Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMORIA POLÍTICA - TV CÂMARA

EVENTO: Entrevista

N°: ESP010/00

DATA: 26/06/2000

INÍCIO:

TÉRMINO:

DURAÇÃO: 1h03min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1h03min

PÁGINAS: 23

QUARTOS: 13

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

GERALDO FREIRE - Ex-Deputado Federal.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o Sr. Geraldo Freire.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 10/06/2010

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Deputado, vamos começar pela sua origem, onde o senhor nasceu, em que ano, as primeiras letras...

O SR. GERALDO FREIRE - Nasci em Boa Esperança, uma cidade pequenina do interior de Minas Gerais, em 1912, há 88 anos. Meu pai era Casimiro Antônio da Silva, minha mãe era Maria Freire e Silva; um casal que viveu, graças a Deus, com grande harmonia. Tinha 8 filhos, eu era o quarto irmão. Hoje somos apenas 3, pois 5 já morreram.

Fiz o curso primário, na minha terra mesmo; depois, o ginasial, em Varginha, com os Irmãos Maristas em Muzambinho, que é o Ginásio Mineiro; e o curso de Direito em Belo Horizonte, que terminei em Niterói. Em 1938 terminei o curso de Direito.

Comecei a advogar na minha terra, depois fui Promotor de Justiça. Ultimamente, fui convidado para ser candidato a Deputado Federal. Abandonei a Promotoria, vim para Câmara. Estive aqui quase 20 anos como Deputado e, depois, afastei-me. Estou levando o resto dos meus dias à espera do que Deus me reservar.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor contou no seu livro, que foi colega de turma do, na época, Capitão Filinto Müller.

O SR. GERALDO FREIRE - Sim, o Filinto já era mais velho, né! parece que ele tinha 10 anos a mais do eu. Mas eu terminei meu curso em Niterói, em 1938, e ele também. Ele já era Chefe de Polícia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - No Rio de Janeiro.

O SR. GERALDO FREIRE - No Rio de Janeiro, do então Distrito Federal. E terminamos o curso de Direito juntos, no mesmo ano.

Mas adiante, viemos a nos reencontrar aqui na Câmara: eu, como Líder do Governo na Câmara dos Deputados, e ele, como Líder do Governo no Senado Federal. Era, por sinal, um colega muito afável. Mesmo ocupando a chefia de Polícia ali, ele tratava todo mundo como se fosse um estudante igual aos outros.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Seu primeiro mandato na Câmara foi quando?

O SR. GERALDO FREIRE - Foi em 1961.

Eu era suplente. Eu não fui eleito da primeira vez. Eu saí da Promotoria de Justiça para me candidatar como Deputado Federal. Foi uma aventura muito grande! Eu não tinha partido político, não tinha diretórios; tinha amigos. Recebi uma votação muito expressiva, mas não consegui me eleger porque a UDN, partido ao qual me filiei, perdeu, na ocasião, 3 Deputados, e eu fiquei na terceira suplência. Depois que o Jânio Quadros foi eleito, o Magalhães Pinto o foi também, como Governador de Minas, ele convocou 3 Secretários e eu entrei na Câmara.

O primeiro mandato foi assim, como suplente. Depois, fui me reelegendo até 1979, quando abandonei a política.

A SRA. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor viu o movimento de 1964, depois do Sr. João Goulart?

O SR. GERALDO FREIRE - Olha, é uma coisa interessante. Eu vi o movimento de 1964 com entusiasmo de colegial.

Eu andava muito desiludido e achava que o Brasil não tinha caminho e, quando veio a revolução, eu acreditei piamente nela, e dei a ela tudo o que eu podia. Às vezes até o que talvez não pudesse dar. Mas tive uma esperança extraordinária de uma recuperação completa do Brasil.

            Na ocasião, havia uma desinquietação muito grande: greves por todo o lado, ameaça de subversão, uma reforma agrária mal estruturada. Na realidade eu, toda vida, fui a favor de que se dê terra ao homem do campo; agora, como uma coisa racional, bem feita, equilibrada. Naquela ocasião, falava-se numa situação que poderia comprometer a própria estabilidade do País.

Então, diante daquilo tudo, da desarmonia que havia, do desentendimento, da aparente falta de senso dos órgãos diretores do País, eu recebia aquilo como se fosse uma dádiva do céu. Recebi, realmente, com entusiasmo extraordinário — vou repetir: entusiasmo de colegial — e mantive isso até sair da Câmara. Depois, me desiludi e, mais tarde, resolvi recolher-me e afastei-me da política.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor se desiludiu da política.

O SR. GERALDO FREIRE - Da política.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por que, doutor?

            O SR. GERALDO FREIRE - Eu achei que a minha mensagem estava dada e que, infelizmente, tudo quanto eu desejava para o meu País não consegui que fosse alcançado. Então, achei que seria inútil eu continuar trabalhando. Não teria mais nada a dar. Tudo que eu podia dar eu dei. E como eu...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que o senhor desejava para o País?

            O SR. GERALDO FREIRE - Estabilidade, patriotismo, espírito público. Eu sempre achei que política é sacrifício, não benesse pessoal. Sempre entendi que o político deve dar ao seu país tudo o de que ele for capaz. Evidentemente, o político é um homem como outro qualquer, tem suas necessidades materiais, tem a sua família, precisa ter renda, precisa ganhar dinheiro. Agora, fazer da política uma fonte de enriquecimento e apenas de fruição pessoal é uma coisa que nunca se coadunou com o meu modo de ver.

            Então, quando verifiquei que, sozinho... Aliás, não era sozinho; eu tinha companheiros extraordinários. Eu cheguei a ser Líder do Governo e tinha um corpo de Vice-Líderes que pensava exatamente igual ao meu ponto de vista. Nós demos tudo o que podíamos para que este País tomasse o caminho.

Eu até chego a dizer o seguinte: — vocês não perguntaram, mas eu vou dizendo tudo: eu acho que o Governo Médici fez isso. Depois dele, a coisa atrapalhou outra vez.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, o ponto mais importante na sua trajetória política, a verdadeira prova de fogo, foi quando o senhor assumiu a Liderança do Governo na Câmara por desistência do Deputado Ernani Sátyro, que alegou estado de saúde. O senhor, então, era... A tramitação do pedido do Supremo Tribunal Federal para processar o ex-Deputado Márcio Moreira Alves. O senhor recompôs a Comissão de Constituição e Justiça, colocando 9 ou 10 novos membros e garantiu a aprovação do pedido no âmbito da Comissão. Teve até aquela frase famosa do Deputado Djalma Marinho, citando Calderón de La Barca: ''Ao rei tudo, menos a honra''. Mas o senhor conseguiu aprovar. O senhor poderia rememorar esses acontecimentos para a gente?

            O SR. GERALDO FREIRE - Perfeito. Aliás, você foi testemunha de tudo e está reproduzindo com absoluta fidelidade. Apenas há um pequeno equívoco: não foram 9 membros, foram 6...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Seis.

            O SR. GERALDO FREIRE - ... que eu substitui. Eu pedi a eles, por tudo quanto era sagrado, que deixassem de comparecer e eu convocaria os suplentes. Eles não quiseram. Eu, então, me vi forçado a substituí-los.

            Realmente, foi a luta dramática, o ponto culminante da minha carreira política.

            O Ernani Sátyro era um homem muito corajoso. Ele não desistiu. Realmente, ele foi vítima de um insulto cardíaco e teve que se recolher a um hospital no Rio de Janeiro, onde ficou 30 dias em tratamento. E como eu era o Vice-Líder imediato dele, fui convocado para assumir a Liderança.

            Na ocasião, eu não sei se foi você, mas foi um jornalista das nossas relações que disse: “É o seu batismo de fogo?” Eu falei: “Não; extrema-unção.” Não foi totalmente um batismo, porque foi a situação dramática da minha carreira política.

            Nós não podíamos deixar de dar a licença sob pena de acontecer o que aconteceu. Aquilo estava... À nossa frente, estávamos vendo aquilo e entendemos que dar uma licença para que o Supremo Tribunal Federal processasse um Deputado não era diminuir esse Deputado em nada e nem lhe cassar o mandato; era apenas transferir para o Poder Judiciário um problema político agudíssimo na ocasião. Nós percebemos, tivemos sensibilidade para aquilo, mas o Plenário não acolheu. Na Comissão de Justiça, conseguimos mesmo a aprovação.

Foram momentos dramáticos, terríveis, inesquecíveis na vida de qualquer Parlamentar. Então, isso marcou profundamente toda a minha carreira política.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que o senhor se lembra desse episódio, que o senhor mesmo reconhece como o mais marcante da sua trajetória política? O que é que o senhor se lembra, assim, que ficou muito na sua memória a respeito desses acontecimentos?

            O SR. GERALDO FREIRE - Olha, é um todo. Então, eu não posso personalizar muito porque, afinal de contas, o que estava em choque era o interesse do Brasil, não era a minha pessoa.

Eu, pessoalmente, cheguei até a ficar com a pressão arterial elevada a 15. Ela sempre foi de 11 ou 12. Chegou a estar elevada a 15. Mas, na época, a do Djalma Marinho foi a 19. Meu consolo foi esse.

Aquele coitado sofreu mais do que eu. Era realmente uma grande figura. Nós divergimos nesse ponto. Ele queria que se negasse a licença; eu achava, como Líder ocasional, que era necessário concedê-la.

Tudo ali foi muito dramático. Agora, eu me lembro que esse episódio da substituição dos meus amigos — porque eram todos amigos, companheiros políticos, homens da melhor qualidade, e eu fui obrigado a substituí-los — aquilo foi o que mais me chocou. Realmente, eu gravei sempre com pesar a necessidade que tive de fazer essa substituição na Comissão de Justiça.

Não os diminuí em nada, respeitei o ponto de vista deles. Todos permaneceram meus amigos pessoais, não tive a menor divergência com nenhum deles. Até hoje, os que ainda restam, estão por aí, por exemplo, Murilo Badaró, Francelino Pereira... Alguns outros eu não sei se estão vivos, mas aqueles com quem eu mantenho convivência são meus amigos até hoje. Mas, realmente, foi o que mais me chocou naquele episódio todo.

            Eu me lembro que reuni os Vice-Líderes e disse a eles que precisava substituir aqueles companheiros, mas que eu achava que não devia fazer isso. Em todo caso, eles votariam. Eram 12, e 11 votaram pela substituição. O único que não votou, por ironia do destino, fui eu. Mas como eu era o Líder, até cheguei a fazer uma bravata. Falei: “Eu não vou assinar.” Mas, depois, fiz minhas consultas. Lembro-me que até conversei com Pedro Aleixo a respeito, tive aquela dificuldade e,  na hora de substituir, mandei bater e assinei. Eu era o Líder, tinha que assinar. Assinei a substituição e assumo a responsabilidade disso até hoje.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Essa substituição foi uma decisão do Presidente? O senhor chegou a conversar com o Presidente antes?

            O SR. GERALDO FREIRE - Olha, pessoalmente, com o Presidente, não. O Presidente, na ocasião, era o Costa e Silva, e o Costa e Silva — pode até parecer que eu estou exagerando — era um democrata; ele respeitava aquilo que a gente decidia. Eu conversei mais com a área política, o chefe da Casa Civil, e os meus amigos da Liderança, enfim, os que representavam politicamente o Presidente.

            O Presidente pedia que se concedesse a licença para evitar coisa pior. Porque ele dizia: “Eu tenho o meu pano de fundo; eu tenho a minha reserva, mas não quero lançar mão dela. Eu prefiro que os senhores decidam.” Então, ele não forçava não. Mas os meus companheiros políticos acharam que seria necessário fazer isso para que a Comissão de Justiça não negasse, porque, se ela negasse... A situação nos parecia muito grave. Aliás, iria acontecer o que aconteceu. Quer dizer, haveria o recesso no Congresso, e foi o que se deu, né!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não acha que aquilo representou um aprofundamento da intervenção militar na política brasileira?

            O SR. GERALDO FREIRE - Não tenho dúvida nenhuma! Não tenho dúvida nenhuma! Veio daí o AI-5. Se não tivesse havido aquilo...

Aliás, pensando bem, na ocasião — nós ponderamos tudo isso —, o episódio Márcio Moreira Alves foi uma infantilidade a toda prova. Não tinha sentido nenhum aquela história de dizer que as moças não deviam namorar militares. Aquilo era uma brincadeira, tanto que ninguém lhe deu a menor importância. O pessoal estava todo lá em plenário, ninguém ligou; foi um pinga-fogo desses. O Marcelo é um rapaz até talentoso, etc mas não foi a melhor peça oratória dele, muito longe disso, nem a mais ofensiva, porque ele já havia escrito até um livro sobre tortura. Aquilo nem chegou a ser ofensivo; aquilo parecia ser até uma brincadeira. Então, ninguém dava atenção.

            Agora, o episódio central, a meu ver, tinha acontecido antes na universidade, na UnB. Na UnB houve problema seríssimos, você se lembra disso, e aquilo agravou muito a situação. De modo que o episódio do Márcio Moreira Alves foi apenas uma gota d'água que não tinha expressão nenhuma, a nosso ver.

            Mas a situação se agravou de tal forma que, se não tivesse vindo depois o AI-5, teria vindo coisa muito pior, que seria o fechamento definitivo do Congresso. O Presidente Costa e Silva fez tudo para evitar isso. O AI-5 já foi uma alternativa criada por ele para evitar que o Congresso se fechasse de todo, e ele foi apenas colocado em recesso.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Na sua opinião, quem foi o grande mentor do AI-5?

            O SR. GERALDO FREIRE – Olha, o AI-5, eu já disse, foi ideia do próprio Presidente da República para evitar que o Congresso se fechasse. Ele próprio me disse que a ideia dominante seria a de fechar o Congresso e eles queriam uma solução imediata. Naquele dia, 13 de dezembro de 1968, ele retrucou: ”Hoje não haverá solução nenhuma”. Amadureceu, convocou os seus juristas e no dia seguinte apresentou o AI-5 como uma posição intermediária que deixaria em aberto a possibilidade de se manter aquele próprio Congresso.

O Congresso não foi fechado; foi apenas desativado durante o tempo considerado necessário à reestruturação dos Poderes no Brasil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dr. Geraldo, muitos acham que o insulto cerebral que sofreu o General Costa e Silva foi precedido da deposição dele. O senhor acredita nisso?

            O SR. GERALDO FREIRE - Da deposição dele? Não acredito, não, porque ele estava rodeado de homens da maior lealdade. O próprio Lyra Tavares e outros quiseram tomar uma solução sem o Presidente, e a réplica dele foi: “Sem o Ministro também”. Então aquilo barrou tudo. Ele estava cercado de homens fidelíssimos a ele  e que não o deporiam.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Pedro Aleixo era um nome de confiança no meio militar e não foi possível ele tomar posse. Como o senhor vê isso? Apesar de ser bem aceito o nome dele, já que era Vice-Presidente, com a doença do Costa e Silva ele não pôde assumir.

            O SR. GERALDO FREIRE - Não, o Pedro Aleixo era realmente um grande democrata e era um homem de alta fidelidade. Os militares acreditavam muito nele, no patriotismo e em tudo quanto importava a conduta política dele. Agora, eles entenderam que, por causa da formação democrática, ele não iria tomar medida drástica contra o Congresso; ele ia providenciar a abertura democrática numa época que parecia ainda muito prematura aos olhos dos militares. Por isso é que eles o afastaram. Foi uma medida violenta mas não ofensiva, pelo contrário. Eles acreditavam na sinceridade democrática dele e, por isso, acharam que ele não poderia assumir naquele momento.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ele iria promover uma abertura?

            O SR. GERALDO FREIRE - Uma abertura democrática, era o que se supunha. Aliás, tudo indicava que ele estava compromissado com o Presidente Costa e Silva para tomar essa providência; os dois estavam completamente de acordo. Se não tivesse havido esse retrocesso do episódio Márcio Moreira Alves, a abertura democrática teria vindo muito antes do que acabou acontecendo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dr. Geraldo Freire, depois desse episódio tão marcante, o senhor foi escolhido Presidente da Câmara dos Deputados. Quem foi que o convidou a ser Presidente da Câmara dos Deputados?

            O SR. GERALDO FREIRE - Isso é uma coisa muito interessante. Nós levamos ao Presidente da República 6 nomes, como era hábito, porque o Presidente respeitava nossa solução. Mas, em virtude da delicadeza da época, gostávamos de submeter a ele o nome de possíveis candidatos. Então, quando chegamos lá, conversando com ele... O Rondon Pacheco era presidente nacional da Arena nessa ocasião, e estávamos o Rondon, como Presidente da Arena, e eu, como Líder do Governo. Submetemos a ele os 6 nomes. Nesse momento, o Rondon disse: “Geraldo, você poderia me esperar lá fora”. Eu fui. O que eles conversaram eu não sei. Depois, acabei depreendendo que teria sido a meu respeito porque, quando Rondon saiu, ele me disse: “Geraldo, eu acho que já estamos com o Presidente da Câmara engatilhado”. Aliás, “o candidato a Presidente da Câmara já está engatilhado”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o General Costa e Silva?

            O SR. GERALDO FREIRE - Não, era o General, era o Presidente Médici.

Ao sair, falei: “Vou me despedir do Presidente”. Entrei lá e perguntei ao Presidente qual era a solução, e ele disse: “vou consultar os meus travesseiros”. Falei: “Mas o que eu digo aos jornalistas?”. “Diga isso, que eu tenho o direito de refletir. Vou refletir e depois dou uma solução.”

Quando foi no domingo, ele me convidou a mim e a minha esposa para almoçarmos com ele no Palácio. E fomos. Ele então me disse: “Estou com o meu candidato à Presidência da Câmara escolhido. O senhor quer saber quem é?”. Respondi: “Evidentemente; estou aqui para isso”. “É o Geraldo Freire”. Falei: “Mas, Presidente, não me julgo aparelhado para isso. Tenho muito receio. É uma responsabilidade muito grande, a época é muito melindrosa”. A resposta dele: “O senhor está aparelhado para muito mais do que isso, porque o senhor é um homem de convívio fácil”.

Achei muito interessante por isto: ele, Presidente da República, achar que eu, um Deputado simples, tinha convívio fácil. E foi a qualidade que ele encontrou em mim foi essa, o convívio!

“De modo que então vamos chamar o Deputado Rondon Pacheco para tomar as providências e avisar que o senhor é o nosso candidato e vocês componham lá uma chapa do jeito que acharem melhor.” Eu estava premido pelas circunstâncias. Não escolhi, não pedi e ainda falei com ele: “O meu nome não consta da lista.” Disse ele: “Mas eu não tenho o direito de acrescentar um? Então, é o sétimo nome”.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E quais eram os nomes da lista, os 6 nomes?

            O SR. GERALDO FREIRE - Eu não me lembro de todos, não, mas parece-me que o Flávio Marcílio estava no meio; o Raymundo Padilha, aquele que veio a ser o meu sucessor depois, aquele Deputado de São Paulo, grande amigo meu...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pereira Lopes.

            O SR. GERALDO FREIRE - O Pereira Lopes.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Célio Borja?

            O SR. GERALDO FREIRE - Não. O Célio, na ocasião, não. o Célio foi depois, em uma outra oportunidade posterior. Talvez o Aureliano Chaves.

Não me lembro bem dos 6 todos, não. Só lembro desses que estou falando.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor teve, acho, um problema com a imprensa; a imprensa parece que atacou muito as posições das lideranças do Governo no Congresso. Parece que houve uma campanha do Estado de S. Paulo, do Jornal de Brasília e da revista Veja, não é?

            O SR. GERALDO FREIRE - A campanha maior foi um equívoco.

O Seabra Fagundes, na ocasião, fez uma conferência, como tudo que ele fazia, notabilíssima. O Lucena era Líder do MDB, e requereu a transcrição da conferência do Seabra Fagundes nos Anais da Câmara. Eu submeti o requerimento à Mesa, como era de praxe, uma obrigação regimental, e a Mesa entendeu que não era possível transcrever, a menos que fosse lida.

            Eu percebi a gravidade da situação, porque o Humberto Lucena era um homem muito polêmico. Então, mandei propor a ele, até pelo Padre Nobre, que era Vice-Presidente e era do MDB, que, se ele mesmo não quisesse fazer a leitura da conferência, para transcrevê-la, escolhesse qualquer um da Mesa, qualquer um de nós, ou um companheiro dele, ou um homem da ARENA que estivesse na Mesa, até o próprio Presidente. Eu mesmo me ofereci para ler a conferência para que pudesse ser transcrita. Mas não podíamos permitir a transcrição, porque não era regimental. Então, indeferimos o pedido.

            Ele criou uma celeuma tremenda com aquilo. E o Jornal do Brasil veio de cacete em cima de mim que foi uma coisa tremenda! Eu respondi, na ocasião, explicando tudo o que havia. Mas eles não compreenderam e realmente me xingaram de cobras e lagartos. Era um episódio muito simples. Evidentemente, o Presidente não iria fazer aquilo porque não era praxe, mas qualquer um de nós da Mesa, inclusive o Padre Nobre — que está vivo até hoje e é testemunha disso — poderia ler. O Humberto não quis, teimou, teimou! recorreu à Comissão de Justiça e perdeu, porque tínhamos maioria e tudo. Então, o episódio maior foi esse.

            Depois eles me crucificaram muito como Líder e me xingaram muito. Afinal, como Líder, eu fazia o que todo Líder faz. Até hoje está-se vendo, nessa democracia tão aberta, que o Líder só faz o que o Presidente da República quer! Então, eu fazia o que o Governo pedia, eu era Líder do Governo e estava ali para encaminhar as matérias do Governo. Sofri muito, realmente, realmente.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Jornal do Brasil parece que falou em termos de censura.

            O SR. GERALDO FREIRE - O Jornal do Brasil me honrou com um editorial em que mandava lenha sem dó nem piedade, por causa desse episódio do Seabra Fagundes, que, aliás, era um grande jurista. O Thales Ramalho, que era da Mesa, homem do MDB e amigo do Humberto Lucena, explicou ao Seabra Fagundes a situação. O Seabra, com quem nunca tive o prazer de um contato pessoal, mandou-me a conferência com uma dedicatória muito honrosa! Imagine, o próprio Seabra Fagundes compreendeu tudo, e a imprensa não compreendeu. Não compreendeu, não, eles queriam mesmo um bode expiatório, e esse bode era eu! Eles não podiam xingar o Governo militar, porque tinham medo, agora eu era indefeso. E então eles partiam para cima de mim e me xingavam à vontade!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor respondeu com o artigo Caça à Raposa?

            O SR. GERALDO FREIRE – Ah! Respondi, respondi. Caça à Raposa era o título que eles haviam dado e que adotei na resposta que lhes dei.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor ainda tem esse recorte?

            O SR. GERALDO FREIRE - Publiquei um livrinho chamado Ao Longo da Vida, em que transcrevo, com alguns erros de revisão, porque o livro foi muito mal revisto, a resposta que dei ao Jornal do Brasil, que na ocasião — sem vaidade eu digo — o livro mereceu elogio do Hélio Fernandes. O Hélio era um dos jornalistas que me atacavam impiedosamente, mas, diante da resposta que dei ao Jornal do Brasil, ele me elogiou na Tribuna da Imprensa, por causa dessa resposta. Lembro-me muito bem disso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dr. Geraldo Freire, depois o senhor foi Presidente da Câmara. Como Presidente da Câmara, o senhor poderia fazer uma avaliação da sua gestão política e administrativa?

            O SR. GERALDO FREIRE - Como gestão administrativa, posso dizer que não nomeei ninguém. Foi uma gestão modesta, mas inteiramente voltada para os interesses do País, sobretudo para a preservação do Poder Legislativo. Éramos acusados de fazer tudo o que o Governo queria. Vou repetir o que eu disse há pouco: toda Maioria faz o que o Governo quer. Mas na ocasião a imprensa achava que nós só sabíamos falar “amém”, não fazíamos outra coisa. Por causa disso, recebemos ataques também.

            Agora, graças a Deus, nunca recebemos um ataque em matéria de honra. Toda a imprensa do Brasil, que nos censurava politicamente, sempre respeitou o sentido de honestidade do nosso mandato.

            De modo que foi um período de absoluta tranquilidade. Na Câmara dos Deputados não houve problema nenhum, não houve crise. O Governo Médici não cassou ninguém por motivo político. É preciso que se frise isso. Porque o Presidente Médici é acusado de coisas que ele não cometeu, mas ele andou suspendendo direitos políticos de muita gente por corrupção. Não há, entretanto, um caso de suspensão de mandato político de ninguém.

            Então, foi um período de tranquilidade. O Cleofas era Presidente do Senado Federal e eu, Presidente da Câmara dos Deputados. Mantivemos o Poder Legislativo dentro de um espírito de harmonia, de respeito do Poder Executivo. Ninguém interferia lá. Quando havia qualquer coisa, evidentemente, eles colocavam à nossa atenção. Então, nós analisávamos para ver se havia necessidade de alguma correção ou não, mas tudo feito por nós, dentro da Câmara dos Deputados, e do Poder Legislativo. Jamais o Poder Legislativo recebeu, naquela ocasião, nenhuma interferência estranha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Havia algum tipo de censura a discursos, a pronunciamentos de Parlamentares para publicação?

            O SR. GERALDO FREIRE - Olha, depois do Márcio Moreira Alves, houve então um receio muito grande, né! É a velha história do gato escaldado que tem medo de água fria. Nós ficamos sempre apavorados, mas é interessante.

            Por exemplo, lembro-me — nessa época eu já não era mais Presidente da Câmara dos Deputados, era o Pereira Lopes — daquele Deputado Francisco Pinto. Você deve se lembrar muito dele, um comunista da Bahia. Embora meu amigo pessoal, nunca tive mágoa alguma dele, nem ele de mim. Mas o Francisco fez um discurso, parece-me, sobre a vinda do General Pinochet ao Brasil. Então, nós ficamos apavorados com aquilo. E eu pedi ao Cantídio Sampaio...lembra-se do Cantídio, não é? O pai dele era da melhor categoria. E eu pedi: “Cantídio, faça uma revisão”.

            O Cantídio pensou a noite inteira. Estudou, levou o discurso para a casa. No dia seguinte me disse: “Olha, Geraldo, o trem é satânico” — foi a expressão que ele usou. “Não pode cortar uma palavra. Ou tem que ficar inteiro ou cortar tudo. Como é que nós vamos fazer?”

            Fui ao Leitão de Abreu e expliquei a ele a dificuldade. Fui ao Pereira Lopes. Trocamos ideias e chegamos à conclusão: “O melhor túmulo dele é o Diário Oficial”. O Pereira Lopes mandou publicá-lo. E não houve nada, absolutamente nada.

            Quer dizer, as coisas tinham mudado, né!  Porque, o discurso era terrível mesmo, mas não houve reação alguma. Lembro-me desse episódio. Pode ser que tenha havido outros, mas não me lembro, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tempos depois, o Senador Filinto Müller me disse que esse era um discurso de bureau, quer dizer, de um grupo de rivais. Mas o Chico Pinto me disse que não, que foi ele quem fez mesmo.

            O SR. GERALDO FREIRE - Ah, mas o Chico era talentoso e muito bem formado, de acordo com a doutrinação dele. Ele sabia o que dizia.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor se lembra de alguma coisa, na sua área administrativa na Câmara dos Deputados, de uma decisão importante que o senhor tenha tomado sobre a gestão administrativa da Casa?

            O SR. GERALDO FREIRE - Bom, o meu período foi o último de um ano de mandato, um período curto. Agora, era a ocasião em que, por exemplo, se construíam os apartamentos para os Deputados morar. Então, na minha gestão, paramos com a ideia de vender, para criar o apartamento funcional. E aprovamos aquilo. O 3º Secretário era o Emílio Gomes, que ficou incumbido de tomar todas as providências para construir, na Asa Norte, os apartamentos de residência dos Deputados, sob a feição de funcionais. Mas isso chegou a ser feito depois da gestão do Pereira Lopes. O nosso prazo terminou. Nós havíamos dado o impulso inicial.

            O mais era questão de rotina. Mantivemos funcionando tudo direitinho. O funcionalismo não estava muito feliz, porque não havia aumentos, mas era disciplinado. Até hoje, aqueles que restam do meu tempo são muito amigos nossos, não tivemos problema algum.

            Mas não houve grandes feitos, grandes realizações. Nós éramos Poder Legislativo, e não tínhamos motivo para fazer, assim, grandes obras.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dr. Geraldo, o senhor acha que o Brasil ainda corre o risco de uma nova intervenção militar daquela natureza?

            O SR. GERALDO FREIRE - Acho difícil. Eu acho que as Forças Armadas foram muito desgastadas pelo atual sistema, elas foram reduzidas na sua posição. Tomaram-se muitas providências que as magoaram, aparentemente. Não sei, porque nunca mais tive contato com militares. Mas, para a minha sensibilidade, os militares devem ter ficado um tanto decepcionados. Então, como a revolução não chegou a realizar tudo aquilo que estava em vista, entendo que dificilmente haverá um novo golpe militar.

            O que eu temo é outra situação. A situação do que nunca houve no Brasil, quer dizer, a guerrilha. É isso que eu temo que possa haver no Brasil. Nunca houve, as nossas revoluções sempre vieram de cima para baixo. Tenho medo de uma de baixo para cima.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - De uma revolução popular? Por quê?

            O SR. GERALDO FREIRE - Por exemplo, esse movimento dos sem-terra está crescendo de uma maneira assustadora. Esses líderes estão tomando as rédeas nos dentes, com muita desenvoltura. Tenho medo de que essa organização assuma feições políticas.

            Vou repetir que não tenho nada contra a reforma agrária. Pelo contrário, acho que todo o homem que trabalha, que tem vocação agrícola deve receber o seu pedaço de terra, ou dado ou comprado.

            Eu preferiria que se fizesse isso através de crédito, num banco rural. Assim como se empresta para os fazendeiros que têm posse, dever-se-ia emprestar para o homem que tem o seu trabalho e que tem a sua capacidade. Então, esse homem teria o seu crédito, adquiriria o seu pedaço de terra. Assim, uma situação que deveria ter sido feita no Brasil, desde os tempos da Colônia, far-se-ia hoje. Sou plenamente de acordo.

            Agora, esse negócio de invasão, de violação de direito de propriedade, isso me parece muito perigoso. Então, eu tenho medo por aí.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu quero voltar um pouquinho na história, ir lá para a época da renúncia do Jânio. O senhor estava na tribuna quando o Jânio Quadros renunciou. Parece que o Deputado Dirceu Cardoso entrou para fazer a comunicação no Plenário. O senhor podia contar esse momento?

            O SR. GERALDO FREIRE – Foi. Realmente, eu estava fazendo um discurso sobre o Duque de Caxias. A UDN havia me designado para falar em nome do partido, em nome da bancada. Eu fazia esse discurso e, já quase no fim, o Dirceu Cardoso entrou, agitando uma papeleta na mão. E eu notei que houve um frêmito no Plenário. Naturalmente, ele deve ter dito a alguém do que se tratava. Nesse momento, o Deputado Manoel de Almeida entrou e fez uma concha com a mão e falou: “Jânio renunciou”. Eu, que não tinha nenhuma simpatia pelo Jânio Quadros, ainda respondi para ele assim: “Graças a Deus!”. Estava na tribuna, parece-me, o Sérgio Magalhães — lembra-se dele? Notei que o Sérgio ficou assim meio preocupado. Eu falei: “Sr. Presidente, vou terminar”. E terminei o discurso. Nesse momento o Dirceu entrou com o papelote para ler.

            Realmente o que aconteceu foi isso. Eu estava na tribuna quando ele chegou, não quando o Jânio renunciou, mas quando ele chegou com a notícia no plenário.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Posteriormente, foi formada uma Comissão Mista para analisar os acontecimentos e o senhor foi designado para compô-la.

            O SR. GERALDO FREIRE - Fui designado pelo Líder que, na ocasião, era o General Menezes Côrtes, que morreu de desastre de avião. Era um grande líder.  Líder da UDN, ele me chamou e disse: “Olha, você foi designado para uma Comissão Mista, para estudar o problema da renúncia do Presidente da República”. Eu ainda insisti muito com ele que me liberasse daquilo. Eu falei: “Vim da Promotoria de Justiça do interior, sou um Deputado novo, com pouca prática nas artimanhas políticas. A UDN é um partido que tem 70 Deputados na Câmara dos Deputados, dos mais ativos, dos mais atuantes e dos mais bem formados juridicamente. Você poderia escolher um deles”. Ele disse: “Quem escolhe?” Eu falei: “O Líder”. “Bom, está escolhido. O seu nome está escolhido.” Eu falei: “Então, obedeço”. Aí entrei na Comissão Mista, designado pelo Menezes Côrtes para dar um parecer.

            Foram outros momentos de grande agitação, inesquecíveis na memória de quem participou. O Marquez Rodrigues até estava na Comissão — há pouco tempo falamos nele —, o Plínio Salgado e outros Deputados da mesma categoria. E eu, Deputado novo, suplente — na ocasião eu não era nem Deputado, não! era suplente de Deputado! —, tive que participar daquela Comissão também.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Essa Comissão teve um contato importante com os Ministros militares, quando eles vetaram a posse do João Goulart, não teve?

            O SR. GERALDO FREIRE - Teve. Nesse caso, já era no âmbito da Presidência. Parece que o Presidente era o Oliveira Brito. O Oliveira Brito era um homem muito habilidoso, muito experiente, de muito boa formação jurídica. Sempre tinha ideias para a solução dos grandes problemas. Então, ele manteve esse contato.

            Agora, os militares não foram lá, não. Ninguém foi. No âmbito militar, ninguém foi à Comissão. Mas realmente eles tinham contato lá por fora.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual foi o recado que o Oliveira Brito transmitiu à Comissão da parte dos então Ministros militares?

            O SR. GERALDO FREIRE - Lembro-me de que foi submetido aos Ministros militares essa situação de se criar o parlamentarismo como solução, para evitar que houvesse o fechamento do Congresso Nacional. O Presidente da República tomaria posse, mas mediante a introdução do parlamentarismo. E os militares aceitaram a solução.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eles aceitaram essa experiência do parlamentarismo para não dar posse ao Jango?

            O SR. GERALDO FREIRE - No sistema presidencialista!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Nessa época, o seu companheiro Rodrigues da Cunha usou uma expressão de que se estaria colocando sal em carne podre.

            O SR. GERALDO FREIRE - Foi o José Humberto Rodrigues da Cunha que disse isso. Ele era Deputado e falou: “Eles estão colocando sal em carne podre”.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O que significa isso?

            O SR. GERALDO FREIRE - Quer dizer, se a carne apodreceu, não adianta por sal mais, porque não conserva, não é! Está perdida.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor se lembra de mais alguma coisa que quisesse falar? (Pausa.)

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quem eram os Parlamentares mais atuantes da sua bancada nesse período?

            O SR. GERALDO FREIRE - Olha, todos os meus Vice-Líderes eram muito atuantes, agora, com especialidade, o Cantídio Sampaio. Cantídio era o meu Vice-Líder e desempenhava um papel completo, porque realmente a situação era muito difícil e, para tomarmos todas as decisões sozinhos, ficava muito temeroso. Então, o Cantídio nos aliviava. Ele era um homem muito corajoso, tomava as suas decisões. Mas havia, por exemplo, o Daniel Faraco, que era um homem de grande cultura, de projeção moral admirável; o Elias Carmo, o Liner Ribeiro e mais outros e outros. Não vou enumerar todos, porque eram 11, todos eles muito bons e muito atuantes. Agora o MDB era muito aguerrido. Dava-nos um trabalho, uma coisa tremenda. Tínhamos de ficar fiscalizando aquilo para evitar que a situação se deteriorasse.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, depois de 1964, tivemos 5 Presidentes militares: o General Humberto de Alencar Castello Branco, o General Arthur da Costa e Silva, o General Emílio Garrastazu Médici, o General Ernesto Geisel e o General João Baptista de Figueiredo. Desses 5, qual foi, no seu entender, o mais importante do ciclo militar?

            O SR. GERALDO FREIRE - Isso depende da situação de cada um, não é! O Castello Branco foi um homem realmente clarividente e era um espírito democrático. Acredito que, por conta dele, o período revolucionário não teria durado tanto. Ele tomou medidas da mais alta expressão, principalmente no sentido econômico, com aquele Ministério que ele formou e que foi decisivo no encaminhamento da Revolução.

            Depois veio o Costa e Silva, cujo período foi muito agitado. Era um homem profundamente bom, um espírito de alta camaradagem, particularmente, para mim, um dos melhores amigos que a vida me proporcionou até hoje. No fundo, ele era também a favor de uma abertura democrática, que ele não pôde realizar porque, infelizmente, aqueles que se opunham a ele precipitaram os acontecimentos, com as greves, as rebeliões, os inconformismos, até os atrevimentos. Então, acabou acontecendo com ele a tragédia.

            Agora, o Médici, ao meu ver, foi um dos maiores governos que a República já teve. Ele equilibrou a situação econômica do País, pois vivíamos numa situação de prosperidade, o povo vivia feliz. Cheguei a ser, na época, o Deputado mais votado de Minas Gerais, inclusive contando com os da Oposição. Eu saí em primeiro lugar, porque o povo acreditava que eu era amigo do Médici e do Rondon, que era o Governador do Estado. Então, ele fez um governo admirável sob todo ponto de vista.

            Hoje ele é acusado de ter sido, na ocasião, responsável por um período de tortura. Mas posso atestar que ele, pessoalmente, nunca mandou torturar ninguém. O que pode ter acontecido nos subterrâneos do poder não sabemos. O fato é que, de um lado ou de outro, tanto faz por parte daqueles que movimentavam a Oposição, como por parte daqueles que refreavam a revolta, pode ter havido — e houve mesmo, inequivocamente — situações deploráveis.

            Agora, toda vez que chegava a notícia daquilo, nós, na Câmara, procurávamos nos informar e recebíamos das Forças Armadas informações tranquilizadoras.

            Então, acredito que nem General, nem Presidente da República, nenhuma alta autoridade mandava torturar alguém. Mas havia episódios terríveis, inclusive de assassínios, por parte daqueles que tentavam subverter a ordem. Lembro-me de uma pessoa em São Paulo, se não me engano, ligada a esse movimento de gás de cozinha, que foi assassinada debaixo do seu automóvel. Havia coisas terríveis. Então, em represália, poderia haver, como parece que houve mesmo, coisas absolutamente desagradáveis, inteiramente evitáveis e com as quais nunca nos pusemos de acordo. Nenhum Deputado da Câmara se pôs de acordo com isso, muito menos o Presidente da República.

            Então, o Governo dele manteve a ordem no País. Naquela ocasião, os assaltos a banco — não sei se você lembra — diminuíram, ou quase se extinguiram; a subversão parou; o Brasil vivia em ordem, podíamos trabalhar. Esta situação de hoje, alarmante, terrível, em que ninguém tem mais segurança, naquela época não havia. Se ele não mandava fazer tortura, em todo caso ele impunha que houvesse segurança para o País inteiro. E houve essa segurança.

            Então, ao meu ver, foram os três maiores governos que a revolução teve. Entre os três, não tenho preferência por nenhum: Castello Branco, Costa e Silva e Médici. Não tenho preferência por nenhum dos três.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E os Generais Ernesto Geisel e João Baptista de Figueiredo?

            O SR. GERALDO FREIRE - Dignos de respeito. Não tive convívio com eles na Presidência da República. Eu já não era mais líder. Com o Figueiredo, eu deixei até de ser Deputado. Mantive conhecimento com eles, não intimidade.

            Respeito a memória deles, mas acho que eles poderiam ter feito a abertura um pouco mais racionalmente, para que ela não ocasionasse o que estamos vendo hoje: uma abertura muito certa sobre as conquistas democráticas, mas perigosa sob o ponto de vista social, econômico; e, ao meu ver, tudo com muita dificuldade para a situação atual do País.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu queria voltar mais uma vez para a atuação política. O senhor foi designado também para a CPI da UNE.

            O SR. GERALDO FREIRE - Da UNE, eu fui Relator. Isso foi na ocasião de João Goulart. O João Goulart ainda era Presidente da República. A UNE andava tomando muita desenvoltura, então o Raimundo Padilha requereu a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e eu fui designado Relator dessa Comissão. Ela terminou quando houve a eclosão do Movimento Revolucionário de 64.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ela teve alguma recomendação final? O que dizia o relatório final?

            O SR. GERALDO LOPES - Sim, nós terminamos, mas não houve mais oportunidade, porque veio a revolução, o ambiente foi completamente modificado. Lembro-me que nós tomamos várias deliberações, inclusive uma revisão do próprio Estatuto da UNE, mas não me lembro bem dos pormenores. Mas, houve a aprovação final do relatório, porém já com a revolução em pleno vigor.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Como o senhor e o seu partido viam os movimentos populares “pró” e contra o Golpe de 64: a Marcha com Deus pela Família, a própria mobilização dos estudantes contra o regime militar?

            O SR. GERALDO FREIRE - A UDN foi inteiramente a favor da revolução. Houve, depois, alguma defecção no meio dela, alguns Deputados que passaram para o MDB, assim como houve, por parte daqueles que estavam do outro lado, do PTB, do PSD principalmente e de outras siglas, houve muita gente que ficou do nosso lado para formar a Arena. O fato é que, na época, a UDN engajou-se plenamente na revolução. Cheguei até a usar a expressão “à moda da Inês de Castro”: depois de morta, foi rainha. Depois que a UDN desapareceu é que ela passou a mandar.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Você quer dizer mais alguma coisa?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por mim, estou satisfeito. A menos que o Deputado queira falar mais alguma coisa, pode falar livremente.

            O SR. GERALDO FREIRE - Não. Agradeço-lhes esta oportunidade que tive de deixar o meu depoimento gravado. Pode ser um depoimento fraco, mas é inteiramente sincero.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Nossa, não! Foi ótimo!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, muito bom!

            O SR. GERALDO FREIRE - As minhas posições podem não ser assim, digamos, completamente ortodoxas, mas foram aquelas que a minha consciência ditou.

            Se eu tivesse que repetir a minha vida, acredito que eu retificasse uma coisa aqui e ali, mas a linha geral seria a mesma.

Tenho muita preocupação com o futuro do País, mas acredito que, se houver ainda um ressurgimento do espírito público, nós podemos recuperar, porque o povo brasileiro é muito bom, e eu continuo acreditando no Brasil.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Só mais uma pergunta: o senhor foi Presidente da ARENA, não é? De quando a quando? Por quanto tempo?

            O SR. GERALDO FREIRE - Não, eu fui Presidente da ARENA regional!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Da ARENA regional.

            O SR. GERALDO FREIRE - Da ARENA nacional não. Em Minas.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - De quando a quando?

            O SR. GERALDO FREIRE - Ah, foi muito tempo! Ora, assumi no tempo do Costa e Silva e saí no tempo do Geisel. Eu passei todo esse período como Presidente da ARENA, do Costa e Silva ao Médici, como Presidente da ARENA de Minas Gerais.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Deputado, qual foi a sua maior decepção na vida política, dentro do Congresso, dentro da Câmara?

            O SR. GERALDO FREIRE - Essa é uma pergunta difícil de responder. Só se refletíssemos muito tempo. Defendi alguns pontos de vista, como, por exemplo, o divórcio. Eu sempre fui contra o divórcio, não é! Acabou passando.

E a própria abertura. Eu sempre fui pelo restabelecimento da democracia. Aliás, tudo o quanto eu consegui na minha vida foi democrático, porque eu sempre fui eleito. Eu nunca tive cargo de nomeação, como algum cargo para o Poder Executivo. Eu nunca tive outra gestão que não fosse baseada em eleição. Fui Promotor de Justiça, por concurso; advogado, por formação; fazendeiro, por vocação — até hoje ainda gosto muito da vida da roça — e Deputado, assim, nos braços do povo. Então, toda a vida eu fui a favor do restabelecimento da democracia.

            Contudo, eu acho que a democracia é o Governo que visa ao bem do povo, e não ao bem daqueles que estão eleitos. Então, toda vez que o eleito pelo povo procura beneficiar-se do mandato em proveito próprio, isso me repugna.

Apesar de tudo isso, eu queria que a abertura se fizesse aos poucos, com um Governo ligado à revolução, até que a ordem estivesse completamente garantida. Não consegui isso, então isso também foi uma frustração para mim, embora eu me sinta muito bem no ambiente democrático.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Está ótimo! Para mim, está perfeito.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi muito bom. As suas intervenções enriqueceram a entrevista.

            O SR. GERALDO FREIRE - Ambos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O relato que você fez sobre o Jango foi importante. Eu havia esquecido, e foi importante.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor é de Boa Esperança. O Lamartine fez uma música para a cidade. A Serra da Boa Esperança, não é?

            O SR. GERALDO FREIRE - A Serra da Boa Esperança.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor sabe um pouco da letra?

            O SR. GERALDO FREIRE - O começo, talvez:

“Serra da Boa Esperança,

Esperança que encerra

No coração do Brasil

Um punhado de terra.

No coração de quem vai,

No coração de quem vem,

Serra da Boa Esperança,

Meu último bem.”

Esse pedaço eu sei.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - É uma música bonita!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É um poema.

            O SR. GERALDO FREIRE - É uma beleza!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Lamartine Babo era um grande poeta.

            O SR. GERALDO FREIRE - É uma beleza! Uma letra lindíssima! E tudo feito de repente, de improviso. Ele estava participando de um piquenique, e a música saiu, assim. Ele não sabia pauta, não. O Carlos Neto, que era nosso conterrâneo, era músico e muito bom, e muito amigo dele. O Carlos é que lançou a música na pauta.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Aquele que tem o cabelo dividido no meio e ondulado?

            O SR. GERALDO FREIRE - Sim, o “galinha carijó”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Galinha carijó! (Risos.)

            O SR. GERALDO FREIRE - Tinha coisas muito boas.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele era muito irreverente.

            O SR. GERALDO FREIRE - Sim, espirituoso como ele só!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Sim, espirituoso!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Deputado, apenas mais uma pergunta, algo mais de almanaque. Que personalidades o senhor mais admira hoje em dia? Quem o senhor poderia dizer que é a figura do século?

            O SR. GERALDO FREIRE - Papa João II.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É uma figura carismática.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ouvi dizer que o senhor tem uma preferência e uma admiração por Getúlio Vargas.

            O SR. GERALDO FREIRE - Olhe, isso é interessante! Apesar de ele ter sido ditador, tenho mesmo. Eu acho que o Getúlio foi um homem politicamente genial e de coração bom. Evidentemente, na época dele houve, como eu disse que houve na época do Médici, coisas desabonadoras, mas não era ele que mandava fazer. Ele poderia ter feito muito mal ao Brasil, como ditador, e não fez. Ele era um homem de bom coração e de muita visão política. Pessoalmente, eu o admirei, como admirei muito Juscelino Kubitschek — pessoalmente, politicamente não. Pessoalmente, sempre os admirei.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Ok, perfeito!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Getúlio construiu o Brasil.

            O SR. GERALDO FREIRE – Ah, foi!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Construiu o Brasil! Esse País que nós vemos hoje, foi ele que fez.

            O SR. GERALDO FREIRE – Bem, na época do Getúlio a situação estava pior do que na época de João Goulart. Quando ele deu aquele golpe de 1937, eu era estudante de Direito. Lembro-me de que nós recebemos aquilo como um alívio, porque a atmosfera era irrespirável. Ou você era comunista ou era integralista, não havia meio-termo! Então, para aqueles que não queriam tomar uma posição dessas, não havia jeito! O Brasil estava numa situação terrível. O Getúlio veio, deu o golpe de 1937 e tranquilizou tudo, né! Depois a coisa deteriorou-se. No Brasil, é sempre assim, né! no começo vai muito bem, daqui a pouco atrapalha tudo.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Está ótimo! Nós adoramos, foi muito boa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sim, foi muito bom o depoimento. Franco e sincero. Foi muito bom!

            O SR. GILBERTO FREIRE - Obrigado.