Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

        NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - ENTREVISTA COM PAULO AFONSO

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP006/00

DATA: 11/10/2000

INÍCIO: 09h00min

TÉRMINO: 11h39min

DURAÇÃO: 02h39min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h39min

PÁGINAS: 52

QUARTOS: 32

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA – Ex-Secretário-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados e ex-Ministro do TCU.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o Sr. Paulo Affonso Martins de Oliveira – Programa Memória Política.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis.

Há palavras ininteligíveis.

Não houve encerramento formal da entrevista.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST  24/04/2009 

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Dr. Paulo Affonso, fale da sua origem social, da sua formação estudantil e intelectual e dos primeiros tempos na Câmara dos Deputados.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Eu creio que falar sobre si mesmo, pelo menos para mim, é constrangedor. Contudo, posso dizer que nasci na cidade do Rio de Janeiro e tenho do Rio uma grata lembrança e uma grande saudade. Sou filho de pais portugueses que chegaram ao Brasil em 1913. Tive 13 irmãos, infelizmente só um ainda vivo. Meu pai morreu com 53 anos, quando eu tinha 11 anos. Minha mãe, portuguesa, tinha nível cultural muito rústico. Todos nós tivemos de começar a trabalhar. Comecei a trabalhar com 11 anos, numa cidade como o Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo estudar. E essa minha vida de estudo e trabalho foi prosseguindo até que consegui entrar no Colégio Pedro II, de que também tenho uma grata lembrança e ao qual sou ligado até hoje.

Formei-me no Pedro II em 7 anos. Fiz vestibular para a tradicional Faculdade Nacional de Direito, na Rua Moncorvo Filho, onde passei 5 anos. Tive a grata satisfação de ter grandes professores, como a pessoa San Tiago Dantas, de Direito Civil, Stevenson, de Direito Penal, Hermes Lima, Leônidas Rezende, de Economia Política, e também um homem que foi muito marcado em termos políticos, porque ligado ao Partido Comunista. Ficou preso durante 10 anos no período da ditadura Getúlio Vargas.

E da Faculdade Nacional de Direito eu já estava na Câmara dos Deputados. Entrei na Câmara como datilógrafo e fui trabalhar na Taquigrafia. O meu trabalho na Taquigrafia me fez escolher a minha atividade dentro da Câmara. Eu quis trabalhar sempre no setor político da Câmara. Em 40 anos que estive na Câmara, eu nunca trabalhei em nenhum setor administrativo. Fui Secretário de Comissão, depois trabalhei com membros da Mesa, até chegar à Secretaria-Geral da Mesa. Portanto, é uma vida muito, eu diria, acidentada, mas ao mesmo tempo obstinada. E, felizmente, chego aonde estou, podendo olhar para trás sem arrependimentos e sem remorsos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, o ingresso na Câmara dos Deputados e depois a Constituição de 1946, que foi o grande acontecimento depois da ditadura do Estado Novo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Talvez fosse interessante falar da transição, da mudança da Capital do Rio para cá.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Mas ele está falando de 1946.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas, se depois o senhor pudesse falar sobre isso.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Claro, entrarei nesse tema.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tem de falar sobre a mudança, claro.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - A mudança para Brasília.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Eu entrei na Câmara dos Deputados em maio de 1946, como datilógrafo. Como eu disse anteriormente, fui trabalhar diretamente na Taquigrafia. A Câmara era uma Constituinte única, portanto estavam presentes Senadores e Deputados na elaboração do texto constitucional. Eu entrei na Câmara muito jovem, com 18 anos. Foi uma grande experiência para mim. Observei o seguinte: grande parte desses Constituintes eram homens já de certa idade, alguns já com idade avançada. Estranhei esse procedimento e cheguei à seguinte conclusão — o que vem demonstrar que as ditaduras causam sempre aos países um grande malefício: com o golpe de 1937, toda a geração política nova que estava se formando foi afastada, episódio que nós observamos quando veio, em 1964, a chamada revolução em termos modernos. Nós observamos que aquelas lideranças que estavam se formando também foram afastadas.

Aqueles homens com aquela idade vieram com uma concepção filosófica conservadora. Eles não tiveram a visão da transformação do mundo após a guerra. Então, fizeram uma Constituição muito bem feita — eu a considero, sob o ponto de vista de articulação, de terminologia, para o momento, uma Constituição bastante moderna —, contudo era conservadora.

Houve outro episódio que causou ao País um malefício muito grande. Esses Constituintes, que tinham a experiência do golpe de 1937, resolveram atribuir ao Congresso competências amplas, em detrimento de competências do Executivo. E o mundo foi-se transformando, e o Congresso é muito lento nas suas decisões.
E o Executivo foi avançando e avançando, passando por cima de competências que eram privativas do Congresso. Com isso, criou-se um conflito que, a meu ver terminou em 1964, com o golpe de 64, que tinha um sentido ideológico, mas tinha um sentido também de que a Constituição não dava ao Executivo os meios necessários para fazer face à transformação do mundo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - E as cassações dos Parlamentares comunistas, que foi um grande trauma daquela Constituinte?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Dizem que o episódio  deve-se a um fato que ocorreu entre — podem ser citados nomes, não é? — o Prestes, que era Senador pelo Rio de Janeiro, na época da Constituinte, e um Deputado chamado Barreto Pinto. O Prestes não era bom orador. Ele lia uns discursos muito longos e profundamente cansativos. O Barreto Pinto era um homem muito irreverente e anticomunista com toda a linha. Começava a apartear o Prestes, perturbando os discursos. Num certo momento, o Prestes parou o discurso, pediu a palavra pela ordem, virou-se para o Presidente e disse que teria a honra de receber apartes de quaisquer de seus colegas, menos de Deputado de 400 votos.

Isso marcou muito o Barreto Pinto, que então denunciou o Partido Comunista junto ao Tribunal Superior Eleitoral, alegando que o partido teria dois estatutos: um estatuto que fora registrado e outro estatuto secreto, sigiloso, que era o que realmente conduzia a atitude do partido. O Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do partido. A Câmara dos Deputados, através de uma resolução, cassou o mandato dos Deputados comunistas constituintes. Foram sessões muito traumáticas, muito agitadas. Eles reagiram muito. Havia um Deputado comunista que tinha sido eleito por outro partido, José Maria. Acho que depois ele até foi assassinado.

Os comunistas apresentaram um projeto e um artigo, e apresentaram mil emendas. Pediram destaques para essas emendas todas. O Presidente da Câmara na época se chamava Samuel Duarte. Dentro da estratégia montada pela Maioria para resolver a questão o mais rápido possível, essas emendas foram todas rejeitadas e o projeto foi aprovado, mas depois de muito tempo. Foi algo muito traumático, houve conflitos no plenário.

Isso causou também um trauma muito grande à Câmara, porque depois o partido majoritário, o PSD — e o outro, a UDN —, entendeu que as vagas deixadas pelos comunistas deviam ser preenchidas por esses dois partidos. O Hermes Lima — que fazia parte da esquerda democrática, que era ligada à UDN — e outros fizeram discursos contrários de grande veemência. Isso fez com que houvesse o rateio das vagas existentes entre todos os partidos. Eu creio que os comunistas tinham 17 Constituintes. Portanto, após a perda do mandato dos comunistas ainda houve esse problema da distribuição das vagas existentes.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Fale a respeito da mudança do Congresso do Rio de Janeiro para Brasília, depois de ter funcionado tanto tempo no Palácio Tiradentes.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O Palácio Tiradentes foi-se tornando pequeno. Havia um estudo, uma possibilidade que hoje a Assembléia já absorveu, de se incorporar o prédio atrás do Palácio Tiradentes, que pertencia ao Ministério dos Transportes. Era o antigo Ministério dos Transportes. Hoje, a Assembléia já o incorporou. Fez uma passarela ligando os dois prédios. A norma constitucional, em sua Disposição Transitória, já previa a mudança da Capital para cá. Com o compromisso do Juscelino de transferir a capital, veio o projeto de lei propondo a transferência da capital.

Houve muita reação, muito discurso, porque o Rio de Janeiro entendia que a saída do Governo Federal acabaria com a cidade, que ela desapareceria com essa transferência, que o custo seria muito alto. E, mais do que isso, alegava-se que não haveria a pressão popular que existia na cidade do Rio de Janeiro. Bastava observar aquela passagem das barcas: o povo que saía do seu trabalho e ia pegar as barcas, se tinha algum tempo, subia para a galeria e assistia à sessão da Câmara. Era um fenômeno interessante. Portanto, houve uma reação muito grande, mas o projeto foi votado. Então, veio o trabalho da mudança.

O que aconteceu em termos de Congresso? O Presidente da Câmara naquela época era o Ranieri Mazzilli e o Primeiro-Secretário, José Bonifácio, ambos contra a mudança. Criou-se uma Comissão para examinar esse problema da mudança, acompanhar as obras aqui. Esta Comissão nunca acreditou na mudança. O Niemeyer foi construindo esse prédio da forma que podia. Tomou como paradigma a Assembléia da ONU. Ele foi construindo e construindo.

Quando a Comissão e a Mesa perceberam que ia ocorrer a mudança, vieram a Brasília. Chegaram aqui e verificaram que o prédio não estava próprio para instalar a Câmara, porque não tinha o gabinete de Líderes, não tinha o gabinete dos membros da Mesa, o plenário era menor, não tinha outras dependências que se tornavam necessárias. Se nós observarmos, principalmente perto do plenário, aquelas escadinhas onde ficam os Secretários, embaixo, verificaremos que eles rebaixaram o andar de baixo, suspenderam o de cima e colocaram um andar no meio. E os gabinetes das lideranças eram boxes, que vocês devem ter conhecido na época, até que fizesse essa nova dependência. Portanto, o Congresso realmente não acreditava, como muita gente não acreditava.

A imprensa também reagiu muito à mudança, porque achava que não ia haver político, que o  custo seria mais alto, que teria de instalar sucursais em Brasília. Os meios de comunicação eram precaríssimos. Quando nós chegamos aqui, havia telefone para o Rio às 4h da tarde, e assim mesmo era uma dificuldade para se falar. O único sistema que funcionava aqui, embora transmitido do Rio, era aquele programa A Voz do Brasil. Faziam o programa aqui, transmitiam-no para o Rio e, lá, a Radio Nacional o retransmitia para todo o País. Portanto, eram situações muito precárias.

Eu cheguei a Brasília em 1960. Não existia hospital, praticamente não havia iluminação pública, as principais ruas não estavam concluídas, grande parte das quadras não estavam construídas, ainda se estava enchendo o lago para chegar à cota mil. Portanto, foi um ato de coragem.

Digo que foi um ato de coragem, de um lado, construir a Capital e, de outro lado, os Poderes se instalarem aqui, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Dizem que houve um acordo entre o então Presidente do Supremo — perdoem-me, mas não vou citar o nome — e o Governo, para que o Governo nomeasse um filho a uma posição de destaque, o que foi feito. Portanto, houve arranjos de toda ordem para a mudança. A mudança não se fez de graça — e, quando digo de graça, não me refiro à construção em si, mas houve troca de favores e atendimento de pedidos de pessoas influentes.

De qualquer forma foi um ato de coragem, em primeiro lugar, construir a cidade; em segundo lugar, virem para cá muitos daqueles que deixaram suas raízes. Isso não foi fácil. Hoje isso não existe, mas eu dizia que naquela época as pessoas que vinham para cá tinham três sentimentos. O primeiro sentimento era o de que pensavam que estavam fazendo uma viagem de turismo. O segundo sentimento era o de perceberem que iam ficar aqui. O terceiro sentimento era o de conflito, pela nostalgia da família, pela mulher que não se adaptava, pois não havia escola para os filhos. Surgiam os problemas, a separação, a tentativa de retornar aos Estados de origem.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Algumas personalidades importantes da política brasileira sustentam que a mudança da Capital do Rio de Janeiro para Brasília representou um custo alto em termos financeiros, mais de 200 bilhões de dólares, e um custo político e social muito alto para o Brasil, porque disso decorreu o golpe de 64. Muita gente importante pensa isso, e que teria sido melhor fazer um centro administrativo na Barra da Tijuca, a um custo mais baixo. Qual a sua visão sobre a mudança da Capital, sob o ponto de vista estratégico?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Estou aqui desde 1960 e ainda há pouco disse que sou muito ligado ao Rio de Janeiro. Vou ao Rio, gosto do Rio e não esqueço o Rio. Eu posso dizer, hoje, que a mudança foi útil. Os argumentos que se usavam eram exatamente sobre a pressão popular: o Congresso Nacional ia ficar isolado, não captaria o que acontecia na Nação, no País. Inicialmente foi isso o que ocorreu, mesmo porque a Câmara dos Deputados funcionava precariamente. Havia avião, eles iam para o Rio de Janeiro, onde muitos permaneceram com suas famílias. Mas a Capital funcionou em termos da integração do Brasil. O País foi integrado pela Capital. A Capital, localizando-se no centro, irradia para todo o País o sentimento da nacionalidade. Hoje podemos dizer que, com as estradas, com os meios de transporte, em 24 horas se colocam em Brasília 10 mil, 15 mil, 20 mil pessoas, como temos visto. Dizer que não há pressão popular, isso não é mais possível.

Em segundo lugar, o golpe de 64 não ocorreu em razão da mudança da Capital. O golpe de 64 começou no Rio. Foi um movimento militar de marinheiros no Rio que levou ao golpe. Terminou aqui porque era onde estava o Congresso Nacional, e a decisão teria de ser aqui, mas não foi Brasília que concorreu para o golpe de 64; pelo contrário, no episódio do Jango, quando tivemos aquele tiroteio em Brasília, a Capital se comportou muito bem. Houve também conflito entre militares aqui. Portanto, creio que Brasília tem até evitado, de certa forma, os golpes.

Com os golpes havidos, a partir de 64, o Congresso foi obrigado a renovar-se constantemente, a fazer sempre eleições. O fechamento do Congresso Nacional durou 9 meses. E o Congresso consolidou-se. A verdade é que hoje não haveria mais condições para qualquer golpe com fechamento do Congresso. Por quê? Porque os militares observaram que o ônus que representou governar o País durante 20 anos, sem nenhuma experiência, foi o conceito baixíssimo que eles receberam da opinião pública. E não sei se eles estão recuperados desse conceito que a opinião pública tem sobre eles.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Como repercutiu na Câmara e no Congresso a intervenção militar de 64?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Repercutiu muito mal, porque foi um golpe. Eu estava aqui na época, quando foi lido o AI-5. Você se refere ao AI-5 ou ao episódio do Jango?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Refiro-me a 64.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Em 64, formou-se a imagem — e a imprensa e a mídia concorreram para isso — de que se estabeleceria no País uma república sindicalista e de que o movimento dos subalternos das Forças Armadas quebrava a hierarquia militar. Isso foi sempre levado muito em conta, quer entre os militares, quer entre os civis, porque os civis nunca foram contra o princípio da hierarquia. Isso fez com que o Congresso Nacional aderisse ao movimento que levou à queda do Jango, porque eles entendiam que o País estava entrando em um sistema revolucionário que seria incontrolável. E a melhor forma de impedir isso seria o impedimento do Presidente da República, o que foi feito.

O Congresso Nacional, na época, com poucas exceções, aceitou isso plenamente, mesmo porque, em 64, o Congresso não entrou em recesso. O Jango foi impedido e o Congresso não entrou em recesso. Veio o Presidente Costa e Silva, veio o Presidente Castelo Branco, que foi eleito, e o Congresso só entrou em recesso no episódio do AI-5, em 1968.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - O senhor viveu todo esse período do regime militar.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA  - Sim.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon)  -Só para concluir sobre essa questão do Congresso. O Senhor acha que o Congresso de 64 era conservador? O senhor acredita que ele se sentia pressionado pelas propostas de reforma do Jango e aquela visão política do governo sobre o Congresso? O Congresso estava acuado pelo Jango?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O Congresso era conservador, por quê? Porque se estava falando na implantação, no País, de uma república sindicalista, de uma linha de esquerda. O discurso do Jango na Praça da República, no Rio, foi muito sintomático nessa linha, além daquele episódio do Automóvel Clube. O Congresso era conservador, sentiu que não aceitaria um regime de natureza de esquerda no País e concordou. Penso que o Congresso não ficou isento à derrubada do Jango, a grande maioria dos Parlamentares. O Congresso era conservador.

De certa forma, o Congresso tem sempre uma tendência conservadora, e ainda hoje é conservador. O Congresso é sempre cauteloso quanto a se tentar alguma coisa muito avançada e muito renovadora. Não sei se isso é bom ou se é ruim. Não sei, porque é difícil uma avaliação dessas. O Congresso não é inventor de coisas, o Congresso consolida. Depois que inventa e dá certo, o Congresso pode até consolidá-lo, mas é muito difícil para o Congresso inventar em termos políticos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - O senhor viveu toda essa fase do regime militar, os acontecimentos mais turbulentos. O senhor assistiu à invasão da Câmara dos Deputados, sob a Presidência do Deputado Adauto Lúcio Cardoso, e do Congresso pelas tropas do Coronel Meira Mattos. Assistiu, inclusive, ao diálogo entre o Coronel Meira Mattos e o Deputado Adauto Lúcio Cardoso: “Eu sou representante do Poder Civil”, “Eu Sou representante do Poder Militar”. O senhor poderia rememorar esses acontecimentos?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O episódio foi-se agravando. Qual a razão do fechamento do Congresso por um mês? O Presidente da República Castelo Branco resolveu cassar, creio, 3 Deputados. Cassou 3 Deputados.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas houve a eleição do (ininteligível) Israel.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Sim, mas isso eles contornaram. No episódio, em si, foram cassados 3 ou 4 Deputados. Eu já era Secretário da Presidência. O Presidente Adauto me chamou e disse: “Paulo, vamos convocar uma sessão para que se tome conhecimento disso e se delibere”. Eu disse para ele: “Mas não é possível, porque, pelo Ato Institucional, os atos praticados pela revolução não são passíveis de qualquer exame, nem pelo Poder Judiciário”. Ele respondeu: “Eu quero convocar uma sessão plenária”.

O Governo tomou conhecimento disso e, para impedi-lo de convocar uma sessão plenária para examinar essas cassações, decretou recesso por um mês. Decretado o recesso, houve este episódio: o Meira Mattos veio para cá, durante a noite, ficou no corredor entre as chapelarias da Câmara e do Senado. Enfileirou uma série de carros, carros de combate, jipes. Todos estavam vestidos como se fossem para a guerra. Num certo momento, ele deu um comando. Aqueles carros todos acenderam o farol alto e o plenário ou aquele salão — porque estava sem luz ali, haviam cortado a energia — ficou totalmente iluminado. Os soldados invadiram o salão e puseram para fora quem ali estava. Contudo, só ficaram no salão, não ingressaram no restante do edifício.

Antes disso, houve um episódio muito desagradável entre o Adauto e o Nilo Coelho, que era Primeiro-Secretário. Foi encaminhada a ele mensagem do Presidente da República comunicando o recesso. Ele se dirigiu ao Presidente da Câmara — já estava tudo escuro — e entregou o ofício. O Presidente da Câmara, o Adauto, disse: “Mas que vergonha!”. Isso causou um impacto muito grande, porque a sala estava cheia. Pensava-se que haveria uma agressão. O Nilo, que era um homem muito irrequieto e nervoso, felizmente recuou e saiu. Foi quando o Adauto virou-se e disse: “Não há mais nada a fazer”. Recebeu o ofício e disse: “Não há mais nada a fazer. Eu vou para o Rio e lá aguardarei os acontecimentos”.

Quando ele saía, já amanhecendo, o General Meira Mattos, à época coronel, pediu a ele que se identificasse — foram dois episódios, este e outro com o Amaral Netto —, e ele disse: “Eu represento o Poder Civil”. O coronel disse: “Eu represento o Poder Militar”. Ele, então, saiu. Depois o Amaral Netto ia saindo e o coronel pediu-lhe a carteira de Deputado. O Amaral Netto disse: “Eu não dou”. O coronel disse: “O senhor tem que mostrar a carteira”. O Amaral tirou a carteira do bolso, rasgou-a, jogou-a fora e se retirou.

São episódios que, felizmente, apesar de traumáticos, emocionantes, não levaram a uma situação de esforço físico, de lutas. Havia mais um ataque verbal, uma reação verbal.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Como a Câmara funcionava na sua rotina legislativa, em relação ao regime militar? Havia censura dos discursos?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não. Felizmente, quando veio o fechamento do Congresso pelo AI-5, em 68, nós ficamos aqui mais ou menos até por volta de 11h da noite. O Presidente da Câmara era o Deputado José Bonifácio. Ele ficou no gabinete com o rádio, aguardando que fosse lido o Ato Institucional, porque nós já sabíamos que ia ser lido. Um militar amigo meu me telefonava e ia dando o desdobramento — “Vai ser lido, não vai ser lido” — e me recomendava muito o seguinte: “Olha, você diga ao Presidente José Bonifácio que, lido o Ato Institucional, ele saia do prédio, porque, se houver alguma reunião nesse prédio, as Forças Armadas vão invadir”.

Então, nós montamos um esquema com o antigo Diretor-Geral Luciano Brandão Alves de Souza de deixarmos só um corredor com a luz acesa. Cortamos as luzes de plenário e de todas essas dependências. Lido o Ato Institucional, nós o ouvimos e eu disse: “Olha, está na hora de sair.” Ele saiu, e eu saí com ele e com o Luciano até o carro. E voltamos. Quando nós voltamos, chegou um coronel e disse que o General Bandeira — creio que era o Bandeira o comandante aqui do Planalto — gostaria de falar com nós dois. Isso já deveria ser por volta de 4h da manhã. Então, nós fomos. O quartel-general ficava aqui na Esplanada. Aquele forte apache, ainda o estavam construindo. Ele chegou e disse para nós dois: “Olha, os senhores  vão ficar responsáveis pelo edifício do Congresso. Não pode haver reunião de espécie alguma. Se houver qualquer reunião, nós invadimos e ocupamos militarmente o edifício. Então, os senhores procurem evitar.” Eu disse: “Bom, mas há o Presidente da Câmara, o Deputado José Bonifácio”. “Não, mas os senhores é que  são os responsáveis para nós.” O que íamos fazer? Nós saímos, fomos à casa do Deputado José Bonifácio e comunicamos a ele o que se passava. Ele disse: “Está bem.”

Nós ficamos esse período todo de recesso, Luciano e eu, sempre assustados, porque quando, de repente, reunia-se um grupo de Deputados, dez Deputados numa liderança qualquer, já iam dizer que estava havendo reunião. Nós tínhamos que contornar isso.

Felizmente eles nunca vieram à Câmara, nunca pediram um documento, nunca foram a arquivo — porque nós tínhamos aqueles livros de autógrafos, com as assinaturas —, nunca pediram nada, nada, nem folha de pagamento ou a contabilidade. Nunca, nunca o Congresso foi solicitado em nada disso, felizmente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Agora...

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) – Tarcísio, deixe-me fazer apenas um paralelo entre 64 e 68.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pois não.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Em 64, o Congresso de certa forma apoiava o golpe. Em 68, o fechamento foi reação à decisão da Câmara de não permitir o processo contra o Márcio Moreira Alves. Quanto à posição do Congresso em relação ao fechamento e em relação ao AI-5, em 68, qual é o paralelo que o senhor faz em relação a 64?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Em 64, não estava em exame a imunidade parlamentar. Em 64, o problema era da área do Executivo e do Presidente da República; em 68, estava em jogo a imunidade parlamentar. Então, muitos daqueles que recriminavam a posição do discurso do Márcio votaram, no entanto, pela negativa da licença para processar, porque eles entendiam que, concedida a licença, não se segurariam mais outros pedidos de licença. Estava em jogo a imunidade parlamentar, porque, desde a Velha República, a imunidade parlamentar sempre teve amplitude muito grande. Nós observamos que, antes do golpe de 37, na revolução comunista, em 35, o Congresso deu licença para processar Deputados como João Mangabeira, Abguar Bastos, mas preservou a imunidade. Já em 68, estava em jogo a imunidade.

Além disso, era preciso marcar posição. Sabia-se que o processo estava muito deteriorado. Por quê? Porque em 67 havia uma tradição: quando o Congresso entrava em recesso, os Parlamentares do Governo iam fazer uma visita ao Presidente da República. Os Parlamentares foram fazer uma visita ao Presidente da República, o Costa e Silva, que fez um discurso de improviso — ele gostava muito de falar de improviso. No discurso de improviso — basta consultar os jornais da época — ele disse expressamente que havia uma dificuldade, que era necessário dar licença para processar o Deputado, que podia acontecer alguma coisa, que as Forças Armadas estavam irrequietas. Então, até a votação do projeto, esse problema foi-se deteriorando, foi sendo ventilado, e já se esperava isso.

E mais: lembro-me de que 2 dias antes esteve com o Presidente da Câmara, José Bonifácio, o Ministro Gama e Silva. Eu me dava bem com o Gama e Silva. Fiz a audiência, ele me pediu. Na hora desse encontro com o Deputado José Bonifácio, eu já ia retirando-me, quando o Ministro pediu-me que ficasse. Disse que gostaria que eu ficasse. Ele deu para o Deputado José Bonifácio um quadro da inquietação das Forças Armadas se se negasse licença para processar o Márcio. Ao final, ele virou-se para o Deputado José Bonifácio, a quem ele chamava de presidente, e disse: “Presidente, eu vou agora lhe dizer uma coisa, mas o senhor não tome isto como nenhuma ofensa, como nenhuma ameaça: se a Câmara deixar de dar licença para processar o Deputado Márcio, alguma coisa vai acontecer neste país. Não sei o que é, mas alguma coisa vai acontecer neste país”. Então eu saí, fui com o Ministro  até o carro e disse: “Mas, professor — eu o chamava de professor —, o que o senhor acha?” Ele disse: “Paulo, a situação não está boa”. Eu voltei e comuniquei isso ao Deputado José Bonifácio.

Então, já havia o entendimento de que a negativa para processar o Márcio daria... Já na Comissão de Justiça a situação foi muito difícil, porque quem estava no exercício da presidência era o Deputado Geraldo Freire. Vocês já ouviram o Deputado Geraldo Freire, que já deve ter comentado isso. Ele teve que substituir muitos membros da Comissão — e não sei se ele comentou isto também — que, ele sabia, iam votar contra a licença. E ganhou por um voto. O Relator foi o Ministro Lauro Leitão, que hoje está aposentado. Foi um voto. E foi quando ocorreu aquele episódio do Djalma Marinho, que era o Presidente da Comissão: depois que proclamou o resultado, ele virou-se e disse: “Ao rei tudo, menos a honra”. E renunciou.

Então, observamos que o desfecho; a votação em que se negou a licença já era esperada. Não houve propriamente nenhuma surpresa. Houve a surpresa do Ato nº 5, que foi muito contundente, entrou em detalhes como o de que o Deputado só podia receber 50% do seu subsídio. E eu conheço casos de Parlamentares que passaram momentos dificílimos em termos financeiros. E aqueles que foram cassados tiveram contas em banco cortadas, não podiam fazer empréstimo. Foram momentos realmente muito difíceis. E o Ato Institucional nº 5, quem o ler agora vai observar que foi muito pesado, muito pesado.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - No entanto, o Congresso não reagiu.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não tinha como reagir. O Congresso não podia reagir porque as Forças Armadas estavam aí fora. Não tinha como reagir. Por quê? Pergunto o seguinte: foi melhor o recesso ou seria melhor o fechamento? Porque, pelo recesso, havia possibilidade da reabertura, e ela veio. O dia em que se fizer a história dos Anais, a leitura dos Anais, vamos observar que há muitos discursos, feitos na época, muito duros contra o Governo. Naquela época a Taquigrafia estava ligada à Secretaria-Geral da Presidência, e eu via as dificuldades que tínhamos para publicar certos discursos. Às vezes cortávamos frases, ainda que na fita ela ficasse. Nunca tocamos na fita. Temos o episódio do Francisco Pinto. A Câmara acabou dando licença para processá-lo.

Então, para o Congresso, eu acho que, apesar da dureza dos momentos, foi melhor o recesso do que o fechamento. Vejam que, com o recesso, as Forças Armadas... Ficamos em recesso 9 meses. Com a doença do Presidente Costa e Silva, foram obrigados a abrir o Congresso. Para quê? Para convalidar uma eleição indicada por eles.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon)  - O Congresso não reabriu em fevereiro, no final do recesso.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, não, ele reabriu em outubro. Quando o Presidente Costa e Silva adoeceu e foi impedido definitivamente por um ato institucional, e o Dr. Pedro Aleixo também foi impedido de assumir, o Congresso foi convocado para convalidar a eleição do Presidente Costa e Silva. Vejam a importância que nos dava. E ficou. Foi muito melhor, porque, se fosse um sistema de ditadura, eles nomeavam o Presidente, substituíam-no, deixavam o mesmo. Nós perdemos o controle...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Além do Márcio Moreira Alves e do Chico Pinto, quais eram os principais Parlamentares oposicionistas?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Havia o Paes de Andrade e muitos outros. Havia o Bocayuva... Havia um grupo grande de Deputados aqui que reagiam muito. O Doutel, coitado, que foi cassado, foi um dos motivos do fechamento do Congresso, na Mesa Adauto. Quando o Jango fez um ano de perda de mandato, ele mandou uma carta para o Doutel de Andrade — o Doutel era o Líder do PTB —, chamando-o de “meu compadre”. Explicou e deu razões do que fez no governo, uma espécie de um relatório, e concluiu a carta pedindo ao Doutel que a lesse da tribuna. O Doutel, de quem eu era muito amigo, passa por mim e diz: “Paulo, lê aí”. Eu li e disse: “E então?”  “Eu vou ler.”  “Você vai ler, mas vai ser cassado.” Ele disse: “Não, mas eu tenho que ler, porque ele me chama de compadre. Eu sou o líder do PTB. Você acha que eu posso deixar de ler porque posso ser cassado?” E leu. Leu, e foi publicada a carta no Diário, está publicada. Foi cassado. Então, vê-se que há gestos nobres nesse processo todo. Há gente que merece respeito, muita gente.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Houve cinco Presidentes militares... aliás, seis, não é? O General Castelo Branco...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Tarcísio, desculpe-me. Para a gente não perder um episódio importante, que teve uma participação importante do Congresso, vamos voltar um pouco.

O episódio em que as pessoas atribuem uma importância muito grande à participação do Congresso: a renúncia do Jânio. Hoje já se sabe que foi um autogolpe, uma tentativa de autogolpe, e que houve uma participação da oposição. Parece-me que o Deputado José Maria Alckmin leu a carta para formalizar a situação e impedir que se estabelecesse uma polêmica, um vazio, exatamente o que o Jânio queria. O senhor participou desse episódio? O senhor acompanhou esse episódio? Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso. 

             O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Acompanhei, porque já trabalhava na Mesa. Não foi o Alckmin que leu a carta. Quem estava na tribuna era um Deputado do Espírito Santo chamado Dirceu Cardoso. O Alckmin era muito ligado ao Moura Andrade, que tinha recebido a carta e comunicou ao Alckmin. O Alckmin comunicou ao Dirceu, que estava fazendo um discurso. Este interrompeu o discurso e comunicou que o Jânio tinha renunciado. Agitou-se a Casa toda, todo mundo soube.

Contudo, a meu ver, o Jânio equivocou-se porque passou a governar com a UDN e deixou de lado, subsituados, o PSD e o PTB. Então o PSD, que tinha os velhos sobas, entendeu que estava no momento de ele voltar ao poder. E como ele podia voltar ao poder? Era pelo regime parlamentar. Então, aceitaram a renúncia do Jânio. O Afonso Arinos ainda tentou submeter a carta ao Plenário, mas disse que renúncia é ato unilateral, não tem nenhum exame. Eu me lembro de que estava no gabinete do Presidente da Câmara, o Presidente era o Mazzilli, quando o Moura Andrade chegou com o Alckmin e disse: “Vamos para o Palácio”. O Mazzilli ficou temeroso em ir para o Palácio. Eu disse: “Mas está na hora”. O Alckmin e o Moura Andrade: “Não, vamos para o Palácio. Você vai assumir agora, porque o País não tem ninguém aí”. Porque o Jango estava no exterior, fazendo aquela viagem no exterior. E o Mazzilli foi e assumiu. Aí veio aquela luta da emenda parlamentar. O Deputado Raul Pilla, que desde que chegou à Câmara, no Rio ainda, tinha como bandeira o regime parlamentar, cedeu, e saiu o regime parlamentar totalmente distorcido, em que não se permitia nem a dissolução da Câmara, que é uma mola mestra do regime parlamentar.

E o PSD voltou ao Governo. E teve como Primeiro‑Ministro aqui, logo o Primeiro-Ministro foi o Tancredo Neves. O Primeiro‑Ministro foi o Tancredo, do PSD, ainda que sem força. Então, eu acho que o Jânio teve uma visão... Ele não conhecia a política, não é? O Jânio não teve... Ele conhecia eleitorado. Podia conhecer administração pública, mas o bastidor da política, o jogo da política, eu acho que o Jânio Quadros não entendia. Porque com a força com que ele chegou ao poder, se ele entendesse, ele conseguiria uma reeleição.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Paulo, como é que você avalia todo esse período de exceção, porque foi um período de exceção, desses presidentes militares todos? Como é que foi a relação da Câmara, dos Presidentes da Câmara com esses governos militares, com o Castello, com o Costa e Silva, o Garrastazu Médici, o Geisel, o Figueiredo? Como é que agia a estrutura da Casa em função das restrições impostas pelo regime autoritário?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Bom, o regime autoritário podemos dizer, em primeiro lugar, o AI 5. Ou o 1 ou o 2. As imposições eram dos atos institucionais. E os Presidentes da República se enquadravam neles perfeitamente apoiados pelos seus colegas militares. A Câmara já teve que ceder muito. Mas cedia dourando a pílula. Na época, tínhamos o decreto-lei. Considero que o decreto‑lei, sob o ponto de vista da época, era melhor do que a medida provisória. A única falha do decreto-lei é que, em primeiro lugar, ele não permitia emendas. Em segundo lugar, era aprovado por decurso de prazo. Aí era uma violência. Se não fosse apreciado por uma das Casas, 30 dias em cada Casa, se não fosse apreciado em 30 dias, estava automaticamente aprovado. Mas ele era muito restrito. Só em 3 ou 4 casos é que ele podia ser usado. E ainda podia se levantar a inconstitucionalidade do decreto-lei, a Câmara chegou a rejeitar, porque ele não era urgente nem relevante, como hoje é a medida provisória. Então, a Câmara chegou a rejeitar, mas nós, o Congresso tinha de aceitar isso como a realidade. Por quê? Porque o Parlamentar tem a sua sobrevivência política de um lado. Em segundo lugar, ele tem compromissos de natureza política com a sua região, com a própria Nação. Então, ele sabia que tinha de ceder nesse momento para ganhar mais na frente. Porque, se ele resistisse, vinha sempre o pior, que era o fechamento do Congresso. Então, eu não diria que fosse uma capitulação, mas era uma cessão temporária.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Uma estratégia.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - É, uma estratégia... Não, o Governo mandava as coisas para cá... Eu me lembro, por exemplo, da Constituição de 1967. A Constituição de 1967, o Presidente Castello Branco mandou um projeto para a Câmara inteiriço. Foi nomeado Presidente da Comissão Pedro Aleixo, e o Relator‑Geral, hoje é Deputado, foi Konder Reis. Não tinha um capítulo sobre os direitos humanos. Foi o Afonso Arinos quem fez uma emenda sobre isso. E o País se chamaria República do Brasil. O Gustavo Capanema, que era um federalista, entendeu que deveria ser República Federativa do Brasil. Os militares entendiam que República do Brasil era um Estado mais unitário. Eles eram a favor do Estado unitário e eram contra a federação.

            Muito bem, na Constituição de 1967, foram apresentadas, aproximadamente, mil emendas. O Presidente Castello Branco quis conhecer uma por uma. Foram para lá o Pedro Aleixo, o Konder Reis. Uma por uma. E cedeu, cedeu em muita coisa, cedeu até que houve o episódio famoso da votação da emenda. Porque o ato que instituiu a Constituinte para a Constituição de 1967, que era uma Constituinte dupla, o Congresso funcionava na sua competência legislativa e também como Constituinte... Se não fosse aprovado até um determinado dia, automaticamente, o projeto que o Castello Branco havia enviado estaria aprovado. Eles gostavam muito disso: era a famosa aprovação por decurso de prazo.

            Presidia a sessão o Moura Andrade. E foi uma sessão agitadíssima, porque havia aqueles grupos contra, muitos votaram... Uma ala do MDB, naquela época MDB, se retirou, não quis votar. Quando estava se aproximando a meia-noite e se via que não ia votar, já estava numa fase final, aí se votou. Mas um Deputado pediu para ler a redação final. E o Secretário do Senado, que nessa época era o Guido Mondim, começou a ler, mas ele era muito gongórico, começou a ler aquilo como se estivesse recitando poesia, e o tempo ia passando. Aí, o Moura Andrade me chamou e mandou desligar os relógios. Naquela época, o plenário tinha 3 relógios, 1 central e laterais. Eu estranhei aquilo. Ele disse: “Desligue os relógios”. E tinha uma central de relógios, não sei se ainda tem. Liguei para o Luciano Brandão, que era o Diretor-Geral. Ele estranhou, mas... desliga. Aí se desligaram os relógios. Mas todo o mundo percebeu que os relógios estavam desligados. No dia seguinte, os jornais publicaram fotografias de relógios de pulso, mostrando os do plenário e a hora no relógio de pulso.

            Quando terminou, por volta de 3 horas da manhã, o Moura Andrade me chamou e disse: “Paulo, agora pode mandar religar os relógios, porque está tudo votado”. Eu disse: “Mas agora não pode”. Ele disse: “Por que que não pode?” “Porque o relógio vai dar um pulo de onze e meia para 3 horas da manhã”. Ele disse: “Tem razão. Então, mantenha desligado”. Vejam como ele era pragmático.

            Se os militares quisessem, eles teriam promulgado a Constituição. Eles sabiam que o tempo estava estourado. Muitas daquelas emendas que foram introduzidas não eram do agrado deles. Eles podiam perfeitamente dizer: “Terminou a hora e o Presidente vai promulgar a Constituição”. Eles cediam. Havia um relativo entendimento.

            O Presidente Castello Branco... Na época, o Líder do Governo aqui era o Raimundo Padilha, um grande orador. Quando tinha matéria muito polêmica, o Castello Branco encaminhava um anteprojeto para o Raimundo Padilha, para ele fazer uma sondagem do Plenário. E aí vinham as sugestões, e ele as aceitava.

            Há um episódio famoso do Mauro Borges. O Mauro Borges resistiu em Goiás, entrou com o pedido de habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal, que concedeu o pedido. Aí o Castello Branco fez a intervenção em Goiás, e o interventor foi exatamente o Meira Mattos, fez a intervenção.

            Pela Constituição, o ato deveria ser mandado para referendo do Congresso. Houve muita polêmica, discutia-se muito. O Castello Branco ficou bravo, ficou bravo. Aí disseram para ele: “Presidente, o projeto está aprovado. O senhor pode ficar tranqüilo que está aprovado”. Ele disse: “Aprovado eu sei que está. O que eu não posso é ter uma votação baixa, porque estou enfrentando uma decisão do Supremo. Eu tenho de ter uma votação altamente expressiva”. E teve.

            Então veja a sensibilidade desses homens. Outros eram mais... Mas acho que os militares tinham uma visão também de... Eles não gostavam de ser confrontados, quer dizer, confrontar militar não dava certo, mas chamar para conversar, explicar, eles aceitavam e cediam, cediam.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando se começou a sentir o vento liberalizante da abertura? Quando, aqui, na Câmara, se começou a sentir que haveria uma distensão, haveria uma abertura democrática?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O início da abertura, propriamente, foi com o Figueiredo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Não, mas já na posse, o General Geisel...

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Sim, o Geisel começou a abrir, o Geisel começou a abrir. A distensão começou com certas lideranças que foram surgindo. A primeira delas foi Petrônio Portela.

Inegavelmente, o Petrônio foi um homem que concorreu muito... No dia em que se fizer a história do Petrônio, dentro daquele temperamento... Eu conheci bem o Petrônio porque fomos contemporâneos de faculdade. Ele estava um ano antes... Ele foi colega de turma, na faculdade, do Rubens de Azevedo Lima. Conheci o Petrônio já na faculdade.

            O Petrônio tinha essa formação udenista e começou o processo liberalizante de conversar com as pessoas. Os Governadores, na época, eram escolhidos por uma lista tríplice, não eram propriamente impostos. Havia o caso de o Presidente dizer “não, lista tríplice, não, ponha um quarto aí”, porque ele queria escolher o quarto. Isso aconteceu. No caso de Pernambuco... Mas o Petrônio veio com o processo liberalizante, ouvindo lideranças sindicais. Começou a surgir o Lula. E começaram essas medidas numa linha de anistia. Começou o movimento popular de anistia. E os militares começaram a perceber que estavam perdendo força.

            A verdade é que, nesses 20 anos dos militares no País, o progresso não foi tão grande. Fazendo uma análise, o progresso não foi tão grande.

A mesma coisa foi naquela medida da Ministra do Collor, a Zélia, que cassou todas as poupanças. Foi um ano.... Qual foi o benefício que aquela poupança trouxe à economia do País? Quer dizer, era gente que não tinha nenhuma visão.

            E os militares, como são muito técnicos... A pessoa diz: “o sistema de comunicação melhorou muito”. Mas a pergunta que se tem de se fazer é a seguinte: Se estivesse na mão de civis não teria melhorado? Será que só eles tinham esse condão de melhorar o País? E, antes deles, esses homens todos que passaram aí, em séculos, não concorreram para a grandeza do País?

            Então acho que o regime militar no Brasil não foi favorável, acho que não trouxe... Com essa preocupação de uma ideologia comunista, que não se implantaria no Brasil um regime comunista... O Guevara tentou isso na América do Sul e não conseguiu. Será que esses comunistas daqui conseguiriam isso? Um povo pobre e profundamente conservador... Não conseguiriam. Mas passou... Por isso é que hoje eles não têm prestígio.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Vamos mudar um pouquinho, porque demos um salto aqui, mas retomemos aquela história. Então, o Congresso reabriu para dar posse ao Médici. Vamos tratar um pouquinho... O Médici, o Geisel... Porque isso que o senhor está falando de abertura foi em 1977. O Petrônio fez aquela missão Portela de 1974 para ouvir as lideranças, escolher os Governadores e tal... Vamos voltar um pouquinho. Em novembro de 1969, o Congresso reaberto, dá posse ao Médici...

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, outubro.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Outubro. O Congresso, reaberto, dá posse ao Médici. Elege o Médici. E o Médici toma posse em janeiro.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, eu acho que ele foi logo...

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Vamos pegar Congresso e Presidente Médici, o Chefe de Gabinete Militar certamente era o Leitão de Abreu...

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Leitão de Abreu.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Como foi esse período? Essa relação do Congresso? Houve o fechamento...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Na seqüência, se o senhor puder falar também das eleições parlamentares de 1970, porque houve uma crise no MDB, em que a Arena tinha maioria de voto. Na seqüência.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Quando veio o Médici... Na verdade, o Médici, não sei se vocês lembram, fez um discurso muito bonito na posse: “Cada um dá um tijolo para reconstituir o País no regime democrático”. Mas o Médici era um homem que não tinha gosto pelo poder. Ele era um abúlico. Então, os militares... E o Prof. Leitão de Abreu, principalmente, era um homem forte. O Prof. Leitão resolvia tudo. O Médici não despachava nada, não assinava nada sem ouvir o Prof. Leitão de Abreu, que era um homem que tinha excelente formação jurídica e que, a meu ver, tinha certa sensibilidade política também.

Para aqueles que eram a favor do Médici, um dos elogios que se fazia a ele muito grande é que ele nunca cassou ninguém. No Governo Médici, não houve cassação, mas houve uma censura muito grande. Então, quando se diz, “se fosse aberto, teria cassado?”... O Congresso estava contido, porque o AI-5 estava recente. O pessoal estava muito assustado, por terem passado 9 meses num momento terrível. Então, eles foram aos poucos se acomodando. Mas, na época, houve no Congresso discursos, com veemência, contra o regime existente. O Médici foi levando. Ele sabia que tinha que cumprir aquela missão, como eles diziam. Eles assumiam a Presidência da República não como um mandato, mas como uma missão. “A minha missão é de 4 anos.” Então, em 4 anos, ele tinha aquela missão de governar o País.

Esse foi um período, do ponto de vista político, fraquíssimo. Não houve nada. Depois do Médici, veio o Geisel. O Geisel tinha formação mais democrática, apesar daquela posição germânica. O Geisel tinha 3 formações: a formação militar, a formação germânica e a formação religiosa, porque ele era luterano. Quando as 3 proibiam alguma coisa, ele também proibia. O caso típico é o divórcio. Quando veio o divórcio, quiseram que ele se envolvesse contra a emenda do divórcio. Os militares sempre, em geral, foram contra o divórcio. Germânico assim, mas os luteranos nunca proibiram o divórcio. Então, ele ficou com os luteranos e disse: “Eu não me envolvo com o problema da emenda do divórcio”. E foi aprovada, e até muito bem. Portanto, o Geisel, do ponto de vista democrático, tinha uma noção exagerada da autoridade do poder.

O outro episódio que conheço é que, quando se fez a fusão do Rio com o Estado do Rio, o que para nós, cariocas, foi muito ruim, essa fusão acabou com o Rio. O Rio acabou. Para o pessoal do Estado do Rio é Estado do Rio, tinha uma visão que nós cariocas não tínhamos. Aí o projeto foi para sanção. Ele levou o projeto para aquela granja que ele tinha e morava aqui e ficou lendo-o a noite toda. Aí fez um bilhete para o Golbery, que eu li — conheço o bilhete —, dizendo o seguinte: “Li atentamente o projeto e não encontrei nenhuma falha. Examine-o e, se houver alguma falha, converse comigo”. Veja como ele era. Tudo que chegava a ele ele lia, anotava, decidia, perguntava. Então, ele tinha uma noção melhor do ponto de vista do relacionamento humano. Por quê? Porque o Geisel, de certa forma, saiu cedo das Forças Armadas, diferentemente do irmão dele. O Geisel foi Ministro do Tribunal Superior Militar, foi Presidente da PETROBRAS. Então, ele tinha um misto de mentalidade militar e de mentalidade civil. Já o Orlando Geisel era um homem de linha muito dura. Ele era 100% militar. Isso facilitou aquilo que ele dizia que a abertura... Porque ele conhecia os seus colegas.

Numa das emendas que ele fez, ele acabou com o AI-5. Quem acabou com o AI‑5 foi o Geisel, ainda que, na emenda, ele diga expressamente que todos os atos praticados pela revolução não eram passíveis de reexame por ninguém — porque ele tinha de dar uma satisfação aos militares. A satisfação que ele deu foi: “Vocês podem ficar tranqüilos porque tudo que foi cassado, tudo que se fez ninguém pode mexer”. 

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) – como a anistia que foi gradual.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Pois é, por isso é que foi lenta e gradual.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Antes disso, ele fechou o Congresso.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Só um negócio: em 1974... Isso que a Ana disse. O senhor disse que o Governo Médici foi um período fraquíssimo politicamente.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi, foi...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1974, veio aquela avalanche de votos do PMDB, e o Congresso mudou sua fisionomia. Aquilo mudou a fisionomia do Congresso. O PMDB cresceu muito. O Governo foi até obrigado a usar alguns artifícios para manter a maioria. Como o senhor viu esse novo Congresso?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Teve maioria no Senado...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Exatamente. Como o senhor viu esse novo Congresso? O que mudou?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, já estava abrindo. Já havia a campanha eleitoral, ainda que, na época, o Armando Falcão, que era Ministro dele... A propaganda era só um retrato e um currículo. Mas já havia propaganda e já havia o cansaço da opinião pública.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Essa manifestação da opinião pública, isso já era um desmontar do milagre, não é?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Já estava cansado. Não se admitia mais um processo dessa ordem. Isso fez com que o Geisel, na emenda de abril, tentasse segurar a maioria parlamentar criando os Senadores biônicos. Por quê? Porque ele não poderia atingir a Câmara pelo tipo do seu recrutamento popular, mas o Senado funcionaria como um tampão. Em relação a tudo que chegasse lá, o Senado segurava, emendava, alterava. Ele criou os Senadores biônicos, de repercussão altamente negativa, que, na primeira oportunidade, caíram. Então, houve uma reação.

Em relação ao PMDB, eu sempre disse o seguinte: o Dr. Ulysses conseguia presidir o PMDB porque ele conseguia conciliar os contrários — o Tarcísio pegou bem isso lá. O PMDB tinha tudo que era corrente: comunistas, não-comunistas, conservadores, recalcados. Tinha de tudo no PMDB. E o Dr. Ulysses, que era um homem de muita autoridade, conseguia reconciliar os contrários. Por quê? Porque o Dr. Ulysses — depois trabalhei com ele mais intensamente na Constituinte — tinha a concepção da maioria. Ele não era nunca contra a maioria. Se a maioria ia para um lado, ele dava um jeito de acompanhar a maioria. E a mesma coisa ele fez no PMDB. Quando ele percebia que nessa reunião dos contrários se formava uma maioria, ele ficava com essa maioria. Os outros podiam falar dele o que quisesse, porque ele conseguia manter a maioria.

Então, eles conseguiram, o PMDB, com essa movimentação popular. Por quê? Porque eram 2 partidos. Então, eles representavam, e a opinião pública reagiu. Os militares já estavam muito... Porque, de certa forma, eles, em níveis inferiores, eles praticavam muita arbitrariedade. De chegar no aeroporto, mostrar uma carteira de coronel e dizer que tinham de viajar para o Rio, então tinha-se de tirar um  passageiro para eles irem. De segurar o avião no aeroporto uma hora — vocês devem se lembrar disso — porque o coronel estava atrasado, porque estava na reunião. Então, isso foi dando um desgaste enorme, e eles foram perdendo... Aí veio o processo se renovando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, porque que você acha que o regime militar não indicou um candidato deles para fazer a transição? O General Franco, numa ditadura violenta também na Europa, na Espanha, indicou o seu Primeiro Ministro para promover a transição. Aqui a Oposição aceitava que o regime militar colocasse um Presidente da República para terminar o regime militar, para fazer a transição, todo o mundo aguardava que fosse o Aureliano Chaves. O Figueiredo não aceitou ninguém, não aceitou o Passarinho, não aceitou ninguém. Por que ele fez isso?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Se nós observarmos, o Presidente Figueiredo encaminhou uma emenda constitucional ao Congresso em que ele estabelecia as eleições diretas, mas não logo após ele, no candidato seguinte. E houve uma reação muito grande e uma emenda no sentido de ser imediatamente a eleição. Quando ele percebeu que essa emenda podia ser aprovada, ele retirou a emenda.

Então, observamos que já com o Figueiredo, que  tinha uma formação democrática, até em razão do pai, que eu conheci como Constituinte em 1946, General Euclides Figueiredo, que era da UDN. Então, Figueiredo, ele tinha uma  formação democrática e tentou, mas o Congresso não aceitava passar mais um quadriênio sem eleição direta. E ele retirou a emenda e aí veio a eleição indireta pelo Congresso, se manteve a eleição, que já foi um passo grande.

Anteriormente, os militares, entre eles, faziam aquele... Como é sabido, eles mandavam uma circular... Há um carta muito conhecida do General Albuquerque Lima. Eles faziam uma espécie de carta ao Presidente da República ou aos Ministros respectivos, uma carta circular para os 4 estrelas ou para os generais todos, perguntando quem é que eles indicavam para a Presidência da República. E o Albuquerque Lima se candidatou, o nome dele constava. Foi quando entrou o Geisel, no período do Médici, na sucessão do Médici. E mandou esta carta, e eles tinham de escolher 3 nomes, esses generais. E o Geisel, por fora, mandou os generais dizerem que ele, Geisel, gostaria muito — ele Geisel, não, ele Médici — de ver o General Geisel indicado. O General Geisel já estava reformado. Gostaria muito de ver o General Geisel... Ele sabia que ele não ia ganhar, mas gostaria de vê-lo indicado.

Então, o que aconteceu? Com o Albuquerque Lima e o outro, não me lembro quem foi o indicado, houve uma disputa muito grande. No Geisel, todo  mundo votou no Geisel, porque o Médici estava pedindo, ele não vai ganhar, e ganhou. Veja a estratégia. E, em razão disso, o Albuquerque Lima fez uma carta, que eu tenho — vou ver se localizo –, fez uma carta sobre isso, terrível, sobre essa história.

Mas, então, o processo veio se abrindo, com o Geisel ele começou a se abrir. A anistia já veio com o Figueiredo. O Geisel não chegou a propor a anistia, mas  já veio com o Figueiredo. E assim mesmo ela foi... Vocês lembram bem que houve muita discussão aqui. O Relator foi o Djalma, não é? (Pausa.)  Foi o Djalma Marinho, porque eles queriam uma anistia, aquela chamada ampla e irrestrita. Lembro-me de outro episódio da anistia. Vejam como eles ainda estavam fortes: quando veio a emenda constitucional, no Governo Figueiredo, de se instalar a Assembléia Nacional Constituinte... Não foi o Figueiredo? Foi. Foi ele que mandou a emenda constitucional.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Da Constituinte foi o Sarney, em maio de 1985.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA – Então,  foi o Sarney.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) Figueiredo foi anistia e reforma constitucional.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Então, quando o Sarney mandou a emenda constitucional propondo ao Congresso Nacional, o Presidente da Comissão foi o Célio Borja, e o Relator foi o Flávio Bierrenbach, que hoje está no Tribunal Superior Militar.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Depois substituíram.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - É. Aí apresentaram uma emenda de anistia ampla e irrestrita, e o Flávio, que estava nessa linha, acolheu a emenda. Aí o Governo se mobilizou, rejeitaram a emenda toda. O Valmor Giavarina, então, foi indicado Relator do vencido.

Numa sexta-feira, o Dr. Ulysses me procura. Ele estava viajando para São Paulo e disse: “Paulo, você diga ao Pimenta da Veiga”, que era o líder, “que um militar vai procurá-lo”... Hein?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Pimenta da Veiga, pai.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, não, filho. O pai morreu na mudança aqui. Pimenta foi Deputado muito tempo aqui, na época ele era Deputado, ele era o líder. Ele disse: “Olha, Paulo, você procura o Pimenta e diz que ele vai ser procurado por um militar e esse militar vai trazer o texto como deve ser a anistia”. Porque a anistia começou nessa emenda, essa ampla e irrestrita. “Então, você diga a ele para receber e é aquilo que já está acertado comigo. Eu vou para São Paulo e não encontrei o Pimenta”. Falei como Pimenta e ele reagiu. Eu falei: “Bom, Pimenta, então você fala com o Dr. Ulysses e acerta com ele”, mas afinal ele falou com o Dr. Ulysses e aceitou, depois votou contra no plenário.

Essa emenda foi a emenda que deu o destino da anistia, preservando aqueles que tinham participado do processo da repressão e anistiando todos, e com limite. Quem era militar só podia ir até coronel; civil não voltava, tinha as promoções, mas não podia receber nenhum atrasado. Aquelas coisas que estão hoje na emenda. Então, veja como naquele momento os militares ainda tinham força, apesar de o Sarney ser o Presidente. Porque a emenda que está... Acho que é a Emenda Constitucional nº 28 — não é a 28? Acho que é a 28. Não, 28 é agora. Não 28, antes da Constituição de 1967. É 28. Então, essa emenda é que deu o tom. O Sarney aceitou, todo mundo aceitou e ela foi aprovada.

No início do Governo Sarney... Ele foi Presidente da República, a meu ver, porque ele merecia a confiança dos militares. Porque quando eu era muito amigo... Ainda sou muito amigo, felizmente ele está vivo, do General Ivan Mendes e, quando Tancredo adoeceu e foi para o hospital, ele me telefonou e disse: “Paulo, o Dr. Tancredo está indo para o hospital”, isso na véspera da posse. “Ele está indo para o hospital, é um apendicite supurado. Quem é que você acha que deve assumir o governo?” Eu disse: “Acho que deve ser o Sarney”. “Por quê?” Por isso assim e dei as razões.

Bom, aí começou aquela agitação, porque achavam que devia... Porque o Tancredo não tendo assumido, como é que o Vice-Presidente ia assumir? Então entendiam que, pela sucessão, devia ser o Ulysses, mas os militares ainda não confiavam no Dr. Ulysses. Depois, ele se deu muito bem com esses militares todos. E aí o Sarney foi... No final, então, o Leitão de Abreu deu uma declaração a favor do Sarney. Ministros do Supremo Tribunal Federal que na época foram consultados durante a noite, foram consultados uns 3 ou 4, disseram que devia ser o Sarney. E o Sarney foi elevado à Presidência da República. Por quê? Porque o Dr. Ulysses ainda não merecia ...

            Então, esses militares, no início do Governo Sarney, e creio até que durante todo o Governo Sarney, eles tiveram sempre uma certa influência. Não na época do regime militar, mas eles tiveram uma influência e, na medida em que a Constituição foi promulgada, eles perderam muito da sua expressão de poder.

            (Interferência)          

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Tem muita gente do Governo, Parlamentares que trabalhavam com o Governo nessa época da anistia, que diziam que esse projeto da Oposição era um projeto oportunista. Eles diziam que eram amplos, irrestritos, mas na verdade, vetava a volta à política imediata dos exilados, do Brizola, do Arraes. E eles temiam que...

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Sim. Pois é, mas... é verdade.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Isso é verdade? Eu queria ouvir...

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - É verdade. Mas isso foi o grande equívoco deles, porque...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na verdade, o projeto dos militares ficou melhor do que o deles.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Ficou. Eles, eles...             Quando veio essa agitação de anistia, realmente... Porque em política — isso é um axioma —, em política não existe espaço vazio. E os que estão ocupando algum espaço, tem muitos tentando tirá-lo desse espaço. Então, isso é um axioma. Eu acho que em todo o mundo é assim.

            Com a volta dos anistiados, o grupo que estava dominante ficou com receio de perder as suas posições. Então, eles criavam restrições a esse ingresso na política, o que foi um grande equívoco deles, porque o que nós observamos é que grande parte desse pessoal que voltou e que tentou entrar na política raramente algum teve sucesso. Um caso típico é o do próprio Márcio, que tentou entrar na política e foi derrotado. E muitos outros foram derrotados. O Almino não entrou inicialmente, veio muito depois.

            Então, é isso. Na política não há espaço vazio. E esses que estavam ocupando esse espaço ficaram com receio dessas pessoas que voltavam como vítimas, levantando as suas bandeiras, e que, por sua vez, também estavam equivocados com o País. Não perceberam que o País mudou. Aquele País que eles deixaram, 15, 20 anos depois, era um outro País em termos de opinião pública, em termos de imprensa, em termos de comunicação e que ninguém estava mais pensando neles, porque ninguém paralisa no tempo.

            Então, falavam assim: “Ah, fulano de tal...” Ninguém sabia quem era, esquecia. Se nós perguntarmos aqui, neste momento, quantos anistiados naquela época importantes estavam fora, a pessoa diz assim: “Bom, estava o Julião”. Quem lembra do Julião em termos de opinião pública? O nosso amigo Neiva Moreira. Quem se lembra do Neiva em termos de opinião pública naquela época? Ninguém lembrava. O Neiva, por exemplo, eu considero que é um milagre. O Neiva está reeleito, está no segundo ou terceiro mandato agora, não é? Deve ter se composto lá no Maranhão com aquelas políticas de lá do Maranhão para voltar, senão não voltava. Então, hoje, cassado aqui, quem é que tem? É só o Neiva? Eu acho que é só Neiva.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Paulo, faltou uma coisa interessante no caso da Junta Militar. Por que você acha que os militares não confiaram no Pedro Aleixo para assumir o poder, depois da doença de Costa e Silva?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, o Pedro Aleixo... Eu, infelizmente, fui partícipe de uma fase inicial da história do Dr. Pedro Aleixo. Quando veio o episódio da doença do Costa e Silva, que ele foi removido para o Rio, esse militar, que era muito amigo meu no episódio de 1968, me chamou e disse: “Paulo, eles estão reunidos lá no Rio e quem preside a reunião é o Almirante Rademaker. E eles estão querendo que o Dr. Pedro Aleixo vá para o Rio. Você acha que ele vai?” Eu disse: “Não sei”. “Mas você, que é amigo dele, podia falar com ele”. Aí eu telefonei para ele. Morava aqui na 105. O Dr. Pedro estava com a casa cheíssima, porque achavam que ele já ia assumir e tal. Então, ele disse... Eu disse: “Dr. Pedro, os militares estão reunidos no Rio e estão querendo que o senhor vá para o Rio. Mas não querem lhe convidar sem ter a certeza”. Ele disse: “Não, eu vou. Eu vou para o Rio”.

            Então, eu voltei a falar com esse militar: “Bom, Paulo, então está certo. Então, vai para o Rio”. Então, foi aquele militar e já foi um outro que veio buscá-lo e que depois foi ser adido na Suíça, foi objeto de muita crítica, adido militar na Suíça, que não tem exército.

            Então, foi o carro do Presidente da República, pegou o Dr. Pedro Aleixo, todo mundo alegre. Ele chegou ao aeroporto, tapete vermelho, continência, pegou o avião número 1. Quando chegou ao Rio — isso foi o Dr. Pedro me contando —, a filha quis vê-lo, a Heloísa. Isso ele me contou depois. Mas impediram que ela o visse sob o fundamento de segurança. Disseram que era problema de segurança, que ele não podia sair assim. Então, ele entrou no carro com o coronel e foi para a casa dele, em Copacabana. E ele pensando que ia para o quartel general. Estavam reunido no quartel general, na Praça da República.

            Aí disseram:             “Não, Dr. Pedro, eles estão se reunindo lá. Depois eu venho lhe buscar aqui”. E aí ele ficou esperando. Isso foi à tarde. Ficou esperando e nada. Aí o coronel chegou lá e disse: “Não, Dr. Pedro, não vai ter mais reunião, vai ser amanhã”. E nenhum telefone tocava. Ele olhou pela janela e percebeu que o prédio estava cercado. Ele aí chamou o coronel, e o coronel disse: “Não, Dr. Pedro, o senhor pode deixar”. Ele disse: “Não, mas eu estou vendo que essa reunião não vai sair, então eu vou voltar para Brasília”. E ele disse: “Não, mas agora não há condição de o senhor voltar para Brasília, porque há problema de segurança e tal.”

            Depois veio o Ato Institucional. Ele aí insistiu em voltar para Brasília. Aí o coronel disse que o avião estava quebrado. Não tinha condição de voltar porque o avião estava quebrado. E voltou a invocar a segurança. Mas ele disse: “Não, mas isso não tem problema nenhum, porque eu tenho passagem aqui da VASP. Eu vou em avião comercial”. “Não. Mas, Dr. Pedro, segurança. O senhor tem que ficar aqui”.

            Sei que ele ficou no Rio durante 5, 6 dias até que se consolidasse o processo. Mas por quê? Porque o Dr. Pedro Aleixo, pela formação dele, eles não confiavam. O Dr. Pedro Aleixo ia abrir isso tudo. Ele já tinha tido a experiência de 1937, em que ele foi muito acusado de ter pactuado com o golpe do Getúlio. Por quê? Porque, quando houve a sucessão na Presidência da Câmara, o Antônio Carlos era candidato à reeleição, e ele, candidato a Presidente, apoiado pelo Getúlio. E ele ganhou.

            Então, quando veio o Golpe de 1937, ele, é o que se comenta, em vez de ele reagir — o Palácio Tiradentes ficou cercado —, ele pegou um trem, na época era trem, e foi para Minas. Em Juiz de Fora, ele passou aquele famoso telegrama dele. Enquanto que os políticos entendiam que ele deveria ter forçado, deveria ter ficado no Rio. E isso marcou muito o episódio de 1937, até a morte dele, eu creio, marcou muito o Dr. Pedro.

            Portanto, se ele tivesse... Ele assumindo a Presidência da República, ele reabria, não tenho dúvida nenhuma quanto a isso. E quem conheceu o Dr. Pedro... E você conheceu bem. Você acha que haveria dúvida ou não? Ele abria em toda linha. Então, é a tal coisa: não merecia a confiança dos militares.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, Paulo, você conviveu com muitos Presidentes da Câmara dos Deputados. Você podia fazer uma avaliação de cada um deles com os quais você conviveu?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Eu digo sempre que os Presidentes da Câmara, em qualquer momento, eles valem pelos momentos de crise. Bilac foi o primeiro Presidente no regime militar. E a eleição do Bilac foi uma eleição muito disputada. Naquela época, como hoje, as bancadas se reuniam e indicavam o candidato ao lugar na Mesa. O Mazzilli era candidato à reeleição, e o Presidente Castelo Branco indicou o Coronel Peracchi Barcelos, que era um Deputado do Rio Grande do Sul, para Presidente. Então, foram para a bancada do PSD, naquela época a bancada do PSD era uma bancada grande.

            E eu, encontrando o Peracchi, perguntei: “Coronel, como está a sua posição?” Ele disse: “Eu vou ganhar por 25 votos”. Perdeu por 25 votos. Depois eu perguntei a ele: “Coronel, mas o senhor perdeu por 25 votos?” Ele disse: “Estranho Paulo. Mais de 25 me procuraram dizendo que votaram em mim”. Então, voto secreto é fantástico por isso.

            Bom, aí o Governo começou a trabalhar o candidato. Inicialmente, pensaram no Nilo Coelho, porque o Nilo era do PSD e muito amigo do Castelo. Mas houve uma reação muito grande ao Nilo. Então, ele pegou o Bilac Pinto, que estava representando a Câmara na ONU. Então, o Bilac veio para ser candidato. Só conhecia mal a bancada de Minas.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Paulo, o Castelo mandou o Bilac para Paris. Ele era embaixador?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, não, isso foi depois de ele ser Presidente. Isso foi muito depois, foi muito depois. Eu conheço o episódio porque foi ele quem me convidou para Secretário da Presidência. Porque o meu antecessor, o Paulo Watz, envolveu-se muito na eleição do Mazzillli. Então, ele percebeu que o Bilac não o manteria e eu era o substituto eventual do Paulo.

Então, veio o Bilac. Foi uma votação terrível. Em determinados momentos, o Mazzilli estava na frente do Bilac. E ganhou por uma diferença, o Bilac, uma diferença muito pequena e não por maioria absoluta, foi por maioria simples.

Então, veja a situação. Aí o Bilac me convidou e fomos lá para a Presidência. Aí veio o primeiro embate do Bilac, que foi a primeira lei complementar de inelegibilidade. E nesta lei todas as votações tinham de ser nominais. E não existia sistema eletrônico, tinha de se chamar um por um.

Então, foi uma sessão que começou por volta de 9 horas da manhã e terminou no dia seguinte às 11 horas da manhã. Passamos a noite inteira e ninguém dormiu. E o Bilac sentiu o que era... Mas depois dessa emenda ele não teve grandes problemas. Ele era muito amigo do Castelo, o Castelo era um homem muito moderado, então ele não teve grandes problemas com o Castelo.

Depois do Bilac veio o Adauto. O Adauto era um homem muito explosivo, se irritava facilmente, tinha um processo de taquicardia violentíssimo. Ele segurava a carótida para reduzir o batimento cardíaco. Isso eu vi diversas vezes. Ele me dizia assim, porque ele debatia com os Deputados: “Paulo, quando você achar que eu estou me excedendo na Presidência, chame a minha atenção”. Eu dizia: “Quem sou eu para lhe chamar a atenção?” Ele disse: “Eu estou determinando. Você é obrigado a chamar a minha atenção”. Então, eu chamava a atenção dele e o mandava tocar a campainha de tumulto. Ele apertava o dedo na campainha de tumulto e segurava a carótida.

            Então, o Bilac foi relativamente tranqüilo. O Bilac não quis continuar na Presidência, ia para Paris. Ele deixava a Presidência, ia para Paris. Ele tinha um carro, um Mercedes — ele era um homem muito rico —, ele tinha um carro Mercedes num cavalete em Paris, numa garagem. Ele disse: “Paulo, eu vou para Paris com a Carminha...”, a senhora dele, “já contratei o navio, vou pegar o navio, vou comprar livro, ela volta para o Brasil e nesse navio vou fazer a volta ao mundo”. Aí o Bilac o convidou para embaixador. Eu estive com ele lá em Paris, como embaixador. O Castelo o convidou para embaixador, e ele era uma figura muito interessante.

            Nesse tempo dele tivemos 2 episódios. Um, ele dizendo: “Paulo, você marque um coquetel para toda a Câmara, porque eu quero dar um coquetel para a Mesa que foi eleita”, que era o Adauto. Ali no Hotel Nacional, que era o melhor. E aí tinha convite, tinha discussão de uísque, se era nacional, se era estrangeiro, e ele discutindo preço: “Não, isso é caro, não é caro”.

            Bom, quando terminou o coquetel, muito concorrido, ele me chamou e disse: “Paulo, quanto é o coquetel?”. Eu disse: “Não, o senhor deixa isso, porque o Luciano já tem entendimento aqui com o hotel, e o hotel depois manda”. “Não, não, mas eu quero saber quanto é”. Aí chamamos o gerente, tal, ele disse: “É ‘x’”. Ele tirou o talão de cheque e pagou do bolso dele.

            O outro episódio é que o funcionário do Itamaraty, o diplomata me procurou e disse: “Paulo, tem as passagens para o Dr. Bilac e para a senhora dele e um saque”, porque ele recebia um adiantamento, um saque, que ele apresentasse as credenciais. Aí eu falei: “Dr. Bilac, está aí isso aqui”. “Não, mas eu não recebo”. “Como o senhor não recebe?” “Não, eu só sou embaixador depois de apresentar as credenciais. Eu não recebo nada do Itamaraty”. Então ele pagou do bolso dele, porque podia, não é? O que facilita também, não é? Facilita.

            Aí veio o Adauto e o Presidente do Senado, Moura Andrade, que era outro. De vez em quando eles tinham uns problemas, mas o Adauto era um homem muito difícil, irritava-se facilmente e, quando a Oposição entrava em obstrução, ele aí quis mudar a regra e se fazia o seguinte: fazíamos pela lista de chamada, portaria. Vamos dizer, se havia 100 Deputados daquele partido, e só votavam 30, ele dizia: “Não, tem 100 presentes, votam os 100”. E aí ele declarava todo mundo em abstenção, ou voto em branco. Aí era uma celeuma.

Ele era muito, muito polêmico e culminou... Quando veio a tal cassação dos Deputados e o Congresso entrou em recesso, na Presidência dele, quando o Congresso voltou, estavam aquelas cassações já, ele disse: “Não, esse aqui tem que reunir o plenário”. “Não, mas não pode reunir”. “Manda para a Comissão de Justiça”. Aí mandou para a Comissão de Justiça. A Comissão de Justiça entendeu que não podia sofrer nenhum tipo de exame. Veio para a Mesa. Ele disse: “E agora, Paulo?” “O senhor manda para um membro da Mesa”. Ele mandou para o Baptista Ramos. Não sei se o Baptista relatou esse episódio. Ele mandou para o Baptista Ramos relatar. O Baptista relatou, ratificando a posição da Comissão de Justiça. Isso foi de manhã. À tarde, estou lá no plenário, ele passa por mim e diz: ”Paulo, eu vou renunciar”. “Como vai renunciar?”. “Vou renunciar”. “Não é possível”. “Não, vou renunciar. O que eu faço?”. “Bom, tem um orador, quando o orador sair, o senhor renuncia e suspende a sessão para chamar o substituto”.

Aí eu fui e avisei ao Raimundo Padilha e ao Baptista Ramos, porque poderia parecer um golpe do Baptista. Foram conversar com o Adauto. Aí o Raimundo Padilha passa por mim e diz: “Está resolvido, o Adauto não vai renunciar mais”. O orador saiu da tribuna, ele renunciou e suspendeu a sessão. Veja como ele era.

Agora veja também como era o Castelo Branco. Apesar de tudo isso, o Castelo o tinha convidado para o Supremo Tribunal Federal, e aí nós achávamos que o Castelo não ia mais mandá-lo para o Supremo depois disso tudo. No entanto, o Castelo, foi conversado, disse: “Eu assumi o compromisso de nomeá-lo para o Supremo e vou nomear.” E nomeou. E depois fez aquela história também, saiu, jogou a toga na bancada e foi embora, aposentou.

Bom, aí o Adauto, profundamente polêmico, porque ele é tipo Carlos Lacerda, aquele estilo mais ou menos do Carlos Lacerda. Depois do Adauto, veio o Pereira Lopes, que este foi no período do Médici, foi um período tranqüilíssimo na Câmara.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas depois do Adauto não foi o Pereira Lopes. Foi o Baptista Ramos, depois o Zezinho...

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Ah, sim, desculpe-me. Foi o Baptista. É. Depois do Adauto veio o Baptista. O Baptista totalmente ligado ao Governo. O Líder era o Ernani Satyro. Então, o que o Governo decidiu o Baptista aqui aceitava. Então, nunca entrou em atrito com o Governo, tal. No entanto, o Governo foi eleito, terminou o período do Adauto, foi eleito, foi candidato a reeleição. E ele tinha tido, numa reunião da Mesa, um atrito com o José Bonifácio. E o José Bonifácio disse: “Paulo, eu vou ser candidato à Presidência e vou derrubar o Baptista”.

            Bom, aí se conversou. O Baptista, muito ligado ao Pedro Aleixo, que garantiu a Presidência do Congresso para o Pedro Aleixo, porque o Moura Andrade quis dar um golpe para o Pedro Aleixo não presidir as sessões do Congresso... Isso foi até o Supremo. E o Baptista: “Não, Paulo, a bancada de Minas está comigo, o Dr. Pedro, tal”. Dr. Pedro, sabe como é, não se envolveu. Então, Baptista perdeu. Zezinho ganhou. Aquele estilo do Zezinho.

            Bom, o Zezinho teve o problema do AI-5. Foi no período dele que veio o AI-5 e que veio a doença, porque, já convocado o Congresso para a eleição do Médici, o José Bonifácio teve um enfarte violentíssimo. Faltavam 3 dias para a reabertura do Congresso. Naquela época, não havia os recursos de hoje, ele ficou aqui, e a imprensa estava achando que nós estávamos fazendo a mesma coisa que tinha acontecido com o Costa e Silva, que estávamos querendo esconder José Bonifácio. Ele estava aqui no posto médico da Câmara, que era no outro prédio.

Então acertou-se com a imprensa o seguinte, eu mesmo acertei. Reuniu toda a imprensa: “Então, vocês escolham um”. Aí houve um sorteio para Vice, tal. O Zezinho veio lá, ele todo, com aquela... Sabe quem foi sorteado? Flamarion Mossri. (Risos.) Aí o Flamarion entrou, viu e tal, voltou e deu a notícia de que ele realmente estava enfartado. Aí veio o Accioly Filho, que presidiu. E terminou.

Aí, nós fizemos... Porque, pelo Ato Institucional, o Zezinho poderia perder o mandato. Então, conseguiu-se votar uma disposição transitória que o Zezinho terminaria o mandato dele.

            Bom, depois do Zé, veio o Pereira Lopes.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Geraldo Freire.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Hein?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Geraldo Freire.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi Geraldo Freire. O Geraldo Freire também pegou um momento difícil. Não, Geraldo Freire, não. Geraldo Freire pegou na liderança. Não foi na liderança?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi em 1971.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - É, foi tranqüilo o período dele. Ele não teve problemas maiores. Pelo que eu me lembro, Geraldo Freire não teve problemas maiores.

            Depois do Geraldo, então, veio o Pereira Lopes. Aí nós tivemos problemas com o Pereira Lopes. O primeiro problema que nós tivemos foi o do Chico Pinto. Chico Pinto fez aquele famoso discurso contra o Pinochet, e aí começou já a agitação, vai ser cassado, não vai ser cassado... Eu levo o discurso para o Pereira Lopes, ele diz: “Paulo, o que você acha?” Eu disse: “Bom, em termos de linguagem parlamentar, ele está normal, não tem nada. Agora, em termos políticos, repercute”. Aí o Chico Pinto procurou-me: “Paulo, e o meu discurso?” Eu disse: “Chico, ele vai ser publicado, mas pode lhe dar algum problema”. Ele disse “Não, mas eu quero ele seja publicado”. Foi publicado e deu nisso...

Houve também um outro discurso, não me lembro de quem, que eu li e Geraldo Freire disse que não podia publicar. E o  Pereira Lopes me perguntou o que eu achava, e eu disse que podia publicar. Aí Geraldo Freire interferiu dizendo que não devia publicar. Aí o Pereira Lopes, que era um homem de uma formação democrática muito boa, muito correto, tinha sido, na época, da banda de música. Ele aí deu o discurso para o Geraldo: “Geraldo, você leia. O que você tiver de cortar você corta”.  Aí o Geraldo Freire trouxe no dia seguinte e disse: “Olha, Pereira,  cortar, não pode cortar não, pode é publicar”. Aí o Pereira Lopes disse: “Olha, Geraldo, eu não sou Presidente para ficar com lápis vermelho na mão”. E mandou publicar.

            Mas foi relativamente tranqüila a Presidência do Geraldo. A do Pereira Lopes foi mais tranqüila ainda. Ele não teve problema nenhum. Depois tivemos o episódio da emenda constitucional do poder. Depois do Geraldo, quem é que veio?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Depois do Pereira Lopes? O Flávio Marcílio.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O Flávio não, o recesso dos 30 dias. A emenda constitucional do...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, depois do Pereira Lopes foi o Célio Borja.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Foi o Flávio Marcílio.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi o Flávio. Não, nós tivemos o episódio do... Com quem foi a emenda constitucional do Poder Judiciário?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi na época do Geisel, não é?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi Geisel.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi em 1976...1977!

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Foi o Marco Maciel já, em 1977.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi Marco. Aí é outra história. É Marco Maciel. Tem razão, é Marco Maciel.

Depois do Pereira Lopes, foi muito tranqüilo. Veio o Célio?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Veio o Flávio Marcílio.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Veio o Flávio. O Flávio também não teve problema maior. O Flávio se entendia bem com o Governo. Não houve problema. O Flávio foi Presidente por 3 vezes, não é? Duas vezes, três vezes. Duas, não é? Não teve problema maior. Depois do Flávio veio o Célio. Bom, a Presidência do Célio não teve problemas maiores, a não ser quase no final, com a cassação do Célio Borja.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Não, cassação do Lysâneas Maciel.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Do Lysâneas. Porque a Câmara já estava... Já havia discursos veementes. O Célio ia segurando, ajeitando aquilo, porque o Célio, a meu ver — ele nunca me declarou nada —, mas a meu ver ele tinha um grande conflito intelectual. Porque o Célio tinha sido da UDN, tinha sido um homem ligadíssimo ao Carlos Lacerda. Tinha sido líder do Carlos Lacerda na Assembléia e secretário do Carlos Lacerda. Então, ele assumiu a Presidência tendo de admitir os militares e aquela mentalidade autoritária do Geisel. Então, ele tinha esse conflito. Ele tinha de aceitar o que vinha, mas contra os princípios, a formação jurídica dele. E era uma angústia para o Célio. Ele ficava angustiado com aquilo.

No final, tivemos o episódio da cassação do Lysâneas. Ele me chamou e disse: “Paulo, o Presidente me telefonou dizendo que o Lysâneas foi cassado. E agora?” Eu disse: “Bom, se foi cassado, nós não podemos fazer nada, mas é bom, o Lysâneas é lá do nosso Estado, convém avisar ao Lysâneas”. Ele aí avisou o Lysâneas. Aí, no fim de uma sessão, o Lysâneas disse que queria fazer um discurso de despedida. Eu disse: “Não, não pode. O Lysâneas não tem... O Lysâneas já é polêmico, cassado, ele não tem condições de fazer um discurso. E a sessão está terminando. Faltam poucos minutos”. “Mas, Paulo, ele é do nosso Estado, Lysâneas  é nosso amigo”. Eu fui amigo do Lysâneas até a morte dele. Então, vamos para a sessão. Aí o Lysâneas foi para a tribuna. Porque, pelo Regimento, o Parlamentar, quando assoma à tribuna, ele tem que se dirigir ao Presidente, sempre. E aí eu conheço 2 casos em que o fato não ocorreu. Um foi esse do Lysâneas, que disse: “Cidadão Célio Borja”. Aí com aquilo lá foi a maior confusão, e os 3 minutos de discurso nem foram publicados, porque, afinal, ele não disse nada. Então, foi o momento pior.

Houve também um momento muito desagradável — o Presidente do Senado era Magalhães Pinto — de uma fixação de subsídio, em que o Governo interferiu violentamente. Eles foram conversar com o Geisel, e o Magalhães disse: “Célio, você que é jurista, você fundamenta isso tudo aí”. Aí o Célio Borja falou, explicou, Constituição, isso e aquilo, e o Geisel não aceitou nada. Aí, numa certa altura, o Célio disse: “Mas, Presidente, o senhor veja, os Deputados ganham pouco. Fulano de tal — um Deputado de Pernambuco — teve que vender sua casa para poder ser candidato à eleição.“ O Presidente respondeu: “Vendeu porque quis”. Então, encerrou a conversa. O Geisel não foi nem se despedir dele na porta.

Mas isso passou, o Célio passou e foi candidato ao Senado. E o Geisel... No período seguinte, ele foi candidato a Deputado, e o Célio nunca foi bom de voto, mas foi ser Líder do Geisel. E Geisel disse: “Líder meu não perde a eleição”. Quem me contou isso foi Ivan. Não perde eleição. Então, os Ministros militares acionaram as guarnições no Rio para que todos aqueles militares votassem no Célio. Teve 60 mil votos. Foi a maior votação que ele já teve. 

Depois do Célio foi o Geraldo ou não?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi o Marco Maciel.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi o Marco. O Marco Maciel teve o episódio da emenda de abril.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Do pacote de abril.

 O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Do pacote de abril. Porque os Ministros do Supremo — o  Presidente do Supremo era o Cordeiro Guerra —, e eles insistiam muito na reforma do Poder Judiciário. Então, o Figueiredo, muito irritado, mandou que eles fizessem a emenda e eles mandaram a emenda para cá.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Figueiredo não, o Geisel.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - O Geisel, sim. Aí o Geisel recebeu a emenda como eles fizeram e mandou para cá. O Relator aqui foi o  Accioly Filho, na Comissão de Justiça. Naquela época, não existia essa Comissão Especial. E o Conselho Nacional da Magistratura era integrado só por Ministros do  Supremo, e o Accioly entendia que não podia ser assim. Se era conselho nacional, tinha que ter representantes do Estado e tinha de ter representantes da Ordem, e convenceu a Comissão nesse sentido. E os Ministros reagiram, e Geisel disse que tinha que ser assim. Quem foi que me falou? Alguém me procurou  para conversar com Freitas Nobre, que era o Líder da Oposição. Foi o Zezinho. Ele me chamou e disse: “Paulo, você que se dá com o Freitas Nobre, diz que o Governo cede nessas linhas”. Aí eu fui ao Freitas Nobre. Eles estavam reunidos: “Paulo, não adianta mais nada, porque já decidimos e vamos votar contra tudo”. Aí o Geisel decretou o recesso, e o Presidente era o Marco Maciel. Marco, então, ficou um mês aí no recesso, porque ele viu que não tinha condições mais de manter o recesso. Essa é que é a verdade. Quer dizer, o recesso sempre foi muito melhor do que o fechamento. Ele não tinha mais condição de manter o recesso e abriu, porque estava próximo da eleição, não é?. Mas fez a emenda criando os Senadores biônicos, conduzindo uma série de coisas, criando restrições, mudando o sentido da imunidade parlamentar. Se o Congresso não apreciasse dentro de um certo prazo, automaticamente estava concedida a licença. Ele mudou muita coisa, atingindo mais o Congresso. Esse foi o episódio mais marcante da Presidência de Marco Maciel. Ele não teve problemas maiores. Depois do Marcos...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Volta o Flávio.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - ...foi o Flávio. Bom, o Flávio, nós tivemos o episódio com Nelson Marchezan. Ele foi indo bem, o Governo Figueiredo escolheu Marchezan para Presidente. O Flávio ficou com o Djalma Marinho. Então, isso agitou muito, muito, e o Governo, o custo — veja como já estava abrindo - o custo para o Governo foi muito alto. Eu me lembro de que o Ministro de Estado da Previdência veio para cá para assinar convênio e dar verba para entidades, para os Municípios, Maluf veio para cá, tudo a favor de Marchezan. Djalma acabou perdendo. Mas o Flávio se atritou muito  com o Figueiredo, com quem ele até se dava bem, mas ele se atritou muito porque o Figueiredo era daqueles homens que não admitiam que fossem contra ele ou dissessem não.

Aí veio Marchezan, e a abertura já era muito mais ampla. Com o Marchezan não tivemos nenhum episódio marcante. Ele tinha problemas com os jornalistas, não é? (Risos.) (Ininteligível.) De vez em quando ele dizia uma coisa para os jornalistas, o pessoal não ia mais ao gabinete. Mas o pessoal não dava muita importância para o Marchezan, sabia que era.... Ele mudou muito o seu temperamento. Está muito melhor, não acha, não? Tenho me encontrado com ele, e acho....

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Ele está mais contido, não é?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA – É, eu acho que ele melhorou. Depois do Marchezan, veio... Ulisses?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – A volta do Flávio Marcílio, não?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA -  A volta do Flávio Marcílio. Esse segundo período do Flávio não teve conseqüências maiores. Já estava abrindo tudo.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Esse último mandato do Flávio foi marcado mais por aquele negócio de ser vice do Maluf, lembra?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Foi a eleição indireta, mas ele foi vice do Maluf não foi propriamente em razão dele ser o Presidente. Porque o Flávio Marcílio tinha uma característica: era profundamente corporativista. Nós tivemos um episódio com ele quando houve aquela emenda das eleições diretas, em que aquele General Newton Cruz prendeu um Deputado.

Meu filho, não sei como, soube que o Deputado estava preso. Liguei para Flávio Marcílio, por volta de uma e meia, 2 horas da manhã, e o avisei que o Deputado estava preso. Era um Deputado de corrente comunista. Flávio era profundamente conservador. Ele então ligou para o Ministro da Guerra e disse: “Ou vocês soltem o Deputado ou eu vou aí tirar o Deputado.” Depois de meia hora, 40 minutos, disseram que o Deputado ainda estava preso. Ele me chamou, fui para a sua casa, no Lago. Ele se vestiu e chamou o carro da Presidência, e fomos para o Ministério do Exército. Quando chegou lá, o Deputado já estava solto.

Portanto, em razão desse sentido corporativista, tinha um prestígio muito grande no Plenário. Foi guindado a vice-presidente do Maluf porque entendiam que iria carrear muitos votos. Isso não aconteceu, porque entrou o governo, e o momento já estava também para mudar tudo.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Mas ele disputou com o Sarney a questão de ser vice do Maluf, no momento da candidatura.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Mas aí houve aquele episódio no partido em que Sarney renunciou.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dissidência.

 O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Dissidência, e o Sarney renunciou.

Depois do Flávio veio Ulysses Guimarães. Aí o Presidente já era José Sarney, sobre quem, inicialmente, tinha uma grande influência. Sarney tinha a maior bancada, indicava Ministros. Mas depois a situação foi se modificando.

Ulysses gostava muito do poder e do aparato do poder. Parecia um homem muito simples, muito humilde, mas que ninguém procurasse avançar naquilo que era dele. Quando assumiu a Presidência da República, tinha que ir o carro do Presidente com o segurança, ajudante de ordens, tinha que ter aquele aparato todo. Se fosse um carro comum, não aceitava. Então, ele gostava disso.

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) – dessa mitologia, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – da pompa.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Ele era Presidente da Câmara e queria ser Presidente da Constituinte simultaneamente. Alguns entendiam que não podia ser Presidente da Câmara e da Constituinte. Ele reunia lá na casa dele os líderes, e houve um com o Pimenta, o Israelzinho e o Euclides Scalco, sobre essa história de ele ser o Presidente da Constituinte. A eleição seria no dia seguinte, uma coisa assim. O Scalco virou-se para ele — estávamos saindo por volta de 2 e meia — e disse: “Dr. Ulysses, se o senhor perder a Presidência da Câmara, o senhor não pode ser candidato a Presidente da Constituinte”. Ninguém estava pensando mais nisso. Ele concordou e disse: “Você está certo, Scalco. Se eu perder a Presidência...” Mas ele se elegeu e trabalhou por isso. Ele gostava, ele gostava do avião da FAB, gostava de viagem, mas fazia isso com muita categoria, porque era um homem profundamente educado.

Eu, que convivi com ele diuturnamente, eu ia à sua casa, nunca vi Ulysses dizer uma palavra mais pesada contra alguém. Podia mostrar uma certa mágoa, mas nunca usou um nome de baixo calão, tinha compostura. Agora, era profundamente desorganizado, não tinha organização nenhuma. Ele era visceralmente político, péssimo administrador, tinha horror a assinar papéis envolvendo a administração. Assinava quando tinha algum e que o Diretor me falava: “Paulo, o Dr. Ulysses não assinou!” Aí eu ia a ele: “Dr. Ulysses, o senhor não assinou.” Às vezes era uma portaria, ou coisa assim. “Eu não entendo daquilo, Paulo”. Puxava a gavetinha e mostrava. Eu dizia: “Sim, mas qual é o problema?” “Não, não tem problema nenhum. O que é que você acha?” Eu: “Não tem nada demais.” “Não tem nada mesmo?”. E eu dizia: “Nada.”  ele assinava. Mas tinha horror. Se ele fosse Presidente da República, em matéria de administração, não seria bom, porque ele não gostava. Vocês conviveram com ele. Ele não gostava de administração, ele não era vocacionado para isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tinha medo de papel.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Tinha, não assinava nada. Agora, era habilíssimo, era daqueles que tinha a vitória antes da votação. Conversava antes, acertava tudo antes. Nós fazíamos reuniões. Eu me lembro que nós fazíamos reuniões, ele reunião aqueles Líderes, assim, por volta de 9 e meia da noite. Ele ouvia um por um. A certa altura, ele olhava para o relógio e dizia assim: “Meus amigos” — ele tinha muito essa expressão —, “são 2 e meia; é muito tarde! Amanhã vamos prosseguir nesta conversa”. E saía. Eu, como funcionário, ficava como serra fina. E quando eu ia saindo, ele dizia: “Bom, Paulo, amanhã você passa aqui às 9h” — ele dormia pouco — “para conversarmos sobre isso”. No dia seguinte, nós decantávamos o que tinha sido debatido, e aí se formava um texto. Ele ia ligando, telefonando, chamando, acertando e acertando. Quando estava tudo acertado, ele fazia uma reunião aqui, no gabinete, não sei se vocês se lembram, aquelas Lideranças todas, e ele fazia um discurso antes: “Meus amigos, eu tenho um texto aqui daquilo que conversamos”. Todo mundo já o conhecia. Ele lia, e estava tudo aprovado.

Ele era fantástico, não brigava com ninguém. Podia ter suas mágoas. Ele me disse uma vez o seguinte: “Paulo, você sabe que eu poderia ser Governador do Estado, mas eu fui deixando, deixando, num certo momento, observei que o Franco Montoro já tinha trabalhado todo o partido, se eu fosse para a convenção, eu perderia”. Depois, ele me disse: “Eu poderia ser o Presidente da República, mas quando fui atrás, o Tancredo já tinha trabalhado todo o partido, e vi que não tinha mais condições.” Por isso é que eu não sei por que ele quis ser Presidente da República depois, porque todo mundo sabia que ele não tinha condições de eleição. Lembra aquela briga que ele teve aqui no plenário?

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Vamos entrar agora então nesse negócio do Ulysses na Constituinte. A Constituinte de 1988 era a cara dele?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Não, a Constituinte representou a cara da maioria. Ele, por exemplo: voto aos 16 anos. Ele me dizia: “Paulo, isso é um absurdo. Voto aos 16 anos não tem sentido”. Mas quando ele viu que a maioria era a favor do voto aos 16 anos, ficou com o voto aos 16 anos.

Regime parlamentar. Ele sempre foi contra o regime parlamentar. Depois, virou parlamentarista, porque era uma bandeira. Ele sempre foi a favor do regime republicano e, na Constituinte, trabalhou — a emenda foi do Humberto Lucena — sempre nessa linha.

            Lembro-me de que, quando veio o Centrão, o Daso Coimbra fez um discurso apresentando o ponto de vista do Centrão, que estava se formando o Centrão, etc. Havia umas 300 assinaturas, e ele virou-se para mim e disse: “Paulo, o que você acha?” Eu disse: “Isso é uma manifestação de vontade. Em princípio não tem nada a fazer”. Ele disse: “Você acha que eu vou ficar contra 300 Constituintes? Você pensa numa solução aí”. Aí se pensou na reforma do Regimento.

            Então, ele era isso, era o homem das maiorias. O texto constitucional não representou o pensamento dele. Eu me lembro de um outro episódio, aquele que proíbe propaganda, a propaganda só pode ser institucional. O Quércia falou com ele para que permitisse os nomes dos Governadores. Ele estava presidindo a sessão e chamava um por um dos Líderes e verificou que não havia condição de aprovar o que o Quércia queria. Ele disse: “Manda ligar para o Quércia”. E disse: “Quércia, não é possível não, vai ficar como está.” Porque ele era isso, ele era o homem das maiorias. E é difícil hoje conhecermos o pensamento dele sobre a Constituinte em si, sobre a Constituição, a matéria que foi votada.

Quando se elaborava o Regimento Comum, o Relator foi Fernando Henrique. Nós íamos para a gráfica do Senado fazer a redação. Ia ele, Fernando Henrique e eu. Eu anotava e tal. Quando chegou na hora da votação, ele pôs que o Presidente votava. Ele disse: “Não, Fernando, você está equivocado, Presidente não vota”. Diz o Fernando Henrique: “Não, Presidente, vota, porque na Constituinte a votação vai ser até por ordem alfabética, não vai ser por partido, é por ordem alfabética, não vai ser por Estado, porque cada um vota como pensar, como quiser”. Ele disse: “Não, mas não vota”. “Está bom”. No dia seguinte, Ulysses me chama em casa: “Paulo, hoje à noite você volta a levantar aquela história da votação do Presidente, porque o Presidente não deve votar”. Chegou à noite, perguntei: “Como ficou o problema da votação do Presidente?” “Não, isso está decidido”. “Não, eu não anotei, acho que não”. “Paulo, mas como é isso? Tem o Regimento, isso é secular, o Presidente só vota para desempate e tal.” Aí o Fernando Henrique percebeu e colocou no Regimento da Constituinte que o Presidente só votava para desempatar. Como nós nunca tivemos empate, o Ulysses nunca votou. Veja como ele era.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Você acompanhou a Constituinte de 46...

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - E poucas pessoas perceberam isso. Nós votamos o Regimento, que tem mais de mil emendas, nunca houve nenhuma emenda dizendo que o Presidente tinha de votar. Isso passou, porque o que é da competência do Presidente ninguém vai ler.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Você acompanhou a Constituinte de 46, a Carta de 67 e a Constituinte de 88. A Constituinte de 88 foi aquele processo de síntese. Começaram naquelas Comissões, depois nas Comissões Temáticas, Subcomissões, tal e tal. Você acha que esse processo deu legitimidade à Carta Cidadã, abriu muito para as corporações?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Eu acho que a legitimidade não está propriamente na origem do documento. A legitimidade está na votação final. Então, houve, nesses 2 anos de Constituinte, muitos percalços. E o que aconteceu com o Centrão? Cada Deputado foi autor de um capítulo, um título da Constituição. Se a Constituição tinha 10 títulos, tinha 10 autores e depois colhiam o restante das assinaturas. Era o Luiz Eduardo, o Ricardo Fiuza, o Andradinha, que era muito radical, então havia um grupo que comandou — eram poucos — todo esse processo do Centrão. Mas o que aconteceu? O Centrão não se manteve na sua unidade. Então, na medida em que não se manteve na sua unidade, as coisas começaram a ser pulverizadas. E o grupo de esquerda que se manteve por unidade começou a impor no texto constitucional matéria de legislação ordinária. Dizia: “...tal, nos termos da legislação ordinária.” E quando o problema era mais importante, criou-se essa figura de lei complementar, que exige o quorum de maioria absoluta.

E assim é a Constituição. Veja que ela hoje está com 30 emendas. Quer dizer, nem a Constituição de 46, que durou tantos anos, teve 30 emendas. E vai ter mais. Eu creio que daqui para a frente a tendência é se fazer uma nova Constituinte, porque o País não pode ter uma Constituição tão, tão...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Desfigurada.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - ...desfigurada, cortada. Não dá mais.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi a idéia de dar uma redação de português à Constituição de 88 com a colaboração de um filólogo?

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Com a experiência que eu tive em 46, que houve um professor, um filólogo, que fez a redação final, quando a Constituinte terminou e nós fizemos a redação final, eu disse para o Dr. Ullysses que ele devia chamar um filólogo. Ele disse que não conhecia ninguém. Então, me lembrei do Celso Cunha, que tinha sido meu professor de Português no Colégio Pedro II e com quem eu sempre mantive boas relações. E ele concordou. Aí, o Celso Cunha veio para cá, e eles estavam muito apressados em pôr a redação final. O Dr. Ullysses fez a redação final em ambiente fechado, não sei se vocês se lembram, na antiga sala da Comissão de Justiça. Jornalista não entrava, ninguém entrava, só a Constituinte. E ali nós fizemos umas redações, ajustamos umas coisas, e praticamente se inovou, porque havia uma espécie de consenso.

Bom, aí, o Celso veio para cá, ele foi para o Hotel Nacional e fez a revisão total. E apresentou o texto. Bom, quando Dr. Ullysses apresentou o texto dele, alguns Constituintes reagiram, dizendo que não tinha nada, que não estavam entendendo, que não tinha nada de Português, que alguns dispositivos eram tipicamente políticos, nós não devíamos pensar em problemas do vernáculo, mas sim e somente com o aspecto político. E, afinal, o trabalho do Celso foi desconsiderado. Ele assistindo isso.

Quando terminou aquilo, eu que o tinha convidado em nome do Dr. Ullysses, e que tinha sido meu professor e por quem tive grande admiração, falei com o Dr. Ullysses, eu estava ao lado dele: “Dr. Ullysses, agora o senhor tem que fazer um elogio ao Celso. Não é possível. Derrubam o trabalho, passou a noite toda indormida, e agora...” Ele disse: “Não, você tem razão.” Ele aí fez um elogio. Ele era fantástico. Ele fez um elogio ao Celso Cunha. O Celso emocionou-se. Apesar de ter sido derrotado. Era uma figura singular. O Dr. Ullysses era uma figura singular. Quem lidou com ele sabe que era uma figura singular. Aí o Celso acalmou-se e tal.

Essa Constituição que está aí não teve nenhuma revisão de nenhum filólogo. O que é um erro.

(Interferência)

O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Então, o senhor acha que a Constituinte de 88, a Constituição de 1988, ela saiu uma carta mais esquerdista, detalhista? Eu queria que o senhor falasse um pouco mais daquele processo. Em relação à Carta de 46, que o senhor fizesse uma avaliação. Por exemplo, a de 88 teve muita gente e a Carta de 46 me parece que foi uma Constituição mais elitista.

O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Nós devemos verificar, em primeiro lugar, o número de integrantes das Casas. Creio que, em 1946, a Câmara e o Senado teriam 284 Parlamentares, uma coisa assim. E o Senado só tinha 2 Senadores. A Constituição de 1946 é que elevou o Senado a 3 Senadores por Estado. Portanto, a formação daquelas pessoas era diferente, porque eles vinham de um regime totalmente fechado há alguns anos. Então, esse confronto é difícil.

De outro lado, o confronto de textos também é difícil, porque o País ou o mundo saíam de uma Segunda Guerra, em que os regimes de exceção foram a marca. E esses constituintes de 1946 são aquilo que eu disse: eles tiveram a preocupação de atribuir ao Congresso competências que ele nunca tinha tido, e esvaziar o Executivo, por receio de um segundo golpe.

Já a de agora foi diversa, porque o número de Parlamentares foi muito grande, a população também muito maior e o mundo se modificou. Se examinarmos essas emendas que estão vindo, observamos o caso, por exemplo, de privatizações. A Constituição atual, na fase inicial, ainda foi muito marcada pelo princípio estatal e pelo princípio de concessão. O princípio estatal está desaparecendo, o da concessão está sendo mantido, porque aí alegam o sistema de segurança com esse problema de comunicações, energia elétrica, portos. Eles consideram que o Estado tenha poder estatal, mas que pode delegar sua exploração para a iniciativa privada.

E as Esquerdas, num certo momento, foram muito predominantes.

Eu me lembro que o Dr. Ulysses me dizia — e ele de vez em quando sofria críticas —, porque chamava a Constituição de Constituição Cidadã. Ele dizia que ela tinha de ser Constituição Cidadã porque todas as Constituições anteriores tinham colocado as garantias individuais do cidadão no final. Primeiro, começavam com o Estado, os Poderes. E ele dizia que isso estava errado, que a Constituição tinha de se iniciar pela garantia dos direitos do cidadão. Ele conseguiu isso. Daí a denominação de Constituição Cidadão, o que é correto. Ele sofre críticas, mas, a meu ver, críticas injustas.

Quando o Centrão percebeu que na Comissão de Sistematização as Esquerdas estavam dominando, as tendências de esquerda, surgiu o grupo Centrão, porque esse grupo de direita, de centro-direita, normalmente é mais negligente. Ele não é muito atento a isso, vota com o Líder. Bom, então, eles acharam de coordenar o Centrão. E se o Centrão, que foi bom, não tivesse sido quebrado, a Constituição seria outra inegavelmente. Basta verificarmos as emendas que apresentaram, os títulos completamente diversos.

Então, esse racha no Centrão foi útil. Rachou, por quê? Rachou por interesse político no Estado, por pressão popular, porque achavam que a opinião pública não aceitava. Então, isso tudo fez com que houvesse esse processo, essa mistura, o que ficou uma Constituição por vezes não muito uniforme.

            A pessoa vê como as esquerdas tiveram uma grande vitória, que Constituição nenhuma anterior teve, que foi a chamada “cláusula pétrea”. A chamada “cláusula pétrea” é uma imposição das esquerdas, e elas visam aquelas garantias individuais. Sobre aquelas garantias individuais, a pessoa pode achar que é abuso, que há excesso, que é matéria de legislação ordinária, mas não pode existir emenda constitucional. Esse foi um ponto marcante, porque, no restante, pode ir mexendo.

Eu me lembro, por exemplo, o caso da anistia de greve para os militares. Tinha militares aí, e os militares foher começaram a pressionar que não podia haver greve. Então, tinha um militar desses, aqui Deputado, que estava nessa corrente. Ele percebeu que esse direito de greve dos militares poderia passar. Fez um acordo. Disse: “Bom, vamos fazer o seguinte: vocês não dão greve para militares e nós damos greve para os civis, inclusive civis que trabalhem em corporações militares, nos termos da lei”. Aí passou tranqüilamente, e até hoje militar não pode fazer greve porque a Constituição não permite. Se deve ou não deve, é outra coisa. Só os militares da Polícia Militar é que fazem. Mas não podem fazer greve.

            Então, é isso. A Constituição é isso e está se modificando. Eu acho que tem de se fazer uma nova Constituição.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - O senhor acha que ela está em desacordo com esse tempo de globalização?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA -  Está.

O Dr. Ulysses achava — veja como ele cedeu — que a Constituição deveria ser enxuta, ter o menor número possível de artigos. Mandou que eu fizesse o levantamento em relação a outros países. Eu fiz o levantamento de aproximadamente 30 países: quantos artigos, quantos incisos, quantos dispositivos. E dei para ele. E ele dizia: “Não, a nossa Constituição deve ter uns cento e poucos artigos, cento e cinqüenta, cento e setenta.” Não conseguiu, porque era tanta coisa que começaram a incluir, que ele não conseguiu, teve de ceder, como cedeu na autonomia do Distrito Federal, que ele era contra. No entanto, pela pressão, pelas circunstâncias, ele cedeu também. Era o homem das maiorias.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sr. Paulo, o senhor conviveu quase 50 anos por dentro do Poder Legislativo, conviveu com governos democráticos, com governos autoritários, de ditadura, crises, essas coisas. Qual o balanço que o senhor faz da atuação do Poder Legislativo nesse tempo todo? Quais as perspectivas? Com essa experiência que o senhor tem, como o senhor acha que o Poder Legislativo deve atuar daqui para a frente?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA -  Eu acho que o Poder Legislativo, em todas essas crises, sempre se saiu muito bem. O João Mangabeira tem uma análise sobre Poder Legislativo que é primorosa, em que ele diz que o corte do Poder Legislativo é o corte do regime democrático, é o corte da liberdade de imprensa, de todos os sistemas de comunicação. Então, o Poder Legislativo, com os seus, eu não diria nem excessos... Quando a pessoa diz que o Deputado recebe diária de X ou tem uma passagem disso, eu não considero... Eu acho que isso é uma coisa menor, pela relevância que o Poder Legislativo presta. Então, eu acho que o Poder Legislativo, dentre todos, sempre se saiu bem. Em algum momento mais fraco, mas, em razão dele, o regime democrático vem se aprimorando inegavelmente.

O que se torna necessário e que acho que atinge muito o Poder Legislativo são os Partidos Políticos selecionarem os seus candidatos. Porque, quando se diz que há um Deputado ou Senador, quem for, Deputado Estadual que é corrupto, que participa disso, o culpado não é o Poder. O Poder não tem nenhuma responsabilidade nisso. A responsabilidade é do partido, que não seleciona os seus candidatos. Se selecionasse, a situação seria muito melhor.

Outra coisa que acho que atinge muito o Poder Legislativo é que é uma Casa muito numerosa. Hoje, são 513 Deputados. É muito numerosa, porque a responsabilidade se dilui. Se sai uma lei e ela não é bem recebida, quem é o responsável? Não é ninguém. E, nesse sistema de votação simbólica, podemos observar que, em muitos casos, é para preservar a conduta do Parlamentar, para que ele não apareça como responsável. E outra forma de preservar essa posição é o voto secreto. O voto secreto também dilui a responsabilidade. Eu conheço muitos casos em que a pessoa diz publicamente que votou num sentido e secretamente votou em outro.

Sei de um caso até bastante conhecido. Numa votação para Presidente da Câmara, o Deputado assumiu o candidato a Presidente que ia votar nele. Então, ele punha aquela lista de chamada e anotou. Na hora em que ele votou lá embaixo, para colocar o voto na urna, acenderam-se as luzes — era uma pessoa importante — e o envelope ficou transparente e eu, lá da Mesa, vi: votou em branco. Eu não comentei nada com o candidato. Seria uma intriga. Mas vejam o que é o voto secreto. Então, o voto secreto, a Casa muito numerosa.

Creio que esse sistema de Colégio de Líderes enfraquece a Instituição, acaba com o debate. O que é a Câmara? A Câmara é a expressão popular. Se não há meios de esses Deputados exprimirem isso, ou bem ou mal, ela desaparece. A Câmara hoje funciona 3 vezes por semana. Fiquei até um pouco estarrecido, recentemente vendo a televisão, ao ver o Presidente que estava presidindo a sessão comunicar que a Ordem do Dia, que estava prevista, estava toda afastada, porque as Lideranças tinham se reunido e tinham acertado botar não sei quantas urgências àquela matéria que ia ser votada. Calculo hoje os jornalistas acompanharem uma votação dessas. Não tem mais jornalista de Plenário? Acabou ou ainda existe? Não existe mais, não é? Acabou, não é?Porque não tem mais Plenário.

Então, eu acho que isso é que enfraquece. Mas, mesmo enfraquecido, eu acho que, para o regime democrático, é importante. E, como todas as Câmaras passadas, mesmo no regime revolucionário, foi em razão da vigência do Congresso que o regime de exceção terminou. É aquilo que eu disse: se tivesse fechado, não abriria tão cedo.

Na primeira lei, porque, no passado, tínhamos aqui representados na Câmara, antes de 64, eu creio que eram 13 partidos. Então, havia as composições. Quando veio a primeira lei complementar de inelegibilidade, na eleição seguinte, a Câmara ficaria mais ou menos com 7 partidos. Mas aí começaram as reações, como há hoje, quando se fala em reduzir os partidos, os partidos menores reagem muito. Entendo que muito partido, em termos legislativos, não é bom, porque é aquilo como eu dizia: pulveriza a responsabilidade, fica difícil conduzir a Câmara. Na forma como está sendo feita, em que o Parlamentar pode mudar de partido sem nenhuma sanção, foi tentado no passado, numa dessas leis de inelegibilidade. O Deputado que deixasse seu partido perderia o mandato, sob o fundamento de que o mandato é do partido e não do Parlamentar. Mas isso nunca foi aprovado. Então, essa quantidade de partidos pulveriza a decisão. Fica difícil a condução dos  trabalhos e iguala todo mundo.

            Hoje não se consegue lembrar de um Deputado novo, lembra-se mais dos antigos, dos que estão sendo reeleitos. O novo não tem chance de aparecer.

            Então os partidos têm de se convencer de que têm de mudar. Mais importante que a reforma econômica, tributária, é a reforma política. E reforma política significa mexer nos partidos. Uma das grandes vitórias dos partidos de esquerda na Constituinte é que a Constituição estabelecia a regra de formação dos partidos. Mas isso acabou. Acabou a fidelidade partidária e também essas regras de constituição. Fica a critério de cada partido. Cada partido se reúne, estabelece a sua fidelidade, a forma de funcionamento, o período de convenções. Então, os partidos ficam soltos. O partido de um Deputado não é nenhum demérito para ele. Mas, sob o ponto de vista da estrutura, não tem nenhuma expressão. Representa quem? Fala para quem? Quem vai ouvi-lo?

A reforma partidária é urgente. Mantido esse quadro, cada vez vai piorando mais. Observamos a votação dessas emendas constitucionais. Estão sendo feitas com lei ordinária. Há um quorum qualificado, porque o Dr. Ulysses Guimarães entendia que a Constituição só poderia ser reformada depois de alguns anos. Por isso pôs o prazo de 5 anos, que foi reduzido para 2, em razão de Cunha Bueno. Ele entendia que a Constituição deveria ser muito pouco emendada e estabeleceu esse quorum que estão querendo agora reduzir. Isso não é bom!

            A Argentina, por exemplo, tem uma constituição de 200 anos. Por meio de emendas, vão atualizando, mas mantêm a mesma constituição.

            Aqui, cortamos a Constituição integralmente para fazer outra. E a outra, quando sai, já não atende os interesses da Nação.

            A reforma partidária é urgente, mas não será fácil, porque estamos próximos de uma eleição. As correntes têm de lutar dentro do seu próprio partido, não criar outro partido. Têm de ter a maioria dentro do partido para ver sua tese, sua ideologia vencedora. Mas não, se há algum atrito, sai do partido e vai para outro, depois volta. Isso é muito ruim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - O Parlamento é uma Instituição que foi criada no século XVII. O senhor acha que hoje, com esses processos eletrônicos de  votação, imprensa que quer assumir a representação popular, os meios eletrônicos de democracia direta, Ministério Público, o Parlamento como instituição se mantém, tem futuro, precisa mudar?

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Claro que o Parlamento tem futuro! Isso que você citou representa um certo tipo de corrente. O Parlamento representa a Nação. O Parlamento é que edita as leis. Não é esse grupo que edita as leis. A imprensa pode ter uma representação sob o ponto de vista de esclarecimento da opinião pública, o Ministério Público pode propor ações contra alguém, mas não tem a capacidade final. Quem é que tem a capacidade final sob o ponto de vista de mudar a face do País? É o Parlamento. Então, o Parlamento existirá sempre. Tem momentos que pode ter uma representação mais fraca. O que se tem que fazer é a reforma do Parlamento no sentido de fazer com que as pessoas que vêm para cá tenham realmente uma representação popular.

            Lembro-me de um episódio que ocorreu aqui. Antigamente, a representação era aumentada por lei. Vinha uma lei e aumentava a bancada tal. Aí, dois Deputados que ficaram na suplência, um em cada Estado, resolveram aumentar a representação de seus Estados para que pudessem ser convocados. Isso foi aprovado. Funcionou o espírito de corpo. Houve uma reação popular muito grande. Quando chegou no Senado, a UDN ficou contra. Deveria ser rejeitada, mas foram conversar com o Dr. Mílton Campos, que perguntou se o Senado tinha alguma coisa com aquilo. Disseram que não. Vejam como as coisas mudam. Então, a interessada é a Câmara, que tem uma representação popular. “Devemos votar, porque nossa convivência, Câmara e Senado, é muito mais importante do que uma lei dessa que passa com o tempo.” E o Senado aprovou.

            Hoje não é assim. As Casas entram até em conflito, o que é um erro. Então, essa representação popular, o fim, o término de um processo é feito no Congresso. Nem o Executivo tem. Isso significa o quê? Que esse término é o da Nação. Então, não elejam o pessoal que está aqui, mas outros. Se a Nação, depois de um certo tempo, se decepciona com quem está aqui, na eleição seguinte modifique. Então não acaba. Leva algum tempo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Sérgio Chacon) - Está bem.

            O SR. PAULO AFFONSO MARTINS DE OLIVEIRA - Acabamos?