Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - ENTREVISTA COM HENRIQUE LIMA

EVENTO: Entrevista         

N°: ESP004/02

DATA: 19/09/2002

INÍCIO: 09h00min

TÉRMINO: 11h02min

DURAÇÃO: 02h02min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h02min

PÁGINAS: 36

QUARTOS: 25

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

 

 

HENRIQUE LIMA – Ex-Deputado Federal.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o ex-Deputado Federal Henrique Lima – Programa Memória Política.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

 

 

Há palavras ininteligíveis.

Há termos ininteligíveis.

A gravação não é de boa qualidade.

Houve intervenções simultâneas ininteligíveis.

A entrevista não se encerrou formalmente.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 26/01/2010

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Onde é que o senhor nasceu? A região, como é que era? E quando?

O SR. HENRIQUE LIMA - Nasci na cidade de Ipirá, antigo Camisão, região do baixo sertão da Bahia, integrado no que se chama Microrregião de Feira de Santana, a caminho de Irecê, município grande produtor de feijão. Nasci no ano de 1925, há 77 anos passados. Ali eu conheci um lar bem organizado, uma grande mulher que foi a minha mãe e um pai empresário e político. Daí que eu admirava mais nele a parte política — porque nunca tive vocação para comércio nem para fazendas. Minhas aspirações, desde o princípio, sempre foram para as Letras. O meu pai foi um lutador, um homem de origem simples. Seus pais eram pequenos agricultores, e ele foi criado... A orfandade o surpreendeu entre os 4 e 5 anos de idade, e ele foi criado por um magistrado de origem suíça, o Dr. Henrique Barreto Praga, a quem devo o meu nome. Era um homem de grande austeridade, de princípios éticos sólidos, e o meu pai se contaminou muito com esses bons sentimentos e procurou transmiti-los aos filhos. Então, o que mais importa aqui é o aspecto político da minha vida. Eu então lhes digo que a minha certidão de batismo pode ser extraída dentro da minha própria casa através da conduta do meu pai, que era um homem, como disse, simples, mas conservador. Fui para Feira de Santana em seguida, como estudante.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Um pouco antes de você chegar a Feira de Santana, queria que você falasse um pouco sobre essa atividade política do seu pai: como é que ela ocorreu? como é que ele se afirmou, de órfão, filho de uma família extremamente humilde, até se tornar a principal liderança política da região?

O SR. HENRIQUE LIMA - Três motivos, me parece, contribuíram para isso. Primeiro, a sensibilidade social dele: homem sempre fiel à sua origem, muito respeitador da pobreza e estimulador do crescimento das pessoas. Depois, a necessidade que o meio político sentiu de uma personalidade como a dele, de um homem corajoso, forte nas suas decisões e trabalhador. E, por fim, o estímulo da própria família no sentido de que ele assumisse essa responsabilidade. A partir daí ele pôde realmente assumir uma liderança tão forte, que ao longo de toda a sua vida nunca perdeu uma eleição no município; venceu todas as contendas, sendo respeitado tanto pelos seus correligionários quanto pelos adversários. Há inclusive um dado muito significativo. Ele, muito jovem ainda, começando a própria construção da sua vida econômica, da sua vida política, assistiu ao que se chamava na região de “As Passarinhadas” — uma luta de dois coronéis; um, que era o meu tio-avô e o outro que era um senhor chamado Passarinho, que quis tomar a intendência do meu tio-avô Afonso de Oliveira Carneiro. Então a cidade pegou em armas. O meu pai comandou um dos batalhões e surpreendeu o juiz de Direito saindo, numa certa madrugada, para a fazenda macambira, de um chefe político. E ele indagou do que se tratava aquela saída naquela hora. E o Coronel Gaudêncio Santos respondeu-lhe que ele ia resguardar o juiz daquelas violências que estavam ocorrendo na cidade. Ele disse: “Não, mas se trata do Juiz de Direito da Comarca, a primeira autoridade; ele não pode sair daqui.” E ele disse: “O que você tem com isso, menino?” Ele disse: “Tenho. Ele não sai. Estou armado e não permito a saída dele. A garantia que o senhor vai dar em sua fazenda nós daremos aqui.” Esse foi um fato que marcou definitivamente a liderança de meu pai naqueles tempos duros e difíceis.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas qual foi o grande testemunho que você teve da ação política de seu pai que lhe contaminou, lhe estimulou, lhe entusiasmou para a atividade política?

O SR. HENRIQUE LIMA - A preocupação que meu pai tinha de que a cidade tivesse alguns bens da civilização. Por exemplo, nós não conhecíamos a luz elétrica. Uma das preocupações dele foi exatamente esta: trazer um tronco de luz e inaugurar a iluminação pública da cidade entre 6h da tarde e meia-noite. No dia da inauguração dessa luz, as autoridades maiores do Estado, o Interventor, o Secretário de Viação e Obras Públicas, que reunia a administração desses motores, todos lá em casa. A casa cheia, e o meu pai comandando aquilo tudo! Aquilo me despertou um interesse enorme! Depois, houve um caso que foi muito comentado na cidade. Eu estava abrindo os olhos para a vida naquele tempo e não me esqueci mais disso. O tesoureiro da prefeitura, Mestre Félix, como era conhecido, disse: “Coronel, o senhor está fazendo grandes despesas. Há uma verba na prefeitura para essas oportunidades. E o senhor não me procurou”. Ele disse: “Eu não estou fazendo festa na prefeitura; estou fazendo festa em minha casa. E despesa em minha casa pago eu. O senhor não me faça mais essa proposta!” Isso circulou na cidade. Eu, já com aquela vocação para a vida pública, achei aquilo uma coisa muito importante, um dos fatos mais marcantes.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan santos) – Como você diria que, o seu pai sendo um coronel tradicional, um coronel dentro dessa visão que se tem do coronel político nordestino, com uma atuação marcada pela agressividade, qual era o estilo dele de fazer política?

O SR. HENRIQUE LIMA - O estilo dele de fazer política: quase que ele foi um predecessor da possibilidade que há das composições políticas, dentro de certos critérios; tanto que ele nunca perdeu eleição. Ele tinha uma noção muito clara disso. Era um homem que, ao lado da firmeza, da coragem pessoal, era homem de certa doçura no contato com as pessoas. Era muito respeitador da individualidade de cada um, coisa que ele fez a partir da família. Nós todos, 5 irmãos, fomos criados sem nunca nenhum de nós ter recebido uma agressão dele, nem verbal. Ele nos conduzia pelo olhar quando ele reclamava. De forma que foi um homem que não encarnou essas características do “coronelão”. Era chamado de coronel porque comandava realmente a vida do município. Mas ele não era proprietário rural. Tinha alguns elementos que compõem a figura do coronel. A conduta pessoal porém dele, o respeito à cidadania, o diferencia dessa concepção de coronelato.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Com relação aos estudos, você terminou o curso primário em Ipirá, etc., e aí chegou o momento...

O SR. HENRIQUE LIMA - Aí chegou o momento. Terminado o curso primário, surgiu a oportunidade de me dirigir à cidade mais próxima que tivesse ginásio. Na minha cidade natal, naquela época, não tinha ginásio. Então eu fui para a cidade de Feira de Santana fazer o Exame de Admissão, naquela época. O ano era de 1939, ano da declaração da II Grande Guerra Mundial. Antes de falar da minha passagem pelo ginásio Santa Nópolis, onde estudei, eu quero dizer que, naquela ocasião, o fato de o Presidente Vargas ter inclinações para o fascismo e para o nazismo, como se propalava, levou a que as forças democráticas mais vivas começassem a se agitar no sentido de que o Brasil declarasse guerra ao Eixo. Então começou um grande movimento popular no País, que foi o meu primeiro contato com o mundo  fora de Ipirá: a luta pela declaração de guerra, que veio a ocorrer depois. Feira de Santana foi um centro irradiador na Bahia. Não indo por mar, a sua saída para qualquer outra parte do Estado, até para o País, era por Feira de Santana. Era um centro irradiador. Então, as correntes políticas sabiam disso, e lá começamos a ver conferências, debates, comícios, uma verdadeira comoção em determinado momento em favor da declaração de guerra e da participação do Brasil por intermédio dos nossos heróicos pracinhas.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) E você já participou dessa movimentação?

            O SR. HENRIQUE LIMA - Exatamente. No Brasil, como vim perceber depois, as coisas avançam por meio de duas vertentes: a intelectualidade e o mundo estudantil. E naquele então a situação do proletariado era muito nascente. Tínhamos praticamente uma concentração maior de poder entre os trabalhadores, no porto, na estiva, no setor têxtil e olhe lá! um pouco mais, quer dizer, não havia uma  concentração. Então, toda força propulsora que procurava conduzir a sociedade para novos caminhos iríamos encontrar na intelectualidade e no meio estudantil. Os intelectuais travavam primeiro conhecimento com as novas correntes de pensamento, com a ideologia, e os estudantes. Foi aí, então, em Feira de Santana, que comecei a tomar contato com a literatura, que conheci José Ingenieros, que dizia que “mocidade sem rebeldia é velhice precoce”. Quer dizer, eu me sentia conduzido a ser rebelde, entendeu? Não cair na mediocridade precocemente. E, nesse particular,  também me conduzindo para as lutas patrióticas, tive um grande amigo, que depois veio a ser Deputado Estadual, Humberto de Alencar, que abriu sua biblioteca para mim. Que era um mundo novo para mim! Ter contato com os livros; Para conhecer primeiro José de Alencar, depois Machado de Assis e por aí afora. Fagundes, Jose Sarmiento... Mas até aí as leituras ficavam no campo da literatura propriamente dita. Feira de Santana, naquela ocasião, serviu para fermentar meu espírito. Ganhei em um concurso de oratória, que fiz dentro desse espírito, promovido pelo Prof. Humberto de Alencar, um livro como primeiro colocado no concurso de oratória. Era uma biografia de Abraham Lincoln. Ele, então, me fez uma dedicatória que guardo até hoje, 60 anos passados: Para Henrique Lima Santos, primeiro colocado no concurso de oratória, esta biografia de Abraham Lincoln, vida que foi o próprio exemplo de sua palavra livre. Isso bateu no meu espírito e no meu sentimento de uma forma extraordinária. Passei a adotar Lincoln como um representante simbólico do meu pensamento político na ocasião. Se eventualmente viesse a pensar em ser presidente da República, queria ser o presidente lenhador. Mas, Feira (de Santana) me deu esse grande alento, né? quer dizer, eu abri os olhos para o mundo. Vim de uma cidadezinha que nem ginásio tinha, filho de um empresário, de um comerciante e fazendeiro e de uma dona-de-casa, começava a tomar contato com o conhecimento, inicialmente com a literatura ou, então, com um agitador, como José Ingenieros, que até hoje guardo, que depois também me conduziu pelos caminhos da paixão. Tenho um livro dele sobre paixão, uma coisa extraordinária. Eu olhava para as meninas da minha idade e lembrava as sentenças de Ingenieros sobre a paixão.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor está em Feira de Santana. O senhor permaneceu aí até...

            O SR. HENRIQUE LIMA - Até terminar o ginásio. Quando terminei o ginásio em Feira de Santana, fui para o Colégio da Bahia, o Ginásio da Bahia, que era um estabelecimento de ensino público, porém mais conceituado. Ali comecei a travar conhecimento, mas não dentro do ginásio. Por ser estadual, não sei, não havia nenhum professor que se destacasse mais no campo do pensamento. Não tenho nenhuma lembrança dos professores, a não ser do ponto de vista didático etc., mas sem aquela chama, por exemplo, que o Humberto, lá no curso do ginásio, tinha para tratar de assuntos políticos etc. E eu fui, como sempre, travando contatos com a intelectualidade, com o mundo estudantil. E ocorreu que, um ano depois que eu estava em Salvador, começando minha vida ali na Bahia, Demócrito de Souza Filho é morto pela polícia política num comício em Recife. Esse fato comoveu a Nação. Promoveram protestos não só em Recife, como na Bahia, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e o Etelvino Lins ficou em grandes dificuldades porque ele tinha assumido a diretoria recentemente. E na Bahia me coube, porque um feirense que assistira à minha eleição como primeiro colocado no concurso de oratória me telefonou, em Salvador. Meu amigo Walter Falcão — da família Falcão — telefonou-me, perguntando-me se eu estaria disposto a fazer um pronunciamento em face do assassinato ocorrido em Recife. Eu me prontifiquei imediatamente, porque eu estava também revoltado com o que acontecera. E fiz um pronunciamento muito enérgico, indignado com o que aconteceu com aquele jovem colega.        

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Onde é que foi esse pronunciamento? Como é que foi?

O SR. HENRIQUE LIMA - Ah! Esse pronunciamento foi numa sessão especial, promovida pela Associação de Estudantes Secundários da Bahia. Eu já saí dali, naquele dia, acompanhado, primeiro, por um jornalista, o João Batista de Lima e Silva, que posteriormente viria a ser cronista do Jornal do Brasil — e que lá na Bahia dirigiu o Jornal da Bahia —, e por muitos líderes daquela associação. Um ano depois, eu era presidente da associação. Criou-se uma atmosfera. Os meninos se sentiram apoiados — modéstia à parte — pela minha audácia, naquele momento. E a ditadura estava ainda dominando lá e não me perdoou! Depois nós veremos isso. Nós fizemos uma administração na AESB toda voltada para a cultura, agora sempre com o elemento político predominando, mas para a cultura, para os esportes e para festas. Porque aquele professor Humberto de Alencar, ao me despertar o gosto pelos livros, despertou-me também o gostinho pela boêmia. E aí nós começamos a fazer festas, inclusive festas dançantes nos clubes principais das cidades. E esta  Associação de Estudantes Secundários da Bahia gerou uma verdadeira efervescência no meio dos estudantes secundários. Passamos a ter debates, conferências. A motivação era para valer nos anos da guerra. Luta patriótica. Inclusive tenho uma lembrança — e quero prestar uma homenagem aqui — de um dos meus adversários iniciais, nessa luta: o grande geógrafo Milton Santos, que veio a tornar-se, depois, um grande combatente pela liberdade. Naquela época, porém, ele tinha uma limitação de pensamento. Ele era conservador. Então, ele me perseguia um pouco, com a inteligência brilhante de que era possuidor, aquela simpatia, aquele riso maravilhoso. Quero homenageá-lo neste momento.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Diga-me uma coisa: como ocorre  seu contato com o partido comunista nessa história?

O SR. HENRIQUE LIMA - Antes de dizer que foi aí nessa luta da Associação de Estudantes Secundários da Bahia que travei conhecimento com o Partido Comunista, o PCB, o Partidão, eu quero prestar uma homenagem à minha mulher. Porque foi exercendo a presidência da Associação de Estudantes Secundários da Bahia que uma jovem linda! uma mulher belíssima! foi minha vice-presidente. Eu, não satisfeito em tê-la como vice-presidente, tornei-a minha esposa! (Risos.) Lúcia Iolanda de Almeida Santos, minha mulher até hoje. Tem 52 anos que nos casamos e construímos uma família: 5 filhos, 4 jornalistas, 15 netos e 5 bisnetos. Esse patrimônio é, provavelmente, o único que eu tenho, pelo menos pelas dimensões. Mas foi naquele dia mesmo do pronunciamento, do protesto enérgico pela morte do estudante pernambucano Demócrito de Souza Filho, que o jornalista João Batista Lima e Silva me disse: “Você fez um pronunciamento corajoso, meus parabéns. Quais são suas leituras? Você é muito jovem ainda. Está chegando aí, por debaixo do pano, um livro que lhe interessaria muito: “EL Cabalero de La Esperanza”, por um editora mexicana, El Fundo del Mexico. O Ibrahim, que é um livreiro... Você já conhece o livreiro Ibrahim? Fica lá no Triunfo, naquela porta de entrada do Triunfo. Eu vou dar um bilhetinho para ele, porque ele vende escondido! E você vai ler esse livro”. Pronto! Esse livro foi um incêndio na minha alma! Eu não só o lia, como convidava os colegas da pensão em que morava para uma leitura conjunta. A partir dali, eu comecei a tomar contato diretamente com o partido. Até que, feito o vestibular e tendo ingressado na faculdade, casado, eu comecei a exercer atividades não só estudantis, como de natureza política, como comecei também a trabalhar para reunir os meus recursos. Ingressei nas fileiras do jornal do Partido, O Momento, na Bahia, como repórter sindical, inicialmente. Comecei a visitar porta das fábricas, o porto, a estiva, a realizar uma verdadeira atividade didática com os trabalhadores, que tinham uma posição muito incipiente do ponto de vista de sua organização sindical, suas reivindicações etc. Então foi uma luta muito grande naquela ocasião, que eu enfrentei. Cheguei a ponto de ter uma infiltração pulmonar. Porque eu trabalhava até as 2h da manhã; e, naquele tempo, às vezes o bonde já tinha passado e eu tinha de percorrer um pedaço a pé. E naquela fase eu já estava indisposto com meu pai, apesar de todo o respeito, de toda a amizade que eu lhe dedicava. Aconteceu de eu participar da cobertura de um comício proibido no Largo da Sé. A polícia não queria absolutamente que se realizasse ali, e a teimosia do Partido levou a que nós realizássemos esse comício. No final dele houve um tiroteio com a morte de um bancário; e eu, na condição de jornalista acompanhando aquilo, fui preso, o que provocou um grande escândalo, porque na ocasião as lideranças políticas mais significativas em torno de Balbino de Carvalho Filho e Oliveira Brito tinham um grande prestígio no meio. Sendo que o Oliveira Brito era o Secretário de Segurança Pública. Meu pai foi chamado a Salvador e me deu um ultimato, um doce ultimato: “Meu filho, você não veio aqui para isso; você veio para estudar, para ser juiz de Direito.” Ele queria que eu fosse como o Henrique Barreto Praga, seu pai de criação. Mas eu digo: “Não. Aí, meu pai, tem o meu pensamento político que é diferente do seu.” Aí dissentimos, e por essa dissensão eu fiquei sem a minha mesada que ele mantinha. Eu tive que enfrentar duras lutas, até que adoeci e tive que voltar para o lar-doce-lar em Ipirá.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Antes de você entrar nessa fronteira, dois aspectos dessa sua mais conhecida militância. (interrupção) Como era a redação desse jornal? (interrupção) Jorge Amado trabalhou nessa redação? (interrupção) Que figuras freqüentavam essa redação? Você conhecia dessa redação? figuras que depois se tornaram mais conhecidas, até politicamente, tais como Mário Alves, Jorge Amado? Como foi essa história em que um dia seu pai chegou na redação para visitá-lo e foi impedido? Foi algo que, inclusive, contribuiu para essa dissensão que você mencionou...

O SR. HENRIQUE LIMA - Aliás, quero fazer uma observação. Quando me refiro à minha atividade no O Momento, devo primeiro dizer o seguinte: tive uma rápida passagem antes do O Momento, no jornal O Imparcial. Foi ali, aliás, onde conheci Jorge Amado, Acácio Ferreira, Mário Alves — que veio a ser depois um dos grandes militantes do Partido Comunista do Brasil. Diferentemente do que ocorria em O Imparcial que era um jornal de propriedade de um homem rico, no O Momento nós vivíamos na penúria. Estávamos instalados num local modesto. O nosso trabalho tinha uma remuneração quase que simbólica. E ali a figura estelar era a do advogado e jornalista Almir Matos, um grande idealista, que deixara a posição de diretor da Rádio e Jornais Associados, em Salvador, para ser diretor do O Momento. Saiu das alturas e veio para enfrentar uma luta dura, quase sem remuneração. Era esta a figura principal ao lado de Quintino, redador-chefe de grande prestígio, e Eugênio Amado, que era irmão de Jorge e escritor também. Essas figuras comandavam intelectualmente o jornal O Momento. E que teve uma vida heróica: foi 2 vezes encastelado. Numa das quais... Eu tive, também, outro momento que me colocou em contato com a opção popular, para minha pretensão posterior... Sem que eu imaginasse — de longe -  isso. Agia naquela época apenas com aquela velha inspiração de mocidade e rebeldia, de início precoce, e pela indignação mesmo pelo ato selvagem da invasão de O Momento: um major do Exército e mais 8 soldados arrebentando todas as nossas máquinas e quebrando todas as nossas mesas. Então, corri para a União dos Estudantes da Bahia, filial da UNE, em Salvador, e lá pronunciei um discurso, um protesto, que não sei como não fui pela segunda vez para a cadeia! Acho que foi pela admiração que consegui despertar nos meus colegas e pelo acolhimento enorme que aquelas palavras receberam da comunidade estudantil. Saímos quase que em passeata para desagradar o pessoal, embora fóssemos simples integrantes da redação naquele momento.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Isso foi em que ano?

O SR. HENRIQUE LIMA - Isso foi em 1947/1948. Lamentavelmente, quem estava no poder àquela ocasião era um dos homens mais respeitados nas lideranças democráticas e liberais do País, que reúne méritos muito grandes, mas que não soube ou não pôde conter posições dessa natureza, que era o velho Octávio Mangabeira, que realmente realizou uma administração proba e decente. Foi ele que introduziu na Bahia alguns elementos que permanecem até hoje, por exemplo, aquela belíssima estrada que nos conduz ao Aeroporto. Íamos para o aeroporto pelos fundos com toda aquela orla lindíssima, que deveria ser desfrutada por quem quer que fosse à Bahia. Foi ele também que incentivou a construção do Hotel da Bahia. Nós não tínhamos um hotel numa cidade com toda uma vocação turística, do ponto de vista administrativo. Foi uma extraordinária vantagem ter feito um benefício daquela grandeza, qual seja, asfaltar toda a orla, do Porto da Barra até Itapuã, e depois fazer um caminho até o aeroporto. E ele não tinha uma casa onde morar, um terreno. Ele não admitia receber qualquer presente decorrente de um trabalho dessa natureza, uma coisa realmente de uma dignidade muito grande, não é? E quando se falava com o Dr. Octávio para adquirir uma casa, porque a D. Estér estava muito preocupada, ele dizia: “Sou contra a propriedade privada”. (Risos.) Mas foram momentos muito importantes da vida, nesse período. Quando concluí o curso... Não sei se deveria me referir a mais alguns aspectos desse período.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Há história interessante também de quando você adoeceu de tanto trabalhar e muito a serviço do partido, você comunicou que pretendia se tratar.

O SR. HENRIQUE LIMA - Ah! Sim, sim!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E ainda foi repreendido, não é? o radicalismo...

O SR. HENRIQUE LIMA - Quando fui comunicar ao pessoal — porque comecei a sentir aquela dificuldade de respirar e a tossir muito etc. — então o médico recomendou – que era um sujeito de grande competência - eu, mais que depressa, fui lá. Estava me sentindo mesmo exaurido. Aí ele me disse que eu estava com infiltração pulmonar e que precisaria parar e perguntou-me se tinha algum lugar para ir. Então fui pedir uma licença ao pessoal do jornal e à direção do partido, e eles me disseram o seguinte: “Essa mania pequeno-burguesa de desprezar os nossos valores: com tantos médicos bons que temos, você vai procurar um médico da burguesia?! Isso se admite? (Risos.) Foi aquele um período muito radical. Assim fomos até...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como foi a sua volta a Ipirá? Como você encontrou a situação lá?

O SR. HENRIQUE LIMA - Houve 2 momentos na volta a Ipirá. No primeiro foi    para recuperar a saúde. Ali fui recebido da forma mais generosa possível pelo meu pai, algo que é objeto até de um poema de um dos meus filhos, o Carlos Henrique, que se sensibilizou pela forma admirável com a qual meu pai me recebeu de volta. No segundo tempo, é quando volto para advogar na cidade, consolidando a profissão. Mas, naquela ocasião, ainda estava no terceiro ou quarto ano de Direito, quando fui. Depois, então, tirei meu diploma de solicitador acadêmico e fui inaugurar uma atividade advocatícia na região, em todos aqueles municípios da região, já com a família constituída. E lá senti imediatamente... Porque quando você está enredado naqueles aspectos filosóficos e ideológicos que o mundo acadêmico lhe permite e a militância política lhe exige, não faz a avaliação adequada do que está ocorrendo no dia-a-dia, por exemplo, de cidades do interior, das injustiças que se praticam, das dificuldades de sobrevivência, da falta dos bens da civilização. Só voltando ao contato direto com aquilo, vivendo aquelas realidades é que você dimensiona. E fiquei estarrecido ao testemunhar o que estava acontecendo na minha cidade. Inclusive, uma das primeiras batalhas que travei foi contra a pretensão de um grande latifundiário, de uma grande família — e, por sinal, essa família era de eleitores de meu pai, mas que pretendia prejudicar uma coletividade enorme de pequenos criadores e de agricultores de feijão, milho, essa coisa toda. Essas pessoas, vítimas da prepotência desse latifundiário, não encontravam um defensor. Eu cheguei, menino ainda, com 25, 26 anos, e 15 ou 16 deles foram à minha procura e eu assumi essa luta. Foi uma luta muito importante politicamente, porque realmente a cidade acordou. Eu exerci uma atividade profissional de advogado somada a uma atividade política. O coronel pegou pareceres em favor dele de grandes autoridades do Direito, como o Prof. Orlando Gomes e grandes advogados como Fausto Penal. Ele pegou esses elementos e os jogou contra mim, um jovem advogado que começava. Eu, então, passei a mobilizar municípios e a cidade. Tanto que, no dia da audiência decisiva, todo comércio fechou. Terminamos a audiência de instrução e julgamento com um grande comício. A partir dali, eu trouxe também para a cidade agentes do Banco do Brasil, do Banco do Nordeste, do Banco do Estado; fundamos uma cooperativa agropecuária e começamos a fazer um proselitismo para que os pequenos proprietários também passassem a criar seus bois, suas vacas, fechar o seu terreno. Isso determinou uma mudança radical no comportamento econômico do município, que é hoje um município muito pujante em decorrência dessa luta. Perdi a ação no juízo singular. O juiz da comarca não teve a coragem de sentenciar contra o latifundiário. Mas no Tribunal de Justiça do Estado, nós ganhamos a causa. Houve, inclusive... Isso faz parte da história, e eu posso contar, porque, na verdade, é por aí que nós vamos chegando e desbravando os caminhos para que os setores mais empobrecidos e menos desenvolvidos do cenário ocupassem o seu lugar. Quanto gente, a partir dessa luta, ganhou outra visão das coisas! Já mais tarde, eu, Parlamentar, entro no Banco do Brasil, em Feira de Santana, e sou procurado por um cidadão. Ele me perguntou se eu poderia ir ao encontro do velho tio dele –– que era aquele latifundiário. Ele estava no Banco do Brasil, sentado. Ele queria falar comigo, se eu poderia atendê-lo. Disse: “Perfeitamente.” Então, ele me disse: “O senhor imagina que eu tenha ódio do senhor, porque o senhor me deu aquela derrota. Mas eu fiquei seu admirador, porque o senhor teve coragem de enfrentar, com honestidade, o que muita gente não faria. Quero dizer ao senhor que já estou no fim da vida.” Não sei se isso tem importância para um político, mas, de qualquer maneira, foi o que houve. (Risos.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - O senhor falou  “como Parlamentar.” O senhor já se candidatou a Deputado Estadual?

O SR. HENRIQUE LIMA - Não. A minha candidatura a Deputado Estadual decorreu de outro fato interessante. Eu tinha atividade profissional em 8, 10 municípios, entre os quais Baixa Grande. Lá tinha um chefe político que dizia: “Mas como é que em sua terra não tem um deputado!? O seu pai é um chefe político, coisa e tal... por que você não sai Deputado?” E eu comecei a verificar, a partir desses estímulos, dessas coisas, uma coisa interessante: que minha cidade era representada pelo município vizinho de Itaberaba ou pelo município vizinho de Mundo Novo; não tinha uma representação política. Eu fui me sensibilizando com aquilo, com o que me dizia esse chefe político, até que um dia eu disse: “Sabe de uma coisa? Eu vou tomar essa decisão.” Eu comecei a admitir as reclamações dele. Aí ele disse: “Eu vou falar com o Coronel Zé Luiz, eu vou falar com ele, e vamos lançar uma campanha pela sua eleição!” Foi uma coisa interessante que ocorreu. Na minha primeira eleição, eu praticamente fui eleito no interior, pela região em que eu advogava, a partir da minha cidade, onde meu pai tinha maior influência. Não gastei um tostão para me eleger. Eram festas espontâneas, uma coisa que, graças a Deus, me honra muito, que me deu muito orgulho de fazer. Fui diretamente para a Câmara Estadual. Então, meu município, a partir daí, mudou. E eu posso imaginar se tantos Parlamentares fizessem isso em suas regiões, começaria a ter maior visibilidade. O nosso município tinha suas reivindicações ignoradas porque não tinha uma representação e também porque não tinha uma vida econômica confiável. Já com o benefício decorrente da “Campanha do Bode”, como foi chamada na ocasião essa luta que eu fiz, e agora com a representação... Sobretudo porque houve um fato interessante. A minha bancada do PSD tinha 21 representantes. Eu era dos mais moços. E, imediatamente, na primeira eleição para a liderança, fui eleito líder da bancada. Então, como líder de uma bancada de 21 Parlamentares, meu município passou a ter uma visibilidade enorme. Daí decorreu toda a possibilidade da aquisição desses bens da civilização: saneamento e água, etc.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Antes de entrarmos no relato de seu primeiro mandato, eu queria saber como é que o senhor conseguiu conciliar essa formação política de esquerda, de militância inclusive no partido, com essa nova situação de candidato por um partido como o PSD? Era um partido ligado, de certa forma, às grandes oligarquias rurais, um partido conservador. Como é que foi essa campanha? Como é que o senhor conseguiu? O senhor tem inclusive alguns episódios interessantes.

O SR. HENRIQUE LIMA - Eu quero lhes dizer o seguinte. Na política no interior, ainda hoje, grande parte da liderança se faz na base de determinados princípios éticos ou da condenação de um conduta antiética. No meu caso particular, eu tenho um fato exemplar. Como eu pude conciliar essa situação? Meu pai chegou uma noite em Feira de Santana, de uma cidade vizinha à nossa, e naquele dia ele tinha almoçado com um velho amigo dele, que lhe prometera apoio à minha candidatura. Tratava-se do Dr. Eduardo Fróes da Mota, que depois também foi Deputado Federal. Era um milionário na região. Eu então reclamei com o meu pai e disse: “Mas como é que o senhor vem me dá a notícia de que almoçou com o Eduardo Mota sem falar comigo?! Como o Dr. Eduardo vai votar comigo!? Eu não conversei nada com ele! Não, isso não está certo, meu pai!” Ele me disse: “É a primeira vez que ouço um candidato recusar voto.” E eu disse: “Não estou recusando. Eu queria que esse voto viesse (interrupção) com o conhecimento do Dr. Eduardo dos meus pontos de vista a respeito da minha atividade política”. E ele disse então: Então você vai lá e conversa com ele”. Eu fiz realmente isso. Um dos episódios melhores da minha vida, porque eu cheguei, e o Dr. Eduardo, com aquela gentileza, que é um dos elementos da personalidade dele, fez-me almoçar com ele. E, ao longo do almoço, eu lhe disse que me sentia muito satisfeito com o oferecimento dele, mas que, entretanto, eu queria fazer uma advertência: que, como advogado, eu sabia que ele era proprietário rural de mais de 20 fazendas; e eu tinha como um dos meus pontos programáticos, como político, a reforma agrária. Eu não queria que, amanhã, eu fosse acusado de traição. De modo que eu queria deixá-lo à vontade. Honrado com o oferecimento, contente com o oferecimento, mas disposto a abrir mão, com o conhecimento que lhe dava dessa realidade. Ele, então, me deu uma resposta muito singela: “Eu iria votar em você, meu filho, por uma questão de 50 anos de amizade com o seu pai. Agora eu vou votar pela dignidade que você tem”. Quer dizer, são coisas dessa natureza que faz com que você concilie.

(interrupção)

(Intervenções simultâneas inaudíveis)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Vamos fazer novamente que essa história é muito boa!

O SR. HENRIQUE LIMA - Serve para o público em geral?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Com certeza!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Serve! (Risos.) Para o público interno e geral.

(Intervenções simultâneas inaudíveis.)

(Pausa.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas o senhor tem muita história, não é?

O SR. HENRIQUE LIMA - Realmente. Já está começando?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ainda não.

 A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Tem que botar isso tudo em livro. Contata alguns jornalistas e tem que botar...

O SR. HENRIQUE LIMA - É. Mas esse período que eu passei em Ipirá foi de 1952 a 1959. Levei 6 anos e tanto em Ipirá. Mas foi um negócio riquíssimo para a minha vida, porque foi quando eu coloquei os pés no chão.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Então, vamos começar daí. O Senhor falando e contando essa história da sua ...

O SR. HENRIQUE LIMA - Posso começar?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Pode.

O SR. HENRIQUE LIMA - Às vezes, algumas pessoas me perguntam como eu pude conciliar a minha vocação de homem de esquerda com a realidade partidária do Partido Social Democrático, que foi sempre tido como um partido do interior, um partido ruralista, em contraposição à UDN, que sempre foi um partido urbano.

Eu diria o seguinte: há princípios que são muito respeitados pelos políticos do interior, pelos homens independentes, princípios éticos, principalmente. Eu tenho a esse respeito até um episódio muito exemplar, que foi a minha relação com o Dr. Eduardo Fróes da Mota. Meu pai, voltando, numa segunda-feira à noite de um almoço com ele, transmitiu-me a sua disposição ...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Desculpe, o senhor tem que dizer quem foi o Dr. Eduardo Fróes da Mota, certo? fazendeiro, homem rico...

O SR. HENRIQUE LIMA - É.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Certo? então, vamos fazer de novo.

O SR. HENRIQUE LIMA - Como é que faria? A partir de onde?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – De onde você quiser.

O SR. HENRIQUE LIMA – Com toda essa xaropada eu já vi que... (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Pode ser.

O SR. HENRIQUE LIMA - Eu disse o seguinte: algumas pessoas estranham o fato de, sendo eu uma pessoa vocacionada para a esquerda, tendo um passado de lutas ligadas ao Partido Comunista, que eu pudesse conviver com um partido social-democrático, o PSD, que é um partido reconhecidamente de homens do interior, um partido ruralista. E eu respondo que os homens do interior, os políticos do interior, respeitam alguns princípios éticos e se empolgam com isso. Às vezes, fazem a sua militância no combate à corrupção, ao desvio de valores etc.. No meu caso particular, eu tenho um fato exemplar: meu pai, na ocasião da minha campanha para Deputado Estadual, revelou-me que o Dr. Eduardo Fróes da Mota, seu amigo, residente em Feira de Santana, com quem ele almoçava naquele dia, revelava o desejo de votar em mim. O Dr. Eduardo era um médico, milionário. Fiquei admirado e disse ao meu pai: “Mas como? Ele vai votar em mim, sem conversar comigo, sem saber o meu pensamento? Meu pai até achou graça e me disse que era a primeira vez que ele via um candidato recusar votos. “Não estou recusando votos, estou apenas querendo um diálogo, um encontro, com essa pessoa que vai votar em mim”, eu disse. Ele tinha votos significativos. Eram mil e tantos votos ou mais que tinha em Feira de Santana. “Então, vai lá e conversa com ele”, disse meu pai. Eu fui realmente conversar com o Dr. Eduardo Mota. Eu disse que, honrado agora com o oferecimento dele, eu queria declarar que sabia da condição dele, grande proprietário rural, um homem que tinha mais de 26 fazendas. Eu me sentia em dificuldade, porque, programaticamente, eu defenderia, no exercício de qualquer mandato meu, a reforma agrária no Brasil. Eu não queria, amanhã, ser considerado um traidor. Ele então me respondeu o seguinte: “Olha, eu votaria em você, por uma amizade de 50 anos com seu pai, mas agora vou votar pela sua dignidade”. E isso  me encheu de muito orgulho. Aconteceu, porém — agora vou complementar — que, anos depois, ele já com 90 anos, fez uma operação na próstata, e começavam naquele tempo um trabalho de se filmar ou fotografar os atos cirúrgicos. E ele fez, no Rio de Janeiro, um trabalho dessa natureza, e quis que eu fosse com ele assistir a isso, como foi essa operação dele. No final, na casa dele, aquela casa senhorial, que ocupa toda uma banda de uma rua em Feira de Santana, ele se virou para mim e disse: “Ô, Henrique, me diga uma coisa, como vai a sua reforma agrária?”. Eu disse: “Não consegui fazê-la até agora, Dr. Eduardo”, Ele disse: “Porque eu já estou fazendo a minha; estou vendendo as minhas propriedades, porque meus filhos são seres urbanos e estou construindo edifícios etc.” (risos). Você vê como são as coisas, o que é esse País, não é?

            Bom, então, estou me elegendo Deputado Estadual, pelo visto, não é? Eleito Deputado Estadual, já disse que ...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quem era Governador? Situe um pouco as circunstâncias políticas do estado...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E o ano que foi?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O senhor ficou em Ipirá a partir de que ano até que ano?

            O SR. HENRIQUE LIMA - Eu fiquei em Ipirá, na realidade de 1952 a 1959 e fui para Salvador em 1959 receber o mandato. E me defrontei, como Governador, com o General Juracy Montenegro Magalhães, e fui eleito Líder da bancada do PSD com  21 anos de idade.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Oposição.

            O SR. HENRIQUE LIMA - Oposição declarada a um dos homens mais fortes dentro da política baiana, que chegou aos 26 anos à Bahia, como capitão interventor na Revolução de 30 e fixou uma liderança política que remanesce até hoje, na figura do seu neto, esse rapaz Líder do PSDB.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Jutahy.

            O SR. HENRIQUE LIMA - Jutahy Magalhães, filho do velho Senador Jutahy Magalhães. Então, eu também tive uma grande experiência política naquela ocasião, porque me defrontei com um Governo forte e com a bancada heterogênea do ponto de vista ideológico. Havia, no PSD, naquela época, alguns homens de pensamento. O Antônio Brito, que era um cunhado-primo do Oliveira Brito, da Bahia, que era um homem de pensamento, interessante.

            Mas havia também um coronel da Polícia Militar, Coronel Dourado. Então se estabeleceu dentro da bancada com dificuldade, porque eu criticava os atos administrativos do Governo de Juracy, mas não me permitia a baixaria de ataques pessoais à família dele e essa coisa toda. E os setores, a partir do Coronel Dourado, que era Deputado... Comecei a enfrentar uma reação dentro da bancada, porque não me submetia a isso. Criticava duramente os atos administrativos inadequados, mas não chamava tenente interventor, que a família fez isso, fez aquilo. Não me submetia a isso, até porque meus princípios de homem de esquerda não me permitiam lidar além da ética que herdei da conduta pessoal e política do meu pai. Tanto que, antes de completar meu mandato na Liderança, renunciei a ela, porque encontrei realmente um terreno hostil. Eles aproveitaram, talvez, a força com que cheguei à Câmara, a impressão que eu reproduzia nas pessoas e eles queriam que eu me submetesse a esse regime retrógrado, de ser um difamador, uma pessoa que ficasse atacando pessoalmente, com xingamentos etc. as pessoas.

            A essa altura, eu também estava um pouco decepcionado com o Poder Legislativo estadual, porque eu sentia que pela nossa Constituição e pela Constituição estadual, só poderíamos fazer o orçamento do Estado e considerar cidadãos baianos personalidades ilustres que fizessem alguma coisa pela Bahia. Não tínhamos um campo de ação que favorecêssemos a coletividade baiana. Eu comecei a verificar, a partir dali, que realmente nós precisávamos de reforma no País. A princípio, a nossa orientação era revolucionária. Eu estava num partido revolucionário, que propugnava por fazer uma mudança completa na sociedade. Ali eu ganhava consciência de que poderíamos, por meios institucionais, fazer as reformas, pelo menos, mais essenciais. Para isso precisávamos de uma reforma da Constituição. Para isso eu precisava o quê? Ir para a Câmara Federal porque a genetriz de tudo seria uma nova Constituição. Eu, então, comecei a me... encontrei resistência inclusive no meu pai, achando que eu deveria consolidar a minha posição eleitoral no Estado. Eu disse: “Mas eu não tenho mais o que fazer aqui. Eu quero ir aonde eu possa contribuir para a alteração da vida do povo brasileiro. Por aqui não dá. Aqui serei apenas um delegado de uma região, não é? sem autonomia para alterar as coisas”. Daí se explica a minha saída da Bahia para...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Então, o senhor ficou como Deputado Estadual de 59 até...

O SR. HENRIQUE LIMA - De 59 até 62.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor viveu como Deputado Estadual uma crise no País, que foi em 61, com a renúncia de Jânio. E também a experiência parlamentarista. Como é que o senhor viu esse momento político como Deputado Estadual baiano?

O SR. HENRIQUE LIMA - Inclusive houve um momento, antes de sair do quadro baiano para atingir a Câmara Federal, de grande apreensão para mim. Primeiro porque, na minha visão, a conduta do Sr. Jânio Quadros era uma conduta aventureira. Eu não descobri naquele candidato à Presidência da República nenhum sentido de produzir benefícios e alterações na vida institucional do País, o que se confirmou 7 meses depois. Já vinha com uma apreensão sobre isso e essa apreensão foi confirmada. Evidentemente que não poderíamos esperar do General Lott grandes alterações na vida institucional brasileira. Pelo menos encontraríamos seriedade num homem dotado de um caráter ilibado e de uma seriedade muito grande na sua conduta. Seria pelo menos um tempo de certa tranqüilidade na vida do País permitindo... Quanto ao Jânio Quadros, nós sabíamos da conduta anterior dele e de como ele se fez candidato. Sete meses depois, com aquela renúncia, foi posta à prova a solidez ou a capacidade de resistência da democracia brasileira. E nós vimos no que deu. Foi um instante doloroso para a vida brasileira. Nesse particular nós temos que reconhecer a grande contribuição que foi dada pelo Sr. Leonel Brizola, que assumiu realmente, ao longo de sua vida, talvez num momento culminante, a sua grande passagem na história política brasileira, quando ele colaborou para aquela resistência, para a entrada do Jânio e, afinal de contas, mesmo com aquela negociação que, de longe, insatisfez, que até me revoltou porque foi uma contrafação, não poderia chegar a uma concessão tão brutal como aquela, a alteração de um regime para alguém legitimamente assumir uma posição que lhe cabia. Aquilo me fez sofrer muito do ponto de vista das minhas convicções. Mas a gente compreende que a política se faz disso. Nós temos que... é ato impossível. É impossível naquela ocasião foi aquilo. Bom, depois nós chegamos até...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Antes de chegar aqui na Câmara eu queria que você falasse um pouco como foi a sua relação política e até pessoal com o General Juracy Magalhães, o Governador Juracy Magalhães, com o filho dele que era Líder da Situação.

O SR. HENRIQUE LIMA - Minha situação com General Juracy Magalhães tem 2 aspectos. Num primeiro momento, a energia com que combati seus atos e sua vocação de homem forte, autoritário, criou uma atmosfera de dificuldade em nosso relacionamento, mas na medida em que ele sentiu, sobretudo pela presença do filho, que era meu colega na Câmara e Líder do Governo, Juracy Magalhães Júnior, chamado Juracyzinho, ele passou a me dispensar uma atenção especial.

Tem até um fato muito esclarecedor disso numa viagem que fiz em sua companhia sem que eu soubesse que estava fazendo essa viagem. Fui convidado pelo então Deputado Federal Aloysio de Castro para umas inaugurações. Essas inaugurações seriam no Recôncavo Baiano e nós viajaríamos num barco da PETROBRÁS para lá. Quando cheguei, no princípio da manhã, nesse barco para viajar, com quem eu me defronto? Eu, Líder da Oposição, com o General Juracy. Também viajava ali o seu secretário da fazenda com quem eu me relacionava pelo fato de 2 de seus filhos terem sido meus colegas na faculdade. Eu me voltei para ele e fiquei indignado com Aloysio por ter provocado aquela situação.

Bem, eu não era inimigo do General Juracy, mas não queria compartir com ele, como um líder de oposição, de uma inauguração, de uma festa pública, porque, afinal de contas, eu não tinha nenhuma identidade com ele. Em determinado momento, ele me chamou: “Sr. Deputado, tenha a gentileza de aproximar-se”. Eu me aproximei e ele declarou: “Tenho dito ao meu filho, Deputado Juracy, seu colega, que o senhor está se revelando um exemplo da nova geração de homens públicos. O senhor me merece todo o respeito. Sei que o senhor é um oposicionista convicto, não admite meus métodos, tem uma filosofia diferente da minha” — ele aí já querendo chegar no meu esquerdismo, o que muito me satisfazia — “mas creia na simpatia que tenho pela conduta do senhor”. Porque eu nunca fiz uma concessão. Critiquei as coisas, etc. Então, minha relação com ele teve um princípio difícil e do meio para o fim ele me respeitava, e eu na minha conduta, na mesma que sempre mantive.

Mas eu acho que o território baiano, como declarei, na minha função legiferante perdeu o significado porque eu descobri que eu tinha de arranjar algumas pessoas para titular como baiano ilustre, como baiano honorário. Tive, porém, uma outra oportunidade, que foi o falecimento do velho Otávio Mangabeira, em que na condição de Líder fui encarregado de fazer o seu necrológio, coisa que fiz naquela ocasião.

Mas você não pode ficar sentado numa cadeira de Deputado para fazer necrológio, receber e dar título de cidadania enquanto o povo está aí sofrendo. Você tem de encontrar caminhos, e foi o que me conduziu. Então, em 1963, eu cheguei a Brasília.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - No auge da agitação.

            O SR. HENRIQUE LIMA - É, no auge da agitação. Eu cheguei naquela perplexidade, sentindo que se aproximava alguma coisa de grave e, ao mesmo tempo, tendo de descobrir como viver ali dentro. O Albino, que estruturou a minha presença também na vida pública... Retrocedendo um pouco à Bahia, Balbino tinha como Governador...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Desculpe, queria que antes que você falasse do Balbino fizesse um pequeno perfil dele e falasse da importância dele na sua iniciação política.

            O SR. HENRIQUE LIMA - O de que se trata é de que Balbino foi um professor ilustre, com formação universitária completada na França, um homem com uma visão democrática, um estudioso. Ele quis, ao se eleger Governador, selecionar jovens que pudessem seguir uma carreira política, e ele que me incluiu entre esses jovens — Murilo Mendes, Geraldo Guerra e outros que seguiram também carreira política e parlamentar. E ele nos reunia no Palácio, onde havia verdadeiras discussões, debates: o que achávamos da campanha dele, convites para acompanhá-lo em viagens, oportunidades para que falássemos em nome do Governador. Ele ficava observando. Ele exercitava, ele pegava em geral até as lideranças estudantis, que, como é sabido e ressabido, e como disse antes, as lutas estudantis eram verdadeiras faculdades laterais de formação política. O Balbino era isso e estimulou muito a minha presença na... Quando soube da minha candidatura lançada lá, ele acolheu com a maior simpatia, fez declarações a meu favor, e chegamos aqui no cenário nacional.

            Aqui eu senti o primeiro impacto naquele momento de muitas preocupações, o que poderia ocorrer. Estávamos às vésperas do Estado Novo. A UDN sempre frustrada nas suas campanhas, não pôde realizar seus objetivos de 1954 completamente, não podia deixar passar em 64. E eu também estava muito impactado com a convivência com aqueles monstros sagrados, na minha visão de homem de interior: com Ulysses Guimarães, com Tancredo Neves, com Amaral Peixoto, com José Maria Alckmin. Eu imaginava e, de certa forma procurei realizar isso, chegando aqui, e pensava: “Como vou me defrontar com essas pessoas?“ Na época eu tinha 36 anos. Eu disse: “Vou ver como se faz aqui na Câmara, eu vou conhecer as pessoas, vou ver quais são as Comissões importantes, fazer este trabalho para depois começar a dizer alguma coisa, com base já”.

E tive o prazer e o privilégio de me relacionar com o Secretário-Geral do PSD, o partido que eu pertencia, era o José Martins Rodrigues. Em uma das primeiras reuniões que fizemos no PSD, quando voltamos à sala dele ... Naquele tempo não tínhamos gabinetes na Câmara, não sei se sabem disso. Então, nós nos reunimos na sede do partido. Os partidos tinham a sua sede no Parlamento. Íamos ao gabinete do José Martins Rodrigues. Ele, então, depois daquela reunião do PSD, disse: “Henrique, faça um resumo da nossa reunião para a imprensa.” Eu aí me sentei à máquina e comecei a datilografar, preparei uma notinha. Quando terminei de fazer a notinha, entrava o Ulysses. Ele pediu ao Ulysses: “Ulysses, veja se essa nota está retratando nossa reunião”. O Ulysses olhou e disse: “É isso mesmo, mas o estilo é que não é seu”. Ele disse: “É aqui do jovem.” Ele disse: “Ô, rapaz, que coisa boa, você gosta de literatura e tal”. Venha para cá, venha conversar conosco”.

E eu passei a freqüentar um ambiente excepcional, porque o Castelinho, privilegiadamente entre os jornalistas, vinha cedo, cedo quer dizer 10 ou 11 horas da manhã, no gabinete do José Martins Rodrigues, onde estavam, em geral, sentados o José Maria Alckmin, o Tancredo, o próprio Ulysses, o Vieira de Melo, essa tropa toda. E eles brincavam muito uns com os outros. O Castelinho, que vinha do Palácio do Planalto, dizia: “Eu tenho minhas novidades. Quero saber primeiro a dos senhores”. E então se desdobrava numa conversa muito interessante. Foi quando também comecei, a partir de Castelinho, que foi casado com Helga Nordero, que foi minha amiga da Bahia, nesse período de agitação estudantil, porque ela era uma mulher muito inteligente, a Helga Nordero, mulher do Castelinho. Aí eu passei a conhecer o Evandro Carlos de Andrade, D´Alambert Jancourt, nosso grande amigo Carlos Castelo Branco...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Pompeu....

 O SR. HENRIQUE LIMA - Pompeu de Souza, entendeu?. O Pompeu mais raramente, mas travei conhecimento com ele. Essa turma de jornalistas, embora não com a freqüência de Castelinho, também fazia parte desse grupo e eu me relacionei muito bem com aquele pessoal.

Mas o ano de 63 passou dentro daquela agitação: o Jango estimulando as reformas e o pessoal da Oposição, basicamente a UDN, se contrapondo veementemente a isso. E, na falta realmente de elementos sociais mais apropriados a um debate político, surgiu aquilo que começou a se qualificar como as carpideiras de porta de quartel. Começaram a levar as suas mágoas para as portas dos quartéis, para admitir que o Sr. Jango estava estimulando a comunização do País. E, a partir daí, as reformas foram ficando difíceis.

Recordo-me de um episódio em que com uma proposta de reforma agrária do PTB nós nos entusiasmamos, e nos tornamos os “agressivos do PSD”, porque éramos uma força mais jovem, mais qualificada do ponto de vista ideológico. Queríamos essa reforma agrária e admitimos os termos do PTB. Quando verificamos, só tínhamos 10.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Nesse período, o Governo mandou o estatuto da terra, que foi rejeitado na Câmara?

O SR. ENTREVISTADOR - Foi.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Deixa eu só passar um pano aqui no rosto...

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

(diálogo Inaudível)

O SR. HENRIQUE LIMA – Sessenta e três.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi em 63 mesmo?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Sobre esse episódio, só para confirmar, a reforma agrária do PTB foi boicatada pelo PSD?

O SR. HENRIQUE LIMA – Foi.

 O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O PSD tinha uma bancada grande e só 10 …..

O SR. HENRIQUE LIMA - Só 10 ficamos. Tem até aqui um recorte. Você já viu, né? Podia até ler.

                O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Agora, há um episódio interessante nesse ano de 63 que eu queria que você falasse sobre ele, porque quando a UDN já estava caminhando (interrupção) para o golpe. E a Liderança da UDN na Câmara resolveu abrir uma CPI para investigar um suposto atentado contra o Governador Carlos Lacerda, querendo reeditar aquele clima da República do Galeão em 54 e emparedar o Jango. E você foi responsável pelo contra-ataque do PSD, que foi levantar uma CPI para investigar a conspiração nascente entre o Governador Carlos Lacerda e o Governador Ademar de Barros contra o Governo, contra as instituições. Queria que você relatasse esse episódio.

O SR. HENRIQUE LIMA - Naquele ano de 63 as coisas se verificavam numa velocidade que, mal se encaminhava alguma coisa, já outra mais importante assumia o lugar. A CPI para verificar o atentado contra Lacerda foi contraposta imediatamente por uma iniciativa minha, com o apoio dos meus companheiros “agressivos do PSD”, requerendo uma CPI para apurar a conspiração que surgia, segundo as inferências, de uma quase incompreensível, mas que se verificava, relação entre Carlos Lacerda e Ademar de Barros. A imprensa noticiou que eu tinha iniciado a coleta de assinaturas para isso, houve um movimento, mas já outros acontecimentos se sobrepuseram a isso. E essa CPI não teve andamento, porque aquele era realmente um momento nervoso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O problema é que, se ela tivesse prosperado, talvez pudesse ter até abortado.

            O SR. HENRIQUE LIMA - É verdade. Eu tomei realmente essa iniciativa, mas não prosperou, porque se sobrepuseram outros elementos. Estávamos realmente num quadro... Eu me recordo de que, num determinado momento, o Presidente Jango nos convocou àquela residência oficial em que....

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ipê?

            O SR. HENRIQUE LIMA - Não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Torto?

            O SR. HENRIQUE LIMA - Ao Torto. Convocou-nos ao Torto. Ele gostava de viver ali. E naquela noite ele estava sozinho. Chegando lá com o Fernando Santana, que foi um grande Parlamentar do Partido Comunista, com o amigo do Fernando o Humberto Lucena, enfim, com 3, 4 ou 5 Deputados. Almino Affonso teve um papel muito grande nessa noite. E nós decidimos que deveríamos ir ao Rio de Janeiro no dia seguinte, porque Neiva Moreira estava no Rio e nós iríamos, por uma missão do Jango, ver se conseguíamos conciliar Lenonel Brizola com o grande homem público que foi San Thiago Dantas.

            San Thiago já estava canceroso na ocasião, sofrendo dores e tomava umas injeções. E nós fomos para a Rua D. Mariana, um grupo — B. Bocaiúva também foi nesse ato... E a outra turma — Fernando — foi-se encontrar com Neiva Moreira para conversar com o Governador Brizola.

            Mas, na viagem, nós tivemos a companhia de Arraes, que tinha estado nas últimas horas da noite com Jango. Antes de Jango ir para o Torto, esteve com ele. Nesse encontro com Jango, Arraes disse: “Presidente, se Justino Alves Bastos continuar comandando o 4º Exército, dentro de 30 dias, serei deposto. O Palácio do Campo das Princesas será cercado, serei deposto e irei para a ilha de Fernando de Noronha. O senhor precisa tomar uma providência. O senhor está enganado com aquele general”. E o Arraes nos contou isso no avião. Antes dos 30 dias, o Palácio do Campo das Princesas foi realmente cercado, ele foi preso e foi para Fernando de Noronha. Quando ele chegou do exílio, fizemos uma reunião com o então Deputado sergipano José Carlos, no dia em que o Tancredo foi para o hospital, e ali recordei isso a ele. Ele ficou encantado ao lembrar essa previsão que teve. Talvez ele nem se lembrasse disso.

            Mas estávamos em momentos tão delicados, tão graves quanto esse né? esperando a qualquer momento a eclosão de um...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas vocês foram para o Rio com que missão? O Presidente João Goulart queria fazer um governo de coalização? E o Brizola aceitou?

            O SR. HENRIQUE LIMA - É verdade, o Presidente achava importante uma aproximação entre San Thiago Dantas e Brizola naquela ocasião, um elemento indutor de uma harmonia maior no quadro oficial governamental, no quadro de sustentação do Governo Jango. Ele desejava isso, propugnava por isso.

            Já em outra oportunidade, aliás, ele se queixou também desse comportamento característico do Governador Brizola, tanto enfático nas coisas, nas posições que assumia, quando não concordava com alguns atos do Governo. Numa tarde em que estivemos com Jango no Palácio do Planalto, mais uma vez com Almino Affonso, Fernando Santana e Humberto Lucena, ele mostrava-se um pouco ressentido com isso, reclamava disso, porque sentia que, também na área civil, estava-lhe faltando um pouco de terreno.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A missão foi bem-sucedida?

            O SR. HENRIQUE LIMA - A missão não foi bem sucedida. Nós voltamos de lá sem nenhum êxito.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) -  Por que não foi bem-sucedida?

O SR. HENRIQUE LIMA - A missão não foi bem-sucedida porque o Governador Brizola não concordou com a aproximação com San Thiago Dantas. E era o ponto inicial para outras iniciativas no campo da harmonização na área de sustentação do Governo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Você tem também um depoimento numa dessas reuniões, não sei se foi no Ipê ou no Torto, um depoimento do ex-Deputado Marco Antônio Coelho. Como foi essa história?

O SR. HENRIQUE LIMA - Isso aí, como eu venho revelando, através dessa pequena rememoração de fato que testemunhei, se soma a um outro momento de dificuldades que o Governo João Goulart começou a enfrentar. Nós fomos ao Ipê uma noite, para uma reunião e ali, o Marco Antônio Coelho, único Deputado Comunista no Congresso, advertiu seriamente o chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, da lástima em que estava o apoio militar no Governo. Disse com todas as letras: “Advirta o Presidente, ô Darcy, dessa situação. Esse homem, esse chefe da Casa Militar não está fazendo o trabalho dele. Conseqüentemente, fora o Comandante do 3º exército, que era no Rio Grande do Sul, ele não está contando com mais ninguém, nem com o compadre dele” — que era o comandante do Segundo Exército, o Groa. Eram advertências sucessivas nesse sentido. Era um quadro realmente preocupante nesse particular.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E o Darcy?

O SR. HENRIQUE LIMA - O Darcy tinha dúvida de que a situação era tão grave, mas, de qualquer maneira, conversaria com o Presidente, mas ficou nisso pelo visto, porque permaneceram essas mesmas autoridades até o desfecho.

A SRA. ENTREVISADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Fizemos uma entrevista recentemente com Almino Affonso e ele coloca mesmo que o Jango, até o final, acreditava que tinha o apoio dos generais.

O SR. HENRIQUE LIMA - O Jango era uma pessoa muito crédula nesse particular. Apesar de toda a fama de ser um gaúcho esperto, tinha uma formação muito humana. Ele se sensibilizava muito. Recordo-me que uma noite, reunimo-nos — vários Parlamentares a convite dele — para discutir como viabilizar uma reforma agrária que não fosse com confisco da terra, uma reforma agrária revolucionária, mas adequada ao regime democrático parlamentar, ao Estado de Direito, Democrático. Ao chegarmos lá, ele nos aguardava na biblioteca. Éramos 8 ou 10, já se aproximava a hora do jantar e a conversa toda era sobre viagens à Europa, ao Oriente. Não me contive com aquilo e disse: “Presidente, a convocação que recebi foi para discutir a reforma agrária, que é um assunto que interessa à população e que não pode mais ser adiado”. Ele achou uma graça. Foi aí que retomamos o caminho da discussão da reforma agrária. Ele era uma pessoa assim um tanto bonachão e enfrentava essas situações a partir desse ângulo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Meio desligado também (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E veio o golpe, né?

O SR. HENRIQUE LIMA veio o golpe.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual a lembrança que você tem desses dias?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Onde o senhor estava no dia do golpe?

O SR. HENRIQUE LIMA - É uma coisa interessante isso. Não era o Jango somente que era desguarnecido. Nós próprios. Eu, de minha parte, e acho que meus colegas de modo geral tínhamos uma visão muito romântica das coisas. Não andávamos muito com o pé no chão. Quem me deu a notícia de que o golpe de Estado tinha sido vitorioso foi o General Costa Cavalcante, que, pelo fato de ter sido meu vizinho de hotel, conhecia-me e tínhamos um relacionamento pessoal respeitoso, embora ele fosse uma pessoa conservadora e eu de esquerda, ele disse-me: “Ganhamos. Estamos vitoriosos. As tropas já estão chegando”. Eu tomei até um susto. Vejam: eu que estava metido no negócio até o último fio de cabelo, defendendo o Governo, recebi a notícia da vitória por um adversário. Pouco depois, realmente, rádio e televisão, o pessoal que estava descendo de Minas, e já vinha para cá aquele general... Qual o nome dele? Não lembro o primeiro nome.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mourão.

 O SR. HENRIQUE LIMA - Mourão Filho. E começaram os primeiros dias sem norte: era gente correndo para a Embaixada, era gente se homiziando em locais de confiança. No meu caso, eu fui entrando no Parlamento e aquele...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Pacheco Chaves.

 O SR. HENRIQUE LIMA - Pacheco Chaves, um amigo de Ulysses, me perguntou: “O que você está fazendo aqui?” Eu disse: “Estou fazendo o que você está fazendo: cumprindo o meu dever”. “Você está enganado, você vai ser preso ainda esta noite”. E o Hélio foi chegando também. “Você vai ser preso ainda esta noite. E o Hélio também está”. “Como você sabe dessas coisas?”. “Porque eu tenho amigos” — e acho que até parentes.

            E o Souto Maior, pai desse menino, o Nelsinho Piquet, que tinha sido Ministro da Saúde e que era um homem de uma bravura pessoal muito grande, de grande espírito de solidariedade, um homem conservador, mas que tinha essa coisa do Nordestino, um homem pernambucano de grande fibra, chegou e perguntou: “Isso é verdade, Pacheco?” Ele disse: “É verdade. Desça e vá lá para a frente do Congresso, que eu vou pegar o meu carro”. Ele tinha recebido de um irmão que veio de uma bolsa de estudos na Itália, um carro da Mercedes, bonito. Ele me pegou e me levou para um sítio que ele tinha aqui a 11 quilômetros, chamado Catavento. Lá nós ficamos homiziados. Ele disse: “Vocês fiquem aqui, porque essa fúria pode passar, e evitem que um sujeito no exercício de seu mandato, antes de ser cassado, seja preso”.

E, naquela mesma noite, o Hélio foi cassado. O Hélio ficou enfurecido, indignado: “Bandidos! Dedico a minha vida ao estudo, me formo em engenharia, em economia, faço um curso de especialização, tudo dedicado a meu País, e agora roubam meu mandado, e coisa tal”. E o Hélio chorou. E eu esperando o meu mandato ser também trucidado, coisa que não aconteceu porque a minha punição foi a minha base eleitoral. E eu até acredito, e dizem — não sei se é folclore político —, que o Castelo Branco, de tanto mandar cassar somente porque alguém dizia “esse aí é subversivo, esse é isso e aquilo”, ele disse: “Olha, não me tragam mais processo até ser instruído”. E ele não podia instruir o meu processo, pelo simples fato de que Balbino quando Governador, quando se elegeu, meu amigo etc., eu almoçando com ele, antes de ele ir residir no Palácio, ele disse ao Delegado Auxiliar que tinha sido nomeado, Abelardo Veloso: “Vamos aproveitar a oportunidade e vamos pegar tudo o que há no DOPS contra o Henrique. Você pega tudo isso, viu, Abelardo — que era o delegado auxiliar dele — e queima isso, acaba com isso. Vamos nos prevenir. Amanhã vem uma situação aí...” De forma que ele não tinha nenhuma vida pregressa minha, de todas aquelas manifestações minhas na vida estudantil, pisões, agitações, participações em jornal do partido... Tudo isso virou cinza, e o delegado auxiliar é que fez isso.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - E evitou uma cassação.

            O SR. HENRIQUE LIMA - É, talvez, né? Talvez. Talvez.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Houve também um depoimento do Juracy Magalhães, que era Ministro da Justiça.

            O SR. HENRIQUE LIMA – É.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – primeiro governo, não é?

             O SR. HENRIQUE LIMA – É. Não, o Juracy, não foi sobre (inintelígivel), foi sobre cassação. Ele me disse que talvez o Castelo quisesse informações porque ele estava sendo pressionado. Porque o jornal O Dia, que era daquele Governador...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Chagas Freitas.

O SR. HENRIQUE LIMA - Chagas Freitas. O Chagas me tratava muito bem nos encontros que tínhamos no Parlamento, mas, no outro dia, o jornal dele dizia assim: “E Henrique Lima, por que não foi cassado ainda?” Um sujeito muito distinto, né? (Risos.) Uma coisa maravilhosa! E Henrique Lima? Por que não foi cassado? Então, me disse o Juraci, o General Juraci — naquele tempo o aeroporto era de madeira — encontrou-me ali e me disse: “Hoje eu tive um grande prazer, Deputado, porque o General Castelo Branco me pediu informações sobre políticos baianos, eu tive oportunidade de dar o meu depoimento sobre a sua figura, como o fiz também em relação ao Gastão Pedreira e ao Fernando Sant’Anna, dizendo-lhe que eram homens de pensamento, homens de esquerda, mas homens de grande dignidade”. Juraci me disse isso.

É tanto que, quando eu disse isso ao Oliveira Brito — coitado, ele não está mais no meio dos vivos —, ele me disse: “Não fique ouvindo essas coisas, não, porque daqui a pouco você deixa de ser dono do seu mandato. Esse pessoal acha que está lhe defendendo e, conseqüentemente, que o mandato pertence a eles”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E como foi cumprir esse mandato dentro dessa nova situação, dentro dessa nova...?

O SR. HENRIQUE LIMA - Aí, houve o seguinte, rapaz... Eu fiquei... todos os meus principais amigos ou foram para o exílio ou foram para a embaixada ou foram para a prisão, e eu sentindo que não tinha realmente méritos para receber uma punição direta, fiquei recebendo punição com a prisão dos meus irmãos, cunhado, invasão de propriedades da minha família e coisa e tal. Eu fiquei naquela dúvida e em determinado momento eu disse: “Eu vou renunciar a isso, porque não tenho nome nacional ainda, não posso fazer, entendeu, nada para inverter essa situação, eu vou renunciar e cuidar de outra atividade”.

E me aconselhei primeiro com o Balbino. Perguntei a Balbino: “Eu estou com vontade de renunciar ao meu mandato. Não tenho nada a fazer aqui. O Congresso é masculado, os corredores vazios, ninguém dava a menor importância ao Congresso”.

E, sobretudo porque eu assisti, vou adicionar uma outra memória naquele primeiro recesso decretado do Congresso. Aquilo me chocou profundamente, porque em determinado momento o Nilo Coelho chegou do Palácio dizendo que não tinha alternativa. O negócio tinha de ser aquele mesmo: o Congresso estava em recesso e acabou-se etc. E Oswaldo Lima Filho, que foi uma figura estelar na bravura, na conduta digna etc., criticou acerbamente Nilo Coelho por ser porta-voz da ditadura e vir, como Parlamentar, trazer recado e coisa e tal, mas o Presidente da Câmara, que era uma figura de grande peso na UDN, Adaucto Lúcio Cardoso, procurou pacificar o Oswaldinho, dizendo o seguinte: “Não podemos nos contrapor às Forças Armadas, com os homens em armas. Nós somos um Poder desarmado, somos um Poder civil , e coisa e tal. Vamos para nossas casas com tranqüilidade”. E o Oswaldinho, mais uma vez, se rebelou em nosso nome e disse uma série de impropérios, mas o Adaucto saiu e foi embora. E nós fomos para o gabinete do Presidente do Senado, Paulo Moura Andrade, já eram quase 4h manhã, e lá ele abriu aquelas cortinas, fez aquele estardalhaço — ele era muito vivo, muito inteligente, foi aquele do discurso “O Jango faz isso, senão, não; faz aquilo, senão, não” — e também fez alguns discursos para nós e, finalmente, deu alguns telefonemas para alguns generais, aí disse: “Não temos o que fazer, temos de voltar para casa”. E saímos todos indignados.

Quando chegamos lá embaixo, o Exército estava na porta. Nós tínhamos de nos identificar para sair. Então, um colega nosso, o Doutel de Andrade, tomou a palavra e disse: “Que vergonha! Parlamentares, homens do povo, representantes do povo, na Casa do povo, obrigados a tirar sua carteirinha de Parlamentar e se identificar ao Exército?! Isso é uma vergonha!” Quando ele olhou assim, o Coronel Meira Matos estava dentro do carro, e ele disse “É o Coronel Meira Matos? Mas, o senhor se prestando a esse papel? Que absurdo!” E fez aquele... O Oswaldo era uma figura extraordinária.

            Mas, eu cheguei à conclusão de que eu não tinha uma liderança nacional naquela época. Grandes companheiros, todos... O que eu vou ficar fazendo? Correndo, de baixo para cima, aqui dentro? Dando... O Getúlio, pelo menos, teve a dignidade de fechar o Congresso. Esse Congresso fecha e abre etc. Eu vou renunciar. Então, o Balbino me disse: “Não, não faça isso. Você não tem condições de enfrentar. Isso é um desafio que você vai fazer às custas do homem e você não tem estrutura para resistir a isso. Saia como você entrou: pela eleição”. Entendeu? É verdade! Então, fui procurar o Tancredo, com quem convivia muito bem, e submeti a ele minha disposição de renunciar. Ele disse: “Henrique Lima” — passou a mão em meu pescoço —, “olha, já fui quase tudo neste País, compreendo a sua angústia, mas você precisa, e eu sei que você é um homem de pensamento, mas você precisa consolidar a sua convicção de que as ditaduras são passageiras. O eterno é a liberdade numa democracia. Vamos ficar aqui, devagar e sempre, até que esta ditadura caia e nós voltaremos ao regime democrático. Candidate-se, volte, venha nos ajudar nessa tarefa”. O Tancredo já era um senhor recente, e eu era um jovem bacharel. Então, eu abdiquei, já estava pronto.

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - ... traidores, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a eleição do Castelo? Como foi esse acordo que o PSD fez, inclusive com Juscelino à frente, com o Castelo? Como é que você viu isso e como é que você participou dessa história?

O SR. HENRIQUE LIMA - Eu sei que houve uma reunião no Rio de Janeiro, na casa de um Deputado de Santa Catarina, o Nereu Ramos, e ficou estabelecido um acordo que garantiria a eleição direta, e Juscelino já era candidato. Inclusive defendi a nova candidatura do Juscelino da tribuna da Câmara. E, possivelmente, Lacerda seria o outro candidato.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E quem firmou esse acordo?

O SR. HENRIQUE LIMA - Não. Isso foi um encontro de políticos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quem participou?

O SR. HENRIQUE LIMA - Juscelino, Nereu Ramos...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Castelo?

O SR. HENRIQUE LIMA - Exatamente. Então, ficou isso acertado, o que não foi cumprido, evidentemente — soubemos depois da história. Mas eu tenho o privilégio de, no dia, ter ficado em minha casa na companhia de Humberto Lucena e de José Teixeira, José Carlos Teixeira, e recebemos um telefonema do Vieira, transmitindo uma mensagem do Juscelino de que fôssemos votar, que eu fosse — depois eu disse a ele que estavam lá Humberto e José Carlos Teixeira. Eu não aquiesci, e ele botou José Maria Alkmin para falar comigo, que era candidato a Vice, e eu também não aquiesci, e não fui votar. Pelo menos essa vitória eu tive (risos), não votei em nenhum nome do regime. Mas o fato é que o Castelo foi e deu naquilo que se conta e que não sei se é folclore ou não. Ele dizia que era o Ato Institucional, que a democracia voltaria, e depois veio com o AI-2. Foi quando o Milton Campos saiu, porque disse a ele: “Depois vem o 2, vem o 3, vem o 4, vem o 5, vem o 6, e ninguém mais segura essa balela”. E deu nisso que deu.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E o MDB foi o seu caminho natural, não é?

O SR. HENRIQUE LIMA - Não. Aí, o Castelo se elegeu, em 65... (Onde está aquele documento?) (Intervenções ininteligíveis.) O Castelo cometeu um dos grandes crimes do regime ditatorial de 64: dissolveu os partidos, partidos que iam se consolidando. O PSD representando realmente aquelas coisas interioranas, a UDN representando o setor urbano e provavelmente os interesses alienígenas, e o PTB representando o setor do operariado, das forças populares etc. Isso vinha se desenvolvendo, e ele, então, abortou aquilo abruptamente e impôs os 2 caminhos: o caminho dos adesistas ao novo regime e o caminho dos que se oporiam a ele. E foi uma dificuldade danada para conseguirmos compor totalmente esse quadro, mas compusemos o quadro e, logo em seguida, começamos com um movimento, simplesmente um movimento em prol da democracia brasileira — ainda não era propriamente um partido político. A seguir requeremos o registro do partido.

Eu tenho o privilégio, tenho até um documento aqui, de ter sido um dos 9 homens que assinou esse documento para o registro do partido. Eu sou um deles, e o único sobrevivente, todos os outros já faleceram. Faleceu o José Martins Rodrigues, o Ulysses Guimarães, o Franco Montoro, que subscreveu em primeiro lugar, o Pedro Ludovico, que era Governador, o Ermírio de Morais, que faleceu, a Ivete Vargas, que já faleceu, o Oswaldo Lima Filho, que já faleceu. Todos faleceram, e eu estou aqui de plantão para contar a história do que aconteceu no nosso País naqueles dias lamentáveis.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E qual foi o papel do General Oscar Passos? Por que um general para presidir?

O SR. HENRIQUE LIMA - O General Oscar Passos era um homem de grande dignidade e coragem, que não estava de acordo com o que se processou no País. E foi um achado, uma figura serena, tranqüila, com a possibilidade de, em determinados momentos, tomar algumas atitudes. Era uma figura muito importante, e recordo-me de tê-lo encontrado um dia, viajando para o Rio no mesmo avião. Ele tinha vindo prestar depoimento em favor de um subversivo que havia sido nosso secretário no gabinete executivo do partido. Veja que figura era essa: ele já em Teresópolis, descansando, um general reformado, perseguido, que teve a coragem, a decência de pegar um avião e vir aqui para dar um depoimento em favor de um subversivo: “Viu, Henrique? Estou aqui defendendo a sua gente!”.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Você está criticando essa desarrumação que o Castello fez. Como é que você vê hoje a evolução do quadro partidário? Em que que deu isso tudo? Que análise você faz da evolução do quadro partidário, que é por meio do qual a democracia se exercita?

O SR. HENRIQUE LIMA - Eu quero, antes de produzir outras análises, dizer uma coisa interessante. Quero render uma homenagem à Ordem dos Advogados do Brasil, porque eu me candidatei, na forma como conversamos aqui, mas encontrei minhas bases eleitorais todas explodidas. Estava tudo muito desorganizado, os meninos todos perseguidos, propriedades invadidas, loja tendo que ficar aberta —meu irmão mais moço, o Antônio, ia abrir uma e foi preso —, o eleitorado um pouco temeroso, recuando em querer apoiar um sujeito subversivo que a qualquer momento seria vítima de qualquer coisa. Então, perdi a eleição e continuei aqui, porque não tinha para onde ir. Eu não tinha emprego público nem coisa nenhuma e comecei a advogar. Abri um escritório com o Prof. Josaphat Marinho, figura que quero homenagear neste momento, porque tivemos longa vida juntos. Foi meu professor, foi meu companheiro de Parlamento e foi meu companheiro de escritório de advocacia, do que eu passei a viver aqui.

E, também, naquela oportunidade, eu passei a conviver com a Ordem dos Advogados. Fui eleito Conselheiro da Ordem, pouco depois que retomei a minha advocacia, e ali encontrei grandes companheiros, inclusive o Sigmaringa Seixas, o pai desse Parlamentar daqui de Brasília, grande advogado e dono de extraordinária coragem. Às sextas-feiras nos reuníamos para defender nossos companheiros que estavam presos, porque íamos quebrar a incomunicabilidade, íamos defendê-los na Justiça, e assim por diante. Passei dois períodos na OAB do Distrito Federal.

Não sei se tenho muita razão nisso, mas consegui fazer uma junção em determinado momento. Houve uma reunião, um congresso de advogados em Curitiba, e naquela oportunidade eu recebi a tarefa da Ordem dos Advogados do Brasil, federal e estadual, para ser o representante, o orador oficial na homenagem que o Tribunal prestava ao velho Ministro Aliomar Baleeiro.

            Aliomar tinha sido da banda de música da UDN e tinha sido nomeado Ministro pela ditadura e chegou à conclusão, depois do AI-5, de que não deveria permanecer, como pretendia, defronte do oceano, descansando durante a aposentadoria dele. Resolveu dar uma contribuição na luta contra o AI-5. E isso me entusiasmou muito para ser o representante da OAB naquela homenagem. Ao mesmo tempo, a luta contra o AI-5 já estava tão avolumada que o Ministro da Justiça do Governo Geisel compareceu ou se fez representar. O Legislativo fez-se representar. Faltava um vínculo do Supremo Tribunal. Eu aí aproveitei a homenagem que fiz a Aliomar, dizendo que naquela casa militou, deu um exemplo de coragem, que era um dos maiores combatentes na luta contra o AI-5 e que era o principal objetivo da reunião dos advogados em Curitiba, naquela oportunidade. Então, fizemos um nexo, uma conexão na figura daquele representante morto do Poder Judiciário, ao comandar a luta contra o AI-5, o que me confortou muito. Ter essa profunda lembrança.

            Existe uma frase de Aliomar muito bonita, em que ele diz que;  “a liberdade só sucumbe quando o povo tem a alma de escravo”. Uma frase, não me recordo inteiramente, mas é uma frase muito bonita e significativa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como você entende que todo esse processo revolucionário, essa interrupção da vida institucional brasileira, (inaudível) que prejuízos remanescem disso? O que é que restou disso diante desta situação? 

            O SR. HENRIQUE LIMA - É preciso ver o seguinte: se nós tomarmos a política brasileira a partir de 30, que foi um dos acontecimentos mais importantes do século passado, vamos verificar que houve interrupção do processo democrático ali, houve uma ameaça em 32, houve um processo de virulência em 35, houve um golpe renovado em 37, houve o problema de Getúlio em 54 e houve, finalmente, 64. As instituições democráticas não têm podido viver um longo tempo para uma consolidação. E não temos tido uma base social dos partidos. O grande crime, eu digo, do Governo Castello Branco dissolvendo os partidos é que deu uma grande contribuição para isso. Voltamos à tona, depois desse novo jejum democrático, tendo que reconstituir todas as bases partidárias.

            Há um fenômeno, porém, que tem que ser visto, apenas como analista, sem nenhuma vinculação a partido. Entre as grandes, imensas contribuições que Juscelino deu ao País estava a tentativa que ele fez, com algum êxito, com nossa industrialização: os 50 anos em 5 na indústria. O que ele me disse, na casa de José Martins, no Rio? Por isso que falei no Congresso, que a nova candidatura dele seria os 50 anos em 5 na agricultura, para estabelecer nosso mercado interno.

Disso resultou que nós tivemos, pela primeira vez, uma classe operária não em si, mas para si, como se diz no jargão marxista. Nós verificamos que, em São Paulo, foi possível, sobretudo na indústria automobilística, deflagrar um processo extraordinário de luta sindical, já com os trabalhadores com uma certa consciência disso, o que gerou o partido trabalhista, o PT , o Partido dos Trabalhadores, que é hoje, indiscutivelmente, o único partido organizado, estruturado, com uma base social dos trabalhadores e da intelectualidade, e basicamente, também, com  os estudantes. O que vem confirmar aquilo que eu dizia anteriormente, no princípio deste depoimento, que nós vivemos muitos anos no Brasil fazendo uma luta política com base apenas na intelectualidade e no movimento estudantil, na UNE, nas reuniões estaduais, nas reuniões dos estudantes secundários, nos grêmios acadêmicos e num incipiente movimento operário. Porque só com o processo de industrialização mais acentuado se formou a classe trabalhadora, a classe operária, que deu base ao movimento sindical. E, quando se chegou à conclusão de que o movimento sindical é um movimento que deve ter uma índole apenas de defesa econômica dos interesses dos trabalhadores e se estava tornando uma espécie de partido político, veio a idéia da constituição do Partido dos Trabalhadores, que tem esse grande papel. Estejamos ou não no Partido dos Trabalhadores, temos que reconhecer esse grande mérito.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a democracia, você que começou a sua militância política numa ditadura e teve uma ditadura como causadora do encerramento da sua carreira política, como é que você enxerga esse processo democrático, o futuro desse processo democrático hoje no Brasil?

O SR. HENRIQUE LIMA - Eu examino com toda a confiança. Primeiro porque eu lembro daquela tese do velho Winston Churchill, tão batida e rebatida, depois que perdeu a eleição tendo sido um herói na guerra. Aquilo sempre me consolou muito, porque, quando a gente se sente injustiçado, a gente recorre aos homens de Estado, aqueles que viveram e sofreram mais do que nós. E ele perdeu a eleição, depois de ter resistido com sangue, suor e lágrima nas ilhas britânicas ao horror do nazismo e do fascismo. E o jornalista lhe perguntou como ele compreendia aquilo. Ele disse: “É porque a democracia é o pior regime que existe, mas o homem não inventou um melhor ainda”.

De outro lado, também me consolo com as palavras do Tancredo, quando me disse: “Fiquemos juntos, vamos lutando devagarzinho, porque as ditaduras são transeuntes. O eterno é a liberdade e a democracia”. Então, estou fixado nesses pressupostos. É o que me anima, o que me dá ânimo e o que espero para o futuro do Brasil.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – não nos esquecemos, não é? Maravilha!

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

O SR. HENRIQUE LIMA – Você foi a autora disso!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – De quê?

O SR. HENRIQUE LIMA – Da minha presença aqui!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Mais ou menos! (risos) Eu e o Ivan conspiramos!

O SR. HENRIQUE LIMA – Mas você foi feliz em esperar!

(risos)

O SR. HENRIQUE LIMA – e a vocês também!

O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) – Obrigado! Que é isso! O senhor é que é a estrela. Falou muito bem.

O SR. HENRIQUE LIMA - Muito obrigado.

(Pausa)

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) Mas foi um depoimento muito bom!

O SR. HENRIQUE LIMA – Você achou?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Achei sim! Sem dúvida!

O SR. HENRIQUE LIMA – Agora eu estou me lembrando aqui, mas isso fica para outra oportunidade. Eu não falei de Antônio Carlos. É que eu queria fazer uma....

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Vamos fazer?

O SR. HENRIQUE LIMA – Não! Mas assim não!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – É! Vamos!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Vamos!

O SR. HENRIQUE LIMA – Então, a gente faz!

(Pausa)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Vamos fazer só se for para falar bem! (risos) Não é? Senão a gente corta! (risos)

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - …..Ele falou que o general não sabia do golpe. Estava todo mundo sabendo do golpe, e o general não sabia. E ele foi ao Congresso e chegando lá avisaram a ele, e ele disse: “Não, isso é conversa”. Ligou para o …

O SR. HENRIQUE LIMA – Quem foi?

O SR. ENTREVISTADOR (Não identificado) - O Almino Brasil.

O SR. HENRIQUE LIMA – Ah! O Almino também? Quer dizer que coincidiu com esse meu depoimento.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Foi! Coincidiu muito.

O SR. ENTREVISTADOR (Não identificado) – Coincidiu muito mesmo!

O SR. HENRIQUE LIMA – Que interessante!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Pode sair desse...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Não. Nós vamos voltar! Ele quer falar sobre Antônio Carlos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - O senhor que falar?

O SR. HENRIQUE LIMA – Se não servir a gente tira!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Se não servir, não! Se não falar bem dele, nós tiramos! (risos)

O SR. HENRIQUE LIMA – Eu vou falar um pouco bem. Vou falar pior ainda nas entrelinhas! Pois é......

(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Então, vamos lá!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- Vamos lá!

O SR. HENRIQUE LIMA – Pois é! No tocante a essa questão de partido também, estamos com uma grande dificuldade. O MDB foi o partido que tem o privilégio de ser um dos instrumentos de constituição, foi o estuário de todas aquelas forças que se contrapunham à ditadura. E, com o restabelecimento do processo democrático, cada um procurou seu aconchego, de modo que, no nosso caso, estamos com dificuldades no MDB. O PFL é uma UDN sem Milton Campos, sem Afonso Arinos de Melo Franco, sem Carlos Lacerda, sem aquelas figuras extraordinárias.

Daquelas lideranças, resta o Antônio Carlos Magalhães, que é um político polêmico, que mantém uma força extraordinária na Bahia, reconhecidamente, e com quem sempre tercei armas no campo partidário. Ele sempre foi da UDN, e eu do PSD, depois ele foi da ARENA, e eu do MDB. No Congresso, marchamos sempre em direções inversas. Inclusive, respondendo a um aparte meu, ele fez parte da minha biografia revelando ao Governo da ditadura que eu teria sido um agitador comunista nas ruas da Bahia, ilustrando uma das páginas de que mais me orgulho da minha vida, da minha juventude como idealista.

Não obstante essas diferenças, inclusive em determinado momento eu cheguei a lhe dizer que entre nós havia uma diferença: ele já havia votado em mim, e eu nunca votei nele. Porque, como candidato à sucessão no Estado da Bahia, ele, conduzido por um amigo comum judeu, votou na minha candidatura, e eu nunca votei nele para nenhum dos postos que ele exerce. Ele, porém, no meu retorno à Bahia, eu na planície e ele no Olimpo, ele teve a gentileza desta natureza: fez questão, quase brigou comigo para que eu fosse ao Palácio almoçar com ele. O que fiz, mas não tenho dúvida nenhuma de que, a partir daí, ele cooptou todos os meus companheiros da minha principal base eleitoral na Bahia. Antonio Carlos é uma figura surpreendente. Um homem dinâmico, pessoalmente, com aqueles que lhe respeita é gentil, mas de olho aberto na política baiana. Uma pequena vingança...

(Risos geral)