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Entrevista: Abeguar Machado Massera

 

O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – Qual o seu nome, quando veio para Brasília e quando entrou na Câmara.O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Eu me chamo Abeguar Machado Massera, sou natural de Cruz Alta, Rio Grande do Sul, vim para Brasília em 1962 e aqui trabalhei no Departamento Federal de Segurança Pública. Fiz concurso para a Câmara dos Deputados em 1966/1967, e tomei posse em 1968, não me recordo o mês. O cargo para o qual fiz concurso se chamava Auxiliar-Legislativo.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – O senhor se lembra dos seus colegas que tomaram posse na mesma época, em qual lugar foi trabalhar, o que fazia como auxiliar legislativo?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Na Polícia Federal eu era escrivão, assim, fui designado para trabalhar nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Mas houve um desvio interessante. Havia um Deputado, Unírio Machado, e esse Machado tinha parentesco comigo. Eu estava na ante-sala do Diretor-Geral para a posse quando esse Deputado, que estava procurando um funcionário para trabalhar em seu gabinete, me viu e me procurou. Surpreso, conversando comigo, convidou-me para trabalhar com ele. Mas como eu conhecia mais ou menos o gênio forte desse Deputado, recusei, e foi a nossa primeira briga. Ele saiu. Quando retornou, insistiu comigo, insistiu tanto que acabei concordando. Ao invés de trabalhar inicialmente nas Comissões Parlamentares de Inquérito, fui trabalhar no gabinete desse Deputado.

Naquele tempo, Deputado não tinha gabinete. Alguns tinham esse privilégio, como era o caso desse Deputado, que foi durante muitos anos Presidente da Comissão de Economia. Talvez por essa situação ele se ressentisse da falta de um gabinete. Como vocês sabem, naquela época os Deputados dispunham apenas do plenário para fazerem suas cartinhas etc. E esse Deputado tinha um gabinete no vigésimo andar. Então, quando entrei na Câmara, de certa maneira, eu me isolei de todos os colegas, porque fui trabalhar sozinho. De imediato, não tomei conhecimento da rotina da Casa. Só fui tomar conhecimento dessa rotina quando, em seguida, esse Deputado foi cassado por um desses atos institucionais. Dessa forma voltei ao convívio dos demais colegas. Esse foi o início da minha atividade na Casa.

Fui então designado para trabalhar na Sessão de Expediente da então Diretoria de Comunicações, cujo chefe era Joazil Maria Gardés, hoje desembargador no Distrito Federal. Esse foi o início da minha atividade.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – Qual era sua atividade no gabinete do Unírio Machado?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Eu não trabalhei muito tempo com ele, mas comecei cuidando da correspondência, da agenda – eu era muito jovem, estudava Letras na UnB – mantinha contatos, marcava audiências, parece-me que fiz algumas emendas a projetos de lei, não cheguei a elaborar discursos.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – Você se lembra de algum acontecimento engraçado desse período, ou ligado a algum fato histórico que acontecia na época?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Não tenho lembrança de nenhum fato mais significativo. É claro que ocorriam fatos muito interessantes, mas como eu trabalhava praticamente só, numa sala, não havia ressonância dos acontecimentos. Eu ficava na sala sem conversar com as pessoas.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – Depois o senhor foi para a Seção de Expediente. E o que aconteceu?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Essa Seção fazia a correspondência oficial da Câmara, encaminhava os requerimentos de informação, fazia a correspondência que seria assinada pelo Presidente da Câmara, era a Seção que fazia e recebia a correspondência da Câmara. Havia na mesma diretoria uma Seção de Protocolo. Era por ali que entrava e saía a correspondência da Casa.

Eu fiquei ali por algum tempo, trabalhando muito com requerimento de informação, porque quando a Câmara ficou impedida de ter iniciativa legislativa, trabalhávamos muito com requerimento de informação, porque era a maneira de furar aquele tipo de bloqueio. Lembro-me que trabalhávamos muito com esses requerimentos. Fazíamos as ementas para encaminhar para o arquivo e ficar com disponibilização fácil em caso de consulta. Era mais ou menos isso.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – Em síntese, o que era o requerimento de consulta?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Continuamos a ter o requerimento de informações no Regimento. Acredito que funcionava da mesma maneira que hoje. O Deputado elaborava o requerimento, apresentava, ele recebia parecer da Mesa diretora pelo encaminhamento ou não, e o Presidente da Câmara encaminhava o requerimento ao Ministro de Estado ou à autoridade chamada a prestar informações. Havia um prazo, não prestadas as informações, havia a incidência do crime de responsabilidade. Mas nunca tivemos isso, até não era muito o nosso contato, que era o administrativo para execução daquela matéria.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – O senhor disse que era uma forma de amenizar as coisas que ocorriam. De que forma amenizava ao chamar a autoridade?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Indo para um período posterior, vamos dizer assim, já na minha experiência aqui no Departamento de Comissões — eu saí dos Serviços de Administração e vim para o Departamento de Comissões, inicialmente trabalhando na Comissão de Relações Exteriores como Auxiliar. Em seguida, assumi a secretaria de uma das comissões, a Comissão de Desenvolvimento da Região Sul e, posteriormente, a Chefia do Serviço de Administração do Departamento de Comissões, que dava apoio administrativo a todo o Departamento de Comissões.

Uma coisa interessante que acontecia naquela época era o fato de os Deputados apresentarem projetos flagrantemente inconstitucionais. E por que isso? Havia Deputado que fazia muitos requerimentos de informação. Por que também essa maneira de trabalhar? A resposta é que mesmo quando a matéria era flagrantemente inconstitucional, mas era apresentado um projeto, o assunto era colocado em discussão. Era uma maneira que o Parlamentar tinha de levar o assunto para debate. O Diário do Congresso registrava o assunto, e a Voz do Brasil falava que foi apresentado projeto versando sobre tal assunto, que foi apresentado requerimento de informação dirigido a tal autoridade versando sobre tal assunto. Era uma maneira que o Deputado tinha de atuar, porque nem sempre o Plenário está acessível ao Deputado para fazer um discurso. É difícil chegar no plenário e falar. Então, eram as fórmulas que os Deputados encontravam para exercer o mandato, mostrar que aquele assunto precisava ser discutido, precisava ser debatido.

O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – O senhor se lembra de algum projeto dessa época que mereça ser mencionado?

O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Não tenho como mencionar, só fazendo uma pesquisa, porque não tenho guardado na memória, que é apenas dos acontecimentos e não dos detalhes. Mas não é difícil verificar isso nos Anais. Não é difícil encontrar casos engraçados daquele período, como o do Deputado que era Líder de plantão no Plenário e votou contra o projeto que ele mesmo havia apresentado. Foi muito interessante. Ele apresentou um projeto, e coincidiu de ele ser o Líder de plantão no dia em que o projeto entrou em pauta — acho que ele não tinha lido a pauta. Creio que era uma sexta-feira, não havia quase ninguém presente, aí o projeto entrou em votação e ele votou contra o próprio projeto. (Risos.) Não guardei qual era o projeto em si, mas apenas o acontecimento. Isso foi realmente um fato.

O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – E como era a atividade em Plenário nesse período forte? Não houve nenhum problema de registro nos Anais, como foi o caso do discurso do Moreira Alves na época em que ele foi cassado, em que levaram as anotações taquigráficas para não sumirem?

O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Não. Naquela época do discurso dele eu não tinha essa participação. Eu já era funcionário, mas ficava lá na Administração. E na Administração a gente fica escondido às vezes. Você está trabalhando e não acompanha, porque você se acostuma tanto com o alto-falante que não ouve mais. Só quem está mesmo por perto é que tem condições de memorizar alguma coisa, de trazer alguma coisa para registro.

O SR.ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) – E sobre o relacionamento com os colegas na Administração. Havia algum colega especial que chamava a atenção pela maneira especial de trabalhar, de fazer a tramitação de processos ou mesmo de tomar decisões fora do processo?

O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – A minha parte praticamente sempre foi a administrativa. Quando eu fui Secretário de Comissão, não houve nada de relevante. Até é bom quando não acontece nada, porque significa que as coisas estão fluindo normalmente. Eu sempre digo que quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito trabalha o tempo todo e não acha nada é porque está tudo bem. Se todas elas achassem um monte de podridão é que estaria mal. Então, do ponto de vista legislativo, não há.

Há acontecimentos engraçados nessa parte administrativa, porque há uma tensão; quem vive e quem vivia aqui... e hoje o movimento é muito maior. Antes, a assistência ao Deputado era mínima, estava começando tudo. O Deputado não tinha gabinete, trabalhava escrevendo cartinha no plenário. Aí foram feitos os gabinetes no Anexo III, o que já foi um avanço. Os Deputados, quando vinham às Comissões, recebiam assistência no que se refere a um cafezinho, a um funcionário que ficava carregando papel de um lado para outro. Então, não havia muita coisa. Mas houve algumas coisas engraçadas. Minha sala era aqui no corredor, mais para ali, assim, era um plenário de Comissão, eu tinha uma sala desse tamanho aqui, ficávamos eu e os funcionários. O Deputado José Bonifácio, que naquela época era o Primeiro Secretário e que gostava muito de andar, era muito dinâmico, passou na minha sala e sentou-se conosco, contou umas piadas. Conversamos. Ele era muito dado, muito querido pelos funcionários. E ele disse: "Você quer ver uma coisa, como o pessoal daqui gosta de mim. Vamos sair no corredor e você vai ver que todo mundo vai se ajeitar, os funcionários". Eram coisas engraçadas que a autoridade percebia. Às vezes a gente acha que a autoridade não percebe certos detalhes, mas ele percebia. Com aquela envergadura toda que tinha José Bonifácio, ele prestava atenção nas coisas mínimas. Via como todo mundo se ajeitava para cumprimentá-lo.

Na parte administrativa, nós cuidávamos da assistência às Comissões, da realização de simpósios, seminários, mesas redondas, que também eram uma maneira de o Parlamento se manifestar. Então, havia muito simpósio, muito seminário, muita mesa redonda. Eram trazidas autoridades para cá para debater assuntos. Debatia-se, debatia-se. E quem organizava éramos nós. Havia de vez em quando uns casos engraçados. Um Deputado organizara uma pesquisa em âmbito nacional. Não tínhamos praticamente recursos, mas fizemos correspondência dirigida para todas as Prefeituras brasileiras indagando aos Prefeitos como estava a situação da educação nos seus municípios.

E chegou aquele monte de correspondência, e nós fomos processando com grande dificuldade aquilo tudo. E o Deputado na ocasião pegou um resumo e mandou publicar, porque só teria sentido se a imprensa publicasse. Coincidentemente os números dessa matéria estavam errados. Houve um engano para pior. E justamente o Estado a que se referiam aqueles números era o Estado do Ministro da Educação. Então, isso criou um constrangimento para todos nós que estávamos trabalhando. Coitada da funcionária que estava incumbida daquela manipulação. Naquele tempo eram menos de 4 mil Municípios, mas foi um trabalho muito grande. As coisas depois que passam são muito engraçadas, mas que na hora causam constrangimento. O Deputado era o Álvaro Vale e o Ministro da Educação era o Ney Braga, duas figuras excepcionais. Então, como é que você trata esse tipo de coisa? Esse é um negócio complicado para quem trabalha numa Casa grande como esta, que você tem que dar assistência. Fica difícil.

Você pediu um relato sobre relacionamento com colega, com funcionário. Numa ocasião, eu estava em minha sala quando entrou uma copeira esbaforida — naquele tempo, não sei se é assim hoje, havia uma copeira para cada Comissão. Deviam faltar 10 minutos para as 9 horas, e ela estava nervosíssima, quase chorando, dizendo que precisava falar comigo. Eu estava conversando com outra pessoa, e ela me interrompeu, mas me pediu desculpa, e disse que precisava conversar comigo. Eu disse: "Pois não". Problema seríssimo: o saco de coar café está furado. (Risos.) Ela disse: "E eu tenho que resolver esse problema porque vai haver reunião agora, o Presidente chega costuma reunir uma turma no gabinete e pede café. E o que eu vou dizer para ele?". Por que ela estava nervosa? Porque a Administração só abriria às 9 horas, e até lá ela não poderia esperar. Ela tinha que ter café pronto antes. Então, eu resolvi o problema rapidamente. Mas eu estou contando isso para você ver a importância. Porque o Presidente senta aqui, vai debater um assunto da maior relevância, muitas vezes, mas ele não toma conhecimento de que o pequeno funcionário, lá em baixo, colocou um tijolo nessa construção, o que ninguém percebeu, mas que tem um valor enorme. O fato que eu contei a respeito do José Bonifácio e este se assemelham. É preciso a gente ver que a construção também é feita de coisas que às vezes não são percebidas.

Nessa linha, havia aqui um diretor, um colega nosso, era autoridade — não vou citar o nome da pessoa porque não há necessidade disso. Ele era um homem muito inteligente, mas tinha grande dificuldade para liderar. Ele não era um líder. Então, quando queria dar uma volta para fazer uma espécie de uma fiscalização ele me chamava, porque todo mundo me conhecia. Numa ocasião nós estávamos passando no corredor e passamos por um plenário onde havia alguns funcionários do chamado Portaria — naquele tempo eram os Assistentes de Plenário —, que estavam sentados conversando. As bancadas não eram assim, eram de outra maneira. E ele se incomodou com aquilo e entrou. Chegou lá e chamou a atenção da turma: "Vocês, o que estão fazendo aqui desse jeito?" A turma se entreolhou assim, se levantou, eu estava junto. "Não, a gente está aqui..." E ele disse: "Vocês não sabem que não podem ficar aqui, que é proibido?". E saiu. "Podem ir trabalhar". Aí saímos. Horas depois eles me procuraram para saber: "Quem era aquele homem que estava falando essas coisas aqui?" Era um Diretor da Casa. São casos interessantes. Às vezes as pessoas ficam nos seus gabinetes e não percorrem os corredores, a "rua da pobreza", não ficam sabendo das coisas, não se mostram, não dão a cara a tapa.

Tínhamos no Serviço de Administração do Departamento de Comissões muitas coisas interessantes. A semana toda acontecem coisas aqui. De muitas coisas não tomávamos conhecimento. Mas tínhamos aqui um programa muito interessante — não sei se vocês têm isso registrado —, que era o estágio para estudantes universitários. Esse estágio era coordenado por nós. O Segundo Secretário era o membro da Mesa que tomava conta do estágio. Nós é que o administrávamos com a orientação superior do Secretário-Geral da Mesa. E acho que foi um programa muito interessante que houve aqui na Câmara. Muitos dos estudantes que chegavam aqui eram pobres, sem recursos, sem conhecimento de muitas coisas. Alguns nunca haviam viajado de avião nem se hospedado em hotel. De repente a Câmara os trazia como seus convidados para participar do estágio universitário. Pois bem. Aí se hospedavam num excelente hotel — inicialmente era no Brasília Palace Hotel, antes de pegar fogo — e tinham toda a assistência daqui. Recebiam uma mesada, um dinheirinho pequeno, mas recebiam. Nós os orientávamos a serem Deputados. Eles ouviam algumas palestras e recebiam material informativo, e nós dávamos a eles a incumbência de serem Deputados Federais por determinado período. O estágio era inicialmente de 30 dias, depois passou para 15 dias e depois parece que para 1 semana por razões financeiras — ficava caro. Era um programa muito interessante porque permitia aos estudantes ter conhecimento de uma realidade, que eles levavam depois para os seus Estados. Eles apresentavam projeto de lei, eles debatiam, cada um defendendo seu projeto. Um relatava o projeto do outro, para saber como o Deputado tinha que trabalhar. Nós não dávamos orientação técnica quanto ao conteúdo do projeto, mas quanto à forma. Eles tinham de ir à biblioteca para fazer pesquisas, tinham de consultar Anais. Eles ficavam livres. Isso dava a eles a visão do trabalho que é apresentar um projeto. Quando você quer apresentar um projeto você tem dificuldade porque tudo já foi apresentado. E como você pode relatar um projeto? Você não pode sair dizendo qualquer coisa, você precisa ouvir a sociedade, você precisa ouvir os outros colegas. Eles estudavam a dimensão do trabalho que era exercido pelo Deputado, além do conhecimento do mundo.

Houve um caso engraçado numa ocasião. Nós almoçávamos com eles no hotel aos sábados, era uma confraternização. E lá no Brasília Palace aos sábados era servida feijoada. Um rapaz que era muito pobre e nunca havia comido feijoada, nem sabia o que era, comeu aquele molho de pimenta, naquela tigelinha, pensando que aquilo já era... (Risos.) o início da feijoada. Isso dá a dimensão da contribuição que a Câmara deu a essas pessoas.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - Você trabalhou na Comissão de Relações Exteriores. Você chegou a conhecer um programa que a Câmara desenvolveu, uns filmes que passavam no Plenário Nereu Ramos, da Comissão de Relações Exteriores — não, não era da Comissão de Relações Exteriores? Acho que era na quarta ou na terça-feira que passavam algumas avant-prèmier de filmes que ainda não tinham entrado no circuito comercial, uma sessão exclusiva para os Deputados e funcionários mais graduados da Câmara. Você não está lembrado disso?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Lembro, mas nunca assisti. Nunca me foi possível. Agora, isso aconteceu mais dinamicamente depois que eu saí.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - Você se lembra a época que isso ocorreu?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Eu fui funcionário da Comissão de Relações Exteriores em 1973. Então, tem 30 anos. Mas esse assunto dos filmes veio mais tarde um pouco.

O plenário da Comissão de Relações Exteriores, quando eu era funcionário da Comissão, não era o Auditório Nereu Ramos, era Plenário da Comissão de Fiscalização Financeira e Tomada de Contas.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - Era aquele primeiro plenário na ponta de lá, não era?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Não. O corredor está ali, a entrada principal está ali. O primeiro plenário era o das Relações Exteriores, do lado de lá, o segundo era uma sala privativa das Relações Exteriores, porque a Comissão tinha que ter uma sala para receber autoridades. Em seguida o que foi depois o Nereu Ramos, hoje não é mais, não sei nem o que é hoje.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - O Nereu Ramos passou para fora da projeção do prédio, no subsolo, e esse prédio foi transformado em plenários na parte de baixo, com pé direito mais baixo, plenários pequenos, médios e grandes, para atender a todas as Comissões. Não há mais um plenário de uma Comissão.

E depois desse período que você passou nas Comissões, para onde você foi?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Bom, de Chefe do Serviço de Administração do Departamento de Comissões eu passei a Diretor da Coordenação de Comissões Temporárias. Depois eu fui chefiar o Gabinete do Primeiro Secretário, Deputado Furtado Leite. Eu não o conhecia. O Diretor-Geral me indicou. Eu fui para lá.

Na 1ª Secretaria são tratados os assuntos administrativos. Naquela época a Câmara tinha um problema de remuneração dos funcionários. Havia sessão extraordinária, depois não houve mais sessão extraordinária, a legislação interrompeu isso. E os funcionários da Câmara sempre tiveram um problema muito sério de ganhar uma quantia na atividade e uma quantia bem menor na inatividade. Então, foi feita uma nova legislação criando a gratificação, que na época se chamava gratificação especial de desempenho. Havia um projeto na 1ª Secretaria de estender aos servidores aposentados essa gratificação. Imagina a romaria dos funcionários no gabinete da 1ª Secretaria. Tínhamos que tratar isso com muito jeito, muita consideração e muito zelo. E ao final isso foi aprovado, foi solucionado. Mas nós recebíamos ligações telefônicas principalmente do Rio de Janeiro, naquela época o número de aposentados no Rio de Janeiro era muito grande. Os que moravam em Brasília faziam uma espécie de um rodízio, de plantão. Então, esse era um assunto que nos assoberbava bastante.

Havia casos legislativos que nos davam muito trabalho. Qualquer matéria de natureza administrativa que fosse apresentada, que passasse no plenário e que dissesse respeito à Câmara tinha que passar pelo 1º Secretário. Aliás, tinha que passar pela Mesa. Se a Mesa apresentasse um projeto de resolução regulamentando alguma coisa na Casa e esse projeto sofresse uma emenda, por exemplo, era devolvido à Mesa, que é a Comissão Diretora. Então, voltava à Mesa para que apreciasse aquela emenda. Quem na Mesa recebia a matéria para fazer o parecer era o 1º Secretário. Era uma dificuldade muito grande que tínhamos — você sabe que o cobertor sempre é muito curto.

Quando eu assumi a chefia do gabinete, perguntei ao Secretário se tínhamos assessoramento para trabalhar. Ele disse que sim. Eu disse: "Se tem assessoramento, não tem problema, porque de trabalho a gente dá conta." Mas acontece que não tinha; tinha e não tinha. Uma dificuldade. E às vezes chegava um projeto urgente, e era preciso fazer o parecer. E aí como é que faz? Entre as atividades que exercia, eu tinha que redigir. Acontecia muito de eu estar dormindo e de madrugada acordar, e surgia a solução. Quando há um problema para resolver, a gente sabe mais ou menos a solução que tem que ser dada, mas é preciso achar as palavras para traduzir o pensamento. Então, às vezes acordava com aquele problema na cabeça e surgia a solução. Eu aprendi a manter na minha mesa de cabeceira um bloco e uma caneta. Eu anotava... Às vezes preparava o parecer em casa, de madrugada. Se não fizesse assim, de certas palavras que têm um significado correto não me lembraria mais. Isso aconteceu muitas vezes. Então, na parte legislativa a dificuldade era essa, no mais a gente resolvia.

Uma dificuldade que a 1ª Secretaria tinha era a distribuição dos gabinetes. Depois foi construído o Anexo IV. Distribuir gabinetes para Deputados aparentemente é uma missão fácil, mas era uma das coisas mais difíceis que havia aqui. Eu também distribui apartamentos, porque fui Diretor de Habitação. Então, também tive esse problema dos apartamentos. Mas o gabinete era mais difícil porque o Deputado tinha aquilo como uma espécie de uma barganha política. Quando ele perdia a eleição, era um jeito de trazer um amigo, um colega de partido, alguém que ele queria bem. Às vezes o Deputado tinha sido eleito para outra coisa e não estava perdendo nada, estava era melhorando sua situação. Também havia interferência de todo o gabinete, porque os funcionários que trabalham com o Deputado, quando o Deputado perde a eleição, ficam em situação terrível, coitados. Quem é funcionário e tem a situação resolvida não tem problema nenhum, mas para o funcionário que trabalha com um Deputado, por confiança do deputado, a situação é triste. Eles tratam de fazer contatos para ver se os novos Deputados que assumem aqueles gabinetes; mostram serviço para ver se aquela pessoa os aceita como funcionários; eles estão cuidando da vida deles. Isso é legítimo, e temos de compreender, mas criava um problema terrível. Deputado passava gabinete para Deputado, o que não podia ser feito. É preciso haver um mínimo de ordem; do contrário, há dificuldade para administrar.

Quem distribui gabinete na Casa é o 1º Secretário. Então o 1º Secretário é quem tinha que dar esses gabinets. De manhã, havia uma situação, aquele mapa de 500 e tantos gabinetes — naquele tempo não era esse tanto, mas quase isso. Sai esse, entra esse, o outro troca com esse. De noite aquilo tudo tinha mudado. É uma das missões complicadíssimas que temos na Casa dos Deputados. Porque quem manda aqui é o Deputado. O Deputado aceita que se diga não a ele, mas tem que dizer não e mostrar o porquê.

É preciso administrar uma Casa como esta, que tem tanta gente, com critério, para não fazer uma coisa para um e deixar de fazer para outro. Acontecia às vezes de Deputado chegar na minha sala e dizer: "Abeguar, eu quero tal coisa." "Mas, Deputado, isso não pode." "Mas o que é isso? Você fez para fulano." "Não, não." O Deputado saía meio zangado, mas saía. Depois eu ficava sabendo como era a história. O fulano dizia para o outro: "Passa ali que o Chefe de Gabinete está dando tal coisa." Era uma maneira de ver se era mesmo. Porque às vezes corria um boato que tinha alguma novidade. Se a gente não tomava esse cuidado, podia se dar mal. Uma vez falei isso para o 1º Secretário. Ele disse para mim: "Você pode fazer do jeito que você faz. Você lá no seu lugar. Mas eu não posso. Se eu tiver um critério, eles já sabem como é e não vêem aqui conversar comigo. Então, eu deixo de decidir politicamente." É o critério de não ter critério para tomar a decisão. Uma maneira de ver. É uma das coisas que se aprende aqui.

O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - Nessa época você se lembra de algum fato complicado de Deputado que perdeu mandato e tinha que sair do gabinete, mas não o desocupava, e os novos estavam chegando e você tinha que instala-los? Você teve algum problema mais sério?

O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Sim, mas não tenho os nomes. Não é que não queira dizer os nomes, não me lembro. Houve mais de um caso. Deputado que ia empurrando ou Deputado que às vezes abandonava o gabinete, envolvia-se bastante com os funcionários e os autorizava a fazer a negociação para ver ser eles conseguiam ficar no gabinete. Então, dava certa intranqüilidade, dava trabalho para resolver, mas aqui a gente sabe que tem que resolver tudo na conversa. Vai levando, vai levando, acaba dando certo.

Algo interessante acontecia mais ou menos nessa linha na habitação. Uma coisa melancólica era o Deputado que perdia a eleição e ia entregar o apartamento, o que fere mais que entregar o gabinete. Lá é a casa dele; é a família, não é? O Deputado às vezes chegava e a gente ia conversar. Eu sempre os atendia com muito carinho e com muito respeito. Havia Deputados que contavam a história toda de por que haviam perdido a eleição.

Quando o Deputado chegava para contar essa história é porque estava desabando. Nós tínhamos que tratá-lo com muito carinho. Às vezes era um grande nome, fora um Deputado brilhante. Mas essas coisas acontecem, perdem a eleição. Não é que ele fique desempregado, é porque isso magoa muito. Só eles é quem sabem! Porque não somos Deputados, não sabemos exatamente, mas temos uma idéia. Isso magoa tanto em alguns casos que eles ficam derrotados. Era uma coisa que eu prestava muita atenção. Procurava dar muita atenção. Recebi sempre da Diretoria-Geral da Câmara todo o apoio para isso, porque era uma coisa muito desagradável para o Deputado.

Havia Deputados que retardavam a entrega. Havia casos de desemprego mesmo, tinha que retardar um pouco a entrega do imóvel para que pudesse organizar a vida. Mas a Câmara sempre deu apoio, nunca hostilizou os perdedores.

O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - E a parte administrativa? O 1º Secretário era responsável pela parte administrativa e a Diretoria-Geral era pela executiva. Como era esse relacionamento? Como você ficava nesse meio?

O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Aparentemente há uma disputa entre um lado e outro, o lado legislativo e o administrativo. Não sei hoje, mas antigamente havia uma aparente disputa. Digo aparente, porque as duas peças principais sempre se deram muito bem, sempre foram amigas, naquele tempo e hoje continuam também.

Na parte legislativa, eu dava o apoio às Comissões. Eu também tinha muito apoio da Diretoria-Geral e do Secretário-Geral. Mais de uma vez elaborei texto de resolução. Eu levava um assunto para o Secretário-Geral, tínhamos que regular. Uma coisa até interessante. Ele me dizia: "Então, faz um projeto de resolução e me traz." Eu fazia o projeto, mas no estudo, às vezes achava o texto pronto, a matéria já estava regulada, evidentemente que com outras palavras. Eu dizia: "Está pronto isso aqui, é só mandar cumprir. " Ele dizia: "Não, essa não tem jeito de cumprir." Era uma matéria antiga, tinha que fazer uma nova, porque a nova o pessoal quer cumprir, mas a antiga, não. Ninguém gosta que alguém ressuscite alguma coisa e diga que ela tem que ser cumprida. Então, tinha que fazer uma nova.

O relacionamento era muito bom. Eu levava, por exemplo, os simpósios e seminários que exigiam despesa e fazia um demonstrativo, um orçamento. Todas as despesas passavam pelo Secretário-Geral, que dava uma vista de olhos e concordava, dava uma assinatura, e eu ia para o Diretor-Geral. Nós fazíamos reunião com o Presidente da Comissão, eu, o Diretor-Geral e o chefe da ADIRP

[ADIRP - Assessoria de Divulgação e Relações Públicas antecedeu a SECOM - Secretaria de Comunicação Social], na época — não sei se hoje tem outro nome —, o Diretor da Taquigrafia, o Diretor das Comissões, enfim todo o corpo da Casa que se envolvia com a matéria participava da reunião para discutirmos o que tinha que ser feito, qual a linha de ação. O relacionamento sempre foi bom, sempre se cumpriu isso exatamente, sem problema nenhum.O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - E depois da Habitação e da 1ª Secretaria, para onde o senhor foi?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA – Os cargos que eu exerci pela ordem: Secretário da Região Sul, Chefe do Serviço de Administração, Diretor da Coordenação das Comissões Temporárias, Chefe de Gabinete do 1º Secretário, Chefe de Gabinete do 3º Secretário, Diretor de Habitação, novamente Chefe de Gabinete do 1º Secretário, depois Chefe de Gabinete do Presidente por duas vezes. Aí, eu me aposentei.[faz a reunião] onde tiver vago. Logo vi que ali tinha "qualquer coisa". Felizmente eu consegui localizar o Presidente da Comissão. Porque aparentemente estava tudo direitinho: era um Vice-Presidente e era um Líder de partido. Só que naquele tempo era ARENA e MDB. O Presidente da Comissão era da ARENA, o 1º Vice-Presidente também e o 2º Vice-Presidente do MDB. O 1º Vice-Presidente só poderia realizar a reunião na ausência do Presidente da Comissão. O Presidente não estava ausente, ele só não estava na Casa naquele momento. Mas como não havia sido convocada nenhuma reunião, o Vice-Presidente não podia simplesmente convocar uma reunião, dizer que ia fazer uma reunião e considerá-la como reunião da Comissão. Eu vi isso e pensei: "Esse negócio aqui não vai dar certo." Liguei para o Presidente da Comissão, consegui localizá-lo. Ele estava em Brasília, e disse: "Eu não vou até aí, mas você não faça nada." Ele não viria até aqui para não haver uma briga política. Tive de enfrentar a situação e dizer ao Líder e ao Vice-Presidente da Comissão que não instalaria, que não autorizaria. Se quisessem fazer a reunião sem a participação da Administração, não haveria impedimento. Foi a minha posição. Houve discussão, brigaram comigo. Tudo em termos, evidentemente. No fim perceberam que não conseguiriam nada. Havia junto com eles algumas pessoas que não eram da Casa que tinham vindo pedir providências. Quando pessoas, geralmente dos Estados, estão presentes é o chamamento popular, e o Deputado tem de mostrar que está aqui para trabalhar em prol do povo. No fim, deu tudo certo. Ao contar esse fato hoje, parece não ter sido nada. Mas, no momento em que essas coisas acontecem, essa efervescência é difícil de conduzir. Afinal, naquele momento estava presente o Líder da Oposição. O SR. ENTREVISTADOR (Carlos Henrique de Oliveira Porto Filho) - Em todo esse período, o senhor vivenciou algum fato histórico de forma mais intensa?O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Alguns discursos, alguns acontecimentos na Casa. Nada tão notório de coisas acontecidas e que sejam apenas do meu conhecimento e de algumas pessoas. Há casos assim, mas que não guardamos para depois focalizar. Às vezes passa e a gente não tem bem na memória os acontecimentos dessa natureza, não é? Posso referir-me a alguns fatos. A Câmara cassou o mandato de um Deputado, porque tirou umas fotografias de cueca. Foi um caso de a Câmara ter cassado um Deputado. Depois, houve uma iniciativa de um controle mais rígido da presença dos Deputados na Câmara. Por causa dessa decisão, a imprensa começou a cobrar também. Havia um apelo muito grande para se implementar mesmo essa decisão tomada. Finalmente, dois Deputados foram cassados por falta. Lembro-me claramente que a discussão da Mesa para a primeira cassação de mandato parlamentar por falta. Todos que participam de um processo como esse sabem o quanto dói "você tirar um pedaço de você". Então, para cumprir aquele mandato, foi dificílimo. Depois veio a decisão... porque a decisão sai muito lacônica: "A Mesa decidiu etc, tá tá tá...". Mas quem participa do debate, sente a dificuldade do Presidente e dos membros da Mesa de debaterem aquele assunto e de terem de admitir que têm de cassar um colega. Isso é um fato muito interessante. Às vezes se noticia que houve uma "decisão histórica" e tal... mas que é sempre sofrida, é!. Pode ser até de um partido completamente divergente... mas que dói na carne, dói... você tirar um pedaço de você.O SR. ENTREVISTADOR (Casimiro Pedro da Silva Neto) – Vamos entrar um pouco na parte da história da Câmara dos Deputados. Pelo depoimento prestado até agora, notamos que o senhor esteve presente na Casa num período crítico. Chegou em 1968, em plena efervescência, na Ditadura. Houve o fechamento da Casa no dia 13 de dezembro, o Ato Institucional nº 5, depois a Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Como o senhor se sentiu naquele momento, chegando na Câmara e pegando uma fase tão crítica como aquela? O senhor deve ter chegado antes do fechamento do Congresso.O SR. ABEGUAR MACHADO MASSERA - Houve pavor generalizado. Lembro-me do caso de um Deputado que depois foi Líder, depois foi Ministro de um tribunal superior. Eu vi a sola de seu sapato furada, quando a Casa foi fechada. Ele era e é um homem decente. Outro dia encontrei-me com ele; ele mora aqui em Brasília. Essa situação dá a medida da dificuldade que todos passaram aqui; os funcionários. Eu até não sofri. Eu havia recém-entrado na Casa e eu era professor, tinha outro emprego, dava aula à noite. Eu nunca havia feito uma hora extraordinária na Casa, conseqüentemente, nunca havia ganho um centavo de hora extra; porque eu estudava de manhã, trabalhava à tarde e dava aula à noite; que horas que eu ia fazer? Então, o meu ganho continuou o mesmo. A Casa parou, ficou tudo muito quieto, muito silencioso. [trecho acrescentado pelo entrevistado na revisão do texto]. A Casa trabalha muito; debate muito. A presença da Câmara dos Deputado no contexto permite sustentação, equilíbrio. Ela poderia sofrer modificações. Alguns dizem que é muito grande, poderia ser menor. Outros, que poderia ser maior, ou, em vez de duas Casas, apenas uma. Questões de forma. Essas questões podem ser debatidas. Mas a existência da Câmara dos Deputados é fundamental na vida do cidadão. Em última análise, entre todos os Deputados que aqui trabalham, sempre podemos achar um que nos ouça e queira nos defender.