Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - TV CÂMARA

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP006/03

DATA: 13/05/2003

INÍCIO:

TÉRMINO:

DURAÇÃO: 01h16min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 01h16min

PÁGINAS: 35

QUARTOS: 16

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

IVAN MENDES – General da Reserva e ex-Ministro-Chefe do Serviço Nacional de Informações – SNI.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o Sr. Ivan Mendes.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Há palavras ininteligíveis.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 15/04/2010
            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A sua origem, né? onde o senhor nasceu.....

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Seu pai, seus primeiros estudos.....

O SR. IVAN MENDES - Eu fiz o curso secundário no Colégio Militar. E o meu pai foi aluno do Colégio Militar. Os meus irmãos foram matriculados no Externato São José, na Tijuca. Eu fui para o Colégio Militar e acho que eu agradei muito ao meu pai. O meu pai gostava muito da carreira militar, da vida militar, porque ele fez o ginásio dele no Colégio Militar, como aluno gratuito. E comecei aí.

A minha família por parte do pai tinha 6 ou 7 irmãos. Tínhamos uma vida muito apertada. Depois papai formou-se em Medicina e melhorou o padrão da família, embora fosse médico de subúrbio. Ele trabalhava — e o fez grande parte da vida dele, até o final — nos Pilares, onde tinha um consultório e vivia muito disso. As minhas origens são essas. Eu não me lembro de grandes coisas.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas a entrada no Colégio Militar foi por vocação?

O SR. IVAN MENDES - Eu acho que sim, foi por vocação, tanto que eu entrei para o Colégio Militar, em parte, por essa ligação com o meu pai. E, naquele tempo, o Colégio Militar era muito procurado e a Escola Militar também. Eu fui para a Escola Militar naturalmente. Eu acredito que o meu pai gostou muito disso.

Ele morreu cedo. Fiquei com pena dele não ter me visto General, que seria uma coisa muito interessante e importante para a vida dele, que gostava muito do Exército, da vida militar.

Não sei se eu estou emendando o que vocês querem.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não, está certo!

E o senhor serviu onde?

O SR. IVAN MENDES - Eu servi pelo Brasil inteiro. Quando eu saí oficial, fui servir em Itajubá.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Em que ano?

O SR. IVAN MENDES - Em 1943, foi quando eu saí. Em 1943? Agora a minha memória já começa a falhar... Sim, foi 1943. Eu saí oficial. Depois de Itajubá quando saí oficial, eu fui para Olinda. Eu já não me lembro direito, porque eu tive muitas mudanças na carreira. De Olinda, eu fui para... já não sei mais direito. Fui para Barretos depois, em São Paulo, onde passei pouco tempo. Lembrar das coisas custa um pouco, porque....

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em 1954, houve a primeira e mais grave crise institucional desde a Constituição de 1946. O senhor estava onde?

O SR. IVAN MENDES - Em 1954 eu devia estar na Escola de Estado Maior.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em Praia Vermelha?

O SR. IVAN MENDES - Praia Vermelha, é.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como o senhor tomou conhecimento daqueles acontecimentos turbulentos da história do País?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Culminou com o suicídio de Getúlio.

O SR. IVAN MENDES - Eu participei de vários deles. Se eu soubesse o que vocês queriam, eu teria ordenado melhor a minha idéia, porque eu estou com a cabeça já meio gasta. De modo que eu misturo um pouco, custa-me lembrar certas coisas.

Mas, em 1955, o que houve em 1955? Em 1954 foi o golpe de Getúlio, não é? Foi quando morreu Getúlio, em 1954, não é?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Em 1954.

O SR. IVAN MENDES - Eu não me recordo muito bem. Nesse tempo, em 1954, eu era aluno da Escola de Estado Maior, era Major.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E aquela situação toda criada, como é que a tropa a recebia? Como os seus colegas recebiam aquelas notícias todas em torno da crise do Governo?

O SR. IVAN MENDES - O Getúlio, quando houve o problema que o levou à renúncia e ao suicídio, estava muito desprestigiado nas Forças Armadas. Até que exageravam a opinião de corrupção no governo, que havia! E o Getúlio levou a sobra, levou a fama de muita coisa que ele até nem merecia. Isso é o que, eu vejo, hoje em dia. E eu sempre fui muito... eu era legalista. Foi um custo para nós aceitarmos a necessidade de ter que influir na condução do governo, porque a nossa preocupação era um governo legal, legalista mesmo. Eu fiz isso por ideal, porque eu achava que as Forças Armadas eram garantidoras da normalidade da vida institucional do Brasil. Isso nós procuramos sempre fazer.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em 1955, no dia 11 de novembro, o seu eminente sogro, General Jurandir Bizarria Mamede, então Coronel, foi peso decisivo na crise...

O SR. IVAN MENDES - Sim, até pelo episódio.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... porque o Coronel, na frente do Ministro da Guerra, que era o General Henrique Batista Teixeira Lott, tirou um discurso do bolso, no enterro do General Canrobert Pereira da Costa, leu um discurso que era uma bomba: um discurso pedindo a intervenção dos militares na política brasileira, para evitar a eleição e a posse de Juscelino, que eles consideravam...

O SR. IVAN MENDES - Corrupto.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... um desastre para o Brasil. Aquilo desencadeou a crise que resultou no chamado retorno aos quadros constitucionais vigentes.

O SR. IVAN MENDES - Retorno aos quadros constitucionais vigentes. Eu vivi muito isso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor estava onde nessa ocasião?

O SR. IVAN MENDES - Na Escola de Estado Maior.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Continuava na Escola de Estado Maior?

O SR. IVAN MENDES - Eu era o instrutor lá. Fiquei nessa época, depois saí. Mas a minha memória não está me ajudando muito a colocar os fatos em ordem.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não há problema, não se preocupe. Vamos apenas conversando.

O SR. IVAN MENDES - O que eu sempre procurei fazer com os meus colegas era — eu pelo menos achava assim, e muitos colegas a mesma coisa: o Exército e as Forças Armadas eram como garantidores da normalidade institucional do País. Talvez até tenhamos exagerado um pouco nisso, mas era com esse propósito. Não era assumir o poder pelo gozo do uso do poder. O senhor vê, as Forças Armadas, o Exército brasileiro... as Forças Armadas brasileiras assumiram o poder, governaram o País durante vários anos e entregaram normalmente, quer dizer, entregaram de moto proprio, não forçadas pela...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, em 60...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Antes, eu queria fazer só uma pergunta.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Antes de 61?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Antes. Exato. A que o senhor atribui essa sua consciência? Porque nem todos os militares pensavam desta forma: as Forças Armadas como instituição garantidora da normalidade institucional, não é verdade? Onde o senhor forjou essa consciência?

O SR. IVAN MENDES - Essa consciência, esse estado de espírito, era das elites militares. As elites militares tinham mais ou menos essa preocupação. Não era eu sozinho, não! Eram muitos! Porque era um sentimento comum de o Exército ser realmente o fiador da normalidade institucional do Brasil. Eu vivi a minha vida inteira com essa idéia na cabeça.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Há a tradição dos tenentes, a tradição das revoltas, essa tradição toda. Isso nunca lhe comoveu, nunca lhe tocou? Porque, se existe essa parte do Exército, também existe outra.

O SR. IVAN MENDES - Isso é um pouco mais antigo, não é? Eu já vivi uma época de mais normalidade, mais amadurecimento dos quadros militares, penso eu. E, em consequência, eu tinha afinidade com os companheiros que pensavam assim.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em 1961, por exemplo, o senhor já era Tenente-Coronel?

O SR. IVAN MENDES - Em 1961, eu era...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - No tempo do Jânio.

O SR. IVAN MENDES - ... Major.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- A renúncia do Jânio.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A crise do Jânio.

O SR. IVAN MENDES - Na crise do Jânio, eu estava servindo no Gabinete do Jânio.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Então, o senhor poderia explicar...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na Casa Militar?

O SR. IVAN MENDES - Na Casa Militar. Eu fui...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Com o General José Geraldo?

O SR. IVAN MENDES - Com o General Pedro Geraldo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pedro Geraldo.

O SR. IVAN MENDES - Isso mesmo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor poderia explicar para nós como ocorreu a crise, o senhor que a viveu lá dentro?

O SR. IVAN MENDES - Em 1961?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Em 1961.

O SR. IVAN MENDES - Sobre 1961, hoje em dia eu estou convencido de que o Jânio quis dar um golpe. Ele quis realmente assumir o poder e achava que ia enrolar os militares, e não conseguiu. Em 1961 foi a crise do Jânio. Ele renunciou ex abrupto, sem avisar, sem combinar, sem nada, e os militares não toparam. De modo que vem de longe essa preocupação que os militares tinham de normalidade institucional. O Jânio foi um exemplo.

E o Jânio tinha um prestígio enorme, né! Quando eu era major, eu ia assistir aos comícios do Jânio aqui no Rio, às vezes. Ele falava muito bem, falava as coisas que a gente queria ouvir, tudo o mais. Depois jogou tudo fora.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas houve o veto dos Ministros militares à posse do João Goulart. E tanto é verdade isso que o senhor está dizendo, que ele premeditou o golpe...

            O SR. IVAN MENDES - Ah, disso eu não tenho dúvida.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... que ele pegou o Jango e mandou o Jango para a China.

            O SR. IVAN MENDES – Mandou para a China! É! Já fez de propósito. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Aqui para nós! Estancieiro, comunista, é um pouco difícil, né?

            O SR. IVAN MENDES - Mas aí não era propriamente o comunismo. Ele queria o poder! Mas até que o João Goulart não dava muita bola para isso, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não tinha muito gosto.

            O SR. IVAN MENDES - Não tinha gosto, tanto que se deixou envolver por essas coisas e... Na viagem que ele fez aos Estados Unidos — eu me recordo disso —, eu pensei, na época: “Puxa, esse camarada tem tudo para mudar a história do Brasil.” Ele era um homem com um prestígio popular muito grande e estava tendo, naquela ocasião, um apoio maior das Forças Armadas, das classes mais adiantadas. E jogou tudo fora, jogou fora.

            (Pausa.)

            Se vocês tivessem me avisado, eu teria ordenado melhor minhas ideias, sabe? Se tivessem combinado comigo um pouco, eu teria ordenado melhor as minhas ideias. Que pena!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Não...mas está bom!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Está bom, está começando a esquentar.

            O SR. IVAN MENDES - A engrenar.

            (Pausa.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando houve o veto dos Ministros militares...

            O SR. IVAN MENDES - Em que época?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... do Marechal Denis, do Almirante Grün Moss e do Brigadeiro Sílvio Heck, à posse do João Goulart...

            O SR. IVAN MENDES - Almirante.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... o que criou uma crise muito grave no Brasil.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, uma crise grave. Eu participei disso, eu estava lá, no fogo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como o senhor testemunhou aqueles acontecimentos? O Geisel era Comandante Militar do Planalto, o Ernesto Geisel.

            O SR. IVAN MENDES - Era Comandante Militar do Planalto.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Reinaldo era Chefe do Estado Maior, do Geisel.

            O SR. IVAN MENDES - Sim. Agora já começa a me falhar um pouco a memória dos fatos. Têm que ser as coisas com muita precisão. Qual foi a sua pergunta?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O seu testemunho sobre aqueles acontecimentos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como o senhor recebeu, primeiro, a renúncia do Jânio e, depois, o veto? Como o senhor acompanhou esses acontecimentos?

            O SR. IVAN MENDES - A renúncia do Jânio foi uma coisa surpreendente. E nós, os militares — pelo menos eu, em particular —, nos surpreendemos e ficamos com muita raiva. Eu me lembro que eu estava no Gabinete do General Pedro Geraldo, quando houve aquela confusão. Aquilo foi no dia 25 de agosto, tinha acabado de haver as festividades do Dia do Soldado. Eu saí dessa festividade, e o negócio estourou. Aí viemos a saber que o Jânio, quando acabou a cerimônia, foi embora para o aeroporto. Eu me lembro que eu fiquei no Gabinete dele, e ele saiu — o General Pedro Geraldo. Eu fiquei no Gabinete do General Pedro Geraldo. Entrou um paulista, de quem fiquei muito amigo dele, Luís Quentel, que já morreu. Ele veio me dizer: “Escuta, você sabe que o Jânio renunciou?” Eu olhei para ele e disse um palavrão, que não posso repetir agora. Foi uma coisa espontânea, do meu sentimento. “Não é possível!” De repente, eu percebi logo o alcance: o Jânio quis dar o golpe, não tenho dúvida nenhuma!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a reação militar à volta do Jango, o veto militar à posse do Jango? Tem alguma lembrança dessa....?

            O SR. IVAN MENDES - Aí eu tenho que raciocinar um pouco mais. O Jango estava na China nessa ocasião. O Jango não soube conduzir o relacionamento dele com as Forças Armadas, de modo que as Forças Armadas tinham ojeriza, por não confiarem nele. Não confiavam nele, de modo que esses acontecimentos derivavam sobretudo da falta de confiança na autoridade moral, vamos dizer assim, e funcional do Jango, porque ele não inspirava confiança. Em consequência, os militares adotaram aquelas atitudes. Hoje em dia, talvez não se fizesse mais isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O Senhor acha que as Forças Armadas consideravam que o Jango era incapaz de deter os comunistas? Era uma pessoa que facilitaria...

            O SR. IVAN MENDES - Isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ou ele próprio, identificavam ele próprio como um comunista?

            O SR. IVAN MENDES - Não, sabíamos que ele não era um comunista, porque ele era um grande estancieiro, um homem de dinheiro. Ele não ia ser comunista, mas ele favorecia, facilitava muito a vida dos comunistas. E a pressão, na época, era muito grande, né!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O medo era do Brizola?

            O SR. IVAN MENDES - Sim, o Brizola é que era mais esperto, mais atuante, mais firme. O Brizola, tínhamos que neutralizar pelo menos o Brizola, foi o que se procurou fazer.

A minha memória já está muito...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O que foi feito para neutralizar o Brizola?

            O SR. IVAN MENDES - Não se deixou... Ah, já não me lembro bem. Para neutralizar o Brizola? Eu não recordo, não sei responder assim, de pronto.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Brizola era acusado de fazer toda aquela campanha pela legalidade.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, o Brizola, hoje em dia vejo que o que ele queria era o poder. Ele queria comandar, e ele passava o Jango para trás, quando fosse preciso. Então, tínhamos uma prevenção muito grande em relação ao Brizola por causa disso, porque ele era um homem ambicioso, ambicioso de poder. Então, a reação contra ele era uma reação antiga já.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E ele era mais esperto do que o Jango?

            O SR. IVAN MENDES - Ah, era! Ele era mais. E acho que ele era mais por dentro das coisas, e era de decisão. Ele era Governador de Estado, tinha prática do exercício do poder.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tinha mais gosto pelo poder.

            O SR. IVAN MENDES - E tinha gosto pelo poder, exatamente!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor hoje, distante — porque estamos há 39 anos de 1964, que foi a mais profunda e abrangente intervenção militar na história do Brasil —, como é que o senhor hoje analisa aqueles acontecimentos, com a distância do tempo?

            O SR. IVAN MENDES - Eu podia dar uma resposta até boa, se eu tivesse arrumado as ideias na cabeça. Mas o Golpe de 1964 teve a... eu participei bastante dele, conscientemente e ciente de que as minhas atitudes eram em benefício do futuro do Brasil. A nossa preocupação era sobretudo essa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor achava que o Brasil estava ameaçado?

            O SR. IVAN MENDES - Sim, naquela época eu achava isso. O 64 foi para evitar que o País entrasse na desordem, porque os militares não queriam se meter em política, tanto que houve vários golpes anteriores em que voltávamos atrás depois, mas em 1964 não deu mais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor, nesse tempo, trabalhava com qual general?

            O SR. IVAN MENDES - Em 1964? Em 1964, eu estava... Agora não lembro direito.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor disse que participou bem, não é?

            O SR. IVAN MENDES - Sim.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - De que forma o senhor participou?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Não foi o Orlando Geisel, não?

            O SR. IVAN MENDES - O quê?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Nesse tempo de 1964?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Sim, era o Orlando ou o Lira, não sei, um dos dois.

            O SR. IVAN MENDES - Não, isso foi depois.

Espera aí para arrumar as ideias...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Não era o Orlando Geisel?

            O SR. IVAN MENDES - Em 1964... Eu, quando fui... Ah, não sei arrumar as coisas direito. Em 1964, eu estava... Eu participei da Revolução de 1964 por minha própria iniciativa mesmo. Mas as ideias estão muito desarrumadas na cabeça. Eu estou com um problema de cabeça.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - De memória.

            O SR. IVAN MENDES - De memória. Como é que chama aquilo que eu tenho? (Pausa.) Hidrocefalia!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O (ininteligível) teve isso, mas tirou.

            O SR. IVAN MENDES - Pois é, já tirei um pouquinho, melhorei, mas não tirei tudo e não estou querendo... Tem que fazer um furo na cabeça. Já fiz uma vez. Eu fui ao médico e disse para deixar.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vamos dentro das suas possibilidades, General.

Eu queria saber o seguinte: as Forças Armadas já viam o Jango com certa prevenção, não é verdade?

            O SR. IVAN MENDES - Sim, sempre viam isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual teria sido a gota d’água para detonar esse processo que acabou no Golpe de 1964? Qual foi a gota d’água? O que aconteceu, para que os militares dissessem: “Agora não dá mais”? Eles já tinham uma certa prevenção com o Jango. Foi o comício? Foi a Revolta dos Sargentos?

            O SR. IVAN MENDES - Exatamente, foi uma série de acontecimentos naquela ocasião. Foram os comícios...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A reunião do Automóvel Clube.

            O SR. IVAN MENDES - ... a reunião do Automóvel Clube, e a outra. Qual foi a outra?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os fuzileiros e marinheiros.

            O SR. IVAN MENDES - Os fuzileiros e marinheiros. Essas coisas, se eu tivesse lido, eu respondia com mais segurança. Isso tudo foi se juntando e, no fim, as Forças Armadas viram: “Esse camarada, se nós não...” As Forças Armadas, antes, tinham interferido várias vezes, mas saíam, e sempre moderadamente. Mas, dessa vez, não dava para sair mais, porque já tínhamos feito isso em várias ocasiões na história e perdíamos o controle de novo. A Nação se desmantelava de novo.

            O SR. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E a escolha do General Castelo, como ela foi feita? O senhor participou desse processo?

            O SR. IVAN MENDES - Participei, acompanhei, porque eu era major, não tinha, assim, muita influência nisso. Era mais o pessoal mais antigo. O General Castelo foi uma escolha — acredito, sempre tive essa opinião —, foi uma coisa natural, era uma consequência natural daqueles acontecimentos, porque ele era realmente o general de mais prestígio. E felizmente era um prestígio tão grande, que ele conseguiu juntar, houve uma coesão grande dos generais. Era uma disputa de poder, e isso foi neutralizado pela autoridade pessoal, moral e até profissional do General Castelo. O General Castelo foi um homem que teve muita participação na FEB, e ele tinha essa autoridade moral que dava muita força perante os próprios companheiros, tanto que não houve brigas e disputa de poder entre os militares naquela ocasião.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O General Geisel, antes de morrer, dizia, quando enfrentou o Sílvio Frota, ele costumava dizer...

            O SR. IVAN MENDES - Já é outro fato, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sim, mas o Elio Gaspari rememora isso. O General Geisel lamentava que o General Castelo Branco não tivesse enfrentado a candidatura impositiva do Ministro da Guerra, que era o Marechal Arthur da Costa e Silva, porque, se ele tivesse enfrentado, ele teria ganhado.

            O SR. IVAN MENDES - Eu tenho minhas dúvidas. O Castelo era muito prudente, e o Costa e Silva tinha muito poder de decisão e estava como Ministro da Guerra... Não, foi Ministro da Guerra depois, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Já estava no Ministério.

            O SR. IVAN MENDES - Já estava como Ministro. Então, nessa hora, os militares se acomodaram, para evitar uma desarrumação maior do dispositivo militar. Qual foi sua pergunta?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O general Geisel achava que, se o Castelo tivesse enfrentado o Costa e Silva, ele teria ganhado.

            O SR. IVAN MENDES - Não sei, não sei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Costa e Silva tinha os comandos todos.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, o Costa e Silva tinha os comandos todos na mão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E muita gente acha que o Costa e Silva ganhou a partir do fato de ter abafado a sublevação da Vila Militar, em 1965.

            O SR. IVAN MENDES - E foi mesmo. Concordo com isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando houve o AI-2, ele é que foi para lá abafar a sublevação. Todo o mundo acha que ele foi escolhido Presidente da República ali.

            O SR. IVAN MENDES - Talvez, porque o Castelo preferiria, a meu ver, vendo depois a coisa, outro general mais ligado ao modo de pensar dele. Não me lembro agora quem seria.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Cordeiro de Farias.

            O SR. IVAN MENDES - O Cordeiro de Farias não tinha muito prestígio nas Forças Armadas, não, porque era muito político naquela época. Acho que teria sido... Não sei, não me lembro bem agora. O Castelo tinha muita autoridade, mas ele soube se posicionar de acordo com os acontecimentos, ao meu ver. Agora já perdi o rumo.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ele não queria que o regime endurecesse tanto, né? Como Costa e Silva endureceu, talvez, não sei.

            O SR. IVAN MENDES - Não, não queria, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Também não queria uma divisão militar!

            O SR. IVAN MENDES - Não queria, exatamente. O Castelo dava o exemplo do legalismo entre os militares.. O exemplo maior vinha do Castelo, inclusive perante os generais, que o respeitavam. E partiam dessa posição legalista do General Castelo. Chegou a um ponto, que não deu mais. Aí saiu o Golpe de 1964 e tudo mais.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E veio Costa e Silva, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a escolha do Costa e Silva, General? Foi uma escolha que desagradou? O senhor acha que desagradou ao Marechal Castelo?

            O SR. IVAN MENDES - Eu tenho a impressão de que o General Castelo preferiria outro, mas ele percebeu — e soube realmente se posicionar  — que a escolha do Costa e Silva era praticamente irremovível. Não adiantava querer ser contra, porque ia perder. Então, era melhor juntar do que dividir.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu quero fazer uma pergunta ao senhor. (Pausa.)

            Desculpe-me, quer falar alguma coisa?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Sim. O senhor acha que o Costa e Silva era preparado para exercer o poder? Porque o pessoal do Castelo dizia para nós, jornalistas — Marechal Cordeiro —, era que o Costa e Silva não tinha preparo para ser Presidente da República. Era isso o que ele dizia.

            O SR. IVAN MENDES - Não, isso também eu acho que é exagero. Costa e Silva era um homem inteligente, culto. Ele foi o primeiro da turma do próprio Castelo. Na escola militar, ele estava à frente do Castelo. Então, Costa e Silva tinha valor, tinha méritos para ser Presidente da República. O problema foram as circunstâncias. Ele chegou a... A grande qualidade do Costa e Silva era a capacidade de decisão. Ele não tinha medo de decidir. Tinha que tomar uma decisão, contrariava “a” ou “b”, ele tomava a que lhe parecia melhor. Com isso teve essa influência grande no desenvolvimento do País, naquela crise.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - O senhor está falando de Costa e Silva como um homem de decisão. No dia 13 de dezembro de 1968, ele decretou o famigerado Ato Institucional nº 5 — AI-5, que desencadeou mais violência e, enfim, uma série de coisas. Como o senhor viu isso? O senhor já sabia antecipadamente que esse ato ia ser editado?

            O SR. IVAN MENDES - O AI-5 foi... Eu não me recordo direito. Tinha que arrumar melhor as ideias na cabeça. Mas o AI-5 foi pressão dos generais. Eu acho que foi pressão dos generais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Só para lhe lembrar e ajudar o senhor na sua análise, houve aquela Passeata dos Cem Mil. Houve a dissidência estudantil, que era uma dissidência do Partido Comunista. Aqueles jovens que resolveram pegar em arma.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, daí foram até 1964.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Houve sim. Houve a pressão das passeatas, as manifestações estudantis organizadas, não é?

            O SR. IVAN MENDES - Sim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E houve a repressão, que foi muita violenta também, sobretudo no Rio, em que o Sizeno era Comandante do 1º Exército. Isso talvez ajude o senhor a... Isso foi se agravando, até chegar a um ponto em que o Costa e Silva não tinha alternativa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – E houve aquela votação na Câmara, não é? A votação do pedido de licença.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E houve um pedido do Márcio Moreira Alves, agitação no Congresso..

            O SR. IVAN MENDES - Pois é, aquilo foi uma falta de habilidade!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Congresso rejeitou o pedido de licença formulado pelo Supremo Tribunal Federal para cassar o Márcio Moreira Alves. Isso tudo o senhor sabe!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor acha que faltou habilidade do Congresso? O Congresso poderia ter resolvido?

            O SR. IVAN MENDES - Ah, o Congresso poderia ter resolvido. Não é propriamente habilidade. O Congresso é um órgão muito complexo. Muitas correntes de opinião se digladiam dentro do Congresso, e prevaleceu essa. O Congresso teria condições e força de conduzir de uma forma mais normal aquela transição. Eu não me recordo. Eu participei. Se eu fizer um esforço e arrumar as minhas ideias, eu posso falar muito.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas no meio militar se sabia antes do AI-5, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Era uma exigência dos militares o AI-5? Ele já estava sendo gerado? Ou aquela decisão do Congresso é que precipitou a história do AI-5?

            O SR. IVAN MENDES - Não, eu acho que a decisão do Congresso precipitou o AI-5, porque os militares nunca tinham enfrentado uma contestação a uma decisão assim tão relevante, como eles tomaram naquela ocasião, contrariando suas próprias convicções. Os militares não queriam se envolver muito na política, mas aos poucos foram levados a isso.

            Agora já perdi o fio do que eu ia dizer.

            A SRA. ENTREVISTADORA  (Ana Maria Lopes de Almeida) - Sobre o Congresso. ....

                 (Pausa.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, o senhor era um militar legalista, como muitos também eram, da sua geração principalmente. Como os senhores viam esse caminho que a Revolução de 1964 tomou? Porque se fez a Revolução para combater uma situação....

            O SR. IVAN MENDES - De subversão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sim, de subversão. De repente...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Por um determinado tempo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sim, por um determinado tempo. E de repente o que estava acontecendo? O General Presidente tinha decretado o AI-5, que institucionalizou a ditadura militar, não é verdade?

            O SR. IVAN MENDES - Institucionalizou.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A partir daí, o Congresso em recesso, criaram-se as condições para um ditadura militar, não é verdade? Como o senhor, que era um militar legalista, via aquilo? Achava que não havia outro caminho, que as coisas se tinham desvirtuado? Como o senhor via?

            O SR. IVAN MENDES - Basicamente foi isto: eu achava que, se os militares não interviessem naquela ocasião, o País entraria em desordem, porque não ia haver quem controlasse. Nós podíamos ter desordem mesmo, com grande repercussão na economia, na vida das pessoas e tudo o mais. Então, o AI-5 foi... Os militares participaram, mas de certa forma conscientemente, convictamente de que estavam fazendo o melhor para o País. O que eu sempre procuro ressaltar é que eu não conheço na história de outros países um governo militar, um governo que tenha assumido o poder, com força, e depois entregue o poder para outra corrente, como foi o caso dos militares da Revolução. Nós podíamos ter brigado para ficar mais tempo e tudo, mas não quisemos. Nós queríamos a normalidade institucional do Brasil, era isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A partir de que momento os militares resolveram promover a redemocratização? A partir de que momento se tornou fatal essa...

            O SR. IVAN MENDES - Não, redemocratização é uma palavra... O problema é o prefixo “re”, porque os militares nunca quiseram sair da democracia. Fizeram aquilo, mas com a preocupação de, quando fosse possível, sair fora. E foi o que aconteceu. Os militares não queriam exercer o poder de uma forma permanente, para não largar mais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Inclusive a decisão de não fechar o Congresso estava dentro dessa concepção.

            O SR. IVAN MENDES - Estava, estava dentro dessa concepção. Um pouco, já é um pouco...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Paradoxal.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, mas era dentro dessa concepção mesmo: os militares não queriam ser os donos do poder.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Porque na Argentina eles chegaram a fechar.

            O SR. IVAN MENDES - Chegaram. Porque os militares viam, a preocupação nossa era, pelo menos a minha e a de muitos dos meus companheiros, a prevalência do poder civil. O Brasil tinha que ser um país governado pela autoridade civil. E essa preocupação os militares tiveram mesmo no exercício de função...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na transição do autoritarismo para a chamada Nova República, o senhor desempenhou um papel relevante, tão relevante — o senhor estava no Alto Comando do Exército —, que o senhor foi chamado pelo Tancredo para assumir aquela posição de Chefe do Serviço Nacional de Informações. Mas, pelo que se sabe, houve uma tentativa daquele grupo ligado ao Figueiredo de evitar a abertura democrática. O senhor se lembra?

            O SR. IVAN MENDES - Lembro, embora eu ache que era um pouco de exagero de certas pessoas, de certos jornalistas também, mas essa sua afirmação é verdadeira.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Como isso aconteceu?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O General Walter Pires tentou evitar a abertura democrática. Ele foi contido pelos generais do Alto Comando, não foi isso?

            O SR. IVAN MENDES - Sim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor, o Arthur Candal da Fonseca, o...

            O SR. IVAN MENDES - Não me lembro mais. Eu tinha que preparar melhor, já estou com a cabeça gasta. (Risos) Esses acontecimentos gastaram a minha cabeça!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor me falou dessa história no seu apartamento em Brasília e me pediu que eu não a revelasse, e eu não a revelei. Eu não a publiquei.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, naquela ocasião, exatamente! Que era a hora de publicar para valer.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora já está bom para rememorar isso.

            O SR. IVAN MENDES - Ah, bom! Mas estou atendendo bem.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O que o senhor lembra desse episódio?

            O SR. IVAN MENDES - Qual deles?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Desse da tentativa de golpe deles.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Tancredo.

            O SR. IVAN MENDES - Esperem, a tentativa de golpe ...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dos generais, com o Walter Pires, para evitar o...

            O SR. IVAN MENDES - Para evitar o ...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - ... a entrega do poder aos civis.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Aos civis.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Aos civis, ao Tancredo.

            O SR. IVAN MENDES - Pois é.

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - É que eles quiseram botar mais dois anos para o Figueiredo, não é isso?

            O SR. IVAN MENDES - Sim. Nessa ocasião eu até tive uma posição influente, porque eu fui, desde o início, contra. Não era possível mais nós vivermos nesse negócio de golpe. Então, eu dei minha opinião aberta, numa reunião do Alto Comando, contra. E influí os companheiros um pouco também, que também pensavam a mesma coisa. Foi uma época difícil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor conseguiu levar a maioria dos generais para essa posição!

            O SR. IVAN MENDES - Não, eu não levei, eles já estavam mais ou menos nela. Agora, eu influí para dar mais firmeza, mais convicção.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o General Candal da Fonseca...

            O SR. IVAN MENDES - Candal era mais velho que eu, eu nem podia influir muito. Eu era mais novo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eram o senhor, o General Candal, o General... aquele que era cunhado do Reinaldo, irmão do Dona Lastênia.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, o...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... Tourinho, não é? General Tourinho.

            O SR. IVAN MENDES - Sim, Tourinho. O Tourinho era mais discreto. Ele não se metia muito não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas ele tinha essa posição.

            O SR. IVAN MENDES - Tinha, tinha também, sem dúvida. Os militares não queriam mesmo ficar no poder. Agora já perdi um pouco a coisa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas o Pires queria.

            O SR. IVAN MENDES - Quem?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Pires, o Walter Pires.

            O SR. IVAN MENDES - Não sei, não. O Pires tinha o jeitão dele, seco e muito firme nas coisas. Dava às vezes a impressão de que ele queria o poder, mas acho que não. Ele também estava dentro do pensamento do restante, do grosso do Alto Comando, vamos dizer assim. Nós queríamos que o Brasil voltasse à normalidade institucional, isso eu canso de repetir.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E quem é que queria evitar aquela abertura e prorrogar o mandato do Figueiredo?

            O SR. IVAN MENDES - O pessoal do Figueiredo, talvez, o pessoal do próprio Figueiredo, porque iam perder o poder né! Eles iam largar o poder, que estava bom. Se pudessem resistir, eles resistiriam mais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu vou só contar um fato, para ajudar a memória do senhor. Eu era muito amigo do Aureliano, que infelizmente morreu. Era uma boa figura. O Aureliano, há uns 8 ou 10 meses, esteve no Sarah Kubitschek, porque quebrou uma perna. Então, os amigos antigos dele — o Paulo Afonso, eu, o Rubens Azevedo de Lima, o Haroldo, meu irmão, o Flamarion, que era grande amigo dele desde Minas — resolvemos fazer uma visita a ele, que ficou emocionado e chorou.

            O SR. IVAN MENDES - O Aureliano?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sim. Nós chegamos lá, ele chorou. Fomos rememorar. Eu não sabia e perguntei: “Cadê a Dona...” Como era o nome dela?

            O SR. IVAN MENDES - Vivi, Dona Vivi.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dona Vivi, que era uma pessoa doce.

            O SR. IVAN MENDES - Sim. A Maristela, minha mulher, gostava muito dela.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - “Cadê a Dona Vivi?” Ele começou a chorar: “Você não sabia? Ela morreu.”  Tinha morrido há três meses.

            O SR. IVAN MENDES - Puxa!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele começou a chorar, foi um negócio constrangedor. Nós todos ficamos calados. “Lamentamos muito...” E o Paulo Afonso e o Flamarion, também, acham até que ele morreu porque perdeu a vontade de viver, depois da morte da mulher.

            O SR. IVAN MENDES - É possível, é bem possível sim, porque ele era muito emotivo, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas ele contou para nós uma história que, acho, reforça a sua tese. Ele disse que várias pessoas chegarem para ele falando um negócio de prorrogar o mandato do Figueiredo. Ele chegou para o Figueiredo e disse: “Me diga uma coisa: tem algum fundamento essa história de prorrogar o seu mandato, de nova eleição?”

            O SR. IVAN MENDES  - O Aureliano falando isso para ele?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Figueiredo falou assim: “Não é democrático?” O Aureliano ficou calado. Não disse mais nada, porque eles já tinham uma relação...

             O SR. IVAN MENDES – Difícil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ...conturbada e difícil. Todos os dois eram homens muito francos, não é?.

            O SR. IVAN MENDES - Eu me lembro que, no dia 7 de setembro daquele ano, eu e alguns colegas estávamos com a preocupação de que o...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os dois se atracassem.

            O SR. IVAN MENDES  - Sim, haver um choque pessoal entre eles.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Dr. Leitão me disse que ficou no meio deles dois. Depois, fora do poder já, eu ia na casa dele, na Península dos Ministros — ele tinha uma casa lá até modesta — e conversava muito com o Dr. Leitão, que é um filósofo. O Dr. Leitão me contou que nesse 7 de setembro...

            O SR. IVAN MENDES  - Foi um dia crítico.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Várias pessoas de responsabilidade vieram adverti-lo, e ele ficou no meio, entre o Aureliano e o...

            O SR. IVAN MENDES - O negócio mudou muito de posição, porque, por exemplo, naquela ocasião, quando o Aureliano se aproximou para subir no palanque para assistir ao desfile do 7 de setembro, eu fui para a ponta, para a beira do palanque para, se fosse preciso, interferir pessoalmente, para evitar alguma coisa, porque o ambiente era disso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Carregado!

            O SR. IVAN MENDES  - Era carregado. Esperava-se um destrato, um...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Um esforço físico.

            O SR. IVAN MENDES - Quase isso, uma desconsideração maior do Figueiredo em relação ao Aureliano.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Um constrangimento!

            O SR. IVAN MENDES - Não, uma desconsideração mesmo! Mas isso não houve, porque o Figueiredo também não era tanto como o pessoal estava imaginando. Ele estava querendo levar a coisa à moda dele, que é uma moda meio de cavalaria, mas ele não queria dar golpe, acho eu. Hoje em dia o tempo passou, acho que não. Foram dias difíceis. Mas, felizmente, nós passamos por tudo isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi essa transição, General? Porque o senhor assumiu um órgão, o SNI, que tinha se envolvido até em assassinato, em negócio de madeira na Amazônia, etc.?

            O SR. IVAN MENDES - Eu vim a saber dessas coisas muito depois. Até eu chegar ao SNI, eu não sabia disso. Eu estava numa função militar, não me envolvia. E, depois, eu tinha que viver o dia a dia. Não podia olhar muito para trás, porque o trabalho era muito. Eu trabalhei muito no SNI para segurar as coisas. Desse modo, não guardei muitas coisas, não prestei atenção a muitas coisas, porque não tinha tempo mesmo.

E procurava manter o status quo, a normalidade do desenvolvimento institucional, do desenvolvimento político do País naquela ocasião. Em alguns momentos, eu tive uma influência talvez marcante, mas ficou escondida. Já nem me lembro mais. Os outros acontecimentos foram aparecendo e eu fui deixando para trás.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não se lembra de algum exemplo dessas turbulências que o senhor evitou que evoluíssem para o pior?

            O SR. IVAN MENDES - Não me lembro, assim para citar um exemplo, um fato assim. Se eu tivesse me prevenido, eu teria preparado melhor a cabeça.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor disse que, se o Tancredo não tivesse morrido, teria sido melhor para o Brasil. Por quê? O Tancredo representava um Estado fortíssimo, que era Minas, representava a oposição e tinha uma longa vivência na política brasileira.

            O SR. IVAN MENDES - Isso, muita vivência.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Discorra, analise isso. Se o Tancredo não tivesse morrido, teria sido melhor. Por quê?

            O SR. IVAN MENDES - Teria sido melhor sobretudo porque era a solução natural. O Tancredo era o homem que estava preparado para isso e foi levado a isso pelos próprios políticos que estavam conduzindo o poder. E a morte do Tancredo desarrumou isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – E pelos generais! Ele tinha conversado com os generais.

            O SR. IVAN MENDES – Tinha, ele tinha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Inclusive com o Walter Pires, com todos os generais do alto comando.

            O SR. IVAN MENDES - Isso. Realmente, o Tancredo era muito habilidoso e tinha a tradição de ser de Minas. Minas era um Estado que dominava a política brasileira de quando em quando, desde a República.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E havia muita rejeição ao nome do Ulysses Guimarães?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Havia, né?

            O SR. IVAN MENDES - Havia, não digo muita. Havia pouca, porque o Ulysses era uma figura interessante. Eu me dei muito bem com ele no Governo Sarney, porque eu comecei a ver que eu não o conhecia direito. O Ulysses era um homem bem-intencionado, era um homem sério, tinha o ideal republicano de dar continuidade à normalização institucional do Brasil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E muito correto, né?

            O SR. IVAN MENDES – Muito correto. Tanto que nos demos muito bem. Eu morava numa casa na QL 12, e o Ulysses dava a volta por aquela pista e, de vez em quando, aparecia lá em casa para conversar comigo, para saber alguma coisa. Ele tinha um certo jogo de poder com o Sarney e eu, em várias ocasiões — várias, não, umas poucas —, eu neutralizava isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Foi o algodão entre os dois....

            O SR. IVAN MENDES - Acho que fui. Porque eu não tinha nenhuma preocupação, nenhum objetivo pessoal.  Meu objetivo era somente a normalização institucional do Brasil. Só isso. Se eu tivesse pensado mais, eu tinha...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Com a morte do Tancredo, o senhor participou da decisão, porque ficou aquela briga de quem iria assumir, se seria o Sarney, se seria o Dr. Ulysses, até o General Leônidas conta que participou diretamente.

            O SR. IVAN MENDES - O Leônidas teve uma participação muito importante nessa ocasião, porque havia muita indecisão, se era um ou outro, não me lembro mais direito, e o Leônidas foi muito firme.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Dr. Leitão chegou a defender a tese de que cabia, isso por causa, ele me disse depois, do General Figueiredo, que ficou com raiva do Sarney. Então, ele passou a mandar o Leitão defender a tese de que cabia juridicamente ao Presidente da Câmara dos Deputados assumir, convocar eleições, dentro de 30 dias, e eleger um novo Presidente da República.

            O Leônidas é que tomou a frente, e o Ulysses... eu vi o Paulo Afonso contar que o Ulysses tinha dito: “nós não vamos começar a Nova República como uma coisa menor. O Sarney, que é o Vice-Presidente da República, que assuma”. Não sei se o senhor se lembra disso.

            O SR. IVAN MENDES - Lembro-me. E eu participei um pouco disso também, achando que devia seguir a ordem natural, que era o Sarney, que eu nem conhecia. Quem me convidou para chefiar o SNI foi o Tancredo. Eu fui convidado para ser chefe do SNI pelo Tancredo e, no dia da morte do Tancredo, eu tinha assumido naturalmente, porque já estava convidado. Que dia foi?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - 15 de abril.

            O SR. IVAN MENDES - Eu não me lembro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi em 21 de abril, a morte.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A posse foi no dia 15 de março de 1985.

            O SR. IVAN MENDES – 15 de março, pois é. Eu achava que deveria seguir a normalidade do que estava planejado, que era dar a posse ao Vice-Presidente, e o Tancredo não esperava isso. Preciso dizer uma coisa que o pessoal hoje se esquece. Não raciocinávamos naqueles dias com a possibilidade de o Tancredo não assumir. Ele estava doente. Assumiria o Sarney, que depois sairia, e voltaria o Tancredo, e ele morreu.

Então, foi uma coisa que não estava prevista, e o pessoal foi se ajeitando, se adaptando com a evolução dos acontecimentos. Mas foram dias difíceis aqueles, puxa!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dias difíceis...

            O SR. IVAN MENDES - Não organizei direito as minhas ideias, senão daria entrevista com um pouco mais firmeza.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Não, mas está bom!

            O SR. IVAN MENDES - ... até mais coerência com as minhas opiniões e meus depoimentos.

            O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) – Agora, General, diga-me uma coisa. Hoje, o senhor acha que se o Tancredo Neves não tivesse morrido teria sido melhor para esse processo. Como é que o senhor, hoje, examina o desempenho que teve o Sr. José Sarney na Presidência da República.

            O SR. IVAN MENDES - Pergunta difícil para fazer pra mim que fui o Chefe do SNI do Governo Sarney! (Risos.) Mas acho que o saldo do Sr. José Sarney foi muito positivo. Sarney é homem habilidoso, experiente em política. Apesar de ser de Estado pequeno, vivia no meio político. Deduzo que o Sr. José Sarney soube se apoiar nos militares. Os militares são sempre um fator de estabilidade. Como os militares não eram parte da disputa do poder, participavam dos acontecimentos de maneira isenta. De modo que era mais fácil resolver os problemas que aparecessem.

            A outra pergunta foi?

            O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) – Qual foi o desempenho do Sr. José Sarney na Presidência?

            O SR. IVAN MENDES - Quando o Sr. José Sarney assumiu a Presidência, tinha-se a ideia de transitoriedade, esperava-se que fosse governo transitório, considerando-se que o Sr. Tancredo Neves deveria ficar bom e voltar ao governo. Foram dias muito difíceis na história. Já perdi o raciocínio...

            O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) - Quando o Sr. Tancredo Neves morreu e se verificou que o governo não seria transitório, que o Sr. José Sarney assumiria a Presidência de forma definitiva, qual foi a impressão causada no meio de que o senhor participava?

            O SR. IVAN MENDES - A solução natural seria seguir a ordem, o que estava previsto: dar posse ao Vice-Presidente. Foi o que aconteceu. Houve certa disputa, certa divergência de opiniões, porque outros queriam que fosse outro político. Nesse ponto, o Sr. Leônidas teve muita firmeza na questão, até pela posição de Ministro do Exército que exercia à época. Os próprios políticos mais desambiciosos tinham a mesma opinião também.

            A outra pergunta foi qual?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Deveria ser o Sr. José Sarney?

            O SR. IVAN MENDES - Não era para se discutir isso, porque aí passava a ser um problema jurídico, um problema já posto na realidade dos fatos, na minha opinião. Sempre fui a favor de que ele teria de assumir. Não conhecia o Sr. José Sarney. Vim a ter contato com ele depois que recebi num determinado dia, entre os dias 1º e 16, sei lá, o encargo, esperando o Sr. Tancredo Neves voltar.

            Essa história de esperar o Sr. Tancredo Neves voltar em geral é esquecida pelos políticos e pelos próprios jornalistas. Parece que a previsão era a de ficar mesmo o...

            A SRA. ENTREVISTADORA  (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Sr. José Sarney!

            O SR. IVAN MENDES – O Sarney e não era! O Sr. Tancredo Neves não assumiu o poder, mas esperava-se que viesse a assumi-lo! Era isso que se esperava!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como o senhor analisa, hoje, a doença do Sr. Tancredo Neves?

O SR. IVAN MENDES - Essa é uma coisa que hoje em dia... Não tenho dúvida alguma dos fatos que se passaram, mas muita gente pensa que foi uma coisa meio forjada. Eu acho que não.

Não me lembro mais do que devo recordar sobre isso...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – O senhor acha que foi um acidente mesmo, uma fatalidade?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Foi uma fatalidade!

O SR. IVAN MENDES - Ah, foi! Tinha absoluta certeza. Vivi isso lá dentro.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Há pessoas no povo que pensam que o Sr. Tancredo Neves foi assassinado!(Risos)

O SR. IVAN MENDES - A opinião pública, pessoas do povo, mesmo de classe mais evoluída...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - De melhor nível...

O SR. IVAN MENDES - ... Pensavam isso, mas não. Tenho testemunho pessoal de que não houve isso!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, o senhor dedicou uma vida inteira à carreira militar. Qual foi o momento dentro dessa carreira que lhe proporcionou maior alegria?

O SR. IVAN MENDES - Maior alegria? É difícil mencionar isso, porque eu vivi sempre de maneira tão natural, cumprindo minha obrigação que nenhum momento foi mais alegre que outro. Vivi naturalmente. Vivi entrosado. Nunca me senti, nos meus trabalhos, desde quando era 2º Tenente, fora do lugar. Trabalhava naturalmente, cumprindo o meu dever, pois cada função tinha um. E eu o cumpria direitinho.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Sim! Qual foi a maior dor de cabeça que o senhor teve nessa carreira?

O SR. IVAN MENDES - Essas perguntas assim são difíceis de responder, porque há que se pensar para responder! Não tive dores de cabeça maiores. Pensando um pouco, talvez tenha havido um momento ou outro mais difícil. Na época do Sr. João Goulart. Como foi a época dele?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A época de João Goulart foi aquela agitação sindical, greve....

O SR. IVAN MENDES - Aquele foi um momento difícil!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Depois, veio o negócio dos fuzileiros e marinheiros, a posse do Sr. Paulo Mário da Cunha Rodrigues no Ministério da Marinha, tendo que levar 250 fuzileiros navais, a entrada no Ministério, a Assembleia-Geral do Automóvel Clube do Brasil...

O SR. IVAN MENDES  - Dessa época não me lembro muitas coisas...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Houve o comício da central no dia 13!

O SR. IVAN MENDES - Pois é, mas nesse tempo eu estava em Mato Grosso, numa cidadezinha, naquele tempo, muito vagabunda chamada Aquidauana. Hoje, é uma boa cidade. Naquele tempo, era uma cidade pequena. Para chegar lá eu tinha que ir de trem da Noroeste. Pegava-o em Bauru para chegar em Aquidauana. De modo que eu estava fora dessas coisas.!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Como o senhor está vendo o País hoje, agora que o senhor já tem uma visão, uma experiência grande? Como o senhor vê o País, dentro da democracia, com o Lula?

O SR. IVAN MENDES - Acho que o País está indo bem. Nesses últimos tempos, está indo melhor do que se esperava, na minha opinião. Acho que o Lula soube captar a responsabilidade que os acontecimentos levaram para sua mão e está-se conduzindo de acordo com isso, uma surpresa muito agradável. Não parecia indicar isso da parte do Lula, que sempre foi um líder sindical do contra. Ele captou a importância da responsabilidade dele e saiu-se muito bem. Penso que está se saindo muito bem até hoje.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Revelou maturidade.

O SR. IVAN MENDES - É maturidade...e senso de responsabilidade! Ele poderia ter tentado alguma coisa por causa da... Mas não, penso eu, que está indo muito bem. Graças a Deus o País está bem. O senhor vê o que se passou na Argentina. A Argentina até agora não se arrumou ainda. Agora, parece-me, está começando a ...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Lula está influindo lá.

O SR. IVAN MENDES - É! É! Está influindo?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Está influindo!

O SR. IVAN MENDES  - Muito, muito, muito. É verdade!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Porque se for o Meném, nós estamos perdidos, porque os americanos vão usar o Meném contra nós!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não vai ser não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Tem esse negócio!

O SR. IVAN MENDES - É possível! É possível! Não tenho muita simpatia pelo Meném,não, mas é possível.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não acredito nesse negócio de fantasma do Meném. Não vamos culpar ninguém, temos de culpar a nossa incompetência ou a nossa competência.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É claro. É isso mesmo!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Tem de acabar com esse negócio de culpar o americano...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Também achei muito inteligente...

O SR. IVAN MENDES - A opinião dele!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os americanos estão cuidando dos interesses deles. Temos de cuidar dos nossos.

O SR. IVAN MENDES - É isso mesmo. O Lula está saindo-se muito bem. Fico admirado. Não esperava isso pelo passado, pela experiência mesmo política dele. A experiência dele é sindical, mas ele revelou maturidade e bons propósitos. Estou muito satisfeito de ver o País assim.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E o PT, se o senhor ver bem, a maioria do partido está alinhada com a liderança do Lula.

O SR. IVAN MENDES - Está! Agora, estão surgindo umas coisinhas, mas a liderança do Lula é forte no PT.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A grande maioria está com ele.

O SR. IVAN MENDES  - É! E ele tem de ser prestigiado para levar a coisa direitinho. Isso é o que precisa, de apoio das classes mais pensantes para conduzirem a coisa direitinho, pois se trata do destino do Brasil.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É claro.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, acho que o seu depoimento está ótimo. O senhor teria alguma a mais a acrescentar? O senhor gostaria de falar alguma coisa?

O SR. IVAN MENDES - Talvez tivesse, mas assim de momento não tenho. Minhas ideias estão na cabeça...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, posso fazer uma pergunta mais...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Indiscreta!

O SR. IVAN MENDES - Pode! Pode!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vem alguma coisa do saco da maldade aí. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O depoimento é dele, não é!

            O SR. IVAN MENDES - Eu falo...... isso!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Existe, a resposta é que... (Risos.) O senhor sabe que na fase de transição, e o senhor teve um papel relevante nela, houve antes um processo muito traumático, tanto que o General Geisel teve que agir com a maior violência contra o Sílvio Frota. O General Sílvio Frota pode ter dito depois que não, mas todos nós sabemos que ele estava, sim, com um grupo militar e civil, em torno do Frota, estava articulando a candidatura dele a Presidente da República. Eu sou testemunha disso.

            O SR. IVAN MENDES - Isso eu também concordo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu mesmo fui chamado pelo Portelinha para fazer entrevista com o pretenso comando supremo da revolução, que era o Francisco de Assis Correia de Melo, o Heck e General... eu nem me lembro qual era o general... Ah, era o Marechal Denis que eles iam botar. Então, eles estavam se articulando em torno de um manifesto anticomunista, muito pesado! Quer dizer, tudo isso foi feito... Aquele grupo era o mais duro do Exército naquele tempo. A gente conhecia alguns homens lá que estavam em torno do Frota, o Pinheiro e o próprio Portelinha, que era um homem ressentido.

            O SR. IVAN MENDES - É. Ressentido e ambicioso, não é!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E ambicioso.

            O SR. IVAN MENDES - O Portela era ambicioso. Ele tinha gosto de poder.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu me dava até bem com ele.

            O SR. IVAN MENDES -  Eu me dei também. Sempre me dei muito bem com ele. Já li aquele livro dele, que foi um livro dele, né...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Que é muito grosso.

            O SR. IVAN MENDES - Mas eu li aquilo tudo, tudo, porque participei de muitas coisas dali.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É muito ruim de digerir, não é?

            O SR. IVAN MENDES - Mas e daí? Qual é a pergunta?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas eu digo... Como é que o senhor viu as violências que foram praticadas? Porque a gente sabe que os militares consideram a tortura um meio de obter informação, de um modo geral os militares acham isso.

            O SR. IVAN MENDES - Não sei, não. Não é bem assim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Teve muita violência!

            O SR. IVAN MENDES - Não houve muita, não. Acho que não. Houve alguma violência. Aí, eu concordo. Alguma violência houve. E essas coisas eram mais ou menos, vamos dizer, escondidas e eram feitas em alguns Estados-maiores, algumas unidades, e não chegava em cima, porque, por exemplo, esse tempo todo dessa época difícil, eu servia no gabinete do Ministro e não via isso. Não via, porque o negócio era lá embaixo. E não chegava em cima. Veio aparecer em cima, começou a refluir, anos depois, porque só quem participava de um ato ou outro de violência é que sabia. A tropa onde eu servia não tinha isso, não via isso.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor acredita que o General Costa e Silva e o General Médici não sabiam da tortura que estava acontecendo?

            O SR. IVAN MENDES - Eu acredito que não. O General Médici, por exemplo, acredito que não. E qual foi o outro que a senhora falou?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Costa e Silva.

            O SR. IVAN MENDES - Costa e Silva também acredito que não. Era abaixo deles. Era abaixo deles, não era no escalão deles. Eles podem ter vindo a saber dessas coisas depois e talvez tenham tido o erro, vamos dizer, de não ter feito nada depois de tomar conhecimento dos fatos, mas as circunstâncias não permitiriam isso. Ir lá virar tudo para trás.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando o senhor estava na chefia do SNI, houve muitos fatos perturbadores. O processo foi um processo delicado. O senhor se lembra, assim, de algum desses fatos que o senhor teve de agir para evitar que evoluísse para uma situação pior?

            O SR. IVAN MENDES - Em termos políticos?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É. O senhor, na chefia do Serviço Nacional de Informações, estava num lugar relevante. Então, o senhor tinha muita responsabilidade para que o processo decorresse na normalidade.

            O SR. IVAN MENDES - Isso. essa era a minha preocupação.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E que não transbordasse para os militares, porque os militares tinham muito medo do que eles chamavam de revanchismo, não é?

            O SR. IVAN MENDES - Sim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Então, o senhor teve um papel muito importante nesse processo. O senhor se lembra de algumas dificuldades que o senhor enfrentou, que o senhor contribuiu para tranquilizar?

            O SR. IVAN MENDES - Olha, eu não me lembro assim de muito. As dificuldades nessa ocasião foram dificuldades menores, que os próprios escalões responsáveis iam resolvendo, e as coisas não chegavam, não emergiam para o grande público, para a imprensa. Não sei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Porque chegou uma fase de muita agitação social, não é. Foram mais de mil greves. O Pazzianotto vivia envolvido em... Até o senhor me disse uma vez: “ele é muito operativo”. Lembra que o senhor me disse?

            O SR. IVAN MENDES - Lembro-me. E ele era mesmo! (Risos.) Era jeitoso. Fazia...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era advogado trabalhista. Muito jeitoso, não é? E desse tempo, do quê o senhor se lembra?

            O SR. IVAN MENDES - Ah, não me lembro, assim, direito não. Minha cabeça está muito ruim. Ah, é difícil eu arrumar as ideias na cabeça, porque já passaram alguns anos e eu não tenho... não cuidei mais disso, não é? Não estou fugindo de responder, não, mas eu não me lembro direito. Sua pergunta, qual é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, que houve essa grande agitação social. Tudo isso repercutiu também no meio militar, não é?

            O SR. IVAN MENDES - É, nessa ocasião, na época mais aguda dessas coisas, eu era Coronel ainda.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, eu digo, quando o senhor era chefe do SNI...

            O SR. IVAN MENDES - Ah, quando chefe do SNI?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ...quando houve mais de mil greves!

            O SR. IVAN MENDES - Puxa, eu tinha uma listinha com as greves de cada dia, quantas greves tinha naquele dia. (Risos.) Era greve pra chuchu!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor tinha uma lista é?

            O SR. IVAN MENDES - Tinha. Tinha. Agora, já botei fora. Eu tive a preocupação de não guardar documentos, primeiro, porque não... a minha função não permitiria. As coisas que eu fizesse como chefe do SNI deviam ser secretas, sempre. Então, eu, saindo da função, tratei de jogar fora tudo, queimei tudo. Então, não tenho na memória, não... Porque seria o procedimento correto. Embora chefes de serviços de informações de outros países publicaram memórias e tudo o mais, que é uma coisa completamente contra a ética, na minha avaliação. Ganharam dinheiro vendendo livro, na Inglaterra; sei de casos...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Nos Estados Unidos.

            O SR. IVAN MENDES - Estados Unidos também.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - CIA.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, o senhor chefiou um dos órgãos mais sensíveis nessa estrutura, logo que ganhou força, durante o regime militar, que cresceu e tinha poder. E o senhor chefiou esse órgão, nessa época de transição difícil. Quando ele... Quer dizer, ele tinha uma nova função. Ele já não era o que ele era durante o regime militar. Ele tinha que se adequar a uma nova situação, não é verdade?

            Qual é a avaliação que o senhor faz do papel do SNI, desse órgão que o senhor chefiou durante o regime militar e nesse período de transição? Como é que o senhor avalia o papel do SNI? Muita gente considerava um fantasma, não é?

            O SR. IVAN MENDES - É, exageravam muito também, não é? Porque o SNI, basicamente, era um órgão que devia utilizar... Não quer sentar numa cadeira, não, meu filho? Você está ruim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Depois eu sento ali.

            O SR. IVAN MENDES - Basicamente, era um órgão para a proteção das informações externas. Esse é que era o verdadeiro papel do Serviço Nacional de Informações. Era proteger o País, a nossa política, buscar informações externas e proteger o Brasil de ação de estrangeiro no Brasil, em termos de segurança.

            Eu encontrei o SNI... era um órgão muito bem organizado. Funcionava muito direitinho. E com gente muito qualificada. Houve... Aí, vocês já falaram há pouco nisso. O que houve foi abuso por parte de um ou outro... Eu não estou querendo esconder, querendo amenizar as coisas, não, porque foi isso mesmo! Havia abuso de poucos, que se aproveitavam da importância do órgão e fizeram, cometeram erros.

            Mas, eu, quando assumi, houve erro, gente foi... por causa de erros de... acredito, que vocês falaram até em morte. Pode ter acontecido. Eu, quando assumi, para trás eu não queria saber, porque eu tinha que me preocupar com o dia a dia, ir para a frente. Então, não me interessava saber se Fulano fez isso, fez aquilo, porque não me cabia mais. Eu não era Chefe do SNI do governo anterior; era do governo presente.

            Então, com essa visão que eu tinha da minha obrigação ,da minha atuação, foi muito fácil para mim, de certo modo, cumprir a minha obrigação, porque eu não tinha outros objetivos que não o futuro e o presente, que era o mais imediato.

O SNI era um órgão de gente muito qualificada, pessoal esperto, sabido, experiente, de modo que não tive muitas dificuldades. Agora, no começo, botei vários oficiais — aqueles que tinham mais ambição e tudo o mais —, catei e botei para fora. Botei vários para fora, porque eu não tinha confiança neles e precisava ter confiança nos meus auxiliares. Os que eu não tinha confiança, eu sumariamente...

Eu tinha poderes de desligar quem eu quisesse e de convidar quem eu quisesse. Eu fiz isso. Então, não tive esses problemas porque eu também não tive receio de enfrentar aquelas igrejinhas que existiam lá. Eu fui muito firme nessa ocasião, de modo que o pessoal me respeitou. Não tive problemas com meus auxiliares, porque ou atendia ao que eu mandava ou, então, ia embora. Umas poucas tentativas e eu botei para fora!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ao próprio General Golbery se atribui esta frase: “Eu criei um monstro”.

O SR. IVAN MENDES - Foi o Golbery... Mas foi um pouco de exagero do Golbery, porque os erros não foram assim tão..., para chamar de monstro. Porque todos os serviços de informação de todos os países do mundo cometem seus erros. Isso é que é a realidade. O sujeito precisa ter muita firmeza para não deixar cometer.

Eu, felizmente, acho que tenho a consciência tranquila. Comigo, quem saiu do rumo, eu cortei. Alguns eram até oficiais importantes, oficiais competentes; eu botei para fora e não aconteceu nada! Podia ter acontecido reações, mas não aconteceu nada.

 O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, diga-me uma coisa. Qual o papel que o senhor acredita que o Brasil terá num futuro que não seja distante, de 20, 30 anos? O senhor acha que o Brasil ainda tem condições de ser uma potência?

            O SR. IVAN MENDES - Potência..., exageram um pouco. O Brasil sempre será um País de média força. Pelo tamanho dele, pelo povo, pela riqueza mesmo, ele não é tanto quanto a gente pensa, não. De modo que eu acredito que o Brasil será sempre uma potência de segunda linha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Média.

            O SR. IVAN MENDES – Média. Potência média, de segunda linha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não acredita que o Brasil venha a ser uma potência mundial, não?

            O SR. IVAN MENDES - Não estou vendo... Ao alcance da minha visão não vejo, porque o Brasil também tem seus problemas. Tem um povo muito numeroso, pobre, pouca cultura...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor acha que o País não tem tanto potencial assim, como se pensa?

            O SR. IVAN MENDES - Acredito que o Brasil tenha um potencial, mas é que ele só vai ter força mesmo daqui a muito tempo. Por ora, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Cinquenta anos?

            O SR. IVAN MENDES - É, por aí. Eu tenho essa... Porque eu vivi esses dias.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Para os nossos netos.

            O SR. IVAN MENDES – O quê?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Para os nossos netos.

             O SR. IVAN MENDES - É, para os nossos netos.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Acho que está ótimo. Podemos encerrar por aqui.

            O SR. IVAN MENDES - Pois não. Foi um prazer.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Se senhor tiver mais alguma coisa para falar, pode falar à vontade.

            O SR. IVAN MENDES - Não. Eu não me preparei. Eu teria ajudado vocês muito mais se eu soubesse antecipadamente. Eu arrumaria melhor minhas ideias na cabeça. Embora, como eu digo, eu estou com uma hidrocefalia que me atrapalha um pouco o raciocínio.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não, foi bom. Temos dados interessantes.

            O SR. IVAN MENDES - Muito bem. Espero que não tenha decepcionado vocês. Perderam tanto tempo aqui...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – De jeito nenhum!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, foi bom. Não decepcionou, não.