Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - TV CÂMARA

EVENTO: Entrevista

N°: ESP011/00

DATA: 13/12/2000

INÍCIO: 9h

TÉRMINO: 12h09min

DURAÇÃO: 3h09min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 3h09min

PÁGINAS: 57

QUARTOS: 38

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Ex-Comandante do II Exército.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o Sr. Reynaldo Mello de Almeida.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

 

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 27/05/2010
            O  SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Antes de começar o depoimento, fale sobre sua origem social, sua educação, o ambiente familiar, os primeiros tempos. Fale do seu pai, o Ministro da Viação de Getúlio Vargas, o escritor José Américo de Almeida. Fale sobre a entrevista que ele deu a Carlos Lacerda e que derrubou Getúlio.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eu nasci em 1914. Foi a época da Primeira Grande Guerra. Meus pais, José Américo de Almeida e Alice Mello de Almeida. Eu fui o primeiro filho, o primogênito.

Meu pai, naquele tempo, era Procurador-Geral do Estado, aos 25 anos, o que era uma situação anormal, porque a Justiça era privilégio dos mais velhos. Andava de fraque em plena mocidade. Esse meu nome de Reynaldo foi decorrente de um tio meu português, irmão da minha mãe, que veio para o Brasil e se interessou pelos problemas do Amazonas. Largou-se para lá e lá faleceu. Isso marcou a minha mãe. Daí o nome de Reynaldo, com y, de origem portuguesa.

A minha educação inicial foi muito rígida. Eu nunca frequentei uma escola primária. Eu tinha professores em casa que me preparavam. Entrei diretamente para o Lyceu Paraibano, que era o curso onde se fazia a parte secundária.

Era bem preparado em casa e tive um relativo destaque na fase inicial, apesar da minha idade. Eu terminei o curso do Lyceu com 15 anos incompletos. No Lyceu, eu passei a conviver, no ano de 1929, com a parte política. Tinha surgido a Aliança Liberal. A Paraíba engajou-se nesse setor, porque João Pessoa foi escolhido Vice-Presidente do Getúlio. E a campanha da Aliança Liberal, particularmente em João Pessoa, foi muito ativa, muito agressiva.

Eu pertencia ao Grêmio 25 de Agosto, que era um grêmio estudantil. E como tocava piano, particularmente o Hino Nacional, e tinha boa memória, e decorava os discursos de João Neves, de Batista Luzardo e de tantos outros que lá estiveram, fiz comício pelo interior pró-candidatura da Aliança Liberal. Participava também dos comícios do Estado. Eram comícios bastante frequentados, porque a Aliança Liberal empolgou particularmente a classe estudantil, a Escola Normal, o Lyceu Paraibano e o Colégio Diocesano.

Os oradores eram tribunos do povo: Gambarra, João da Mata, Antônio Bôtto de Menezes, que falavam para o povo aquela linguagem de que o povo gostava.

Terminado o curso, em 1929, como não existia faculdade na área de João Pessoa, fui mandado para o Rio de Janeiro, aos 15 anos incompletos.

O sonho de meu pai era que eu fosse bacharel. Ele tinha uma boa biblioteca, tinha tido sucesso na carreira, e era tradição no Nordeste que o filho seguisse a carreira do pai. Eu não sei por que me encaminhei para a carreira militar.

Fomos 4 companheiros para o Rio, e eu fiz vestibular na Faculdade de Direito, a velha Faculdade de Direito do Catete. Ao mesmo tempo, tentei entrar na Escola Militar, em um curso chamado Curso Anexo, que era um curso de preparação de entrada para a Escola.

Devo muito a minha entrada na Escola ao General Aurélio Lyra, naquele tempo capitão. Porque meu pai era amigo do pai dele, que era Senador. Eu fui encaminhado a ele para que me ajudasse no ingresso na carreira militar. Tive dificuldade de entrar, porque era míope — o Exército fazia restrições às miopias. Mas não sei por que cargas d’água fui matriculado no curso preparatório com mais alguns companheiros paraibanos, dos quais se destacam Sadi Toledo, de família tradicional da Paraíba, e José Estácio Correia Sá e Benevides. Eram os meus amigos mais estreitos na Escola Militar.

Tive grande dificuldade de frequentar o curso, porque o ensino da Escola Militar tinha nível muito mais elevado do que o ensino nos Estados, particularmente no Lyceu.

Mas entrei no primeiro ano. Peguei professores que se marcavam na Escola Militar como elementos exigentes e excelentes professores — particularmente o meu professor de Física, um dos assuntos que estudávamos para lá entrar. Mas entrei bem.

Naquele tempo, na Escola Militar, existia em junho umas provas parciais. Quem não atingia determinada média era automaticamente desligado e excluído. Chamava-se carro do pombo.

Eu passei bem e cheguei ao fim do curso. Fui matriculado na Escola Militar. Nesse tempo, entrava na Escola Militar de Resende um outro paraibano, o General José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que trazia para nós um estigma de herói da Primeira Guerra. Era o elemento realmente que tinha tomado a iniciativa no campo dos carros blindados. Ele veio para o Brasil, trouxe uma pequena porção. E, pela primeira vez no Brasil, instalou-se na Vila Militar uma unidade de carros de combate. Essa unidade ainda está lá no museu.

José Pessoa era um homem de grande carisma e realmente deu uma visão diferente à Escola Militar, quando começou a sonhar com a mudança da Escola Militar de Resende para Agulhas Negras. É interessante. Ele participou desse estudo e também dos estudos para a instalação de Brasília. Era um homem conceituado, um excelente comandante.

Continuei a ter dificuldade no primeiro ano. Comecei a melhorar a partir do segundo ano. Nas férias do primeiro ano eu fui passar em João Pessoa. Foi quando conheci o então Tenente Ernesto Geisel, que comandava uma bateria de artilharia e tinha vindo do Rio de Janeiro após a Revolução de 30.

Frequentando já o Ernesto Geisel é que eu me orientei para ser oficial de artilharia. E tinha uma coisa que se marcava em mim. Ele tinha recebido de presente do Lundres um cavalo que chamava Amulê, um puro sangue inglês, que não podia correr porque tinha defeito de respiração, mas que dava excelente montaria. Montar num cavalo daquele em João Pessoa, um puro-sangue, você aparecia na rua com  relativo destaque, viu! E ele confiava a mim esse cavalo. Durante o tempo em que eu estava lá, eu saía passeando pela cidade nesse cavalo, com alguns problemas, porque era um cavalo inteiro. Ele realmente me deixou muitas vezes na rua, tinha que entrar no quartel praticamente com a rédea na mão, pois era um cavalo muito enérgico, mas uma beleza de animal.

Com o General Ernesto Geisel, naquele tempo tenente, eu comecei a tomar conhecimento dos problemas de artilharia. Ele me contava da sua participação na Revolução de 30, em São Paulo. E um fato que eu não esqueço era o de que ele era tido como um homem corajoso, intrépido. Ele o era. Mas ele explicava esse conceito que tinha perante os companheiros da Revolução. Naquele tempo, a preparação do tiro era feita em pranchetas. As pranchetas eram colocadas nos observatórios, e, para fazer o cálculo necessário ao tiro, ele ficava em pé na prancheta calculando, e todo mundo pensava que ele estava lá realmente dando uma demonstração de coragem, quando, na verdade, estava fazendo os cálculos. Absorvia-se nos cálculos e se esquecia do perigo.

Contava outras histórias da Revolução. Isso me levou a escolher, na Escola Militar, a artilharia, a que pertenci durante muito tempo. Eu me entusiasmei com a arma, e isso devo a ele.

Nesse período de cadete é que começa realmente uma ligação muito estreita minha com o General Ernesto, que tinha por mim carinho muito grande e me tratava praticamente como filho. Assisti aos seus primeiros namoros lá com paraibanas. Ele namorava a filha de um jornalista muito conhecido, chamado Celso Amariz. A menina do Celso era muito bonita, mas o namoro não deu resultado.

Eles tinham uma pensão na Gameleira, na praia de Tambaú, onde de tarde nós nos reuníamos para conversar. Quando terminava o expediente, ele ia para lá. Tinha outros companheiros. Inclusive me lembro do Pompeo, um engenheiro comunista, que privava com ele, era das obras contra as secas. Daí inicia-se essa minha ligação e amizade com o Tenente Ernesto, naquele tempo, e durou toda a vida.

Meu pai me apertava muito nos estudos. Mas tinha tido uma atividade muito grande e, naquele tempo, passou a ser Secretário do Governo de João Pessoa. Pegou inclusive a chefia do movimento contra o Zé Pereira em Princesa. Ele assumiu pessoalmente a direção das operações. Zé Pereira era um político que tinha rompido com João Pessoa, por motivos eleitorais, ligado a outro ramo da família, que era o Pessoa de Queiroz, de Recife, de quem recebia apoio. E o grande objetivo daquela área, inclusive de Zé Pereira, era tirar o João Pessoa do governo, porque enfraqueceria, de certa maneira, a Aliança Liberal.

A campanha foi muito dura, muito sofrida. Eu mesmo tive que tomar parte. Pelo meu pai, eu tinha que tomar posição mais ativa, e eu tomei parte daquele episódio de Água Branca, em que o então Secretário mandou uma coluna despreparada, de cerca de 200, 300 homens, para o interior, constituída de elementos reformados, e nós fomos vítimas de uma emboscada. Eu tinha 15 anos. Lembro-me de que me coloquei debaixo de um caminhão, junto de uma roda, e de lá eu não saí, a não ser para voltar para casa. É um episódio que se marcou na minha situação na Paraíba.

Como disse, fui mandado para o Rio de Janeiro, fiz o vestibular da Faculdade de Direito, e entrei para a Escola Militar. Frequentei a faculdade de Direito até o terceiro ano.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Desculpe-me interrompê-lo, General. Eu só queria esclarecer um episódio. O senhor é filho de um grande político, de um advogado bem-sucedido, que queria vê-lo na mesma profissão. O senhor chegou a prestar vestibular para a Faculdade de Direito. Qual foi o fato determinante dessa sua opção pela carreira militar? Aconteceu alguma coisa que lhe levou a isso?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A minha opção pela carreira militar se deu por motivo muito simples, que se marcou. O vestibular que fiz para a Faculdade de Direito me deixou impressionado pela corrupção existente. As questões passavam de mão em mão. Na realidade, não havia seriedade no concurso, enquanto na Escola Militar a rigidez na execução das provas era muito grande. Os chefes, os professores eram até exigentes demais. Então, essa diferença de característica de uma escola para outra me levou a optar pela Escola Militar.

Além disso, há outro fato. Eu estava matriculado na Faculdade de Direito, havia a Revolução de 30, e eu passei por média sem nunca ter frequentado uma aula na Faculdade de Direito. Na Revolução de 30, o comandante da minha área militar era o então Capitão Lott, Henrique Teixeira Lott, e recebemos a missão de guarnecer o quartel-general e fazer sua defesa.

            Foi lá, durante um pequeno entrevero, que praticamente perdi a falange direita. Foi um tiro que ricocheteou e pegou no meu dedo, levou parte do dedo, o que marca bem para mim esse episódio da Revolução de 30 na Escola Militar.

            Poderia falar muito da vida militar, mas acredito que existem perguntas mais interessantes que eu devo responder. Eu me reservarei a tocar em outros assuntos quando esses assuntos forem explorados.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Há uma entrevista do Dr. José Américo ao Carlos Lacerda, publicada pelo Correio da Manhã, que derrubou o Estado Novo. O senhor poderia falar a respeito do que o Dr. José Américo sofreu na ditadura. Ele chegou até ter prisão domiciliar, prisão residencial. Depois houve a entrevista dele que foi um desabafo e que, na verdade, marcou a derrubada do Getúlio.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Meu pai tinha sido eleito Deputado Federal pelo Estado da Paraíba, quando veio para o Rio, e foi depurado, apesar de ter sido o candidato mais votado do Estado, ele e os demais companheiros. Isso marcou para meu pai uma posição política em relação ao governo de então.

            Em torno de meu pai existia um grupo de políticos, particularmente mineiros, como o Melo Franco e outro que não me lembro, que queriam que meu pai tomasse posição mais ativa em relação ao combate ao Getúlio.

Um belo dia, Carlos Lacerda chegou lá em casa e conseguiu a entrevista, sob a promessa de que seria publicada no Correio da Manhã. Naquele tempo, foi o único órgão da imprensa que se prestou, devido à censura existente, a fazer essa publicação.

A entrevista foi feita lá em casa, na Rua Getúlio das Neves, entre meu pai e Carlos Lacerda, que a levou pessoalmente ao diretor do Correio da Manhã, que, se não me engano, era o Bittencourt.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Paulo Bittencourt.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Paulo Bittencourt. Dois dias depois, meu pai se manifestou outra vez, aí já em outro jornal, cujo nome não lembro, para lançar a candidatura de Eduardo Gomes.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor era Comandante Militar do Planalto...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Desculpe-me, Tarcísio. Antes eu queria saber algo pessoal do senhor. O senhor era filho de um político, tinha política no sangue, a política dentro de casa, participou desses eventos na Paraíba. Na sua formação ideológica, quais foram as grandes influências que o senhor teve, em termos de convivência pessoal e em termos de leitura, vamos dizer assim? O que o senhor acha que formou a sua consciência política, as suas convicções ideológicas?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eu tive no Exército grandes chefes militares, elementos carismáticos, elementos comandantes, elementos de atitudes, o General Álcio Souto, o General Júlio Teles de Menezes, um homem que hoje em dia reverencio, porque era de uma integridade fora de série, excelente companheiro dos seus subordinados, e que segurava o General Álcio Souto nos seus ímpetos como comandante. O General Souto era um homem um pouco irascível.

O General Júlio Teles de Menezes morreu quando era Diretor de Material Bélico. Houve uma explosão dos paióis de Gericinó. Ele sofreu tanto em consequência dessas explosões, culpando-se por não ter tomado medidas preventivas que poderiam ter evitado aquele acidente, que isso o levou a falecer.

Tive outros chefes. Porque eu frequentei durante muito tempo escolas, particularmente a Escola Superior de Guerra, da qual sou praticamente um dos fundadores. Trabalhei lá com o General Cordeiro de Farias, com o General Juarez Távora e com uma série de líderes e militares que adotavam a doutrina americana que tinha sido trazida para cá na implantação da Escola, transformando-se na doutrina brasileira, que terminou com o trabalho do General Castello Branco.

Na Escola do Estado-Maior frequentei praticamente 4 cursos, assistindo conferências quase diárias de grandes lideranças e de elementos de grande valor da sociedade brasileira. Porque nesse tempo, o Congresso funcionava aqui, e grande parte dos Deputados e Senadores frequentavam a Escola em cursos especiais, assistindo às conferências e debatendo. Foi lá que tive o prazer de conhecer San Tiago Dantas. E se marca em mim a presença de San Tiago Dantas. A Escola exigia que todas as palestras fossem dadas por escrito. E o San Tiago Dantas chegava à cátedra, com um papel escrito, botava-o em cima da mesa e falava de improviso como se estivesse lendo. Os debates de San Tiago com o General Castello, o General Golbery e tantos outros nos empolgavam. Eu cheguei a gravar grande parte desses trabalhos. Cedi a alguém que ia escrever um livro sobre Castello, que não me devolveu essas gravações.

Então, minha cultura geral, cultura básica, foi mais fruto da permanência nessas escolas —de assistir às conferências e aos debates que, como aluno, era obrigado — do que propriamente da leitura dispersiva que fazíamos em consequência dos estudos decorrentes. Depois das conferências, nós nos reuníamos e tínhamos de abordar o assunto. E, para abordar o assunto sob outros aspectos, tínhamos de consultar a biblioteca da escola, que era uma biblioteca bastante importante.

Eu diria que a minha cultura geral decorreu desses contatos, mas a minha formação básica se deu no campo profissional, porque eu tive oportunidade de ser instrutor da Escola do Estado-Maior, da Escola de Defesa Antiaérea, passei mais de 12 anos como instrutor em campos profissionais e, consequentemente, me empolgava pelos assuntos.

Por exemplo, eu fui um dos introdutores da artilharia antiaérea no Brasil, recebendo material alemão, criado pela Alemanha e que tinha sido apreendido na Itália e, depois, liberado pelos americanos para vir para cá, os célebres canhões 88, os diretores de tiro de Koch 9-SH, o que era uma novidade muito grande. E nos empolgava esse material, porque nós tínhamos lido muito sobre a Guerra Espanhola, em que esse material serviu de experiência, com grande êxito.

Então, em termos culturais, eu diria que minha cultura básica foi profissional. Minha cultura geral foi complementar, em consequência dessa frequência em escolas e, depois, por exercício da função. Um general, em qualquer posição que esteja, tem que frequentar a sociedade, tem que participar de debates e reuniões. Quer queira, quer não, tem que se preparar para esse assunto. Eu estou aqui dizendo basicamente de minha cultura profissional porque eu nunca exerci cargo público civil. A minha vida se deu toda em torno dos quartéis, em torno das escolas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na crise de.....

(falha na gravação).

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Quando terminou meu período na Escola Superior de Guerra, depois de uma permanência longa, um dos elementos que lá trabalhavam, General Pope de Figueiredo, foi nomeado Comandante Militar de Brasília e me convidou para ser seu Chefe do Estado-Maior. Era o segundo general que ia a Brasília, e o segundo Chefe do Estado-Maior que iria também para lá.

Pouco tempo depois, o General Pope foi substituído pelo General Ernesto Geisel, que trabalhava na D-2 do Gabinete do Ministro quando era Ministro o General Orlando Geisel. Sua primeira comissão como General de Brigada foi na função de Comandante Militar de Brasília. E eu lá permaneci, em função da minha ligação com o General Geisel como Chefe do Estado-Maior.

Estava lá nessa função quando se deu a renúncia do Jânio. Lembro de fatos interessantes que convém que sejam contados aqui como história. Nós fizemos um grande desfile no dia 25 de agosto, Dia do Soldado, com a presença do Jânio. Pela primeira vez o Batalhão de Guarda era comandado pelo Coronel Olavo Viana Moog — estreava o seu uniforme de gala. Fizemos também uma revoada de aviões. Aviões vieram do Rio de Janeiro e, na hora certa, sobrevoaram o desfile. Foi um desfile que nos deu muito trabalho, e teve repercussão em Brasília, pelo seu brilho.

Ao término do desfile, eu estava cuidando de detalhes de tropa, recolhimento aos quartéis, etc., e o General Ernesto tinha subido para o andar de cima, onde funcionava o escalão avançado do gabinete do Ministro, em que se achava presente o Ministro Deny e diversos outros generais que subiram para essa entrevista. Daí fomos surpreendidos com a notícia da renúncia.

Foram convocados de imediato o Ministro da Aeronáutica, que era o Brigadeiro Moss, e o Ministro da Marinha, para examinarem a situação. Lembro de um detalhe. Eu vi quando os 3 Ministros militares saíram e foram ao Palácio para fazer um apelo ao Jânio, para que ele não renunciasse. O Chefe da Casa Militar era o Coronel Pedro Geraldo de Almeida. Dos elementos que trabalhavam nesse gabinete militar, convém ressaltar, entre outros, destaco: o General Leônidas, que foi Ministro do Exército; o General Ivan, que foi chefe do SNI; o Câmara Senna, o Coronel Aita, era uma elite de oficiais que trabalhavam lá, surpresos com a renúncia, de que eles não tinham conhecimento.

O processo da renúncia ocorreu em termos de — se não me engano, José Aparecido e tudo — da Casa Civil. Em seguida, tivemos a remessa ao Congresso do documento em que ele pedia demissão. Era Presidente do Congresso, se não me engano, o Auro, que não se dava com o Jânio. Consequentemente, achou oportuno que se cortasse de vez a área dele. Então, daí surgiu a ideia de aceitar a renúncia e se tratar da solução do problema político. Foi escolhido então o Mazzilli para assumir a Presidência da República, e o General Ernesto, orientado para Chefe da Casa Militar.

É interessante que se diga agora: o General Ernesto deveria ter sido Chefe da Casa Militar do Jânio no lugar do General Pedro Geraldo. Eles tinham tido o entendimento prévio, que se fez na casa do Geisel, na Av. Melo Franco. Estava praticamente decidido. Para nós foi surpresa quando o General Pedro Geraldo foi designado, por razões que eu desconheço, Chefe da Casa Militar. Diga-se de passagem que era um homem de grande gabarito e de grande aceitação no Exército.

Consequentemente, com a passagem do General Geisel para a função de Chefe da Casa Militar do Mazzilli, eu, como Chefe do Estado-Maior, assumi o Comando Militar de Brasília. Tive alguns problemas sérios, como o problema da Campanha da Legalidade do Brizola, com repercussões, particularmente com Mauro Borges, que era o Governador de Goiás.

Há um detalhe que convém citar aqui, para esclarecer. O General Geisel determinou que eu apreendesse o rádio que foi instalado na W-3 para retransmitir o discurso do Brizola na Campanha da Legalidade, do Rio Grande do Sul. Nós fizemos a apreensão desse rádio. Foi feita por um tenente da Polícia do Exército, que era forte e, em vez de desligar o rádio, arrancou o rádio; consequentemente, prejudicou todas as ligações.

Esse rádio foi colocado na guarda do Comando Militar de Brasília. Durante todo o tempo em que o Geisel esteve na Casa Militar, não permitiu que eu entregasse esse rádio de volta como Comandante Militar. Inclusive, em consequência disso, sofri um aperto muito grande do General Amaury Kruel, que tinha assumido a chefia da Casa Militar.

Foram fatos muito importantes. Nós passamos de prontidão praticamente 40 dias, porque toda a passagem era feita por baixo, pelo Comando Militar, no acesso às autoridades que estavam em cima. E os políticos, de toda maneira, procuraram contornar, encaminhar a solução.

Lembro-me muito bem, um dos elementos mais ativos era o Coronel Menezes Cortes. Era Deputado naquele tempo e que morreu num desastre de aviação em seguida. Um dos elementos que freqüentou lá foi o Juscelino. Uma das soluções levantadas naquele momento seria a de que o Juscelino reassumisse o Governo, evitando um consequente mal maior.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Mas, sem eleição?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Sem eleição. Assumiria por decisão do Congresso. Um dos motivos.

Durante muito tempo, o escalão avançado do Gabinete do Ministro foi chefiado pelo Coronel Nilton Castelo Branco. E o General Airton Tourinho, que era meu cunhado, era um dos membros desse escalão. E existem gravados, ou existiam gravados, nesse escalão avançado, todos os telefonemas feitos em relação a esse problema. Um, por exemplo, que chegou ao meu conhecimento e que eu não posso afirmar porque não vi, foi um pedido do Jânio, em telefonema ao Deny, para voltar ao Governo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Do Jânio?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Do Jânio, de Cumbica. Isso eu não posso assegurar porque não tive acesso ao documento, mas, se por acaso existe, está registrado no Gabinete Militar do Exército.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E qual foi a resposta do General Deny?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, eu não estou a par, porque tenho a impressão de que esse problema nem foi encaminhado. Porque, com a decisão de entregar o Governo ao Ranieri Mazzilli, foi considerado o fim da carreira do Jânio Quadros.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Fato consumado.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que os militares, nessa época, absorveram a solução da volta do Jango? Porque, em um primeiro momento, para eles parecia intolerável que o Jango voltasse para assumir a Presidência da República. Como foi essa negociação no meio militar? Como é que os militares chegaram a engolir o Jango?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eu diria que essa negociação não foi feita no meio militar. Essa negociação foi feita no meio político. Para os militares, uma questão que era essencial para nós naquele momento e naquela época, era a ideia da legalidade, da obediência à Constituição. Quer queira, quer não, o Jango era um elemento eleito como Vice-Presidente. Consequentemente, legalmente, era o substituto do Jânio no assunto.

Mas nós fizemos uma série de avaliações. Eu ressalto alguns pontos aqui. Primeiro, o Jango tinha sido eleito com mais 3 Vice-Presidentes, e tinha ganhado a eleição. Ele disputou a carreira dele com o General Lott, e tinha ganhado a sua eleição com pequena diferença de votos. Ele não ganhou com proporção marcante, ele ganhou porque eram 3 e, dos 3, ele que teve mais votos.

Então, esse princípio, que é um princípio conceitual, foi abordado por nós e motivou a manifestação dos generais no sentido de evitar a volta do Jânio, dos Ministros militares.

Muitos acharam, muitos militares, que esse manifesto dos Ministros foi um manifesto fraco, não foi um manifesto impositivo, que seria explicável num momento de luta, num momento de guerra, e permitiu ao Congresso não o aceitar. Consequentemente, aquelas manobras se deram noite e dia para trazer o Jango dentro do espírito da legalidade, mas cerceando a sua posição no exercício do governo.

            Outra coisa também que se deu logo em seguida... e meu pai, uma vez, comentou isso comigo, contando uma conversa que teve com o Ministro da Justiça de então, que era um paraibano. Que era o açodamento do Jango em realizar todas as reformas de uma vez por todas. Um elemento sem base popular consolidada, enfrentando uma série de problemas de toda natureza, em açodamento e praticamente ferindo de frente o princípio da hierarquia e da autoridade das Forças Armadas, muito chocou. Muito chocou.

            Eu diria que o Jango não era bem aceito pelas Forças Armadas. O único elemento que determinou a sua aceitação foi a formação que tínhamos de obediência à legalidade e à Constituição.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, houve uma negociação política. O General Geisel participou dessa negociação como representante dos militares. O Tancredo Neves foi quem negociou a emenda parlamentarista com o General Geisel?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - As reuniões no quartel-general... O edifício onde funcionava o Comando Militar era o mesmo onde funcionava o gabinete do Ministro, em andares diferentes. As negociações no nono andar foram feitas exclusivamente por militares, que traziam aos militares o resultado de outras negociações que se passaram no Congresso. Um dos elementos ativos na transmissão dessas negociações foi o Menezes Cortes. Eu me lembro muito bem. Outro foi o então Presidente do PSD.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Amaral Peixoto.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Era um Senador pelo Acre. Daqui a pouco eu vou me lembrar do nome dele. Vocês vão me desculpar, mas, para quem tem 87 anos, um esquecimento...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o Deomar.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Era o Presidente do PSD. Era Senador pelo Acre, um elemento muito ativo nessas negociações. Diversos outros políticos que iam e vinham, subiam lá, muitas vezes a altas horas da noite. Nós, de prontidão, praticamente não dormíamos, mantínhamos a guarda pronta. Inclusive, tivemos ameaça de invasão no nosso comando por ele, que era cunhado do General Gastão Guimarães de Almeida.

Então, eu diria que as grandes conversas se deram praticamente no Congresso. E as repercussões dessas conversas, sim, se deram no meio militar.

 O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, na verdade, a solução política era para evitar uma guerra civil. Diante da resistência do General Machado Lopes, que era o Comandante do III Exército, o General foi envolvido pelo Brizola e por todo aquele clima que houve no Rio Grande do Sul — porque era um gaúcho o Vice-Presidente da República. Então, na verdade, a negociação que a cúpula das Forças Armadas fez com a corporação política, a elite política, foi para evitar uma guerra civil, não é verdade?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A posição do Machado Lopes, com quem eu trabalhei posteriormente, tem que ser entendida na base de que ele era um homem que entendia que a legalidade era necessária e que se tinha de cumprir a Constituição. Ele entrou na linha do Brizola dentro desse espírito. O Machado Lopes era um homem de engenharia, com um passado inclusive de guerra, um homem inteligente. Isso só se explica por isso.

            Agora, teve muitas reações dentro do próprio Comando. E os elementos mandados pelo Rio — General Muricy, General Malan, General Pope e tantos outros — mostrou, na realidade, que a ação dele sobre a tropa de exército não foi tão forte assim. E, apesar do apoio dado pelos elementos do Brizola, não justificaram outra atitude de receio maior.

            A posição parlamentarista foi uma solução tomada para evitar um confronto militar e evitar derramamento de sangue, coisa bem característica dentro do espírito do brasileiro. Esse é o entendimento que eu tenho desse processo.

            (Falha na gravação)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) -  ...que a intervenção militar viria mais cedo ou mais tarde. Quer dizer, qual era o estado de espírito da tropa? Um grupo ficou com a convicção de que era preciso conspirar para derrubar o Jango.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, na chegada do Jango a Brasília, o responsável pela segurança foi o Comando Militar de Brasília. Recebi ordens específicas do General Geisel para providenciar uma segurança mais detalhada possível. E o fizemos.

Nós fizemos a segurança do aeroporto pelo Coronel Mendonça Lima, que depois morreu num desastre aéreo em Ponta Porã, o responsável, com mais 2 oficiais, o Major Amaral e o Major Tércio. Fizemos a segurança da residência dele, para onde a senhora do Jango fora levada de início. E fizemos um patrulhamento ao longo de todo o percurso que o Jango fazia. Isso na base do sistema de rádio.

Eu quero ressaltar que esse rádio não era o nosso. Esse rádio foi deixado por um grupo americano durante a visita do Presidente a Brasília. Foi doado para nós. Foi esse rádio que nos permitiu encontrá-lo. Nós montamos uma antena no Comando Militar e passamos a acompanhar todas as atividades ligadas a qualquer permanência ou passagem do Jango, com a responsabilidade da integridade dele.

Tivemos também um trabalho muito importante na posse dele, no Congresso, devido à interferência dos elementos vindos particularmente do Rio Grande, que queriam quebrar as normas de segurança e penetrar no palácio.

Eu diria que o Exército, com a missão recebida de coercitivamente manter, com toda a segurança, a posse do Jango.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quer parar um pouquinho?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não.

Agora, aquelas medidas tomadas pelo grupo do Jango, as políticas dele com os sargentos e o desejo de emplacar as reformas de base mais rapidamente...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Provocando uma reação muito grande dos donos de fazendas, dos latifundiários.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Há um fato interessante. Quando o General Penha Brasil era Comandante do III Exército, foi substituído pelo Jair.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem foi substituído pelo Jair?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - O General Nestor Penha Brasil.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ah, me lembro!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Jair Dantas Ribeiro.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - E o Jair fez um rádio circular, informando que, se não viessem as reformas de base, ele não poderia assegurar a segurança da...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Da tropa.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - ...da tropa do Estado. E isso foi repelido por todos os comandantes, inclusive pelo Geisel, que era comandante em Curitiba. Fez um telegrama para ele informando que ele se enganava, que segurança, enquanto ele fosse comandante, estava valendo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Estava garantida.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Então, foi uma pressão do Jair sobre o Congresso para estimular...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A reforma de  base.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eles quiseram fazer a reforma muito rapidamente!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Então, General, vamos começar! O sentimento no meio militar a partir da posse do Jango é de que, fatalmente, o Jango seria deposto. Por que havia essa convicção, que também era de muitos elementos civis? Como é que foi a conspiração para derrubar o Sr. João Goulart?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A conspiração contra o João Goulart começou praticamente, eu diria, com a sua posse. Como eu já disse anteriormente, ele disputou a eleição presidencial com mais 2 Vice-Presidentes na chapa do Lott e venceu com uma pequena margem de votos. Consequentemente, sua eleição não dava fundamento que justificasse um apoio popular.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Legitimidade, não é?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Legitimidade.

Em segundo lugar, ele cercou-se desse grupo sindicalista e resolveu apressar a reforma de base, insistindo nisto em toda circunstância, em todos os momentos: reforma de base, reforma agrária, essas coisas todas. Mas o grande erro dele, que repercutiu nas Forças Armadas e deu margem a um posicionamento contrário foi o fato de ele fazer a política dos sargentos, quebrando a hierarquia do Exército.

Então, se quisesse viver na base da autoridade e da hierarquia... No momento em que isso fosse quebrado e era fácil identificar, porque em cada unidade havia um sargento que se ligava diretamente com Brasília e transmitia as ordens e recomendações. Quando era comandante em Curitiba, senti bem isso, era o Sargento Sotero, era um rapaz inteligente, bom sargento, mas se ligava diretamente com Brasília, de modo que gerou esse problema.

Então, houve uma revolta entre os militares com relação a esse problema.

Bem depois, houve o comício dos marinheiros, a revolta dos marinheiros, que mexeu com a Marinha. A reunião no Automóvel Clube foi na véspera da revolução. De modo que gerou esse problema.

Agora, o sentimento contra o Jango vinha de longe, vinha sendo trabalhado. E um grande trabalho, e bem feito, foi realizado nas escolas. Quando fui comandar o Regimento 105, em Curitiba, recebi um grupo de capitães vindo da Escola de Armas já inteiramente condicionados. Quando veio a revolução, quando veio o problema, eu só tive na minha unidade 1 capitão e 2 sargentos que, por unanimidade, (ininteligível) nesse sentido. Isso é interessante.

E há um fato que quero caracterizar para vocês. O João Castelo quando assumiu...

(Interrupção e diálogo dos entrevistadores)

 O João Castelo quando se tornou revolucionário, ele, que era o legalista, assumiu aquela posição de chefia da revolução levando em conta um aspecto que não era político, era um aspecto de idealista. Ele viu quebrada a hierarquia no Exército e, em defesa desse princípio, que é base no Exército, ele tomou uma posição revolucionária. Convém vocês prestarem atenção a isso. Castelo sempre foi legalista, sempre foi contra a revolução. No momento em que percebeu que a situação levava a uma quebra na hierarquia no Exército, ele tomou posição como chefe.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Conte o caso do Jair Dantas Ribeiro.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - O problema do Jair Dantas Ribeiro foi o seguinte: era comandante do 3º Exército o General Nestor Penha Brasil, quando foi substituído pelo General Jair Dantas Ribeiro. E o Jair Dantas Ribeiro, para pressionar e apressar a reforma de base, fez um telegrama circular, um ofício circular informando que se o Congresso não fizesse essas reformas, ele não se responsabilizaria pela segurança.

Os comandantes regionais, inclusive o Geisel, que era comandante da D-5, em Curitiba, respondeu de imediato, porque o Geisel era subordinado a ele, dizendo que no Paraná ele assegurava.

Então, veja que havia uma pressão violenta para apressar a reforma de base em busca da tal República sindicalista.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sim, mas como foi a conspiração? Como esses elementos se comunicavam? Como era isso?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não houve, na realidade, uma centralização desses elementos em busca de um movimento. Havia um sentimento, e órgãos como aquele do Golbery, o IBAD...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O IPES.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - ...difundiam notícias que eram comunicados oficiais mostrando a gravidade da situação e o caminho que tivemos. Porque há um fato que é preciso que se marque. Quando veio a Revolução de 35, o Brasil tomou conhecimento do período comunista, com a Revolução de Natal, a Revolução de Pernambuco e a Revolução do Rio de Janeiro.

Durante a Revolução de 35, eu servia no Grupo Escola. Tivemos um período de prontidão muito grande. E quando rebentou o movimento da Escola da Aeronáutica, chefiada pelo Sócrates e pelo Ivan, que nós tivemos conhecimento através de um oficial que tinha fugido da escola e entrou em torno de meia noite no Grupo Escola comunicando os fatos, nós ocupamos posição. E eu, que era Comandante da Linha de Fogo dessa bateria, foi quem atirou contra os revoltosos. Atiramos num alojamento em que eles portavam metralhadora Ponto 50 e atiravam sobre nós e foram matar elementos que estavam na estação de Deodoro.

Atiramos durante o trajeto Escola da Aeronáutica-Regimento de Aviação, quando eles atacaram o Regimento de Aviação, e fizemos uma barragem na porta dos hangares para que os aviões não levantassem vôo e fossem tomar parte da Revolução da Pátria Vermelha. E, finalmente, quando o bando retirou-se através de um morro atrás da Escola da Aeronáutica, fizemos um bombardeio naquela área.

Importa ressaltar que o Comandante do Grupo Escola, que era o Coronel Álcio Souto, não permitiu que atirássemos granada de guerra. Nós fizemos tudo isso com granada de exercício porque queríamos evitar o movimento, mas não matar gente.

Eu me lembro bem, depois do movimento, eu fui até a Escola da Aeronáutica, como tenente que era, saber dos reféns e assisti e vi o Eduardo com a mão enfaixada em consequência de um tiro. Esse é um aspecto interessante a ressaltar.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, a conspiração...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foram feitos prisioneiros?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Não houve prisioneiro.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não houve nenhuma prisão?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Porque, na realidade, o pessoal que atacou o regimento de aviação, os oficiais fugiram pela Rio-São Paulo e foram presos na Escola Militar do Realengo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Inclusive o Barata?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não, o Barata não era. Era o Tenente Ivan, o Capitão Sócrates, eram 3 ou 4 oficiais. E os soldados e o grupo que tomou parte junto com eles fugiram pela parte de trás da Escola da Aeronáutica na direção do morro. Eles debandaram. Não houve prisioneiro.

Segundo eu soube na ocasião, sem ter certeza, os nossos bombardeios e a ação militar provocaram a morte de mais de 30 pessoas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas a sublevação na Praia Vermelha não foi comandada pelo Agildo Barata?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Mas não da Escola da Aeronáutica. Eu estou me referindo à subversão da Escola da Aeronáutica. Os chefes foram o Capitão Sócrates e o Tenente Ivan, entre outros. Mataram o Tenente Palatine e outro lá na Escola da Aeronáutica.

A Praia Vermelha, não. Na Praia Vermelha foi um grupo comunista. Um dos líderes era o Barata. Outros líderes eram o Tenente Tourinho, o Tenente Gutman etc. Alguns desses oficiais que resistiram na Praia Vermelha fugiram para a Espanha. Interessante, o Tenente Tourinho, que era o (ininteligível), fugiu pelos fundos do quartel, nadando através da Praia Vermelha até Copacabana. Foi uma ação comandada pelo Dutra com um grupo de artilharia de São Cristóvão, que tirou o nosso (ininteligível) dessa coisa.

Há um fato interessante a ressaltar. Uma vez eu fui chamado pelo General Lott, que era Ministro do Exército. Eu estava classificado em Porto Alegre, onde morava uma irmã da minha senhora e tinha apartamento alugado. Ele virou-se para mim e disse — eu era tenente-coronel: “O coronel mandou me chamar às 7 horas da manhã, eu estou lhe convidando para você assumir o grupo de Natal”. Eu disse para ele: “Mas, excelência, eu já estou classificado em Porto Alegre, com apartamento alugado”. Ele virou-se para mim e disse: “Olha, coronel, o meu convite é pro forma. Você tem 8 dias para embarcar. Eu quero explicar ao senhor por que o senhor vai para lá. Houve a revolução comunista de Natal e a unidade está sob o comando agora do Jefferson Cardim Osório, aquele elemento que fez a marcha sobre Itapu, sob orientação do Brizola. E a unidade está inteiramente contaminada. O senhor vai para lá para ver se consegue resolver.”

Eu fui para Natal. Me deram uma passagem de avião (ininteligível) normal. E uma coisa que me surpreendeu é que, ao entrar no quartel, estava escrito no corpo da guarda: “Proibida entrada do prefeito”. Quer dizer, tinha-se criado uma situação interna na unidade em que não havia relacionamento com autoridades civis e exigiam 5 oficiais.

Agora, eu vou dar o resultado. Nessa ocasião houve eleição para Presidente, em que concorreram Plínio Salgado, Juarez Távora e outros. Sabe quem ganhou a eleição em Natal? Plínio Salgado. Quer dizer, o povo, em função do momento comunista, mudou de lado, tomou outra posição.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Para a extrema direita.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Na unidade, eu não tive um só sargento comunista. Todo sargento era inteiramente integrado dentro da disciplina militar. É um detalhe, uma característica de posicionamento.

Próxima pergunta.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bom, com a deposição do Sr. João Goulart, em 64, pensava-se que a intervenção militar era apenas mais uma intervenção militar no Brasil, logo cessaria e o poder seria devolvido aos civis. Eu me lembro que, alguns dias depois de 64, eu estive na Escola Superior de Guerra com os Generais Aurélio de Lyra Tavares e Arthur Candal da Fonseca, Comandante e Subcomandante da Escola Superior de Guerra, e ambos me disseram que a deposição e a intervenção militar tinham vindo não por causa desta história de combate à corrupção e à subversão. Isso era parte do trabalho. Mas é que há muito tempo o Exército achava que o Brasil não progredia porque vivia num impasse político em face da disputa de liderança entre Carlos Lacerda, Leonel Brizola, João Goulart, Juscelino, PTB, PSD, UDN, e que essa intervenção se fazia necessária para que se cortasse esse nó górdio e o País voltasse a crescer para garantir sua destinação histórica. Essa era argumentação deles.

O senhor acha que essa justificativa que eles apresentaram é correta?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Você veja um aspecto examinando a história. Quando houve a Revolução de 1930, no Rio Grande do Sul não houve um só general que assumisse a responsabilidade de chefiar o movimento, e tinha uns 5 ou 6. Na realidade, o Getúlio, quando arrancaram o Góis Monteiro, que era tenente-coronel, porque não pôde pegar o Prestes, então, valorizou o Góis Monteiro como comandante das forças lá. Não houve um só general que participasse daquilo.

Na revolução contra o Jango surgiram 2 generais de peso: o João Castelo, que tinha em torno de si, vamos dizer, um grupo mais preparado, mais estudioso existente no Exército, em função de sua passagem pela Escola Superior de Guerra e pelo Estado-Maior do Exército. Então, o chefe intelectualizado da revolução era o Castelo, mas, na realidade, o trabalho de aliciamento e de preparo dos capitães e majores foi feito pelo grupo do Costa e Silva, que realmente era outro general de prestígio.

No momento em que se procurou buscar um novo chefe do governo em função da divisão existente entre políticos, automaticamente surgiu o nome do Castelo, por ter mais ligação com os políticos. Mas, em seguida, houve a reação do outro lado, que quis a sua parte em função da revolução. Então, surgiu a candidatura Costa e Silva. Tendo em vista evitar a divisão das Forças Armadas, o próprio Castelo, embora não desejasse, desejasse um civil, aceitou Costa e Silva.

Consequentemente, por esta circunstância de ter uma revolução cuja chefia foi feita por chefes altamente credenciados fez com que eles assumissem o poder sem pensar inicialmente que fossem demorar nesse poder, mas a presença era necessária para evitar a luta entre os políticos: Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e tantos outros insistentes que podiam e ambicionavam o poder.

Sempre foi ideia do Castelo e do Costa e Silva acabar a revolução nesse período. Mas a pressão existente do grupo radical se explica. E eu vivi esse problema na minha carne como Comandante da Escola de Estado-Maior. Em 1964, de toda a Escola de Estado-Maior foram tiradas suas funções de estudo e passou a ser empregada em inquéritos e sindicâncias ao longo da organização pública do Brasil.

Esses índices, essas sindicâncias e inquéritos mostraram uma grande desonestidade e uma grande incompetência, o que criou nos militares a sensação de que os civis não estavam preparados para a função. Somente as Forças Armadas tinham capacidade, em função da sua formação nacionalista e de amor ao País, de resolver o problema. Daí se explica, de certa maneira, a permanência da revolução nesse governo. Apesar da vontade dos próprios chefes de militares, a revolução prosseguiu em função dessa inspiração e desse grupo radical.

A revolução poderia ter acabado com Médici, que foi um período em que a revolução pegou um alto conceito da opinião pública. (Ininteligível) estava ciente disso. Mas as reações dos políticos, particularmente orientando os movimentos subversivos, sequestros, ataques a bancos e sequestros de aviões, fizeram com que se julgasse que o civil não teria força bastante para dominar essa situação. Precisava de algum tempo para voltar ao status quo.

De modo que daí se explica, de certa maneira, a duração da revolução, o que nenhum de nós desejava, porque até então toda a manifestação do Exército era no sentido de entregar o poder ao elemento civil.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor analisa as violências que foram praticadas durante o reinado regime militar? As torturas, os assassinatos, o próprio Estado se transformando no que se chamou em terrorismo do Estado?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, na realidade, houve uma luta; luta de quem estava no poder e daqueles que queriam assumir o poder em nome da liberdade e da democracia. Houve uma luta. Essa luta foi feita em diversos escalões, e o Governo, preocupado com a sua permanência, lançou mão de medidas extraordinárias, inclusive dando ao Exército a liderança no combate a essa ação de desterro, a essas ações de sequestros, a todas essas ações.

Então, em termos hierárquicos, o Exército passou a receber ordens de autoridades superiores para agir desta maneira: prender, evitar informações, evitar um fato maior. E os elementos de subversão, inteligentemente, se organizaram e traçaram uma diretriz de trabalho. Muitas vezes, empregavam elementos outros nas suas ações.

Eu tenho experiência na Ilha Grande. O que os estudantes presos transmitiram para os presos permanentes lá existentes você vê a reação até hoje na organização dos sequestros, dessas coisas todas.

As ações repressivas foram tomando intensidade, porque uma ação corresponde a uma reação igual e contrária. E muitos dos elementos que agiram dessa maneira não tinham gabarito suficiente nem educação bastante para evitar. Eu diria que foram raros os chefes militares que não tomaram medidas correspondentes para evitar uma ação maior.

Eu, como Comandante de 1º Exército, através dos meus elementos, diariamente, de noite ao amanhecer, acompanhamos tudo isso e assim mesmo encontramos alguns casos em que agíamos violentamente. Eu fiz recolher à Aeronáutica, à Polícia Militar e aos Bombeiros diversos elementos que integravam os DOIs e que nós tínhamos observado ações de tortura e outras coisas feitas por esses elementos.

Agora, vejam a minha situação: comandando um Exército com 42 mil homens é impossível você estar em todas as partes. Se houve, e realmente houve, foram provocados por elementos inferiores, não com o sentimento que nós tínhamos nas Forças Armadas contra esses elementos, e por iniciativa própria, e muitas vezes por provocação.

Eu tive um caso característico. O meu melhor analista era um major, que hoje está aí. Um belo dia, fazendo um interrogatório, que era feito em torno de uma mesa com um copo d'água e um jarro com flor, o elemento que estava sendo interrogado levantou-se — estava gripado —, puxou um catarro e jogou na cara do major. Houve uma reação normal. Mas, mesmo assim, nós tiramos esse elemento do interrogatório e ele passou a outras funções, porque nós queríamos dar um exemplo na área que, mesmo em caso de reação, isso não era permitido, porque ele agrediu o elemento que estava sendo interrogado. Esse elemento está vivo e, se necessário, pode prestar um depoimento.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A guerra de guerrilha, no Araguaia, o senhor tomou conhecimento dela quando ela eclodiu?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDANo Araguaia o comandante era de Mato Grosso. Aquela guerra se faria em uma área acima do Araguaia, na região de Marabá. Foram trazidos elementos, diversos elementos de São Paulo para fazer um movimento, liberar aquela área e estimular uma reação existente.

Inicialmente, o Exército e as Forças Armadas apanharam muito naquela ação, porque era uma selva e os elementos existentes, elementos educados, conquistaram parte da população e era impossível lutar contra eles, porque bastava entrar um elemento estranho que surgia um alarme e a coisa se prorrogava.

Em relação a esse problema, eu quero citar uma experiência que eu tive na minha vida. Eu comandava a Escola de Estado-Maior quando recebi diversos oficiais bolivianos e paraguaios, oriundos da Guerra do Chaco, um deles foi o Major Gary Prado, que teve aquela ação que provocou a morte do Guevara. Uma vez, conversando com ele, ele me disse o seguinte: um grande erro dessas atividades que ele pensava pudesse ser feito por Guevara é que eles tinham condições de doutrinar ou melhorar a população local analfabeta. Aquela população não se prestava a doutrinação desse jeito.

Um exemplo também muito interessante pode-se ver na Coluna Prestes. Quando a Coluna Prestes começou invadir parte do Nordeste e do Norte do País, sistematicamente ele mandava um elemento ao local para fazer um trabalho junto à população, para arrastar a população para o seu lado. Não conseguiram, e por um motivo muito simples e um detalhe que pouca gente percebeu: aquele pessoal usava muito o cavalo para se deslocar. E nas marchas o cavalo se esgotava.

(Interrupção)

...Então, eles procuravam se apossar dos cavalos naquelas fazendas. Acontece que um cavalo daquele normalmente era montaria do dono da fazenda ou de um elemento importante da fazenda. E o roubo de um cavalo daquele repercutia muito mais na sociedade do que um que acontecesse no Rio Grande, onde o número de cavalos era muito maior.

Eu conversei com o Coronel Aristóteles de Souza Dantas e com o Seroa da Mota, que fizeram um trabalho de doutrinação na área da Paraíba. E eles me contaram esse detalhe que eu estou lhe contando. Ao invés de criar simpatia, eles criaram a antipatia da população, porque eles iam se apossando dos bens existentes quando avançavam.

Um detalhe também que pouca gente sabe: quando chegaram no Ceará, Juarez Távora estava encarregado de avançar no sentido de conquistar os elementos do Ceará. Mas Juarez montava muito mal, consequentemente, o cavalo dele disparou e ele foi preso porque não conseguiu dominar um cavalo. Perto de  Santa Cruz. Isto é uma verdade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E sobre a guerrilha do Araguaia?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A guerrilha do Araguaia é uma zona que eles pretendiam que fosse liberada dentro do princípio do “pouquismo”.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É verdade que o Exército chegou a mandar 600 homens para lá?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Mandou um mar de gente. Aquela operação foi feita, particularmente, pelo General Bandeira. Uma tropa não só de Brasília, mas trazida de outros lugares. E a operação foi dividida em fases.

A primeira fase foi feita da seguinte maneira: eles pagavam os sargentos, botavam à paisana e faziam com que os sargentos fossem mascates, vendendo tecidos e soltavam na área. Os sargentos, então, faziam o levantamento das áreas e dos elementos existentes. E buscavam ligação com a população local.

Depois de certo tempo do levantamento da área e da posição dos elementos existentes, dava-se margem, em função das informações, às operações que realizavam.

No Araguaia, tenho a impressão que foram empregados cerca de 2 mil homens. Helicópteros e elementos de todo o jeito. Mas a operação só deu resultado depois que se fez um levantamento e uma identificação com o pessoal existente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, diga-me uma coisa: depois da doença do Costa e Silva, o Costa e Silva estava deposto quando ele teve um insulto cerebral?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele morreu e havia rumores de que ele já estaria deposto.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - O grupo de Costa e Silva era um grupo extremamente forte. E a dona Iolanda e o grupo que a cercava, inclusive o Andreazza e o Portela, durante muito tempo quiseram modificar a situação dando a ideia daquela doença para evitar a substituição. Só depois da constatação da medida e do exame da situação mais aprofundado é que eles resolveram criar a Junta Militar para dar seguimento às operações daquele grupo que estava lá. Veio, então, o Aurélio Lira, um elemento da Marinha e um do Exército que assumiram a Junta Militar.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por que não deram posse ao Pedro Aleixo?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Porque achavam, como, de um modo geral, achavam todos eles, que ao civil faltava maior tarimba e maior determinação para enfrentar uma situação que era considerada grave em relação à permanência da revolução.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O combate armado?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - O combate armado, as ações existentes e a presença permanente daquele grupo radical que existia nas Forças Armadas que empolgava o poder.

Essa é a explicação que eu daria, atendendo a sua pergunta.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, o senhor acredita que a ação desses grupos, que o senhor atribui a escalões inferiores dentro do Exército, chegou a criar uma divisão nas Forças Armadas? Acho que o  ponto principal dessa crise foi a demissão do General Sylvio Frota, quer dizer...

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que o senhor explica isso tudo?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A divisão que existia era por uma razão muito simples: não havia uma centralização das operações de combate a essas ações no Brasil. As ações não eram locais, mas estaduais. Eram feitas em todo o Brasil. Muitas vezes um trabalho feito no Maranhão repercutia no Rio de Janeiro, e vice-versa. Então, surgiu a necessidade da criação de órgãos nacionais que pudessem centralizar essa operação.

Quais eram esses órgãos? O SNI e os órgãos de informações das Forças Armadas — CIA, CIE, CENIMAR e um órgão da Marinha. Esses órgãos, operando nacionalmente, muitas vezes tomavam conhecimento de fatos que não eram do conhecimento local ou regional. Então, prisões ou ações eram feitas orientadas diretamente por eles.

No meu tempo, o CIE tinha aparelhos específicos. Muitas vezes paguei sob a acusação de estar prendendo elementos que não estavam comigo. E minhas prisões eram conhecidas: o Batalhão de Guarda, a Fortaleza de Santa Cruz ou a PE.

Em outras ocasiões, como em Petrópolis, como em Laranjeiras, como no próprio Barão de Mesquita, as prisões eram controladas por outros órgãos, como o CIE, que prendiam os elementos e mandavam para lá para serem ouvidos.

Então, na realidade, havia tratamentos diferentes em relação a esses problemas. Quando um problema era local, tomávamos conhecimento. Quando o problema envolvia mais de um Estado, não cabia a nós atuar. Então, o problema era orientado e dirigido por esses órgãos mais elevados da organização.

Eles foram muito valorizados em determinada fase do Governo, praticamente pelo General Orlando e pelo General Muricy. Tinham muitos recursos, muitos meios, particularmente de comunicação, e muito dinheiro, coisa que nós, no Exército, não tínhamos. Consequentemente, grande parte dessas operações, como no meu caso, a operação de jornalistas da ABI, e a operação do Riocentro, que não foi eu, foi o João Gentil, não foram feitas localmente. Foram determinadas de fora. E como esses órgãos de fora eram ligados normalmente ao Ministro, havia recurso, havia apoio, mas havia também responsabilidade, porque não se admitia que uma ação dessa não fosse do conhecimento de quem mandava exercer, dentro do princípio de que no Exército o mandante era sempre responsável pelo que faz ou pelo que deixa de fazer.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não acha que ficou mal para o Exército aquela explicação oficial, com aquele jovem, aquele inquérito? O bom senso repelia aquela versão. O senso comum não aceitava aquela explicação que o Exército veio a dar através de um IPM para o caso do Riocentro.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A grande solução seria que a organização do inquérito apurasse o responsável, e que o responsável fosse trazido à tona para saber as conseqüências da Justiça. O erro foi que deram cobertura a quem fez a função, possivelmente porque algum órgão superior estava envolvido, fora da área do Exército.

É a explicação que dou.

No tribunal, durante a apreciação do inquérito do Riocentro, fui favorável ao seu encerramento, porque o juiz julga de acordo com o que está no processo, e o processo feito não indicava responsáveis, a não ser aquele que morreu e aquele que ficou gravemente ferido.

Se houvesse injunção política o caso Riocentro deveria ser aberto através da renovação do inquérito para saber quem determinou aquilo.

No Governo João Figueiredo a operação era centralizada. Certamente alguém mandou fazer aquilo e não podia aparecer porque, indiretamente, o Presidente seria responsabilizado pelo setor. Então, era uma medida política. Depois aquele problema se apagou quando a própria Justiça mandou encerrar o inquérito.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas ainda no caso das violências, há um acontecimento interessante. O General Otávio Costa me dizia que o Exército resolveu combater a tortura e a violência porque os encarregados de IPMs estavam ameaçando se transformar numa nova SS: um major ter precedência sobre um general, uma vez que o poder desse encarregado de IPM era absoluto. Era a incomunicabilidade do réu ou do acusado sob as ordens dele e nem um general poderia ver.

O General Cordeiro de Farias me contou uma história que reforça essa tese. O General tinha um delegado de ordem política e social em Pernambuco chamado Santa Cruz. Uma filha do Santa Cruz entrou numa organização dessas, não sei se a VAR-Palmares ou ALN, e foi presa. O Santa Cruz soube, porque tinha relações na área policial, que a menina estava sofrendo muito espancamento e tortura na PE, na Rua Barão de Mesquita e falou com o Marechal Cordeiro.

Foi o Marechal que me contou isso. O Marechal Cordeiro ligou para o Orlando Geisel, que era o Ministro do Exército, e disse: “Olha, eu tenho uma moça, filha do Santa Cruz, que foi meu delegado lá em Pernambuco” — ele foi Governador — “que está sendo muito maltratada e eu queria ver a moça, queria que você me ajudasse.” Aí o General Orlando disse: “Marechal, o senhor vai à Barão de Mesquita, se apresenta ao oficial do dia, manda chamar o encarregado do IPM e diga que quer ver a moça. Se houver qualquer coisa, o senhor liga para mim.”

O Cordeiro disse que foi à Barão de Mesquita, com aquele jeito dele, modesto, andava modesto e tudo, chamou o oficial do dia e disse: “Eu quero falar com o encarregado do IPM”. Aí o encarregado do IPM chegou e ele disse: “Eu queria ver a moça fulana de tal”.

(Interrupção)

Aí o encarregado do IPM disse: “Não pode, Marechal. A moça está incomunicável.” O Cordeiro virou-se para o oficial do dia e disse: “Capitão, preciso dar um telefonema. O senhor me permite?” “Claro, Marechal! Pode ligar.” Aí ele ligou para o Orlando.

Estou contando aqui, depois o senhor...

“O encarregado do IPM disse que eu não posso ver a moça”. Aí o Orlando disse: “O senhor me espere aí”. Daqui a pouco veio o Orlando. O Orlando só andava no Rio com um verdadeiro... Até metralhadora antiaérea tinha atrás dele. Você se lembra? Entrou pela Barão de Mesquita, entrou no quartel, desceu e mandou o oficial do dia chamar o encarregado do IPM. E disse: “Traga aqui à minha presença fulana de tal”. Ele bateu continência e disse: “Não pode, Sr. Ministro. Ela está incomunicável.” Chegou o oficial do dia e disse: “Prenda o major”. Aí o oficial do dia solidarizou-se com ele. Chamou o comandante da guarda, o sargenteante, e mandou prender os 2 na hora. Mandou o sargenteante buscar a moça, e o Cordeiro saiu com o Orlando — isso nunca foi contado, estou contando aqui o que eu sei —, a moça no meio, com o Orlando de um lado e o Cordeiro do outro.

O Otávio Costa dizia que o Exército resolveu combater a violência porque esses encarregados de IPM estavam-se transformando num grande poder paralelo dentro da instituição. O senhor acredita nisso?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Em termos legais e jurídicos, o encarregado do inquérito tem autorização limitada para conduzir esse inquérito. Nenhuma prisão pode ser determinada por ele. A prisão tem que ser solicitada normalmente ao auditor militar. Ele é quem mede a circunstância disso. Se houve fato dessa natureza, esses fatos se passaram fora da lei, fora do controle e fora da realidade que deve existir. Eu não sabia desse detalhe do General Cordeiro.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, o senhor colocou agora que, em função da natureza dessas operações de informação, muitas vezes os comandantes militares não tinham conhecimento. Então, nesse sentido, o senhor acha que a demissão do General Ednardo — quer dizer, isso, possivelmente, como aconteceu no Rio, acontecia em São Paulo também — então foi um ato essencialmente mais político do que militar? Como é que o senhor analisa aquela demissão?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, há uma sistemática de comandar que nessa época tinha que ser modificada. Ai do comandante que não acompanhasse dia a dia, pessoalmente ou através dos seus elementos subordinados, esse trabalho de prisões e o trabalho de controle. Parece que o General Ednardo afastou-se um pouco, delegando ao seu Chefe de Estado-Maior e ao seu Chefe de 2ª Seção esse trabalho, o que, na realidade, não pode ser feito, a não ser que se selecionem os elementos que trabalham consigo, que foi o meu caso. Meus Chefes de 2ª Seções foram Coronel Pasquale, Coronel Lima, Coronel Deny era na ocasião, elementos não ligados ao setor de informação e de absoluta confiança no meu setor. E, diariamente, à noite e de madrugada, nós fazíamos um controle na nossa área de todo esse setor.

Bom, acredito que o General Ávila, que era um chefe boníssimo e um excelente chefe militar, tenha delegado muito a atividade nesse sentido, o que não se justificava. Outra coisa, São Paulo vinha daquela operação feita no tempo do João Canavarro, daquela operação Bandeirante. Então, com mentalidade diferente, porque era quase toda conduzida pela polícia, através do Sérgio Fleury, não orientada pelo Exército propriamente dito. Então, viciou-se o elemento lá existente em relação a esse setor.

Agora, eu diria que a saída do General Frota foi um meio que o General Geisel teve, politicamente, de mostrar um determinado posicionamento em termos de abertura. Eu diria mesmo — ele não está vivo, não pode se defender — que foi, de certa maneira, injusta, porque a saída do General Ednardo devia ser determinada mediante um inquérito procedido pelo Ministro e apurado se na realidade (ininteligível). A saída dele, ativada por um telefonema direto do Governador para ele e desconhecida do Ministro, porque as informações não chegaram até ele em época oportuna, determinou uma manobra política com o objetivo de dar à opinião pública um determinado sentido do seu posicionamento em termos da abertura.

O  SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, General, há um fato importante, pelo qual nós passamos por cima, na cronologia dos acontecimentos. Nós já estamos no Governo Médici, nas violências. Por que os militares perderam a confiança em Carlos Lacerda, que era uma espécie de Delfim do movimento da revolução? Carlos Lacerda, que foi o grande aríete para derrubar João Goulart. Por que eles romperam com Carlos Lacerda?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - As atitudes políticas de Carlos Lacerda, quando nos apresentou o seu desejo de ser Presidente da República. Não quero dizer (ininteligível) inicialmente. O próprio Castello achava que seria um bom candidato a Presidente da República. Ele, com aquele seu temperamento, como era também o do pai, começou a ter determinado posicionamento, gerando, então, contradições e determinados confrontos.

O caso dele com Castello — e eu estava em Brasília nessa ocasião —, quando ele foi lá recebido por Castello e não se hospedou no Palácio, foi para um hotel, isso o marcou em termos de opinião pública.

Bom, outros candidatos tomaram o lugar de Carlos Lacerda, em termos políticos. Consequentemente, aquele trabalho inicial dele — houve inclusive adesão da FAB e o sacrifício de determinados companheiros — foi atenuado no correr do tempo. Ele não passou a ter a mesma liderança que tinha no início do seu trabalho.

Essa é a interpretação que eu posso dar.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que os militares viam a movimentação dele para fazer a Frente Ampla, a aliança com os inimigos de antes, com João Goulart, com Juscelino Kubitschek, com Jânio Quadros? Aquela tentativa de uma frente política para enfrentar o regime militar?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A Frente Ampla era uma frente de oposição ao Governo. E juntava em torno de si elementos muitas vezes já punidos pela revolução, como era o caso de Juscelino e do (ininteligível) Jango.

Você acompanha no tempo e veja, se a memória não falha, que a própria Frente Ampla deixou de operar durante algum tempo, porque não teve maiores repercussões. Determinados partidos, inclusive o Partido Trabalhista, não aprovou algumas ações da Frente Ampla no combate político ao Governo. Consequentemente, eu diria que a Frente Ampla se baseou em premissas erradas e não teve repercussão maior no campo político, buscando atingir os seus objetivos.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, a morte de Juscelino, a morte de João Goulart e a morte de Carlos Lacerda, a morte deles 3 foi separada por 6 meses: morreu Juscelino; 6 meses depois morreu Jango; 6 meses depois morreu Carlos Lacerda. Isso criou uma suspeita na sociedade, sobretudo na elite, de que os militares teriam eliminado os 3. E por que se criou isso? Houve um encontro em Caracas, em 1978 ou 1979, se não me falha a memória, de elementos de esquerda na América Latina — até Aírton Soares foi, pelo PT. E lá se denunciou a Operação Condor, que era uma operação patrocinada pelos regimes militares da América do Sul com o objetivo de eliminar inimigos potenciais dos militares, que eram os chamados sociais-democratas: Juscelino; o Embaixador Orlando Letelier, do Chile, que morreu em Washington — foi jogada uma bomba no carro dele, que explodiu. Até está preso aquele General Contreras, que era o Chefe da DINA, o SNI do Chile.

Essa Operação Condor, afinal, existiu ou não existiu? O senhor não acredita que tenha sido provocada a morte do Sr. João Goulart, a morte do Sr. Juscelino Kubitschek, em circunstâncias misteriosas? Um motorista fala uma coisa; outro fala outra. Carlos Lacerda teria tomado um remédio que não era o remédio indicado para ele, que lhe acabou provocando um problema circulatório, e ele morreu. E Jango, que também era um homem doente, cardíaco, dizem que teria tomado um remédio que era contraindicado para a doença patológica que ele tinha no coração, para doença cardíaca.

O senhor acredita na procedência dessas suspeitas? O senhor acha que essas suspeitas não têm razão de ser?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, a morte de Juscelino eu acompanhei de perto, porque era o Comandante do Exército.

No momento em que se deu o acidente, nós recebemos um telefonema do Dr. Armando Falcão, que era Ministro da Justiça, comunicando o fato e pedindo providências. Nós fizemos ir ao local o Comandante da AMAN, pessoalmente, para apurar e verificar o fato.

E, pelo inquérito que recebemos, encaminhado aos escalões superiores, ficou nitidamente claro que ali foi um acidente de trânsito provocado pelo seu motorista. Bom, eu não sei se o motorista estava vinculado a alguma facção. Mas esse é um fato.

Geisel deu a Juscelino todos os direitos que ele tinha como Presidente da República. Inclusive, eu promovi esse determinado apoio a ele.

Agora, o problema do Jango e o outro problema que você citou...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Carlos Lacerda.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Do Carlos Lacerda. Bom, nesse momento eles estavam em decadência; eles não estavam ativos, em posição de combate ao Governo. Por que o Governo, nesse momento, ia mandar matá-los? Se mandasse matar antes, quando aquele elemento era ativo no combate aos interesses do Governo, talvez se explicasse. Mas nessa parte aí é muito discutível que quisessem acabar com eles, nesse setor. Eu não acredito em complô nesse sentido.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor poderia fazer uma avaliação dos 5 generais que se sucederam no Poder? O General Castello Branco, o General Costa e Silva, o General Médici, o General Geisel e o General Figueiredo.

O senhor, que teve o nome cogitado para ser candidato a Presidente da República em certa fase, como é que o senhor analisa esses 5 governos, esses 5 generais?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, eu quero deixar claro que em momento algum eu pretendia ou fiz algum trabalho no sentido de ser candidato a Presidente da República. Eu achava mesmo que não tinha condições. Primeiro pela minha formação. Meu pai incluiu em minha mentalidade, em minha personalidade, um aspecto muito interessante, em termos de honestidade. Eu sempre fui muito agressivo quanto aos elementos que entravam num problema de corrupção.

Segundo: eu nunca me vinculei a nenhum partido político nem tive ligação nenhuma. O único fato que poderia justificar uma possível escolha era a minha amizade com o General Ernesto, que era Presidente da República, e a confiança que ele tinha em mim. Mas Ernesto era uma cara interessante. Ele sempre me dizia: “Os amigos são para as situações difíceis”.

Quando ele assumiu a Presidência da República, a primeira coisa que ele fez foi me botar no 1º Exército. Porque ele achava que o 1º Exército, com 42 mil homens, tinha um instrumento muito forte em termos de trabalho nesse sentido.

Bom, então eu diria que houve também a manifestação de Hugo Abreu, citando meu nome nesse setor.

Nunca foi falado pelo General Ernesto, nem por nenhum partido político, a não ser um, que me procurou nesse sentido, que foi Paulo Maluf. Mas nunca ninguém mais tratou nesse sentido comigo, e nunca me passou pela cabeça essa coisa.

Bom, entre os Presidentes militares, a gente tem que ver...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Desculpe-me, General, interrompê-lo.

Como foi essa conversa sua com Paulo Maluf? Ele o procurou em que sentido? Para o senhor compor uma chapa com ele? Como foi a conversa do senhor com o Sr. Paulo Maluf?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não. Paulo Maluf tinha interesse em São Paulo e queria politicamente somar, caso realmente eu tivesse uma possibilidade de ser Presidente da República.

E me visitou, levando-me inclusive uma gravata que ele trouxe de Paris, que eu não aceitei, alegando que eu tinha condições de ser e que teria o possível apoio dele, caso fosse. Foi um caso que morreu nesse sentido. Eu não aceitava presente durante o tempo em que eu fui militar, mesmo barato. Nunca aceitei. Foi a formação que me deu o meu pai, em termos de honestidade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora faça uma análise desses 5 Presidentes.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, Castello nunca foi um revolucionário. Castello era um idealista, era um homem culto, lido, e privava com muitos políticos no seu trabalho e nas funções que desempenhou.

Eu tinha uma admiração grande por Castello. Posso aqui abrir: eu podia me considerar amigo dele e ligado ao grupo. Onde ele estava, normalmente ele me atraía para servir com ele.

Castello, na sua formação legalista e com a sua cultura, para o momento, talvez não fosse o candidato ideal porque era um homem extremamente legalista. Talvez, se a revolução pegasse primeiro Costa e Silva e, em segundo lugar, Castello, tivesse melhores condições, porque Castello amainaria isso, e Costa e Silva teria a coragem de resolver alguns problemas que não tinham sido resolvidos com o Poder Judiciário, o Poder Político, essas coisas todas. Eu acho que foi um bom governo.

Costa e Silva sofreu o problema da doença durante quase metade do seu Governo e sofreu a pressão dos elementos que o cercavam. E o homem, no fim da vida, resolveu aproveitar a vida. Gostava de um joguinho, gostava de um papo, e não se aplicava em termos de estudo realmente dos problemas que a Nação tinha. Mas foi um homem leal a Castello. E, na realidade, permitiu que as Forças Armadas permanecessem unidas até o fim do Governo dele.

A escolha de Médici foi uma escolha democrática. Surgiu um grupo de que fazia parte o General Murici, para escolher o melhor general nesse sentido. Médici era um homem sério, um homem com carisma, um homem bom. Família extremamente organizada. A D. Scyla era fora de série. E tinha o conceito do exército em relação a seus problemas. Teve uma sorte muito grande de ter um governo em que a cultura econômica apareceu. Muito favoreceu a sua administração. O Brasil teve um impulso muito grande etc.

Se Castello tivesse encerrado o ciclo revolucionário do período dele, inclusive se disputasse uma eleição direta, ele seria o vencedor. Ele conseguiu, inclusive, graças em parte a Otávio Costa, a simpatia da população.

Geisel, depois de Castello, talvez fosse o elemento mais bem preparado para o exercício da função. Exerceu cargos militares e cargos civis, em diversos setores. Em virtude das funções que desempenhou — Chefe da Casa Militar, PETROBRAS etc. —, ele criou uma mentalidade diferente para a condução dos problemas. E era um homem que se dedicava aos estudos de todos os problemas, e tinha coragem de decidir.

Teve um problema muito grave em seu Governo: o problema do petróleo; aquela alta do petróleo e o problema da energia nuclear. Isso sacrificou um pouco o trabalho nele existente. Mas o seu testemunho, o seu empenho em dar ao Brasil uma boa administração e uma base de desenvolvimento mais interessante. Essa é a apreciação que eu faço.

Figueiredo eu conheci como major e tenente-coronel. Foi meu aluno. Era um homem inteiramente inteligente; muito inteligente. Gostava muito de Matemática. E muito simpático; aonde chegava, conquistava. Ele desempenhou funções muito sérias, e bem. Com Carvalho Pinto, em São Paulo, quando comandou a Polícia, acabando com uma crise lá existente. Foi ele que fez. Depois, ele permaneceu no governo durante muito tempo, no SNI, como Chefe da Casa Militar. Consequentemente, passou a tomar conhecimento dos problemas da Nação. Era o elemento que conhecia os problemas da Nação.

Mas me parece que a sua doença, e os elementos que o cercaram, e as condições com que ele instalou o seu Governo, botando elementos que de certa maneira não eram da simpatia dos Governos anteriores, prejudicaram um pouco o seu conceito. Mas deve ter ele determinado o problema do General Castello e acabado depois com o que chamou de ditadura militar, fazendo aquela abertura que ele fez. Talvez um pouco exagerada.

Na minha opinião, que era a opinião do meu pai, a abertura deveria ser feita com a tradicional “ainda em mão”, para controlar os excessos e buscar, então, o equilíbrio na busca da abertura em melhores condições.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor acredita que está afastada a possibilidade de uma nova intervenção militar no Brasil?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Após a Revolução de 64, o General Mamede e o General Bina Machado alteraram o currículo da escola, que coube a mim padronizar, tirando da escola 50% das suas atividades profissionais, para conhecimento de atividades gerais, particularmente Direito, Filosofia e Economia.

Estudando a Constituição, como nós estudávamos, com certa profundidade, os oficiais chegaram à conclusão de que era um objeto que deveria valer para a condução da administração deste País e que nenhuma substituição poderia ser feita na base da força, como foi na época do tenentismo ou na primeira revolução. Tudo deve ter um pouco de paciência e esperar as eleições, para que o povo se manifestasse pela melhor solução.

Os oficiais, saídos no nosso período — e eu me orgulho muito disso —, saíram com a mentalidade de que um golpe militar só prejudica o País, não o beneficia.

Depois, com a criação desse novo curso, na Escola Estadual, de Política e Estratégia, em que esses conhecimentos foram levados para eles em caráter mais detalhado, não há um general-de-brigada novo que não conheça a conjuntura, que não se relacione com a população civil e que não entenda este quadro existente. No momento você não vê condições para atitudes isoladas, de um capitão ou de um major, de fazer um levantamento, como se deu anteriormente. O período das revoluções provocadas por esse elemento morreu com a Revolução de 64, que foi uma revolução feita por chefes militares, coisa que eu não queria também.

O tenentismo morreu em 1935. Em 1935, Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Punaro Bley e tantos outros já eram velhos generais e Prestes, não tinham mais a mentalidade de tenentes. Aquele idealismo, o elemento jovem querendo, em função da sua educação nacionalista, de amor ao Brasil, resolver os seus problemas, passou a ser encarado de outra maneira.

Consequentemente, respondendo à sua pergunta, eu acho que, no momento, a não ser que passe por um momento político, as Forças Armadas não têm mais mentalidade de provocar um movimento armado de mudança de poder ou alguma coisa nesse sentido. Examine a posição do Ministro do Exército agora.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como o senhor vê esse fenômeno da globalização, que tem relegado a soberania dos países, sobretudo da periferia da economia mundial, a um segundo plano? A soberania. E que ameaça até o Estado; ameaça a própria ação do Estado, porque as multinacionais se transformam num Estado dentro do Estado, com uma movimentação d de uma soma de recursos muito grande.

E como o senhor vê essa ameaça que paira sobre a Amazônia? Até o ex-Governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, disse que aceitaria a tese da soberania limitada — que Mitterrand defendeu, mas que na verdade é a tese dos Estados Unidos, é a tese dos países ricos da Europa, sobre o caso da Amazônia —, se os americanos e os canadenses também aceitassem que as Montanhas Rochosas são do interesse da humanidade; se os alemães aceitarem que a Floresta Negra deles também seja importante para a biosfera...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Museu do Louvre.....

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A globalização é um problema econômico muito sério que tem que ser estudado com profundidade. Na realidade, a globalização permitia às economias mais fortes impor um preço que dificulta o  comércio, particularmente com o comércio exterior. No momento em que o domínio do mundo está sendo feito pelos Estados Unidos hoje em dia, potência militar e potência econômica, nós temos de olhar esse problema da globalização com muito cuidado, para que não soframos a consequência de uma taxação de impostos excessiva que prejudique a nossa exportação e a nossa economia.

Esse é o problema.

Quanto ao problema do Amazonas, eu posso dizer que esse problema preocupa seriamente o pessoal das Forças Armadas. É uma área muito grande, muito infiltrada. Só agora começou a ser ocupada pelas Forças Armadas. Mas não há recursos para fazer lá o que nós sempre planejamos no sentido de assegurar... de evitar que os países vizinhos penetrem Brasil adentro, inclusive trazendo problemas de tóxicos, de entorpecentes, de contrabando e essas coisas todas.

Não são os nossos postos de fronteiras, muito pequenos e muito isolados naquela área, o problema. O problema é que o povo daquela região amazônica é diferente, afeito à área. E agora o Exército fazendo a seleção dos índios, elementos ali existentes, para serem integrantes das Forças Armadas, faz uma coisa que o branco fez em Mato Grosso. O branco, quando se criou o problema com a Bolívia e o Paraguai, criou os postos de fronteira, e os elementos lá existentes, das Forças Armadas, depois de servir, eram forçados, eram convidados a ser donos de fazendas doadas naquelas áreas. Em torno daqueles postos militares, então, criou-se uma sociedade de ex-militares, donos de propriedades que não queriam abrir mão de seus domínios. Consequentemente, se opuseram à ocupação.

Para mostrar essa mentalidade existente nessa fronteira, em função desse trabalho, eu vou citar um problema que me emocionou muito e que me caracterizou.

Quando se tratou de marcar as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia, criou-se uma comissão de fronteira para delimitar as fronteiras. Era uma comissão oficial. E, em determinado momento, uma determinada área em que nós tínhamos um posto de fronteira que foi considerado região boliviana. Então, tratava-se de entregar um posto à Bolívia, de acordo com o consenso existente. Comandava o posto um sargento. E esse sargento então me telefonou: “General, eu vou entregar essa área ao boliviano? Não”. Eu tive pessoalmente de comparecer lá, para justificar. E, para mostrar o ambiente, eu quero encontrar o que eu encontrei. Na hora de baixar a Bandeira brasileira, feito pelo sargento do Pelotão de Fronteiras, eles me entregaram a Bandeira, e a mulher do sargento, que era diretora de escola, formou os seus alunos fo para cantar o Hino Nacional.

Então, uma ação que me marcou e que mostra o sentimento existente naquela área, de nacionalismo, de amor ao Brasil e amor à sua terra. Só assim é que nós conseguimos retirar o posto de fronteira.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas entregou-se essa parte do território?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Foi decisão da Comissão Brasileira de Fronteiras.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Demarcação, não é?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA – Havia um traçado. Entregamos aquela área. Mas dessa maneira.

Consequentemente, eu diria o seguinte: hoje em dia, uma operação na região do Amazonas, com a formação daquele pessoal e o sentimento que nós estamos gerando naquele pessoal, de amor à terra... Porque você forma o índio, e o índio volta para a tribo. O índio é soldado. E os índios mais eficientes são promovidos a sargento; passam a ter ação de chefia. Normalmente, chefiam a tribo ou então lhe são atribuídas funções junto aos fazendeiros, para tomar conta de fazendas. Mas a formação que nós demos a eles, inicialmente, básica, é de amor à terra, de nacionalismo e de amor ao Brasil.

Consequentemente, eu diria: invadir a Amazônia hoje, pode ter os recursos que tiver, vai ser um problema tão difícil como foi a invasão dos americanos ao Vietnã.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) Como foi a invasão....

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA – dos americanos no Vietnâ.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Eles fariam guerrilha?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eles fariam guerrilhas, acostumados na floresta, acostumados àquela área.

Viver lá, junto com empaludismo é um problema seriísimo, quem não está acostumado não se aguenta.

Quando eu estava em Mato Grosso, eu recebi uma missão através do Araguaia, de informação pelas margens do Rio Araguaia, para ver se havia uma penetração provocada, particularmente, pelo pessoal do Bispo Casaldáliga e do Bispo D. Hipólito.

Escolhi um grupo de Cáceres, um pelotão; escolhi 5 elementos do meu Comando para chefiar a área. Três dias depois tive de recolher os 5, porque deu empaludismo de tal maneira, que tive de mandar um avião recolhê-los. Só o pessoal de Cáceres, escolhido a dedo, que para sobreviver você dava um anzol e uma arma 22, estava lá absoluto, com saúde e com tudo, porque já estavam vacinados pela coisa.

Essa é a situação, na realidade, do Amazonas e do pessoal lá existente. Eu acredito que o Exército está fazendo um trabalho de seleção, de treinamento, extremamente importante. E que essa mentalidade de defesa do Amazonas já está dominando todo o Exército. Você vê a Revista Militar, do Clube Militar: dos 10 artigos escritos, 5 são sobre a Amazônia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, o senhor como Oficial do Estado Maior, como o senhor vê o Plano Colômbia, que ameaça militarizar todo o norte da América do Sul?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, existe na Colômbia uma revolução permanente. Essa revolução, hoje em dia, é apoiada pelo comércio do tráfico, o comércio da nicotina. Grande parte desses produtos vai para os Estados Unidos. O perigo é que o Brasil seja um acesso de entrada desses produtos que vão para os americanos. Mas a região mais próxima da fronteira brasileira com a Colômbia fica a 400 quilômetros, e nós temos um posto de fronteira lá perto.

É muito difícil uma ação de grande magnitude nesse sentido.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, o senhor foi testemunha e personagem da maioria dos fatos importantes da história do País nesse século XX. O senhor está com quase 90 anos.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - No Exército, 49 anos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quer dizer, o senhor viveu esses fatos todos na condição de integrante de uma instituição que foi a instituição da maior importância para o Brasil. Ou o Exército estava exercendo o Poder, ou ele dava sustentação ao Poder, ou era no mínimo interlocutor privilegiado, que tinha de ser ouvido.

Como o senhor analisa esta democracia brasileira, esta recém-nascida democracia brasileira, de 20 anos para cá? Como o senhor vê esse processo? O que o senhor acha que está certo? O que o senhor acha que tem de mudar?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, o povo brasileiro ainda não tem educação para conviver com a democracia perfeita. Há erros e acertos. Mas a mentalidade, e liberdade, e manifestação do povo nas decisões do Governo já estão tomando conta de tudo isso.

Eu acredito que, se estimular o problema da educação; se melhorar o combate à corrupção em diversos setores; se melhorar a seleção dos elementos no Congresso, pondo elementos mais capazes, mais indicados para o Brasil; e se modificar o Poder Judiciário, de que fiz parte durante algum tempo, o problema melhora. Só o futuro nos dirá isso.

O Brasil de hoje, na realidade, é muito melhor do que o Brasil de alguns anos passados. E a tendência é de que melhore mais ainda; que haja maiores acertos nesse setor.

Nós não temos evidências de guerra. As guerras com Argentina, Uruguai ou Paraguai desapareceram. Nós só temos problemas menores, como problemas de guarnição de fronteiras, por causa do garimpo, por causa do contrabando, por causa do tráfico — problemas mais policiais.

Eu acredito agora que, com a instalação desses radares na fronteira, com os recursos que não vieram mas que devem vir para o Exército, para completar o equipamento daquelas áreas de fronteira, trazendo tropa de outro lado, nós estamos caminhando pelo caminho certo.

Eu acredito no futuro do Brasil nesse setor.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Só quero complementar, desculpe, pois é um assunto que eu não queria deixar de fora.

Essa questão da violência hoje é endêmica. É uma questão que preocupa sobretudo nas grandes cidades. Está um pouco ligada a essa questão do tráfico — está bastante ligada, aliás. E muita gente questiona se o Exército deveria ou não ter um papel, porque a coisa chegou a tal magnitude.

O que o senhor acha dessa questão? Como o senhor vê?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Ontem eu fui procurado por um ex-comandado meu, um escritor de história já no quinto livro: o Coronel flechinha. O tema do próximo livro dele será violência, em que ele estuda, inicialmente, a sublevação no Nordeste: Lampião; Pe. Cícero; aquele movimento na Bahia; Antônio Silvino e tantos outros. Violência naquela área do Nordeste, que vai desaparecendo em algum tempo. E depois passa para a violência urbana, que é consequência de uma série de fatos. Primeiro, educação; segundo, superpopulação.

Enquanto você tem 2 ou 3 filhos, que educa, um camarada desses do morro tem 5 ou 6 filhos, que não educa. E os guris desde já são preparados nesse setor, nessa coisa.

Esse problema de violência urbana é muito sério porque exige uma técnica. E a Polícia, muito contaminada, facilita os procedimentos... O trabalho do Exército não é para isso. E eu tenho experiência grande. Quando eu estava em Mato Grosso, eu recebi a ordem do Presidente de evitar o contrabando de café. Então, naquelas áreas de acesso, foi montado um pelotão para fiscalizar. Trinta dias depois, eu tive de substituir, porque o caminhão que vinha com café dava uma propina ao comandante da tropa bem maior do que seu rendimento de 2 ou 3 meses. Então, cedia esse setor. Então, tinha de substituir por causa desse problema.

            Aqui no Rio tive um problema muito sério: contrabando vindo das áreas marítimas. Nós escalamos a PE para fazer um programa de vigilância e de combate. Peguei os 3 melhores capitães que eu tinha. Mandei fazer esse trabalho. Sabe o que aconteceu? Seis meses depois, botei no inquérito policial militar, porque eles estavam contaminados pelo contrabando, recebendo bebidas, participando de festas com mulheres e recebendo dinheiro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É muito dinheiro....

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Estavam com um inquérito policial militar. Da Polícia e do Exército, para mim, ele é militar. Esse é fato comprovado.

A participação no Exército de um garoto de 18, 19 anos, que não está preparado para isso, é muito difícil. E a participação de sargento e dos tenentes com vencimento muito baixo, mediante atração provocada por esse grupo, estimula uma deturpação dos fatos. Eu não digo que uma participação em determinado momento não seja justificada, mas uma provação permanente... A missão do Exército não é essa. E nós devemos poupar o Exército de uma desmoralização provocada por uma ação demorada nesse sentido.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Vou voltar no tempo. Quero voltar a 1966. O senhor falou muito em Constituição, em saídas constitucionais. O senhor participou da Comissão que elaborou a Constituição de 1967, em que praticamente as garantias e diretos individuais não existiam. Queria que o senhor comentasse essa Constituição dos militares.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bom, eu não posso comentar a Constituição, porque eu trabalhava no Estado-Maior das Forças Armadas e o nosso trabalho, constitucionalmente, era redigir o item destinado às Forças Armadas. Não redigir o item. Era missão das Forças Armadas ver se manteria ou não na Constituição e para justificar que esse trabalho foi mandado para o Castello. Nós não influenciamos a confecção da Constituição em si. A ideia do Castello era unir subsídios de diversos setores. E eu e mais 4 elementos, inclusive Miguel Chalub, que era médico de grande valor, estudamos e apresentamos subsídio que por sinal não foi aceito.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, o senhor organizou a tropa que invadiu a República Dominicana, quando houve a guerrilha daquele coronel. Como é o nome dele?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Camaño.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Camaño. E o senhor foi o organizador da Força Interamericana de Paz no Brasil, a tropa que foi à República Dominicana para combater a guerrilha e pacificar o país.

Os americanos, nessa história hoje da América Latina, porque aqui é uma área de influência deles, dizem que estão querendo criar uma força de intervenção sob a bandeira da OEA e que o Governo brasileiro tem combatido essa ideia. Eles pensam na Amazônia, pensam nessas coisas todas. Será que essa intervenção brasileira durante o regime militar na República Dominicana não seria um precedente que poderia funcionar contra o Brasil?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A participação nossa na República Dominicana foi uma decisão do Congresso, diante de sugestão do Presidente da República. Não foi um ato isolado do Presidente da República. Tudo indica que, em virtude da nossa presença na República Dominicana, o americano, tendo o apoio de um país como o Brasil, numa intervenção lá existente, nos deu uma série de vantagens, particularmente no campo econômico, inclusive empréstimo. O Roberto Campos e o Bulhões de Carvalho, nessa época Ministro, estavam assoberbados na parte de levantamento da situação do Brasil em face dessa situação. Então, nós fomos levados a fazer isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Desculpe, o nome é Otávio Gouveia de Bulhões, não é Bulhões de Carvalho.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Otávio Gouveia de Bulhões, desculpe, que era o Ministro do Planejamento.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Da Fazenda.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Estavam muito preocupados em resolver o problema da economia do Brasil. Então, resolvemos fazer de uma maneira eficiente. O Castello decidiu que essa Força não deveria pertencer nem ao Exército, nem à Marinha nem à Aeronáutica, mas que fosse subordinada ao Estado Maior das Forças Armadas. E eu fui trazido de Curitiba, onde era comandante da DECICO, para ser subchefe do EPA e ser o Presidente da Comissão que fazia esse trabalho, por causa da minha ligação estreita com o Gen. Castello e o Gen. Geisel.

Bom. Essa foi uma operação feita de maneira brilhante. E deve-se isso, inclusive, ao Gen. Meira Mattos, que foi o primeiro comandante de força popular. Alguns detalhes que pouca gente sabe. Primeiro, foi a seleção da tropa que ia. A Marinha lutou muito para ser a representante do Brasil nessa operação. Os paraquedistas lutaram muito nesse setor também, porque eram a tropa em operação. Mas o Gen. Castello decidiu mandar o REI, Regimento Escola de Infantaria, para constituir a tropa, e um batalhão de Fuzileiros Navais, com o apoio do Comando de Transporte da Força Aérea.

O primeiro movimento dessa tropa foi feito em aviões americanos. Eram aviões situados no Panamá. Vieram uma vez para o Brasil 42 aviões. Era tanto avião que a gasolina que existia no Santos Dumont e no Galeão não dava para abastecê-los. A tropa embarcou em uma semana nesses aviões. Foi o primeiro transporte que fizemos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A tropa era formada por quantos homens?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Da ordem de 1.500 homens. Mas nessa hora não foram os 1.500, foram 800 e poucos. Depois, a tropa foi complementada.

Depois fizemos um transporte a base de velhos aviões, quase obsoletos, os C-132 e C-119. Eram movimentações que fazíamos de abastecimento e substituição de pessoal mensalmente. Esses aviões praticamente não voavam mais. E, ao voar com esses aviões daqui para São Domingos, uma parte pousava em Manaus ou em Belém, depois parávamos na América Central até chegar a São Domingos. Era um drama. Mas esse foi um trabalho de alto gabarito feito pela FAB.

Depois vieram os aviões C-130, e a coisa mudou tremendamente. E depois houve, também, o apoio da FAB. A nossa força foi integrada dentro de uma força americana. Era o Gen. Parker, que hoje em dia é meu amigo. Enquanto os americanos tinham 12 mil homens, o Brasil tinha mil e poucos. Consequentemente, a diferença de efetivo mudava muito.

O nosso primeiro comandante foi o Gen. Hugo Panasco Alvim. O segundo foi o Gen. Álvaro da Silva Braga. E o comandante de nossa Força do Exército era o Gen. Meira Mattos. O comandante dos Fuzileiros Navais mudava, porque era um batalhão que fazia um revezamento. Nós fazíamos revezamento de vez em quando.

O comportamento de nossa tropa foi altamente exemplar. Ao sair essa tropa, quase 2 anos depois, houve um plebiscito entre os dominicanos para apreciar. E 80% do pessoal dominicano opinou pela permanência da força do Brasil e a saída dos americanos. Eles não gostavam dos americanos.

Nós tivemos episódios interessantíssimos, inclusive a conquista do Palácio do Governo, feita pelas tropas brasileiras.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quer dizer que a tropa entrou em combate?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Entrou em combate. A ação contra o Palácio (do Governo) foi feita inicialmente pela Tropa Americana nº 82, da divisão do Gen. Parker. Eles fizeram um ataque e perderam 39 homens. O ataque foi suspenso.

O mais interessante é que o armamento que tinha o Camaño em São Domingos tinha sido vendido pelo Brasil. Era um morteiro 4.2, exclusivo para se utilizar em 7 milímetros.

E a recomendação da OEA era a de que não deveríamos acabar o movimento logo. Nós tínhamos de criar na República Dominicana um sentimento que permitisse uma eleição, uma substituição do Governo pelo voto e a volta do Estado à democracia. Pela luta existente entre o Camaño, que era um oficial de polícia, e o Gen. Wessen y Wessen, que era o Comandante das Forças do Exército, e outros candidatos lá existentes. O Gen. Wessen y Wessen foi candidato. E houve uma manobra muito bem-feita pela OEA e pelo comando brasileiro para retirar o Camaño e o Gen. Wessen y Wessen. O Camaño foi mandado para a Inglaterra e foi assassinado lá.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Assassinado!

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Assassinado lá.

Mas foi uma operação extremamente difícil, mas muito bem-feita. Muito bem-feita, modéstia à parte, graças aos elementos lá existentes e graças aos companheiros da Força Aérea e da Marinha. O regresso foi feito por aviões e com ajuda da Marinha. E, na passagem de 7 de setembro, fizemos um desfile em Belém que até hoje marca. Essa foi a operação São Domingos, que foi uma operação política feita pelo Governo, visando a um interesse maior, em contrapartida ao apoio que dávamos aos americanos, que tinha uma tropa de intervenção em São Domingos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, os americanos perderam 39 homens. E a tropa brasileira perdeu algum?

O SR. GENERAL REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Nós perdemos lá uma série de elementos por acidentes. Mortos mesmo foram 3. Houve 3 mortes lá. O resto foi acidente de tiro, acidente de viatura, essas coisas todas. Mortes em combate foram 3. Houve até um fato interessante que convém aqui contarmos com detalhes. Toda noite, às 6 horas, havia um tiroteio. Era clássico. Nós tínhamos um tenente do REI que não era muito corajoso. E, na hora do tiroteio, ele resolveu se esconder. Saiu da janela onde estava a metralhadora e se escondeu atrás. Casualmente, veio um projetil de 50 milímetros, atravessou a janela e atingiu o sujeito na coxa. Esse rapaz foi levado para o hospital de campanha. Nós tínhamos médicos brasileiros lá, da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Eles fizeram um trabalho notável. Inclusive, na ocupação do hospital dominicano, quando em uma semana praticamente morreram todos os doentes em consequência das doenças provocadas pelos ferimentos. Ao examinarem esse tenente, viram que o ferimento na coxa era de menor importância em relação ao ferimento de outros, que era na barriga, nos braços, etc. Mas acontece que essa bala que entrou pela coxa penetrou coxa adentro, pegou o intestino do indivíduo e acabou com o intestino. O nosso médico descobriu isso. Durante 8 horas, esse rapaz foi operado pela equipe brasileira. E foi salvo. Um dia desses eu o encontrei por aqui, reformado como segundo-tenente. Foi um detalhe da operação lá. Toda noite você acordava com o disparo dos canhões. E eu ficava lá no Hotel Jaragua. Era o nome do Hotel no qual eu me hospedava. Toda noite havia um tiroteio sem razão de ser. Os brasileiros moravam e se situavam na linha de fronteira em casas de dominicanos, normalmente no porão, e respondiam isso para manter a situação na fronteira.

Tivemos casos, pequenos casos. Um dos casos que tive foi com o Capitão Domingues. Um belo dia a senhora dele me procurou desesperada, alegando que o Capitão Domingues tinha uma amante dominicana. Ela tinha recebido umas cartas, o que fazia parte da propaganda esquerdista aqui. Eu tive que falar pelo rádio com o Gen. Meira Mattos e deslocar o Capitão Domingues por um dia. Convidei a senhora dele e a levei ao aeroporto. Ela foi comigo e, casualmente, na hora saiu do avião o marido. E esse problema se resolveu com esse detalhe. Tudo aquilo era mentira. Havia, em relação aos oficiais que estavam lá, essa campanha de desmoralização. E o Capitão Domingues era um elemento de grande valor, pertencente ao REI, que teve um papel muito importante depois no Sul, no Uruguai, em combate.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, eu gostaria de voltar a abordar um ponto. O senhor nos disse que teve toda a sua carreira marcada por essa amizade, essa aproximação com o Gen. Geisel. Os senhores estiveram sempre juntos. Tanto que no Governo dele o senhor foi para um comando da maior importância, que foi o Comando do I Exército, um comando estratégico. Agora, o Governo do Gen. Geisel foi marcado pela política de abertura. Quer dizer, depois do Gen. Médici, aquela coisa toda, ele se dispôs a fazer essa distensão. E um fato considerado essencial nessa política de distensão foi um fato militar, foi a demissão do Gen. Frota. Eu queria que o senhor nos contasse essas motivações e a movimentação e a repercussão que isso teve dentro do Exército. Como é que o senhor acompanhou isso?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Embora eu fosse amigo do Gen. Geisel...

O SR ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Só um minuto, porque isso é importante. O general que estava tomando conta do sistema de informação no gabinete do Frota era o Gen. Ênio Pinheiro, que é hoje Subcomandante da Escola Superior de Guerra.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Não era do CME. Minha amizade com o Gen. Geisel... Vamos traduzir que ele me levasse para servir no Estado. Eu servi com o Gen. Geisel pela primeira vez num grupo escola, por ocasião da revolução comunista. Ele era capitão, eu era segundo-tenente. Ele era capitão comandando a seção extra. E, na revolução da Escola da Aeronáutica, ele foi o elemento responsável pela segurança aproximada do grupo escola — uma vez servi com ele nesse sentido. Depois foi em Brasília, quando ele comandou o Comando Militar de Brasília. Eu fui o Chefe do Estado-Maior dele. E, como Chefe do Estado-Maior, eu aprendi um detalhe que era uma marca da personalidade dele.

No primeiro dia de despacho, eu nunca havia trabalhado com ele, levei um ofício para ele: “Está aqui, chefe, para o senhor assinar”. Ele leu, leu. Ele lia muito rapidamente. Olhou para mim: “Não está bom, faça novamente”. Fiz outra vez. No dia seguinte levei: “Está aqui, chefe. Veja se está bom”. Ele leu. “Ainda não está bom. Melhore”. Na terceira vez que eu levei, eu me senti desmoralizado. Não sabia redigir, não sabia fazer coisa nenhuma. Virei-me para ele e disse: “Chefe, não dá mais para servir contigo, porque eu não tenho condições de fazer o que o senhor quer”. Ele disse: “Não. Aprenda uma coisa. Você me trouxe o documento para assinar, botou em cima da mesa, não disse nada. Você não defendeu o que escreveu. Se você tivesse certeza do que escreveu, você me mostrava o que escreveu, me convencia de que você estava certo”. Aprendi esse detalhe com ele. Ele sempre fazia isso. A primeira tendência era não aceitar, para ver se a gente tinha convicção no que levava.

Mas com o Gen. Geisel tinha mais um detalhe. O Mauro Borges, Governador de Goiás, tomou uma posição do Brizola, da campanha da legalidade. E ameaçou por telefone — ele tinha sido meu colega na Escola de Estado-Maior — invadir nossos quartéis em Goiânia e Ipameri. Nossos comandantes e a tropa existente realmente eram muito fracos. E, com o efetivo que o Mauro tinha era a Polícia mais os elementos que ele tinha trazido do interior. Ele tinha condições de tomar.

Eu fiquei nervoso, porque eu realmente não tinha elementos para combater lá em Brasília. Só tinha o Batalhão de Guarda, a PE e alguns carros M-8. Aí telefonei para o Gen. Geisel: “Chefe” — ele era meu chefe no Estado-Maior —, “como é que eu vou proceder aqui em relação a esse problema?” “Da seguinte maneira. Espere um momentinho”. Ele pegou o telefone do pai do Mauro, que era Senador, telefonou para ele e disse: “Você sabe que seu filho quer invadir os quartéis do Exército? Já pensou a besteira que ele vai fazer? Fale com o seu filho, chame a atenção dele”. E a coisa não saiu. Para você ver uma solução política em relação a um caso militar.

Outro problema que eu tive também. Ele me telefonou porque queria ocupar o reservatório de gasolina de Anápolis. Se ele ocupasse Anápolis, ele cortava o fornecimento de gasolina para toda a Brasília. Nós tivemos de fazer uma operação. Nós tínhamos dentro do nosso comando um traidor, um elemento que se dava com o Mauro que eu não sabia. Fizemos uma reunião de noite, para fazer um transporte de uma companhia de Ipameri, que era o Cel. Paiva, depois chefe do Estado-Maior, para  levar para Anápolis, para garantir essas coisas mediante aviões da Força Aérea C-47. Muito bem. Na hora em que os aviões decolaram, nós tivemos informações de que em Anápolis eles tinham bloqueado o campo com barris. Quer dizer, a tropa que ia descer, ia descer de madrugada e derramar todos os barris.  Era um problema muito sério.

            Pegamos o rádio amador, mandamos chamar o Comandante do Tiro de Guerra, e, através do rapaz do Tiro de Guerra, foram retirar os barris do campo e a operação foi realizada sob o comando do Cel. Loyola, e na realidade ele não fez essa invasão. São 2 fatos marcantes que a memória me traz em relação a esse posicionamento.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Agora eu queria que o senhor falasse especificamente desse...

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Do Frota.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Do Frota.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Pelo que eu me lembro do Frota, ele na realidade tinha um carisma muito grande. Era um general ativo, que vivia percorrendo as unidades. Tinha o apoio de grande parte dos militares. Mas o Geisel achava que, no momento em que o Frota tinha esse prestígio, que era estimulado pelos elementos que o cercavam, ele não podia pensar em sucessão para civil ou o que quer que fosse, porque havia também a pressão das Forças Armadas no sentido de impor um candidato. Eu não acredito que o candidato fosse o Frota. O candidato podia ser um outro indicado por ele. Mas ele realmente, com o Ênio, que não era chefe do CME, o Ênio era assessor dele, do gabinete dele, mas era o Ênio quem fazia a coordenação política em relação aos elementos dele. Então o raciocínio do Geisel, acho eu, tenho essa impressão, era de que, para fazer a abertura nas condições que ele queria, ele tinha que eliminar a grande pressão que as Forças Armadas queriam para a realização disso. Se ele não tirasse o Frota, ele não teria condições nem liberdade nem força para poder indicar um candidato, um assessor para o setor. Então, a saída do Frota, que já vinha se desentendendo com ele por uma série de problemas, e um dos problemas foi uma colocação do Moraes Rego na Brigada de Campinas... Porque, quando o Moraes foi promovido — era do gabinete do Gen. Geisel —, o Geisel queria colocá-lo em Campinas, e o Frota queria colocar o Moraes Rego na fronteira, como era normal a todos os comandantes de Brigada. O Frota então chamou o Moraes Rego, que era teimoso: “Bom, o senhor vai promovido. Para onde o senhor quer ir?” “Não, não tenho vontade. Não sei quê mais e tal”. “O Geisel quer te colocar em Campinas. Você não quer ir para a fronteira?” “Se o Presidente quer que eu vá para Campinas, vou para Campinas”. Então, isso resultou no fato de que, por ordem, o Moraes Rego foi colocado em Campinas, contra a vontade do Frota. Esse é um dos detalhes.

            Outro detalhe. No fim de certo tempo, o Frota não despachava diretamente com o Geisel, mandava o Hugo trazer a documentação e o Hugo se fazia de intermediário nesse setor. Consequentemente, foi diminuindo o contato do Frota com o Geisel. E o Frota tinha sido escolhido por ser um militar apolítico. Bom comandante, autoritário e exigente, mas alguém que não ia criar problema político. Mas, no exercício da função, contra a pressão dos Congressistas, por admirar o trabalho do Ênio, que era muito hábil nesse setor, ele passou a ter influência muito grande nesse processo. Então a saída do Frota foi, para mim, uma medida tomada pelo Geisel, como fez com o (ininteligível), para evitar um mal maior e dar liberdade de ação a ele, para realizar o que ele queria, o sonho dele, que era a abertura.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E qual foi a repercussão que isso teve dentro do Exército? Que cuidados, que medidas o Presidente Geisel teve de tomar para assegurar que essa medida dele não seria contestada?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Bem, o Frota não reagiu. Apesar dos elementos que tinha, ele manteve-se disciplinado em relação a essa medida. A única coisa que ele fez para mim de inconveniente foi o manifesto que ele deu. Foi um manifesto feito por ele em que ele deixou bem claro as ideias que tinha. Não houve repercussões maiores, porque todos os comandantes do Exército eram da linha do Gen. Geisel, o Gen. Marcos, em Recife, o Gen. José Pinto, no 1º Exército, o Gen. Bandeira, em Belo Horizonte...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bethlen?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - E o Bethlen era um homem do Frota. Sendo um homem do Frota, excluído o Ministro, ele de certa maneira contrabalançou a área em que o Frota fazia oposição. E o Bethlen era um homem de conceito, era um homem inteligente, fez cavalaria com o Frota. Eu tenho minhas mágoas do Bethlen e disse para ele claramente. Ele fez um (ininteligível) de 2ª seção me chamando de comunista.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas por quê?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Porque eu tinha atitudes meio liberais. Ele achava que minha formação, não sendo radical, eu era propenso... Mas aparentemente ele não retificou, mas pessoalmente ele disse a mim (ininteligível) a (ininteligível) dele.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu falei isso para o senhor porque, em seguida à demissão do Gen. Frota, foi armada uma verdadeira operação. Essa foi uma operação militar para trazer todos os comandantes a Brasília, e o Gen. Frota mandou gente ao aeroporto para levar ao Ministério do Exército.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - O Gen. Geisel, ao pretender tirar o Gen. Frota, mandou comunicar ao comandante do Exército a sua ideia, e marcou em princípio a data. Eu sabia 48 horas antes e tive a incumbência de ir ao Geisel e telefonar para o Gen. Marcos, para o Gen. Ariel, para o Gen. Bandeira, sabendo o ponto de vista dele.

O Gen. Geisel não agiu às escuras, ele agiu como tinha que ser. E esse problema de trazer os generais, como o Frota tinha convocado os generais para o QG, ele adiantou-se para que passassem lá... o João Ariel tinha servido com ele no grupo escola, o Gen. José Pinto era da Artilharia, o Gen. Bandeira mesmo assim, mas o Aureliano trabalhou com ele, e assim por diante. E não houve problema maior. Ele não fez aquilo às escuras, não.

Em Brasília, o Gen. França era o Comandante de Brigada, casado com a filha do Gen. Holanda, e o João Arison, que era o Comandante Militar de Brasília, ficou junto ao Frota, sem nenhuma ação em termos de execução. Só os elementos mais ativos do Gen. Frota, o Gen. Diegues, o Gen. Campos, quiseram começar uma reação que seria feita individualmente sobre o Palácio para segurar o Geisel, que seria fácil, porque a guarnição era pequena. Em seguida, uma ideia de trazer os paraquedistas para fazer isso, mas sem execução. Era a chance deles imporem as condições.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor acredita que a partir daí o Gen. Geisel pôde conduzir esse processo de abertura?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - A partir daí o Gen. Geisel passou a ser dono da situação em termos políticos. Contando com o Exército não como opositor, mas como aliado, ele pôde fazer o que ele desejava. Não é isso?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor queria dizer mais alguma coisa para a gente? Alguma coisa que o senhor gostaria...

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Para falar sobre isso eu falaria 2 dias. (Risos.) Porque eu vivi todo esse problema, não é? Vocês me abordaram alguns problemas do setor. Mas havia outros, como os problemas vividos do Tribunal Militar, que você acompanhou. Houve problemas difíceis, viu? problemas vividos na Escola do Estado Maior.

Na Escola do Estado Maior, em determinado momento, houve uma época em que todos esses elementos de escola resolveram fazer manifestos. E saiu um manifesto da ESAO muito duro contra o Costa e Silva e a esposa dele. E tive ciência de que na escola que eu comandava estava praticamente pronto um manifesto que era orientado pelo Cel. Diegues. Era meu Chefe Diretor de Anúncios o Gen. Osvaldo Nasser Domingues, que era de muito valor. Então, mandei reunir os alunos e pedi que esboçassem em reunião plena todas as mágoas e queixas que tinham contra o Governo, por escrito. Em seguida, peguei tudo o que eles disseram, resumi em um documento e assinei. E mandei, como Chefe de Estado-Maior, como uma informação sobre a situação da Escola do Estado-Maior. Quando eu li para os alunos o documento que mandei, e eles viram que tudo que tinham dito estava ali, o problema da manifestação desapareceu. Mas o manifesto era duro. Eu dei entrada oficialmente ao Chefe do Estado-Maior, que era o Gen. Adalberto. O Gen. Adalberto teve contemplação comigo durante algum tempo, mas um mês depois eu estava transferido.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, o senhor recebeu na ECEME — Escola de Comando e Estado-Maior do Exército a visita do Gen. Costa e Silva, que era o Presidente da República, alguns dias depois da edição do AI-5. Não quer falar a respeito disso?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Pois não. Bom, o AI-5 trouxe uma agitação muito grande no meio militar, porque o AI-5 atendia a grande parte das reivindicações feitas por aqueles grupos radicais. Consequentemente, quando se encerrou o ano letivo, em que havia a cerimônia de diplomação, Costa e Silva compareceu pessoalmente trazendo praticamente todos os Ministros. 

Naquela época, o que não há hoje, havia 2 discursos básicos. Era o discurso do representante dos alunos e o discurso do comandante da escola. O representante dos alunos fez um discurso longo, mas não disse nada. Traduzindo o ponto de vista dos alunos, era feito mediante uma pesquisa. Mas eu, na parte final do meu discurso, referindo-me ao AI-5, disse um detalhe que era justamente o que eu pensava. Que achava o AI-5 justo no momento, mas que devia ter o efeito de um raio. A rapidez e a demora de um raio. Isso causou uma certa polêmica que foi explorada particularmente pelo Rondon Pacheco, que era o Chefe da Casa Civil. Mas não houve maior reação. Foi aceito como real. Porque tenho impressão de que o próprio Costa e Silva pensava isso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, uma coisa importante também no seu tempo, na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, foi a organização daquela Conferência Militar do Hemisfério Sul, conferência dos comandantes militares, a que veio o General Westmoreland, que era o comandante da tropa americana no Vietnã. Ele veio para cá.

Qual foi o sentido daquela reunião?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Aquela reunião era parte de um calendário, no campo internacional, em que cada país ia fazer uma conferência de Chefe de Estado-Maior, para tratar dos problemas ligados à América de modo geral. O topo daquele momento era o comunismo, o tópico que eles discutiram.

Então, veio aquela reunião. Ela não foi patrocinada pelo Itamaraty, que deu recursos. E foi realizada pelo Estado-Maior (ininteligível) e a execução coube à Escola do Estado-Maior. Nós mandamos um dispositivo muito interessante. Os instrutores e as aulas pararam. Realmente, a conferência foi um sucesso.

Os fatos que marcaram aquela conferência foram: primeiro, a reação dos estudantes. O pessoal ficou hospedado no Hotel Leme. Para chegar à escola tem que passar por aquele corredor. E os estudantes se manifestavam sob a forma de apupos, sem nunca ter impedido diretamente, o que nos obrigava a fazer o deslocamento do hotel em escolta. Naquele tempo, era o VM 8 o carro blindado que tinha. Os motoristas eram todos militares e davam complemento.

A conferência foi feita pela Escola do Estado-Maior de maneira brilhante, porque, em todas as discussões feitas à tarde, nós passávamos uma noite trabalhando e, no dia seguinte, ao anunciar os trabalhos, mandávamos cópia do que tinha sido discutido.

O dinheiro que deu a conferência permitiu fazer uma melhora nas condições da escola, como pintura, mudança de janelas e fazer um programa que existe até hoje, que é a criação do Círculo Militar da Praia Vermelha.

Os entendimentos com os militares e o Westmoreland têm 4 características: Westmoreland mudava de roupa 2 vezes por dia. Na hora do almoço, tomava um banho e mudava a roupa, na hora do jantar, mudava. Quando ele vinha no ônibus vinha cheio de mala, com roupas que nós tínhamos para mandar para a tinturaria para passar a ferro, porque ele era muito detalhista. Segundo, eram as farras (ininteligível) dominicanos. Viviam em boates, viviam bebendo. Nós tínhamos uma moças que faziam a ligação com eles. Eles avançavam nas moças, criavam problemas, mas, graças a Deus, no fim, tudo correu bem.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, para a gente encerrar, nessa entrevista, nesse depoimento que fizemos com o Senador Jarbas Passarinho, que é uma fita, ele disse que ele trazia uma mágoa, porque os militares foram praticamente puxados pela japona, pelas mulheres, pelos serviços, para fazer o movimento de 64 e hoje eles são apontados como gorilas, essas coisas, detratores da democracia, essa coisa toda. Que balanço o senhor faz desse período e como o senhor se sente hoje?

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Eu diria o seguinte: não há movimento militar sem o apoio popular. Quem quiser fazer um (ininteligível) tem que fazer de acordo com os anseios do povo. Na realidade, o pessoal se preocupou muito com a situação existente naquele tempo. Era a guerra fria, era a inflação, era a ameaça da república sindicalista, era a quebra da hierarquia nas Forças Armadas, era a presença do Jango em reunião de sargento, de marinheiro, essa coisa, tirando a ação dessas coisas, de modo que isso motivou realmente a manifestação das famílias, do povo, o chamado (ininteligível). Eu diria que essa manifestação estimulou a realização do que a gente pode chamar de golpe ou revolução. Eu diria que virou um contragolpe. Porque o que se evitou foi um mal maior. Meu pai sempre disse... Perguntado sobre o que ele achava da revolução de 64, ele se exprimiu da seguinte maneira: “Pode não ter sido um grande bem, mas evitou um grande mal”. Quer dizer, esse é o sentido que devemos dar a esse movimento.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas, General, porque o militar ficar no poder demasiado tempo, isso também desgastou as Forças Armadas.

O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - É verdade, é verdade. Agora, a mágoa que nós temos, por exemplo, eu tenho, é que a sociedade não nos devolveu aquele sacrifício que fizemos de fazer o movimento. A sociedade mudou. Mudou por isso, porque o movimento demorou, tudo se apresentou com uma ditadura militar que ostentou como a quebra da legalidade na Constituição, e o trabalho da mídia, inclusive daquele grupo (ininteligível), de esquerda, levantou a ideia de que, na realidade, estava errado e precisava consertar. Se a revolução demorasse pouco tempo e fosse feita uma eleição com um candidato civil, o desenvolvimento daquele primeiro tempo da revolução que trouxeram para a Nação seria explorado de maneira benéfica: inflação, telecomunicações, estradas e outras coisas todas. Eu diria que foi mais a demora do governo militar que motivou esse afastamento da sociedade (ininteligível), embora, no princípio, a sociedade motivou e determinou o movimento.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, o senhor concorda com o programa de privatização? O senhor concorda com essa redução do tamanho do Estado, ou o senhor acha, por exemplo, que alguns setores, como o setor de telecomunicações, deveria permanecer na mão do Estado?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA – Bom, você sabe que a estatização é um problema que existe, é um problema do (ininteligível). O Governo deve tomar conta de tudo. Mas quem viveu em Brasília como eu vivi, vendo aqueles órgãos ligados ao Governo, a corrupção, o número de pessoas desempenhando um trabalho sem eficiência... Eu me lembro uma vez, lá no Tribunal, eu poderia saber, existiam 42 órgãos autárquicos ligados aos Ministérios.

            Então, a privatização disso se justificava porque era uma economia. Porque o particular visa ao lucro, o que não dá lucro desaparece. O Governo paga as despesas e os (ininteligível) existentes. Agora, a privatização deve ser olhada de maneira inteligente.

            Por exemplo, a Vale do Rio Doce era um órgão que, na realidade, não dava lucro, mas a despesa era relativamente pequena. A despesa com a Vale do Rio Doce era de 5%. Eu acompanhei bem esse detalhe, porque... Um detalhe que eu vou citar aqui. Um belo dia o Gen. Geisel me chamou. “Reynaldo, procura o Euler e convida o Euler, que estava numa fase de oposição, inclusive previsto para ser candidato do Ulysses a Presidente da República, convida o Euler para ser Vice-Presidente da Vale do Rio Doce, que eu quero chamá-lo”. Eu conversei com o Euler e, naturalmente, não cheguei a um bom termo. Ele não queria ser Vice-Presidente. Ele, se fosse para a Vale do Rio Doce, teria que ser Presidente. E, no momento, o Geisel não podia tirar de vez seu Presidente. Isso mostra um detalhe da privatização. Eu acho que a privatização, em determinadas circunstâncias, é aconselhável. Mas tem que ser medida. O Governo tem que puxar assim determinadas atividades. Por exemplo, aquele monumento do Nordeste, que era um monumento de engenharia, nenhum particular fazia. Tem que ser um órgão do Governo, financiado com despesa e (ininteligível). Nas outras atividades que dão lucro, o próprio Governo poderia (ininteligível). Agora é verdade que para a presidência dessas empresas tinham que ser políticos, um pouco despreparados em termos de tramitação. Consequentemente, há um inconveniente na privatização. Então, eu acho que um meio termo que é a solução. Privatizar aquilo que é necessário e manter na mão do Governo aquilo que rende com resultado.

            Qual foi a outra pergunta que o senhor fez? A outra pergunta foi sobre?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Se o Estado deve ser menor...

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Quanto menor, mais despesas e menor orçamento, porque os Estados mal têm dinheiro para pagar os funcionários.

Agora, é muito difícil se acabar com uma organização dessas por razões praticamente políticas. Acaba-se com Deputados, com Vereadores, com Senadores, com o orçamento, etc. Então, é um problema que tem que ser considerado com muito cuidado.

            O Geisel criou Mato Grosso do Sul e Mato Grosso do Norte, criou aqui a Prefeitura e o Governo do Rio de Janeiro. Temos de examinar bem se essas medidas foram medidas razoáveis. A do Mato Grosso eu acredito que sim. O Mato Grosso do Sul era uma região que crescia e o Mato Grosso do Norte é uma região praticamente estagnada. No momento em que ele fez isso, o gado que estava no sul foi todo para o norte. Hoje em dia o Mato Grosso do Norte está se desenvolvendo, e o do sul, na base das cooperativas, está com uma grande produção, inclusive de café.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O norte hoje é mais promissor do que o sul.

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA - Exato. E eu não posso mais em relação a isso, viu?

O SR.  ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor quer falar mais alguma coisa?

            O SR. REYNALDO MELLO DE ALMEIDA – Bom, tinha muito o que falar, mas tempo é tempo. Você começou a mencionar o que aproveitava, o que pode ser aproveitado ou não, não é, Ivan?

(A seguir, conversas paralelas. A entrevista é encerrada informalmente.)