro Deputado Luciano Zica sobre a questão da reforma política, mas quero fazer 2 registros.
O Brasil, na minha opinião, tem um desafio que transcende a todos os outros. É simultaneamente um desafio social e ético, no sentido mais amplo da palavra: o problema das desigualdades no País. O Brasil necessita fazer um acerto, precisamos resolver a questão.
Somos um dos 5 países mais ricos do mundo. O Brasil está no patamar dos Estados Unidos, da Rússia, da China, é um país continental com muita terra boa e produtiva, recursos naturais e hídricos. Contudo, dramaticamente, estamos entre os 4 ou 5 países mais injustos do mundo.
Estou convencido de que qualquer mudança no Brasil deve considerar a questão social. Lembro o testemunho de Joaquim Nabuco, no século XIX. Quando chamado para discutir questões relacionadas com república e federalismo no Brasil, disse que discutiria tudo aquilo depois que acabássemos com a escravidão.
A questão da reforma política passa também pelas condições de vida das pessoas. São Tomás de Aquino dizia que a prática das virtudes cristãs pressupõe o atendimento das necessidades materiais básicas. A prática das virtudes cívicas, democráticas e republicanas pressupõe também o atendimento às necessidades materiais básicas. Se de barriga vazia ninguém reza, também de barriga vazia ninguém pode ser um bom cidadão, votar com consciência, exercitar os direitos e os deveres da nacionalidade e da cidadania.
Esse é um ponto para o qual quero chamar a atenção. O Brasil tem esse acerto. Temos de resolver a questão da miséria, da fome e do desemprego e fazer deste País uma pátria que tome conta dos seus filhos. Esse é o primeiro grande desafio.
O segundo é a questão do desenvolvimento das consciências. Às vezes no Brasil temos o fetiche de que a lei resolve tudo. Ela é importante, mas não resolve tudo. Tanto que há estes ditados: "lei que não pegou", "lei que não saiu do papel", "lei para inglês ver", "uma coisa é a lei, outra é a realidade".
Thomas Morus dizia que as leis devem ser poucas e boas. As leis também pressupõem o estado de espírito das pessoas. São estes valores que nenhuma lei impõe: o compromisso com o País, o civismo, o patriotismo.
Dou este depoimento porque a reforma é importante. O Brasil precisa fazer duas grandes reformas: a social e a moral.
O Dr. Alberto Abraão levantou questão muito interessante. Seria possível existir uma política destituída de ética, se a política é a defesa do interesse público?
Na verdade, falamos que a política, na dimensão do ideal, é a defesa do interesse público, a construção do bem comum. A política, numa sociedade diferenciada e de classes como a nossa, que está sujeita a vários outros cortes, também trabalha em defesa de interesses.
Nós, seres humanos, sofremos esta limitação, entre aquilo que queremos, os nossos sonhos, desejos, utopias, e as condições em que vivemos. São as condições humanas, com os seus sonhos e fragilidades enormes, e as fraquezas que se manifestam em todos os sentidos da vida.
Na política, isso é mais nítido ainda, porque é o espaço do poder. Muitas vezes o poder político se articula com o poder econômico, dá status.
Portanto, é importante enfatizar essa situação assim, porque nem sempre a política traduz compromisso com o interesse público, com o bem comum. Muitas vezes a política é deturpada mesmo. Há corrupção, desperdício de dinheiro, malversação ou até mesmo, no limite, representação de interesses não universais.
Exatamente por isso a Ouvidoria é necessária. Todos devemos nos fiscalizar. A fiscalização é fundamental. Tem de haver gente perto de nós, como prega a tradição cristã de que há um anjo da guarda nos fiscalizando, sobretudo quando se mexe com dinheiro público e poder. Quando se trata de interesse público, é como se costuma dizer: o espírito está pronto, mas a carne é fraca. Caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém. É preciso cautela para preservar o interesse público.
Creio que respondi. O Dr. Carlos Augusto falou sobre a reforma política, e o Deputado Pedro Ivo fez uma pergunta mais direcionada ao Deputado Orlando Fantazzini.
Termino agradecendo de coração a oportunidade. Parabenizo as pessoas que aqui vieram. Temos o desafio de colocar cada vez mais a política a serviço do interesse público no Brasil. Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Vou responder ao Deputado Estadual Pedro Ivo, que nos indaga se mantemos um acompanhamento sobre todos os procedimentos. Disse que, na Assembléia Legislativa do Paraná, há vários processos em tramitação; sendo assim, neste Parlamento, como é muito maior, crê que aqui existem muito mais processos. Infelizmente, ou felizmente, não há processo tramitando no Conselho de Ética. É bem provável que não haja nenhum processo tramitando, ou não estamos mantendo nenhum acompanhamento justamente em razão da burocracia.
Uma das virtudes do nosso Código de Ética é que qualquer cidadão pode apresentar sua denúncia. Entretanto, o Conselho de Ética não pode recebê-la, somente a Mesa. Após o recebimento, a Mesa a encaminha ao Corregedor-Geral da Câmara. O Corregedor então vai analisar a denúncia, emitir um relatório e encaminhá-la novamente à Mesa, que decidirá se vai ser arquivada ou encaminhada ao Conselho de Ética.
Essa burocracia toda tem impossibilitado que algumas denúncias já formalizadas, conforme temos conhecimento, cheguem até o Conselho de Ética. Por isso nós, no início, dizíamos que há que se aprimorarem os dispositivos, porque de fato, muitas vezes, o cidadão, indignado, e com razão, afirma que o Conselho de Ética é conivente com os desmandos e favorece a impunidade, devido ao espírito de corpo que reina nesta Casa. Isso não condiz com a realidade, uma vez que sequer esses processos chegam ao Conselho de Ética.
Estamos trabalhando na elaboração de propostas para alterar o nosso Código de Ética. O conjunto representativo dos partidos tem muito mais condições de analisar a procedência ou não de qualquer denúncia do que uma pessoa isoladamente. O aprimoramento do nosso Código de Ética deve considerar a propositura elaborada pelo ex-Deputado Waldir Pires.
Em razão do que o nosso companheiro Vereador está enfrentando no que se refere à aprovação da referida proposta na Câmara dos Vereadores, é preciso dizer que, à época em que foi aprovado o Código de Ética desta Casa, obviamente teve também de se adequar a um conjunto de interesses de vários partidos, a ponto de o Conselho de Ética só poder aceitar denúncia mediante prova. O fato já deve estar provado. Indícios não são aceitos. Se não houver prova, não pode haver aceitação da denúncia. Isso cria várias dificuldades.
Foi aprovado o texto possível. Hoje, com nova Legislatura, há esperança de que o Parlamento, o qual, como bem disse o Deputado Luciano Zica, vem gradativamente sendo depurado pela sociedade, tenha reais condições de promover as alterações necessárias, mantendo, quiçá, maior aproximação com a sociedade.
Disse, por provocação, para pensarmos na possibilidade da participação da sociedade na composição do Conselho de Ética. Podemos também utilizar outros instrumentos, a exemplo da Inglaterra, onde integrantes da sociedade são eleitos para acompanhar a questão da ética e do decoro no Parlamento e nos órgãos públicos. Pessoas que não têm vinculo algum com esses setores são escolhidas para manter o acompanhamento e a fiscalização e, obviamente, também impor as sanções àqueles que extrapolam.
O fato de não haver nenhum processo no Conselho de Ética sinaliza, para alguns, que o Parlamento está atuando, com todos os seus integrantes, na mais ampla observância da ética e do decoro. Essa afirmativa não é totalmente verdadeira. Com certa constância, a imprensa — algumas vezes com justiça, outras vezes muito mais com caráter sensacionalista — apresenta denúncias. Sabemos que há problemas e não nos podemos furtar de fazer o debate e tampouco buscar condições de aprimoramento da legislação para que também, internamente, possa ocorrer essa depuração.
Agradeço aos nossos expositores, tanto ao Deputado Luciano Zica quanto ao Deputado Patrus Ananias, que, por certo, deram grande colaboração para o nosso debate. Estou certo de que dele vamos extrair boas lições, que poderão contribuir para a melhora das nossas ações cotidianas.
Lembro que retomaremos as atividades às 14h, no Plenário nº 7, que é até mais aconchegante do que este amplo plenário. Será abordado o tema Ética Política e Controle dos Gastos Públicos, com a exposição do Sr. Jorge Hage, Subcontrolador-Geral da União; às 14h30min, Decoro Parlamentar — do Processo Disciplinar e das Penalidades Aplicáveis, com exposição do Deputado José Thomaz Nonô, primeiro Presidente do Conselho de Ética desta Casa; e, às 15h, Ética na Política, com exposições de Roberto Romano, professor da UNICAMP, e Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.
Desejo a todos um bom almoço. Renovo o convite para participarem da atividade que vai ocorrer às 13h no hall da Taquigrafia, a Cantata de Natal.
Está encerrada a reunião.