Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - ENTREVISTA COM BEATRIZ RIFF

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP007/00

DATA: 12/12/2000

INÍCIO: 09h00min

TÉRMINO: 11h17min

DURAÇÃO: 02h17min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h17min

PÁGINAS: 53

QUARTOS: 28

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

BEATRIZ RIFF – Militante política.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com a Sra. Beatriz Riff – Programa Memória Política.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Há palavras ininteligíveis.

Houve intervenção ininteligível.

Houve intervenção inaudível fora do microfone.

Há falha na gravação.

A entrevista não se encerrou formalmente.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST  04/03/2009
            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Pronto. D. Beatriz, conte-me a sua vida, começando pela infância, seus pais...

 A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu nasci no Méier, na Rua Lucídio Lago, que faz uma das faces do Jardim. Quando eu era muito pequena, não tinha consciência disto; depois, já mocinha, tinha muito orgulho de ter nascido no Méier, porque o Méier tinha o apelido “Capital dos Subúrbios”. (Risos.) O meu avô já morava lá, desde recém-casado, na Rua do Mateus — que depois mudou de nome. Mateus era um daqueles portugueses cheios de dinheiro, que tinha um cargo cujo nome não lembro. Quando aqui chegavam, logo tomavam nomes de ruas e tudo o mais, enfim, iam tomando conta do País.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Comendador.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Comendador, exatamente. Ele era comendador e se chamava Mateus. Então, era a Rua do Mateus, que morava lá, um pouco acima. Já nessa época ele não existia mais, mas, quando ele deu nome à rua, ainda morava na parte de cima.

Meu avô morava no nº 26. Era médico e de religião positivista, na qual fui educada. Meu avô era tão prestigiado que, quando Miguel Lemos morreu, assim como Teixeira Mendes, ele ficou fazendo o culto. Eram reuniões que faziam aos domingos. Chamavam de religião, mas, na verdade, eu chamaria de ciência, pois realmente era baseada na teoria do Augusto Comte, da sociologia. Não sei bem se era religião, mas havia festas muito bonitas, como a festa do primeiro dia do ano, que intitulavam “Dia da Humanidade”, com um culto à Clotilde de Vaux e Augusto Comte.

Algum de vocês já visitou a Igreja Positivista? É interessante, porque tudo respira cultura ali. Quando entramos, um tapete verde nos leva a um local mais alto, onde subimos 3 ou 4 degraus. Lá em cima há lugares, nos 2 lados, onde ficam durante os cultos as mulheres. Na parte de baixo ficam os homens. O bonito dessa religião é que eles dão muito prestígio à mulher, consideram-na um ser superior.

Como fui criada no positivismo, todos os domingos freqüentávamos as reuniões, ao meio-dia, antes do almoço. Cheguei a conhecer, rapidamente, Miguel Lemos. Era um homem bonito e tal. O outro era feio, baixinho, esquisito, mas muito bom orador. O respeito que se tinha era tão grande que o tratávamos como “Pai Mendes” e “Pai Miguel”. (Risos.)

A Igreja Positivista dedica cada mês a alguma pessoa que, na opinião de Augusto Comte, era a figura máxima de determinada época. Eu sabia os nomes de cor, mas agora já não os lembro. Há meses dedicados a Arquimedes, Aristóteles, Dante, enfim, não me lembro dos 12 nomes.

Quando se entra na igreja há esses tapetes e nichos que abrigam as figuras máximas, representadas ali por estátuas. É muito bonita. Subindo aqueles 3 degraus, há um lugar mais alto, onde ficam as mulheres, como eu disse, consideradas superiores ao homem. Na véspera de Ano Novo, por exemplo, havia uma prédica. As meninas e as mocinhas tudo aprendíamos, sabíamos direitinho. Nesses degraus havia cestinhas cheias de flores, muito bonitas, bem viçosas, e as meninas desciam da parte mais alta para encontrar os meninos que estavam na planície — digamos assim —, junto aos pais. Cada um pegava uma cestinha. Os meninos subiam com suas cestinhas e as ofereciam às mães e mulheres que se encontravam nos lugares mais altos. As meninas desciam e as ofereciam aos homens que estavam na planície. Era muito bonito.

Assim fui criada. Então, eram para mim figuras familiares Aristóteles, Arquimedes, Dante. Aprendíamos idiomas muito cedo. Comecei a estudar francês com 8 anos. Meu avô, que era médico, mas não tinha formação em pedagogia, era professor nato. Ele próprio fez uma cartilha e me deu. Lembro-me de que era um papel marrom e tal. Ele fez essa cartilha para eu estudar as primeiras letras ali.

Assim que eu me desembaracei razoavelmente, através daquela cartilha, o primeiro livro que ele me colocou nas mãos foi “As Primaveras”, de Casimiro de Abreu, que, aliás, não é tão conhecido.

Meu pai era poeta, apesar de ser militar. (Risos.) Perdoem-me. Ele era poeta e foi da Comissão Rondon. Escrevia muitíssimo bem, dominava português, conhecia muito bem latim. Toda a parte de propaganda, a parte escrita do projeto era dele, porque ele era quem escrevia melhor. Essa parte toda da propaganda da protetora dos índios... Como se chamava, meu Deus?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Serviço Nacional.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, Serviço Nacional. Meu pai era do Serviço Nacional de Proteção aos Índios. Assim era o título. Meu pai era uma pessoa de muito destaque, porque era quem escrevia melhor. Fazia poesias muito bonitas e tudo. Então, essa parte literária, de divulgação, era toda feita por ele. Ele, inclusive, afeiçoou-se de tal maneira à convivência com índios que, em vez de passar férias na cidade, ele ia para junto de alguma tribo.

Minha avó era mameluca; então, eu saí com essa cara de índia. O interessante no Brasil é essa miscigenação, essa mistura que há em todas as famílias. Eu tinha uma avó holandesa. Então, herdando da família dessa avó holandesa, a minha única irmã — eu tinha 2 irmãos e essa irmã — era loira, loira de olhos verdes. (Risos.) E eu tinha um irmão que talvez vocês até conhecessem, porque era cavaleiro. Andava a cavalo e era muito elegante. Sempre aos domingos ele cavalgava na hípica, onde ele tinha um cavalo cujo nome era Gaúcho. Aos domingos, ele saía a passear naquele cavalo, numa elegância enorme, porque ele era muito elegante, bonitão e mulherengo. Quando chegava alguma senhora, ele batia com o “pinguilim” — como se diz no Exército — no joelho do cavalo e dizia: “Cumprimenta a moça, Gaúcho!” —, e o cavalo mexia a pata. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era galante ele, hein!

A SRA. BEATRIZ RIFF - Puxa, se era galante! Era bonitão! Desse modo, essas são as coisas da minha vida. Fui criada nesse meio cultural, aprendi francês muito cedo. Depois estudei e aprendi italiano bem. Minha mãe até sabia muito bem. Eu sei até dizer: “L'son Beatrice che ti faccio andare; vegno del loco ove tornar disio;  amor mi mosse, che mi fa parlare ”. Então, aprendi bem o francês, o italiano e, mais tarde, quando eu tive que fugir para o Uruguai e tal, fiquei tão senhora do idioma que posteriormente, já agora, não há muito tempo, lá na aduana, eu falando tudo e tal, um homem eu tomava nota me perguntou: “E usted, senhora, de que provincia és?” (Risos.) E havia várias outras que eram de lá mesmo! “E usted, senhora, de que provincia és?”  (Risos.)

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - E a música?

            A SRA. BEATRIZ RIFF  - Bom, a música...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Só um instante. Eu vou ser obrigado a desligar o telefone.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, pode desligar. É capaz de estarem chamando-me. Deixe-me verificar primeiro quem é, tá?. Eu quero que ela vá embora para casa e tal. Sempre há um trânsito de netos e amigos. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Isso é a vida.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - É!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E a pintura e a música?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Na condição de positivista que nós éramos... O positivista cultivava — e cultivam ainda os poucos que restam — muito a parte intelectual, cultural, literária. E os positivistas, especialmente, achavam que eram imprescindível na educação de uma criança, de uma pessoa, a música. Coisa muito sábia, que é mesmo! Então, nas famílias positivistas sempre havia o estudo de música. Na minha família, a minha mãe e as minhas tias, todas tinham estudo de canto e de piano, algumas. Uma até chegou a fazer curso completo. As outras não chegaram a tanto, mas todas tocavam piano, cantavam, e algumas ainda faziam bandolim. Antigamente havia muito bandolim. Você o conhece?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Sim.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Então, faziam isso. Eu vim a conhecer, posteriormente, no Rio Grande do Sul, umas reuniões lindas. Era um grupo enorme de moças, todas tocando bandolim. Chamavam-nas “as bandolinatas”. Havia aqui no Brasil, na época em que minhas tias eram jovens e a minha mãe. Posteriormente, quando eu morei no Sul, eu ainda vi isso. Então, fui criada nesse meio musical.

E o meu avô, que se chamava Bagueira, que depois substituiu o Teixeira Mendes, cultivava quase... não digo obrigatoriamente, mas, enfim, ele implantou o hábito em casa de terminar sempre a noite com música. Naquela época se jantava muito cedo, hoje em dia se janta muito tarde. E eu me lembro de que ele e minha avó acabavam de jantar — havia um corredor grande na casa — e saíam os dois de braço, conversando e rindo. Eu via que eles eram muito alegres, estavam sempre rindo e tal. Eram muito unidos. E as filhas, a minha mãe e suas duas irmãs — e posteriormente nós, as netas —, ficávamos numa sala conversando, às vezes, brincávamos de fazer umas adivinhações que faziam naquela época. Nem me lembro como se chamava isso. Chegava uma determinada hora — não sei qual era — e o meu avô, muito solene, chegava ali junto de onde a gente estava, batia palmas e dizia: “Meninas, está na hora.” Era hora de fazer a música com a qual a gente encerrava a noite. Então, nós íamos e cantávamos e tocávamos, de modo que eu, muito criança, acostumei-me a isso. Eu inclusive não sabia pronunciar direito ou não sabia o significado, mas cantava aquelas músicas que eu ouvia.

E vinha gente da rua, que se chamava inicialmente Rua do Mateus, mas que o meu avô mudou o nome, em homenagem ao Paraguai, porque ele achava que tinha sido um erro absoluto, uma coisa condenável, a luta contra... E foi, porque se juntaram três potências tremendas contra um país pequeno. Contudo, posteriormente eu soube, já idosa, lá no Rio Grande do Sul, o que é muito fácil. Dizem que ele era socialista, o Lopes. Então, foi combatido por isso, porque estava querendo — você sabia — implantar o socialismo lá.         E meu avô mudou o nome da Rua do Mateus. Ele tinha admiração pelo Paraguai e, naturalmente, pelo Lopes. Conseguiu, não sei como, e a rua chama-se Rua Paraguai. Vocês conhecem essa rua lá no Méier?

            A SRA. ENTREVISTADORA ( Ana Maria Lopes de Almeida)  - Não.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Rua Paraguai, nº 26. Lembro-me bem do número e de tudo. Assim, fui criada nesse meio cultural e musical. Desciam pessoas da rua, como eu disse, e ficavam junto da grade, lá embaixo, para ouvir as meninas do Dr. Bagueira cantando e tocando.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi o encontro da senhora com o Partido Comunista?

             A SRA. BEATRIZ RIFF - Meu encontro com o partido comunista foi muito interessante também. Meu pai era um militar que freqüentemente andava de castigo. (Risos.) Então, era mandado para lugares considerados desagradáveis e tal. Assim, ele foi mandado... Saiu do Rio de Janeiro, onde poderia estar, e estava há algum tempo, e foi mandado para Itu.

Depois, ele fez outras malcriações — ele era rebelde, de vez em quando — e foi mandado para o Rio Grande do Sul. E nós fomos para uma cidadezinha do interior que não tinha nem nome certo. Chamavam-na... Não sei. Eu sei que havia dois acessos a esse povoado: um por terra e outro por umas embarcações pequenas, que eram de uma companhia, a ARNT, companhia de navegação que, acho, ainda existe lá no Sul. Assim, meu pai foi mandado praticamente de castigo para uma entidade militar em um lugar que não tinha nome. No trapiche havia o nome “Margens do Taquari”. Na estrada-de-ferro, como ficava entre uma pequena cidade e uma outra também pequena, havia o nome “Estação de Ligação”. Era apenas uma estação de ligação entre dois lugares mais desenvolvidos.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Seu pai era militar.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Meu pai era militar. E é interessante que ele conheceu a minha mãe lá na igreja. É claro que ele era da turma do Benjamin Constant, do Floriano Peixoto, etc. Ele conheceu minha mãe lá na Igreja Positivista.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Sim. Depois, a senhora entrou na Juventude Comunista.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Entrei. Ele foi mandado de castigo, como eu já disse, lá para Itu. Lá em Itu eu conheci o Costa Leite. De nome vocês conhecem, não sei se o conheceram pessoalmente. Conheci o Costa Leite, que acho que vinha a ser subordinado a meu pai, uma coisa assim. Eu sei que ele começou a ir lá em casa e tal.

Um belo dia... Eu não estava satisfeita com o positivismo. Eu tinha 13 anos, parece-me, mas já achava que o positivismo não era o que eu idealizava. Eu estava em busca de alguma coisa diferente, eu não sabia ainda bem o que era. Mas, ao conhecer o Costa Leite, que conversava muito sobre política, ele me botou o Manifesto Comunista na mão. Eu disse: “É isto que me serve.” (Risos.) E então virei comunista. E não me arrependo nunca; pelo contrário, tenho o maior orgulho.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora entrou formalmente no Partido Comunista?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas, é claro. Não só formalmente...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas começou pela Juventude.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, comecei, claro, pela Juventude. Entrei não só formalmente mas também muito ativamente. Inclusive lá no Rio Grande do Sul eu estive em postos de responsabilidade. Tornei-me muito conhecida, porque eu tenho alguma facilidade para falar. (Risos.) Ou, pelo menos, sou muito faladora. E comecei a falar nos comícios. Quando o Prestes foi lá, eu fui designada para cumprimentá-lo. E fiquei muito amiga do Marighella também. Assim, fiquei.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Depois da Juventude Comunista, a senhora se filiou à Aliança Libertadora?

             A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, mas isso não impedia de a gente continuar no partido. Fiz parte da Aliança Nacional Libertadora e da Organização Feminina. Não me lembro de quem a dirigia, ou melhor, lembro-me de que o sobrenome era Suskind. (Pausa.) Amanda Suskind! Você já deve ter ouvido falar nesse nome. Primeiro, a dirigente era Amanda Suskind; depois mudou, não lembro. Houve uma outra, mas não lembro. Até que não está muito ruim a memória! (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dona Beatriz, como seus pais aceitaram essa militância, uma vez que eles eram positivistas? Como eles encaram a sua adesão ao comunismo?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Olha, eles não...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora tinha 13 anos de idade. Uma comunista com 13 anos de idade! Como é que eles viam isso?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, mas então eu não era filiada a partido nem nada. Eu apenas simpatizava com o Costa Leite, com as idéias que ele apresentava ali, mas eu não era filiada nem tinha atividade nenhuma. Era muito garota ainda. Não tinha atividade partidária estabelecida.

Depois, minha mãe foi muito solidária comigo no resto da vida. Foi tão solidária que ela sabia de todas as minhas atividades, dos riscos que eu estava correndo. Na época de 27 de novembro, eu morava pertinho do Palácio do Catete, nós morávamos por ali. E ela estava atenta para, quando viesse alguém suspeito, rasgar tudo logo e jogar no vaso. E assim ela fez. Agora, o que ela fez e me comoveu muito mesmo é que na época já havia muitas pessoas presas e tudo o mais. Parece-me que as visitas eram segundas-feiras e quintas-feiras, alguma coisa assim. E eu ia sempre lá e levava para aquele pessoal todo que estava lá... Um muito amigo meu era aquele do jornal A Manhã. Não é o Pedro Mota Lima, é o barbudo...

A SRA. ENTREVISTADORA  (Ana Maria Lopes de Almeida) - Do Correio da Manhã?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Aparício Torelly?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Aparício Torelly!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Barão de Itararé.

A SRA. BEATRIZ RIFF - O Barão de Itararé, como eu o chamava. E o Barão de Itararé tinha uma filha que era mais ou menos da minha idade, mas não tinha atitude nenhuma, não tinha atividades políticas nenhuma. Ele se afeiçoou muito a mim. Tivemos, digamos, a sorte de ser vizinhos de Pavilhão dos Primários. (Risos.) Vocês não conhecem o Pavilhão dos Primários, nem querem conhecer, apesar de desativado. (Risos.)

O Pavilhão dos Primários tinha uma dessas escadas em que se sobe e há patamarzinho. Na altura desse patamar havia duas salas, uma em frente a outra. Nós, as mulheres, ficávamos na famosa sala 4 — aliás, há o livro de Maria Werneck chamado Sala 4. Então, havia a sala 4. Na frente, havia uma outra sala, que ficou vazia algum tempo, até que, de repente, disseram: “Vem alguém para...” Eles chamavam-na meio de enfermaria, porque, quando alguém precisava tomar uma injeção ou qualquer coisa parecida, iam para essa sala vazia, para que se atendesse lá. Quando não, ela estava sempre fechada. Certa vez veio o Barão de Itararé, que ficou naquela sala, cuja janela dava de frente para a nossa sala. E então, claro, a gente subia na grade e conversava. Ele se afeiçoou muito a mim, acho que também pelo fato de que ele tinha uma filha — eu era mocinha — também mocinha.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas como a senhora foi presa?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Como é que eu fui presa? Eu fui presa em casa. Deixe-me lembrar.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Foi em 1935 ou em 1936?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Por que a senhora foi presa? Que tipo de militância...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, porque eu era um “anjinho”! Fui presa porque era um “anjinho”! (Risos.) Fui presa porque falava em tudo quanto era comício, tinha facilidade para falar. Inclusive, quando tinham que mandar uma pessoa para se apresentar, para representar o partido nesses subúrbios, lá eu ia de trem, sozinha, mocinha, de trem, lá para a mesquita e para não sei onde. Chegava lá, não tinha onde a gente ficar para falar. Era uma caixa, assim, uma coisa qualquer. Eu subia naquela caixa e falava, mandava brasa. Desse modo, tornei-me muito conhecida por isso, tinha uma certa facilidade para falar.

Então, fui ficando conhecida e, naturalmente, muito vigiada. Eu já tinha até muito cuidado, quando ia a algum lugar, para verificar se não estava sendo seguida, essa coisa toda.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Houve algum fato que determinou a prisão, algum fato assim?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Bom, o que determinou a prisão foi a minha atuação, que se tornou mais ativa ainda. Precisamente no dia 27 de novembro, que eu fui lá em cima e desci com as granadas na mão, aquela coisa. Fui levar lá para a Eneida.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Conte essa história da granada.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Isso foi durante a rebelião comunista de 35?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Conte-nos como foi essa história da granada.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Fale-nos da sua participação.

A SRA. BEATRIZ RIFF - O negócio das granadas?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sim.

A SRA. BEATRIZ RIFF - O negócio das granadas foi o seguinte: como eu era militante, eu tinha a minha célula e já estava alerta. Já havia arrebentado o movimento lá em Natal e tinham dito: “Fica atenta!” Eu morava ali no Catete, pertinho da residência do Presidente, na época. “Fica atenta, porque deve começar também aqui no Rio um movimento de apoio ao pessoal lá de Natal”. Em Natal havia começado no dia 23. E assim eu fiz. “Se você notar qualquer coisa, vá lá à célula”, essa que era em cima do Ministério da Guerra, agora Ministério do Exército. “Vá lá para receber orientação, para saber o que é que vai fazer, onde é que tem que ir e tal”, essa coisa toda. E assim foi feito. No dia 27, pela manhã, notamos que havia um movimento e tal. Já tinham começado a jogar granadas lá na Praia Vermelha, já estava aquele movimento todo assim. E eu me fui lá.

Chegando lá, estavam várias pessoas, inclusive o Bagé, que era um dirigente muito conceituado e tudo. Era da célula de lá, era o político — como se chama? —, o secretário político da célula de lá. Então, a minha incumbência foi levar as granadas para entregar à Eneida, que morava na Lapa, ali ao lado de onde é a Cecília Meireles, para entregá-las à célula dos motoristas, que era uma célula muito ativa e tal.

Então — acho que já falei para vocês —, eu botei... Os passeios, os meninos assobiaram e tal. E eu disfarçando. Aquele chão escorregando e eu pensando: “Beatriz, se isso aqui explodir, tu vais pelos ares”. (Risos.) Aí, lá ia eu. Não estava nada confortável, mas, enfim, disfarcei bem. Cheguei lá, sentei-me. O motorista,  quando me deixou lá, disse-me, porque percebeu: “Boa sorte, companheira!” Eu atravessei, entreguei à Eneida, que estava com a toalhinha branca lá. E correu tudo em paz. E eu continuei ativa, essa coisa toda.

Nessa época, eu tinha começado umas aulas de datilografia na Remington. Parece-me que era na 7 de Setembro. Parece que ainda hoje há uma escola de datilografia no lugar. Eu ia, às tardes, para essa reunião, para essas aulas. Uma dessas tardes, quando eu vinha voltando... Como eu disse, eu morava ali no Catete. Havia um café na esquina ali do Largo do Machado... Não, era Praça José de Alencar. Nós morávamos... O bom disso é que nós alugávamos... Depois que casaram todos na família, fiquei só eu solteira. Minha mãe, que era muito prática e detestava o trabalho caseiro, com toda razão (risos), passou a alugar sempre lugares onde havia acomodação e ainda forneciam comida, levavam as refeições na hora e tal. Assim, ela alugou uma acomodação para nós ali, como eu disse. Havia duas entradas: pela José de Alencar e por outra rua cujo nome não lembro. (Pausa.) Era Praça José de Alencar e São Salvador.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Uma igreja grande?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, era São Salvador. Eles sabiam onde eu morava e essa coisa toda, e foram lá me buscar. Eu vinha, como eu disse, da minha aula.

Acontece que o Raul, recém-conhecido, já estava preocupado com as minhas chegadas lá, vendo que a cada dia caía um e caía outro. Ele tinha um amigo, muito amigo também, lá do Rio Grande do Sul, um engenheiro que se chamava Luis Pargas Torres. Os dois, então, sentiram qualquer coisa. Parece que desconfiaram que estivesse sendo vigiada aquela zona e tal. Havia um café na esquina e eles ficaram numa mesinha, quase onde paravam os ônibus que vinham de lá da Rua 7 de Setembro. Não me lembro bem se era ônibus ou bonde, eu só sei que eles ficaram ali, o Raul e o Luis Pargas Torres, para me avisar que eu não fosse em casa, porque eles tinham estado lá à minha procura e tinham desconfiado de dois homenzarrões que chegaram na mesma hora, mais ou menos, perguntando por mim. Minha mãe atendeu e disse: “Não, ela não está. Não sei quando chega”. Então, eles ficaram lá para me avisar que os homens estavam lá. Mas não deu nem tempo, porque eu tinha acabado de chegar, quando alguém bate assim no meu ombro e diz: “Vamos prestar declarações. A senhorita está sendo chamada.” Os outros dois eles já tinham levado. Eu cheguei e o Raul já não estava lá, nem o Pargas Torres. Quando eu cheguei e desci, já estavam eles me esperando, e não os outros dois. Quando cheguei à central, o Raul já estava lá “presinho da silva”, e o Luis Pargas Torres também, o engenheiro. (Risos.) Estavam os dois lá, foi assim.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como a senhora conheceu o Raul Riff?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Antes eu queria perguntar uma coisa. A senhora falou, até anotei aqui...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não me chame “senhora”.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Sim. Você estava contando que levou granadas para a Eneida e viu a toalha branca. O que era a toalha branca?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Era para dizer que eu podia subir.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ela colocava a toalha...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ela colocava a toalha porque sabia que eu ia lá freqüentemente levar coisas para ela transmitir aos motoristas, aos taxistas, cuja célula ela orientava. Então ela botava a toalha branca, para eu saber que podia subir, que não havia perigo nenhum, não havia coisa nenhuma. Por isso ela botava a toalha. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)- E quem era Eneida?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eneida Costa de Morais. Eneida era uma jornalista paraense muito interessante. Quando eu a conheci, ela já tinha uma história política bastante conhecida, porque tinha estado presa em São Paulo como militante. Eu trabalhava muito com ela.

Por que estou falando dela mesmo?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu perguntei quem era Eneida.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ela era uma jornalista paraense, muito boa jornalista, excelente. Começou muito cedo na vida dela, quando eu ainda não a conhecia, uma militância política.

O interessante é que lá para tantas a família dela ficou revoltadíssima. A família dela era bastante conhecida e ela também, uma jornalista boa, bastante conhecida, tomando atitudes conhecidamente comunistas. Todo mundo sabia. Lá pelas tantas, o marido pediu desquite, separou-se dela e proibiu-a de usar o nome “Eneida Costa de Morais” — o Morais era dele. Ela disse: “Não tem importância, não nasci com ele”. E deixou de assinar “Morais”, passou a ser “Eneida Costa”.

Mas ela tinha um irmão que, lá pelas tantas, teve a mesma atitude. (Risos.) Disse: “É uma vergonha! Você é indigna de usar o nome de Costa e tal”. Ela disse: “Eu retiro também”. Então, ela nunca assinava “Eneida Costa de Morais”. Era “Eneida” só, e com letras bem grandes.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como a senhora conheceu o Raul Riff?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu conheci o Raul da seguinte maneira...

            Eu tinha uma grande militância e não tinha namorado. Então, a toda parte eu ia sozinha: pegava o trem ia lá para o fim do mundo e tudo mais. E sempre sozinha e tal.

            Por outro lado, o Sr. Riff também não tinha namorada. E aconteceu, coisa que eu vim a saber depois, que diziam: "Mas Riff, afinal de contas você não tem uma namorada, não?" "Não e tal e coisa." E para mim diziam a mesma coisa. Aí diziam a ele assim: "Você precisa conhecer a Beatriz". (Risos.) E me diziam: "Você precisa conhecer o Riff". (Risos.)

            E acabamos nos conhecendo pelo seguinte: um dia houve uma reunião muito importante, dirigida pelo Martins, que era — meu Deus, o Martins, tão meu amigo! De repente, eu esqueço o nome dele! Depois, de certo, eu vou me lembrar — da alta esfera do partido e que determinava as tarefas, dava orientações e essa coisa toda. E... Agora me esqueci...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como a senhora conheceu o Riff?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, então...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi aqui no Rio?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi, foi aqui no Rio.

            Então, numa das reuniões estava o Martins, esse que eu disse que era, mais ou menos, não digo meu chefe, mas orientador. Eu era muito amiga dele, era o... Esqueci o nome dele, mas era uma pessoa muito conhecida da direção máxima do partido. Ele tinha muita confiança em mim e tudo. E ele sempre fazia referências ao Raul, dizendo, como eu disse a ele... E para mim também e tal.

            Até que, um dia, estamos numa reunião... O Raul trabalhava na Polícia do Pedro Ernesto. Ele era fiscal da Polícia de Pedro Ernesto. Pedro Ernesto era bem de esquerda, não sei se vocês sabem.

            Então, houve uma reunião na qual eu estava e tal, e lá para tantas havia que mandar uma palavra de ordem para o Raul, que trabalhava na Polícia Municipal, para ele estar atento que o negócio ia... Aquela coisa, e que ele tinha que avisar.

            Então, coisa e tal, lá para tantas determinaram as tarefas e disseram: "Fulana" — para a Eneida. Parece que foi para a Eneida —, "você vai lá e diz ao Riff que ele tem tantas horas para fazer isso, fazer aquilo e tudo mais".

            Dona Beatriz, com uma carinha muito de garota, com franjinha, aqui, e tal, disse: "Não, senhor; quem vai sou eu". (Risos.) "Mas, como?" Era uma insubordinação! Eu disse: "Vocês me dizem todo dia que eu preciso conhecer essa figura, e agora, quando aparece a oportunidade, vai a Eneida? Não! Quem vai sou eu". Ficaram meio espantados com o meu atrevimento. E fui eu.

            Aí se deu o seguinte: ele trabalhava ali onde tinha antigamente o Monroe, aquele Palácio Monroe, chamado. Tinha uma coisa ali da Polícia do Pedro Ernesto. "Então, você chega lá" — me disseram —, "ele deve estar de serviço hoje, você procure então pelo Raul Riff e leva isso". E me deram o material que eu tinha que levar para ele.

            E lá fui eu. Cheguei lá muito enfeitadinha e cheia de curiosidade por conhecer a figura. E tem a escadaria e, embaixo, um lugar assim e tal e, sentado, um português gordão, suarento: "O que você quer, menina?" Eu disse: "Eu queria falar com o Raul". "Pois está falando!" Aí eu tive um choque, disse: "Ah, estão brincando comigo!" Eu fiquei pensando. (Risos.) Aí eu disse: "Mas o senhor é Raul?" "Sou." "Eu queria falar com o Raul Riff." "Ah, bom! Eu não sou Riff; o Riff está lá em cima. Suba as escadas que ele deve estar numa cadeira lá perto da escada." Aí eu respirei fundo e disse: "Está salva a Pátria". (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por quê?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Hein?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por quê?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Por que estava salva a Pátria? Porque não era o monstrengo como aquele que estava lá embaixo. (Risos.) Claro! Era um rapaz lindo, simpático, bonito e que depois eu vim a saber que não tinha namorada. E eu também não tinha namorado. (Risos.)

            (Interferência externa causa mudança de direcionamento do assunto.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Tem uma pessoa querendo falar com ela aqui?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Tem uma pessoa aqui em cima. Quem é? É filha da senhora?

             A SRA. BEATRIZ RIFF – Hein?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) – É filha?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Onde ela está?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Ela está pegando umas compras aqui embaixo. Pode ficar à vontade.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, pegando umas compras?

            O SR. ENTREVISTADOR (não identificado) - Isso.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Pegando umas compras? Ah, está. Essa menina é uma maravilha. Ela é jovenzinha e tal. Ela fez uma coisa! Ela tem uma energia, uma coisa tremenda!

            Quando o Raul estava doente, na Casa de Saúde São José. De repente, o Raul teve um problema qualquer e passou mal. Eu não estava nessa hora lá e ela estava. Ela procurou pelo médico e o médico não estava por ali; ele estava naquele serviço especial, como é que chama?, quando a pessoa fica...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na UTI.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - O Raul estava na UTI, e passando muito mal. E aí era ela quem estava lá porque eu tinha saído para resolver alguma coisa — porque, ao mesmo tempo, eu resolvia pagamentos e milhões de coisas da casa. E ela tinha ficado lá, junto do avô, tomando conta.

            E então ela foi procurar o médico e a enfermeira disse: “Não, não, não! Não vá, que isso é hora do café. Ele está tomando café lá em baixo. Não vá incomodá-lo de jeito nenhum.” Ela disse:. “Como eu não vou incomodar, se o meu avô" — eu já nem sei mais — "está passando mal?” Então, a enfermeira disse: ”Não vá lá, porque ele vai ficar indignado”. Ela disse: "Eu vou". Foi lá e falou com o médico e ele respondeu: ”Vá indo, vá indo, menina, que eu já vou lá”.

            Vocês sabem o que ela fez? Vocês não vão imaginar; vão pensar que eu estou inventando: ela pegou o médico pela gola e disse: “Você vai é já”. E se encaminhou para o elevador. Ele ficou tão aturdido que foi.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Perplexo.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ele ficou. Ela disse: “Você vai é já”. E foi.

            Ela é muito enérgica. É uma maravilha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quanto tempo a senhora passou presa?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - (Intervenção ininteligível.)

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ele não ficou preso, não?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, ele não estava preso. Ele só foi preso muito depois, mas ele foi preso no Rio Grande do Sul. De modo que não...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Depois que a senhora conheceu o Raul, namoraram muito tempo ou já casaram?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não. Eu acho que não namoramos muito tempo, não, porque, quando eu saí... Eu fui presa em janeiro, acho que 13 de janeiro, uma coisa assim, sei lá, e fui solta — isso eu me lembro bem — no dia 2 de maio. (Risos.)

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A pergunta que ele fez: quem a senhora conheceu lá na prisão? Como é que foi?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Lá na prisão eu conheci Maria Werneck, da qual eu fiquei muito, muito amiga e fui sempre amiga até a... É uma falta enorme que eu sinto dela. Era recém-casada, uma advogada muito interessante e tal, e o marido dela era também um militante. O Luís era muito interessante.

            Então, eu conheci Maria Werneck; conheci Nise da Silveira, de quem fiquei amiga até o fim da vida; conheci Valentina, uma que era trotskista, de modo que ela ficava meio “assim”, porque nós éramos comunistas e ela era trotskista. Naquela época, andavam muito... Depois se acertaram, mais ou menos, não é?

            Então, tinha a Valentina — Valentina Barbosa, parece-me —, a trotskista; tinha uma moça que era poetisa, não me lembro bem o nome dela.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A Eugênia, do Álvaro Moreira.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - A Eugênia, do Álvaro Moreira, que era muito, muito minha amiga. Já era minha amiga aqui fora e ficou mais amiga ainda lá dentro, porque a cama dela ficava ao lado da minha.

            Estava a Meireles... Não era a Dulce; Dulce era a irmã mais moça. Que gozado! Eu me esqueci dos nomes! É a única coisa em que a minha memória falha!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Deixa eu lhe perguntar uma coisa: a senhora chega à cadeia. Eu queria que a senhora descrevesse isso para a gente. A senhora era uma jovem militante, idealista. De repente, a senhora é levada para um presídio. Como foi a sua impressão? Que impressão a senhora guarda dessa temporada? A senhora chegou assustada? Como foi essa história para a senhora? Como a senhora lembra dessa temporada que a senhora passou?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Bom, no percurso para chegar até lá, eu estava assustada.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não. Lá na cadeia!

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, digo, saindo da minha casa para a cadeia, eu fui assustada, porque eu fui num táxi com 2 homenzarrões com caras de bandidos sentados ao meu lado em um táxi. Então, eu estava assustada. Mas depois, lá dentro, eu não estava assustada, não.

            Nós enchíamos a vida com muita atividade: atividades políticas — porque organizávamos palestras: cada uma fazia uma conversa, uma palestra, de acordo com os seus conhecimentos e as suas atividades — e tínhamos a nossa hora, que era a hora da liberdade, a rádio da liberdade, uma coisa assim, ou da libertação, não me lembro bem — depois vou me lembrar —, na qual eu era uma figura importante, porque cantava. Então, eu cantava... o Agildo Ribeiro, pai do Agildinho, fez, naquela época, umas paródias do Hino Nacional...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agildo Barata.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Agildo Barata. Exato. Mas eles também o chamavam de Agildo Ribeiro, porque era Agildo Barata Ribeiro ou Agildo Ribeiro Barata, eu não sei bem.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Barata Ribeiro.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Agildo Barata. Então eu cantava as paródias que ele fez e que já tinha divulgado; cantava uma paródia do Nino Nacional; e, depois que terminava essa parte que chamavam rádio não sei o que do Brasil — esqueci. Não sei se é esperança do Brasil ou liberdade. Não me lembro bem o nome que deram —, então queriam que eu cantasse um repertório não-político de canções. E eu cantava. E depois custavam a me deixar parar de cantar.

            Mas aconteceu uma coisa (risos) que eu tenho que lembrar porque também faz parte da história.

            Eu fui criada de uma maneira muito recatada, digamos. As mulheres, as jovens eram criadas de maneira recatada, especialmente as positivistas, que eram muito severas. Eu era muito ingênua. Era ingênua mesmo; não conhecia nada da vida, nem de sexo, nem de nada. Era muito recatada. Então, eu cantava umas coisas até que não eram aconselháveis. Como era mesmo uma?

            (A entrevistada canta.)

"Não sei porque se estás triste ao meu lado,

Sem nada dizer,

Sinto em mim um coração amargurado,

Na ilusão de um velho sonho reviver,

A saudade é que fala do passado,

Deixa que a boca em tua boca embriagada de loucura e de esplendor,

Eu possa te dizer cantando quanto é pouca a vida para tanto amor."

            Impróprio para o cárcere. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas é uma bela voz!

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu não ia dizer às ordens, mas, na realidade, se precisarem para alguma solenidade ou qualquer coisa...

            Acontece que eu fui demitida pela — com muita honra — Revolução Redentora, exatamente quando eu era professora de técnica de voz da escola de teatro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora tem uma voz excelente!

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Está às ordens.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Como era a paródia do Hino Nacional? Fiquei curiosa.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Você sabe que esse eu não me lembro?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Devia ser uma analogia pejorativa.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não sei bem. Engraçado, o Hino Nacional eu não guardei não, porque...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como era a sua convivência com o Barão de Itararé?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ohlala!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como era? A senhora lembra de alguma história?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Era e foi até o fim... havia...o quê?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora lembra de alguma história?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Bah, era uma beleza!

            O Barão de Itararé, quando chegou ao pavilhão dos primários, eu já era freqüentadora, já estava lá há algum tempo e já estava dona do pedaço. Então, como eu disse, havia uma escada, e lá em cima, o patamar e 2 salas: uma de frente para a outra.

            Ele tinha a saúde um pouco precária. Então, tiveram um pouco de cuidado com ele, também porque era um nome muito conhecido. Então, ele foi posto nessa sala que ficava em frente à nossa sala. Então, a porta da sala dele dava para a nossa porta, com a escada no meio.

            E ele passou também a subir nas grades, como a gente subia, para falar. E começamos a conversar. Eu sabia que ele dominava muito bem o inglês e eu estava querendo muito aperfeiçoar o meu inglês e falei isso com ele. Então ele me passava uns exerciciozinhos de inglês, botava dobradinho numa caixinha de fósforo, chegava ali e jogava. E eu fazia os deveres e depois jogava lá.

            E assim ficamos muito amigos. Depois essa amizade foi transmitida aos meus filhos. E o meu filho Luís Carlos ficou muito amigo dele também. Ele morava lá na...

No fim da vida dele, ele morava, parece, na Praça José de Alencar. Não sei bem. Ali por aquele bairro.

            E a gente, toda semana, visitava o Barão de Itararé, porque era uma "querideza". E ele me tratava com um carinho, assim, paternal, digamos, porque eu acho que ele se lembrava também muito que ele tinha uma filha que devia ser mais ou menos da minha idade, naquela época.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Além das pessoas que a senhora citou, a Olga Benário também esteve lá?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Bom, mas a Olga Benário não esteve nessa época. Infelizmente, porque — até eu disse em uma das entrevistas, uma vez — eu lamentei não ter ficado mais algum tempo presa para poder conhecer a Olga. Eu não a conheci pessoalmente.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora conheceu a mulher do Harry Berger, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, essa sim, mas também muito rapidamente. Aliás, em um dos meus livros tem uma coisa qualquer, não me lembro se foi um poema... Foi um negócio muito, muito, muito emocionante, porque uma tarde...

            Eu era...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele foi brutalmente torturado.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi. Ele foi torturado e ela foi muito torturada. Estamos falando da mulher dele, que foi quem eu conheci. Mahla. Mahla Berger. Ela esteve nessa época, mas eu acho que depois ela voltou, porque, como eu disse, eu não estive lá muito tempo: eu cheguei lá no dia 13 de janeiro e, por influências políticas, saí no dia 2 de maio.

            E, depois que eu saí, parece que no dia 15 de maio, uma coisa assim, é que a Olga chegou à sala das mulheres — porque primeiro ela estava numa sala separada de todo mundo. Aí ela foi para lá.

            Então, as referência que eu tenho sobre Olga vêm muito da Maria Werneck, que foi inclusive quem a acompanhou até o navio. De modo que eu, infelizmente, fiquei pouco tempo e não a conheci.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, depois que a senhora saiu... A senhora ficou de janeiro a maio, em 1935.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Era 1935 ou 1936?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era 1936.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Já era 1936. Foi em janeiro. Eu fui presa em janeiro. Já era 1936.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora voltou para a militância política na clandestinidade?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas não aqui. No Rio Grande do Sul. Porque aí eu fui para o Sul.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora e Raul Riff foram para o Rio Grande do Sul?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Eu e Raul Riff, não. O Raul Riff não estava na minha vida ainda.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi depois?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Quer dizer, eu o conhecia, simpatizava com ele, e tal, mas não tínhamos começado o namoro. Começamos depois que eu voltei da prisão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Aqui ou no Rio Grande?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Começou no Rio Grande, mas nós não ficamos muito tempo, porque logo começamos a ser procurados também lá em Porto Alegre, e eu achei que tínhamos que fugir, antes que fôssemos presos outra vez. Porque eu digo: da primeira vez a gente escapa — e eu escapei por influências muito grandes, que não iam querer estar me soltando todo dia, não é? Então, quando eu vi que as coisas estavam ficando muito... Cada vez que a gente ia a um lugar, quando ia voltar outra vez, as pessoas diziam: “Não apareçam mais aqui, porque depois que vocês saíram alguém esteve aqui perguntando quais eram as relações e tal...” Então, nós fomos vendo que era hora de ir embora também lá do Sul.

            Aí eu fiz lembrar isso ao Raul. E eu disse: “Qualquer dia nos prendem. Vamos embora”. E ele não se interessou. “Não, não, nós não vamos embora.” Ele era mais acomodado, era menos empreendedor, digamos assim, sei lá. E eu vi que, se eu fosse, ele iria atrás. Então, eu, vendo que ele não ia, comprei uma passagenzinha de trem e disse: “Antes que eu caia novamente nas mãos da Polícia, eu vou-me embora". E fui-me embora para o Uruguai. Mas acontece que não foi um ato de grande heroísmo assim, porque eu já era conhecida e já podia procurar algumas pessoas no Uruguai, porque eu já havia publicado um livro no Brasil, e tinha feito sucesso o livro, tinha agradado. E eu costumava, às vezes, ler poesias em...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Que livro a senhora publicou nesse tempo?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Como é mesmo que se chamava, meu Deus? Minha memória para mim mesma é um pouco fraca.

            Bom, a primeira coisa que eu escrevi muito — e isso saía nos suplementos. E nessa época havia muitos suplementos nos jornais, como, por exemplo, Jornal do Brasil, O Globo e outro que não me lembro o nome, que tinham sempre suplementos literários. E eu mandava, às vezes...

            Sofri uma grande influência... Sofri, quer dizer, gozei de uma grande influência do grande poeta hindu Rabindranath Tagore. Então, eu fazia uns poemas em prosa, no estilo Rabindranath Tagore, e nunca me rejeitaram; sempre que eu mandava para publicar, saía.

            Então, eu me tornei conhecida. Até recebi, da França, de uma brasileira que morava lá nessa época, acho que exilada também — que, me parece, tinha o sobrenome Montarroyos... Mantive contato também com uruguaios.

            Lá, quando eu tive que ir embora, tinha uma Luísa Louise, que era bem de esquerda e tal, e fui logo, direto, procurá-la. E aí fui me acomodando lá. Fui a única brasileira que trabalhou lá. Como eu cantava e dizia poesias e tal... Trabalhei, e isso que é muito interessante e agradável: trabalhei numa rádio de uma pessoa que depois veio a ser Governador do Uruguai, que era, simplesmente, o Batlle Berres. Ele ficou, assim, admirando.

            Eu fazia poemas em prosa, como tinha um que era o Companheiro da Sala 7 — ou do cubículo, não sei bem como era o nome; acho que era Célula 7, que estava morrendo. Porque o marido de Eneida Costa, Benigno Fernandes — parece que era Fernandes o sobrenome, não é? Benigno Fernandes era tuberculoso e ele estava preso. E nós sabíamos que ela estava passando mal. Fiz, então, um poema sobre o companheiro do Cubículo 7, que estava morrendo. Eu disse lá na rádio do Uruguai. Fez muito sucesso, e aí me tornei conhecida.

            Estive na casa de Luísa Louise, que era bem de esquerda. Ela me recebeu muito bem e tal. Os escritores fizeram uma reunião para me apresentar aos outros todos. E, assim, foi suave o primeiro exílio.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora ficou quanto tempo no Uruguai?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - No Uruguai? Como eu disse, eu fui em maio para o Uruguai. Eu saí do Uruguai... Não me lembro bem. Acho que saí... Agora é que me falta a memória: como é que eu saí e quando.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas o Raul foi atrás da senhora? Como é que foi a história?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ele foi logo depois que a senhora?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, mas ele... Não sei, mas acho que ele não foi bem atrás de mim; eu é que fui mais atrás dele! (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Porque a senhora tinha saído para o Uruguai, tinha ido embora para o Uruguai e ele tinha ficado no Rio Grande do Sul...

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas eu sabia que ele iria atrás. Por isso eu fui. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora já tinha casado? Ainda não, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não. Não tinha casado. Nós nos casamos 3 vezes na nossa vida. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como foi essa história?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Primeiro, nós nos casamos no Uruguai. No primeiro casamento, no Uruguai, não foi com o nome, nem deixou de ser, porque, estando eu na semiclandestinidade, não usava o meu nome exato. Eu usava o nome de um avô e outro diferente e tal. Não era facilmente identificável — porque aqui eu era bem conhecida: Beatriz Bandeira e tal. Então, eu usei nomes que nem me lembro mais, mas deve ter sido do meu avô, Bagueira, que tinha sido dirigente positivista. Não me lembro bem.

            De modo que ficamos lá. Ele foi para lá e aí ficamos juntos e tal. Depois aconteceu que, cada pessoa que nós íamos visitar — porque estávamos fazendo contatos com o pessoal do Brasil, com os escritores e pessoas de esquerda lá, e tudo o mais. E aconteceu que, quando eu ia a primeira vez, era muito bem; quando chegava a segunda: não me apareça aqui que, logo depois que você veio, vieram aqui saber quais eram minhas relações com você! Assim aconteceu.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando houve o Golpe de 37, de 10 de novembro de 1937, a senhora estava em Montevidéu, no Uruguai?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Estado Novo.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - No Estado Novo, eu estava no Brasil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Já tinha voltado do Uruguai?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Tinha, tinha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando houve o Golpe de 37, a senhora estava no Rio ou no Rio Grande do Sul?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Estava no Rio.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - No Rio. Como é que foi isso, quando houve o Golpe do Estado Novo? A senhora estava com o Riff, casada aqui, no Rio?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu me casei 3 vezes com ele. (Risos.)I

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu gostaria que a senhora contasse essa história. A primeira foi no Uruguai. E as outras duas?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - A segunda também foi no Uruguai e a terceira foi no Brasil. Eu sei que a última no Brasil foi pelo seguinte: eu já estava lá, em Porto Alegre, há algum tempo, tinha feito concurso para o Magistério e havia uma pessoa que era Secretário de Educação no Rio Grande do Sul — que, aliás, tinha muita simpatia por mim, afeição. Ele admirava minha militância, apesar de que ele era muito católico, não era militante, nem nada. Ele me respeitava como pessoa política. E ele...

            Por que me lembrei dele, meu Deus?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Porque a senhora casou novamente.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah! Então, houve um concurso para professora de Música lá. Eu me inscrevi e fiz o concurso. Mas ele, que me admirava e tudo o mais... Ele era cercada por umas velhotas beatas terríveis, que não queriam nem ouvir falar em comunista. Então, ele ficou meio assim de estar me protegendo abertamente e tudo o mais, sendo eu uma comunista e não casada. Isso para elas era horrível. Não ser casada! (Risos.)

            Aí, nós nos casamos a primeira vez. Mas eu não casei com nome, assim, exatamente como eu disse; casei com o nome do avô e do outro avô — avó, aliás, que era Bagueira Leal, portanto, judeu convertido, evidentemente, chamando-se Leal. Assim foi.

            Depois, eu fui me embora para o Uruguai e, depois, ele foi também e nos casamos lá. Depois, voltamos aqui e nos casamos, por essas razões todas. Depois, casamos a terceira vez porque não tinha sido com o nome bem certo, tinha sido com o nome do avô. Aí, casei com o nome usual mesmo, Beatriz Bandeira.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora viveu sob a ditadura do Getúlio Vargas, no Estado Novo, aqui no Rio?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Em parte no Rio e em parte no Sul. Na ditadura do Getúlio, acho que foi.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora não foi para o exílio nessa época, não? em 1944...

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, eu não fui em 1944. Eu fui para o exílio... Qual exílio? Porque, depois, teve o exílio da Iugoslávia.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Da Iugoslávia foi mais tarde.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O primeiro exílio.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O primeiro exílio.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - O primeiro exílio foi em 1936.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Foi no Uruguai.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - É, que eu fui para o Uruguai. Depois estive na Argentina.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Durante o Estado Novo, a senhora ficou no Rio e no Rio Grande do Sul?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Estive no Rio e no Sul.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Já casada?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Já casada. Casada uma das vezes. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E continuou a militância?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Pero, claro, señor! Militante, claro. Siempre!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas não foi presa mais?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não. Presa não fui. Outra vez? Não. Acho que só fui presa uma vez, porque era mais espertinha, então me refugiava logo. Eu me refugiei na Iugoslávia, que foi um exílio muito interessante.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas esse foi mais tarde.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi bem mais tarde. Mas, quer dizer, nunca em situação difícil eu...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Deixa eu perguntar uma coisa para a senhora. A senhora chegou a conhecer o Graciliano Ramos nessa prisão?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Graciliano Ramos? Meu Deus, era meu amor, queridíssima! Adorava Graciliano e ele a mim. Ele me queria tanto bem... Depois eu fiquei muito, muito amiga de Clarita, que era a filha dele. Ficamos muito, muito amigas, até a morte dela. Sempre fomos muito amigas. Ele era tão meu amigo, que... Ele morreu com câncer. Mas Graciliano tinha um temperamento meio difícil. Tanto é que todo mundo se admirava de ele querer tanto bem e se dar tanto bem comigo, e eu com ele. Quando ele estava muito mal, já com câncer, eu transmiti essa minha ternura por Graça — porque era uma ternura enorme que eu tinha por ele —, eu transmiti também a Raul.

            Então, depois que nós casamos, depois que já tínhamos filho, essa coisa toda, nós íamos todos os domingos — ele morava perto daquela rua onde na ladeira tem um estabelecimento militar, não me lembro o nome da rua.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Cupertino Durão?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não era na Cupertino Durão. Todos os domingos, íamos com os filhos visitar Graça. Ele, que já era de natureza um pouco impertinente, não queria ver ninguém. Ele perguntava. Quando diziam que era a Beatriz com o Riff, ele dizia: esses, podem entrar.

            Eu fico até arrepiada quando conto, porque eu queria tanto bem a Graça! E ele era assim, meio espinhoso, meio difícil de convivência. Mas comigo, a gente se queria tanto... Eu fiquei muito amiga de Clarita.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E como foi esse conhecimento? Começou na prisão?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Começou na prisão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora se lembra como a senhora o conheceu na prisão? Em que circunstâncias?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Bom, a primeira visão foi ele chegando. Na sala 4 tinha umas janelas altas. Era difícil de subir. Mas eu sempre fui muito de ginástica, arranjava um jeito de saber tudo o que se passava por lá. Subia e tal. Então, quando chegava vagamente aos ouvidos, através, às vezes, do próprio guarda — tinha um guarda que me adorava e me chamava de Mascotinha (Risos.) porque eu parecia uma garota. Ele me chamava de Mascotinha e me trazia, às vezes, notícias, me trazia jornal escondido e tal. E ele me avisou: vem uma turma da Ilha Grande. Eu vi quando Graça vinha chegando, lá embaixo. E foi aí que fizemos mesmo maior amizade. Depois, eu fiquei muito amiga de Clarita, filha dele.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Onde era essa prisão? Esse presídio?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Na Rua da Relação.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Rua da Relação?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - É. Não chamam ainda Pavilhão dos Primários? Parece que chamam, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era Filinto Müller, o Chefe de Polícia.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Claro, era Filinto Müller. Era Chefe de Polícia.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E me diga uma coisa, D. Beatriz, e Luís Carlos Prestes? Como foi sua relação com ele? Como a senhora o conheceu?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Luís Carlos Prestes. No Rio Grande do Sul, Raul era muito amigo de um parente dele, acho que era primo. O sobrenome era Prestes, Felizardo Prestes. Esse primo morava com a vovó dele, que era a Ermelinda. A vovó Ermelinda logo gostou muito de mim, e eu dela, e passamos assim. Eu a chamava de vovó Ermelinda. Quando nasceu o meu primeiro filho, ela ficou toda faceira dizendo que tinha um bisneto. (Risos.) E assim foi.

            Eu me lembro que a primeira vez que vi Prestes foi na casa de Heloísa , a irmã dele, se não me engano. Não, a primeira vez foi no Rio Grande do Sul. Quando ele foi, nós preparamos uma recepção. Eu era uma das pessoas da comissão para preparar a recepção a ele. Até falei no comício, me pediram para falar.

            Fizeram numa sociedade que se chamada Sociedade Espanhola, que era uma sociedade que tinha surgido na época de Franco. Tinha surgido aqui, de espanhóis. Então, eram espanhóis e descendentes de espanhóis. Nem sei se ainda existe essa organização. E faziam festas políticas ali. Quando Prestes foi, um grupinho de pessoas foi designado para preparar a recepção dele. E aí me pediram para falar. Inclusive, quando falei, conheci Prestes.

            E me lembro de uma vez, aqui no Rio. Isso, tínhamos já estado aqui e tal, que nós o fomos visitar. Eu me lembro tanto de um gesto que ele fez! Os meus gêmeos eram pequeninos e me lembro que ele pegou um deles assim, levantou e falou com um ar tão alegre, tão paternal, tão simples...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como a senhora conheceu alguns dirigentes comunistas, os famosos, como Carlos Marighella?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Carlos Marighella? Vamos ver como o conheci. Eu me lembro como o conheci.

            Como eu disse a você, eu tinha uma grande militância no Rio Grande do Sul. Então, quando chegava algum militante, alguma pessoa politicamente influente e tal, eu sempre era designada para preparar a recepção com outras pessoas, mais duas ou 3 pessoas, por exemplo, o pintor que fez aquele meu retrato ali, que só falta falar. Naquela época, eu era exatamente assim. Aquilo é feito a bico de pena. Eu tinha 40 anos ali.

            Então, era um grupinho. Éramos eu, esse pintor...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Scliar?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, Scliar não tomava parte em reuniões assim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Portinari?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. No Rio Grande do Sul, quando Marighella foi, eram essas pessoas do Rio Grande do Sul, entre as quais estava eu encarregada de preparar a recepção a ele, que foi feita em uma sociedade esportiva e cultural que tinha lá. Não sei se ainda existe no bairro chamado Navegantes, se não me engano. E me encarregaram de preparar.

            Foi em função dessa recepção que foi feita a Marighella que eu o conheci e ficamos logo assim, digamos, afeiçoados. Simpatizamos um com o outro. Posteriormente, quando eu já estava aqui, Marighella veio morar por aqui. Ele morava por aqui, no Leblon. Não me lembro mais. Era aqui por perto. Eu fiz amizade também com a companheira dele.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Clara?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, primeiro não era a Clara. Tinha uma outra. Depois é que foi a Clara. Não me lembro. Depois, eu fiquei muito amiga da Clara. Ela mora em São Paulo. Ainda mora em São Paulo? Ela, sempre que vem aqui, geralmente me telefona. A gente se vê. Gosto muito de Clara.

            Então, preparando a festa para Marighella, foi aí que eu o conheci e ficamos, como eu disse, muito amigos. Depois, ele morando aqui, veio um dia me visitar. Depois, ele vinha sempre almoçar aqui.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A senhora e ele participaram de um bloco carnavalesco aqui?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Marighella?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - É.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Bloco carnavalesco, eu organizei no Rio Grande do Sul, os Filhos do Povo.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Filhos do Povo. Não foi aqui no Rio?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, foi em lá em Porto Alegre. Filhos do Povo. Esse grupo Filhos do Povo era filhos do povo mesmo. Então, nós participávamos, organizávamos e criávamos sempre coisas...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Proletários, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - ... sempre coisas bem proletárias. Por exemplo, a festa de Natal. Quando se aproximava o Natal, nós saíamos em grupo, eu e esse casal amigo, mais o pintor. Saíamos percorrendo o comércio, pedindo donativos. Ganhávamos quantidade de coisas úteis, panelas, coisas não perecíveis, enfim. Aí organizávamos e distribuíamos com o povo em uma praça. Tem várias praças lá. Era em uma praça até perto do Palácio, lá em cima.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E Marighella participou disso aí? Como foi essa história?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Marighella foi lá fazer uma visita ao Estado do Rio Grande do Sul, e eu fui encarregada, com essas outras pessoas, de preparar a recepção a ele. Foi aí que o conheci. Então, posteriormente, estando ele morando no Leblon, e sabendo que nós estávamos aqui, apareceu um dia e ficou freguês. Estava sempre aqui.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas ele não participou desse bloco Filhos do Povo?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Marighella, não.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ele não era um folião, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - O Luís Carlos Prestes foi um mito da Esquerda. Talvez, o maior mito da Esquerda brasileira.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - É.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - E foi um homem também que dividiu muito as opiniões dentro da Esquerda.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Houve uma cisão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Muita gente o critica porque ele foi sempre muito fiel à orientação da União Soviética, não é verdade?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Claro. É.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E há muitas críticas a respeito da conduta política dele. Não da conduta pessoal, ou da coragem pessoal, mas da conduta política. Dizem que ele era um homem também muito fechado, muito pouco... Qual é a impressão pessoal que a senhora guarda do Prestes dessa convivência que chegou a ter com ele?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Conosco, ele nunca foi muito fechado, não. O Prestes morava por aqui. Deixa ver se eu me lembro. Ele conversava muito com liberdade e tal, dando opinião. Deixa eu me lembrar um pouco do Prestes. É muita coisa assim para...

Eu sei que nós tínhamos, até a morte dele, sempre fomos muito leais mutuamente, muito amigos e nos freqüentávamos muito.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Ele era uma pessoa acessível com a senhora? Uma pessoa aberta?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Era alegre, né?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Era. Ele era alegre. Ele era alegre. Tanto que ele aceitava bem a minha militância, porque a minha militância era muito alegre. (Risos.) Nós saíamos pela rua com o nosso bloco, nós fazíamos festa de Ano Bom, festa de Natal, distribuindo coisas e tal...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Ah, ele era um homem muito fechado.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Era. Ele não era como... Não chegaria a dizer que era muito fechado. Ele não era, assim, conversador, nem muito comunicativo, expansivo, mas não era fechado propriamente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A senhora passou todo o Estado Novo aqui. Não foi mais presa. Quando houve a redemocratização, a senhora continua a sua militância política. A senhora e o Riff continuaram militando.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sempre, sempre.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Como é que foi?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu me lembro do tempo em que Raul... Raul conheceu, lá no Rio Grande do Sul, o Jango, em função do trabalho dele. Ele fazia muitas entrevistas com políticos, essas coisas, e foi mandato entrevistar o Jango, quando ele era Ministro do Trabalho.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Do Getúlio?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Do Getúlio. Eu e ele tínhamos sido prisioneiros do Getúlio, mas já nessa época não éramos mais contrários a Getúlio, porque a gente tem que, principalmente na política, ser dinâmico. Não se pode ser estático: é assim, rigidamente. A vida é movimento. Então, aquilo que hoje é bom amanhã já não é. E aquilo que era ótimo... Enfim, tínhamos essa visão política mais ampla.

Então, eu organizei, com essas pessoas que também tinham mais ou menos o mesmo ponto de vista, o grupo Filhos do Povo. E organizávamos, geralmente, as recepções aos políticos que iam lá.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - E o Jango? Como foi?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Então, depois que o Raul veio, mandado pelo jornal para ser correspondente aqui no Rio de Janeiro...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Era o Correio do Povo?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Correio do Povo, exatamente. Em função disso, ele tinha entrevistado Jango lá no Rio Grande do Sul uma vez, e aí ele começou a trabalhar com o Jango no Ministério do Trabalho.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Jango o convidou para ser assessor de imprensa.

A SRA. BEATRIZ RIFF - É, o convidou para assessor de imprensa.

Vocês já sabem, não é, naturalmente — você já está sorrindo —, porque, quando falo no Jango eu me emociono muito, porque o Jango foi uma figura maravilhosa, extraordinária, e é extremamente mal compreendido. Tem um grupo que o faz passar por um garotão conquistador. Outro, como uma pessoa que ficou sobrando, que não sabia nada do que estava acontecendo, o que é uma injustiça e um absurdo. Porque, um pouco antes do comício da Central, de 13 de março, ele foi procurado por uma comissão de sindicalistas. Os principais dirigentes sindicais foram procurá-lo. E...

 (Falha/corte na gravação.)

... a cerimônia não é igual a (ininteligível.)

De modo que eu amo a vida, apesar de tudo. Amo a vida. E tenho, então, às vezes, a satisfação de, em função desse meu amor à vida apesar de tudo, de uma pessoa, por exemplo, me dizer... Recebo pessoas que falam sobre isso e tal, e uma me dizia assim: obrigada, querida companheira, por me ensinar a viver. Uma coisa assim.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - É lindo isso.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Continue, querida companheira, nos ensinando o quanto é bom viver. A frase é essa.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Quem foi esse? A senhora devia contar isso aqui.

A SRA. BEATRTIZ RIFF - Continue, querida companheira, nos ensinando o quanto é bom viver. É a frase. Exatamente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A senhora tem que contar isso.

A SRA. BEATRTIZ RIFF - Estou contando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Então já começou?

O SR. ENTREVISTADOR (Não identificado)  - Está gravando.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu queria que a senhora começasse a contar a história do Jango. A senhora disse que o Jango era um injustiçado.

A SRA. BEATRTIZ RIFF - É, terrivelmente injustiçado.

Eu, inclusive, quando fiz a minha viagem para o exílio, em um cargueiro, todas as pessoas que estavam ali eram comprometidas politicamente, e todas contra o Jango, fazendo uma carga enorme contra o Jango: por que não resistiu, por que isso e aquilo. Eu disse: vocês queriam que ele transformasse o Brasil em um novo Vietnã? Vietnã Norte? Vietnã Sul?

Ele nunca faria isso. Por isso ele se sacrificou, foi embora, fazendo com que algumas pessoas que não o conhecem bem pensem que ele se tenha acovardado. Mas Jango jamais se acovardaria porque ele era um homem muito corajoso, muito decidido e muito correto. Mas ele nunca iria, para salvaguardar o seu posto, sacrificar uma porção de gente que ele sabia que ia perder. Porque ele perguntou, ainda — não sei se já falei isso para vocês —, em determinado momento, no dia 31, a Santiago Dantas... Já estavam dizendo que as forças de Minas estavam vindo para depô-lo, iam se juntar com as forças da Vila Militar para depô-lo. Ele está sabendo e está lá no seu posto. Então, quando ele falou na eventualidade, na possibilidade de uma reação, o Santiago Dantas disse: absolutamente impossível, Presidente, porque a força-tarefa americana — eu fico arrepiada — já está sendo vista em águas de Natal.

Sabiam disso? É. Então, ele preferiu passar a imagem, aos que não o conheciam, de um acovardamento, quando não era. Era um ato da mais alta consciência. Como o Getúlio, por exemplo. Sabem que eu lutei contra o Getúlio, estive presa, essa coisa toda. Mas eu nunca aceito que me digam que ele teve um gesto de desespero, porque não foi. Foi um gesto da mais alta consciência política. Sabiam disso?

Sabem por que digo isso? Bem, em primeiro lugar, Getúlio era de uma família de longevos. A família dele toda tinha 80 e não sei quantos anos. Todo mundo vive muito. Então, ele tinha uma perspectiva de vida bastante grande. Mas ele disse aquilo: “Saio da vida para entrar na história”, com absoluta consciência do que ele estava fazendo.

O PTB, que era o partido que ele tinha fundado, essa coisa toda, estava em extrema dificuldade, já quase entrando pelas caronas. O PTB. Nacionalismo era coisa em que não se falava no Brasil. Falava-se em nacionalismo antes da morte de Getúlio? Não se falava em nacionalismo. A situação era essa. O partido dele estava caindo, por estar desmoralizado. Então, ele realmente se sacrificou, levantou o partido que imediatamente criou uma... E aí se tornou forte novamente e despertou essa coisa tão importante, que foi o nacionalismo no Brasil.

Até então, ninguém falava em nacionalismo no Brasil, meu senhor. Ninguém. Ninguém. E passou-se a falar, desde as crianças às pessoas velhas e tudo. Então, ele se sacrificou para salvar o partido dele, para expandir uma idéia política que ele achava que era certa e justa, que era o nacionalismo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora acredita que o João Goulart foi assassinado?

A SRA. BEATRTIZ RIFF - João Goulart? Não sei. Não acredito nem desacredito, porque houve 3 mortes naquela época que foram consideradas suspeitas: do Jango, do Juscelino e do Carlos Lacerda — que, aliás, era quem combatia os outros dois.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Primeiro foi Juscelino, depois o Jango e depois o Carlos Lacerda. Seis meses certos para cada um.

A SRA. BEATRTIZ RIFF - É verdade. E achavam que era... Eu não sei. Eu não sei. Sei que...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A senhora, quando fala em defesa do Jango, parecia também que era a posição do Raul Riff.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, sim! Eu tinha que contar uma coisa.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Quando o Jango foi para os Estados Unidos.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Isso é muito bonito, é maravilhoso. Vocês já conhecem, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não, não.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, não? Como eu disse, desde que ele conheceu o Raul, quando ele era do Ministério do Trabalho e tal, ele percebeu que o Raul era uma pessoa muito honesta, enfim, muito séria nos seus ideais, aquela coisa toda, e se afeiçoou muito ao Raul. Então, sempre, onde ele ia, nas viagens dele, essa coisa toda, sempre ele fazia questão do Raul ir junto.

E, então, logo depois de eles chegarem aos Estados Unidos, fizeram uma coletiva, como fazem, no dia seguinte. Haviam representantes dos jornais mais importantes do mundo inteiro ali reunidos. E lá pelas tantas, um deles, mais atrevido, disse: “Presidente, o senhor sabe que nós, os jornalistas, somos muito ousados. Gostamos de saber de tudo com grandes minúcias. O senhor naturalmente não ignora que o senhor tem fama de ser simpatizante do comunismo. Então, nós gostaríamos que o senhor dissesse alguma coisa sobre isso. Tanto é assim, simpatizante do comunismo, que o senhor trás na sua delegação o jornalista Raul ‘Raiff’, que todo  mundo sabe que é filiado ao Partido Comunista do Brasil”. Até agora, isso é textualmente tudo o que foi dito. Terminaram de falar, o Jango então respondeu: “Eu fico muito contente que os senhores tenham me feito essa pergunta, porque eu...”

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - “... eu não trago nenhum...”

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah? Eu não o quê? Diga.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - “... eu não trago nenhum Raiff...”

A SRA. BEATRIZ RIFF - Bom, eu vou chegar lá. Mas não precisa você me lembrar. (Risos.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ele está se antecipando.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim. Está colaborando? Eu não me esqueço. Tenho boa memória.

Então, quando ele começou a falar, um dos jornalistas falou que era atrevido e tal e queria que ele respondesse a essa pergunta, porque diziam que ele era simpatizante do Partido Comunista: “Tanto é assim, que o senhor traz na sua delegação o jornalista Raul ‘Raiff’, que é um comunista conhecidíssimo no Brasil”.

A resposta do Jango: “Gostei muito da informação. Eu não sabia que havia um Raul ‘Raiff’ na minha delegação. Mas quero pensar que os senhores estão se referindo ao Sr. Raul Francisco Riff, meu Secretário de Imprensa”. “Ah, sim”, e tal e coisa. “Muito bem, então eu devo lembrar aos senhores jornalistas que nós, no Brasil, vivemos numa democracia. Assim sendo, eu não peço atestado de ideologia a nenhum dos meus assistentes. E o jornalista Raul Riff merece toda a minha confiança”. Fico arrepiada. Essa é uma das coisas.

Jango, Jango era uma figura maravilhosa. Eu falo nele e me emociono, principalmente porque o desconhecimento é total. Eu creio que já falei a vocês que quando fiz os óculos e assinei “Beatriz Riff”, o rapaz não me deixou mais sair: “A senhora é parenta daquele Riff?” (Risos.) E aí toca a me fazer pergunta? Esta frase do rapaz dos óculos lembro bem: “Porque eu fiz vários cursos superiores” — disse-me o rapaz —, “e em nenhum desses cursos que fiz eu tive a respeito do Presidente João Goulart outra informação a não ser esta: assumiu em tal data e foi deposto em tal data pelos militares”. Resultado: Dona Beatriz ficou lá falando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A que a senhora atribui a queda do Jango?

A SRA. BEATRIZ RIFF - A que eu atribuo a queda do Jango? Exatamente às suas atitudes liberais e socialistas, realmente socialistas. Como eu disse, antes do comício de 13 de maio, ele foi procurado pelos dirigentes...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - ... da CGT.

A SRA. BEATRIZ RIFF -  Da CGT, todo o pessoal dos sindicatos. Eles foram falar com ele sobre o comício, aquelas reivindicações, etc. e tal, pedindo a ele... Pedindo não, quase querendo forçá-lo a ler aquelas reivindicações todas no comício de 13 de maio. Ele ouviu tudo pacientemente. Quando acabou, ele disse: “Eu gostei muito de conversar com os senhores, porque os senhores expuseram exatamente o meu ponto de vista. Eu concordo perfeitamente com tudo isso que os senhores disseram. E se os senhores sugerem que eu diga no comício do dia 13, eu vou dizer. Agora, os senhores já pensaram bem no seguinte: se houver qualquer movimento e houver perigo de eu permanecer no Brasil, eu pego um avião e vou embora, mas os senhores ficam aqui? Então, a reação não vai recair sobre mim, vai recair sobre os senhores”. Então, ele estava perfeitamente lúcido.

Gostam de dizer, às vezes, que ele não tinha a menor idéia do que se estava passando. Ele sabia perfeitamente, mas ele não queria dividir o Brasil em dois setores e nem queria também... Ele se sujeitou a passar... Eu fui na viagem toda discutindo com todo mundo. “Porque ele deveria ter reagido, ele deveria ter feito e acontecido”. Eu disse: “É, e nós agora estaríamos divididos em Hemisfério Norte e Hemisfério Sul”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Quais eram os que estavam no navio? Almino Afonso e quem mais?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - No seu segundo exílio.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1964.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida - Em 1964, a senhora vai para onde?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Em 1964, eu fui... Esperem, vamos primeiro ver para onde é que eu fui, porque que eu fui bater na Iugoslávia.

(Comentário fora do contexto e ininteligível do entrevistador)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Eu queria que a senhora contasse uma história antes. É verdade que o General Amaury Kruel fez uma proposta para o Jango, que podia preservar o Jango, e o Jango não a aceitou? A senhora conhece essa história?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas claro!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Eu queria que a senhora contasse essa história para a gente.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Pois é, foi na noite de 31, exatamente. Eu vou usar até a palavra que o General Kruel usou. Já estava naquela coisa de Minas e vila militar, aquela coisa toda, e o Jango estava ciente de tudo. Então ele foi procurado pelo Kruel. Dizem alguns que ele era até compadre, mas eu acho que não. Sei que eram muito amigos. E o Kruel disse que estava extremamente preocupado: “Estou extremamente preocupado, Presidente, porque a situação é essa, muito séria, muito grave, etc., e as forças estão vindo para depô-lo e tal. Mas eu posso...” Agora, vou empregar a frase que ele usou: “Ainda está em tempo. E eu posso perfeitamente reverter” — ele usou esse verbo — “essa situação. Basta que o senhor mande fechar imediatamente a União Nacional de Estudantes e todos os sindicatos”. Resposta de Jango: “Por esta proposta, General, eu prefiro sair do Brasil. Vou arrumar as minhas coisas e vou-me embora do Brasil, porque eu jamais pactuaria com isso.” Esse era o jango.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - No navio para o exílio, para a Iugoslávia, quais eram as personalidades com as quais a senhora discutia a respeito do Jango?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não vou dizer. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Não quer falar?

A SRA. BEATRIZ RIFF – Não. Não vou dizer, mas de um modo geral todos achavam que ele tinha se acovardado. Esse é o último verbo que se poderia usar com relação a Jango.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Por esse episódio... Ele era um democrata, não era?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Opa, se era! Ele era um democrata e um socialista. Ele era um socialista. E isso ele provava lá. Depois, ele tinha muito respeito pelo Raul. O Raul era mais velho que ele um pouco, mas ele considerava o Raul, pela situação política, pela posição política do Raul, assim como um irmão mais velho. Aconselhava-se muito com o Raul, muito.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Como é que foi esse período em que a senhora... A senhora foi para o exílio onde?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Para a Iugoslávia. Por que eu fui para a Iugoslávia?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Sim. E como foi a vida lá?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Muito bem, porque aconteceram as coisas e tal. Na noite de 31, estava a casa aqui cheia de gente e tal, aguardando telefonemas a toda a hora. Depois eu fui bater na UNE também. Aliás, uma pessoa que foi comigo foi o Pontual, que morava ali adiante.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Que Pontual?

A SRA. BEATRIZ RIFF - O Pontual...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Alberto Pontual.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Exatamente. Ele tinha um carrinho e tal, e nós fomos. Ele disse: “Beatriz, eu estou vindo aqui e tal. Estão chamando todos os intelectuais e artistas para comparecerem à União Nacional dos Estudantes, porque vão fazer uma... de apoio a João Goulart e tal. O que você acha?” Eu disse: “Acho que devemos ir para lá imediatamente”. Ele disse: “Então, passo aí e vou te buscar”. Ele morava ali adiante. Passou aqui com o carrinho dele e nós fomos para a UNE. Eu fiquei lá na UNE essa noite.

Voltando ao “Raiff”, quando ele disse que não costumava pedir atestado de ideologia, essa coisa. E qual era a outra coisa muito bonita dele que eu ia contar?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Como a senhora se asilou na Embaixada da Iugoslávia?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, porque eu fui para a Iugoslávia!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Com o Riff.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora passou a noite na UNE...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, não! Como é que eu fui para... Eu estava na UNE. E o Raul não estava aqui. O Raul estava lá, com o Jango, um pouco em Brasília, um pouco aqui, sempre junto com o Jango; mas telefonava sempre, e quase sempre, sempre que podia, estava vindo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Ele foi até o Rio Grande do Sul com o Jango, não é?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Não foi ao Rio Grande do Sul?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, ele não foi até o Rio Grande do Sul com o Jango, não. Ele deixou o Jango no aeroporto, se não me engano.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Aqui, não é?

A SRA. BEATRIZ RIFF - É, deixou no aeroporto, sim.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Mas como a senhora foi para a Embaixada da Iugoslávia e como foi a experiência na Iugoslávia?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, por que eu fui para a Embaixada da Iugoslávia? Eu fui para a Embaixada da Iugoslávia pelo seguinte: eu era militante também, muito visada que eu era. Comecei a sentir que eu estava sendo muito vigiada e fiquei preocupada. Como muitas pessoas já tinham ido para diversas... Eu sabia: “Ah, fulano está na embaixada tal...” Eu sabia que a Embaixada da Iugoslávia estava recebendo também pessoas. Era a que estava... Não, parece que foi a primeira de todas que recebeu. Depois outras receberam, não é? Quando eu soube, eu fiquei assim... Comecei a sentir que eu estava sendo vigiada. Quando eu saía, eu notava. Então eu resolvi me abrigar na Embaixada da Iugoslávia, que era aqui na...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Mas junto com o Riff?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, o Riff estava lá com o Jango, estava com o Jango sempre. E eu estava vendo as coisas aqui se...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - ... deteriorarem.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim. Agora, a gente falava no telefone todo dia e eu disse para ele. Ele achou que estava certo eu arranjar um meio de me proteger.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - A senhora foi com os filhos?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não. Meus filhos eram adolescentes, estudavam e tal. Eu fui sozinha para a Iugoslávia. Quer dizer, no navio estavam... Quem é que estava no navio para a Iugoslávia?

O SR. ENTREVITADOR (Tarcísio Holanda)  - Almino Afonso...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Almino Afonso, a Maria da Graça, jornalista. Maria da Graça o quê?

SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Maria da Graça, eu me lembro dela.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, mas tinha um outro nome.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - O Hermano Alves.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Hermano Alves, Almino Afonso... Almino Afonso já dissemos, não é? Havia um outro, que era Ministro não sei de quê.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Amaury Silva?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Amaury!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ministro do Trabalho.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, Ministro do Trabalho. E havia um casal jovem, bem jovem. Eu acho que eram estudantes, não lembro o nome deles.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A Maria Martins estava?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A Maria Martins estava?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Maria Martins? Não.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Seu marido não estava com a senhora?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não estava. Meu marido estava lá com o Jango.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a senhora embarcou e foi para a Iugoslávia?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, esperem! Ele foi antes de mim.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Para a Iugoslávia?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Nós fomos primeiro para a Embaixada aqui.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Ele foi junto?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não foi junto. Ele foi antes de mim. Ele foi com o Rubem Paiva, que morava ali adiante. Qual era o outro?... Rubem Paiva... Ah, o Bocaiúva Cunha. Foram os três, quando a situação se agravou. Os poderosos empresários começaram a oferecer a eles oportunidade de escapar. Então, ofereceram... Não me lembro desse empresário, que ofereceu três passagens de avião para eles irem embora do Brasil.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não foi o Fernando Gasparian, não?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não foi o Gasparian, não. Ofereceu para eles irem embora do Brasil. Quem foi? Eu sei que Bocaiúva, Rubem Paiva e Raul foram de avião.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o Celso da Rocha Miranda?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Talvez. Ah, eu acho que sim!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dono da Panair do Brasil.

A SRA. BEATRIZ RIFF -  Eu acho que sim.   Eu sei que eles receberam, cada um, uma passagem para fugir do Brasil para onde quisesse.

E eu, que não era política tão influente, fiquei aqui. E depois, quando eu comecei a saber que muitas pessoas estavam se refugiando em embaixadas, já estavam as ruas todas bloqueadas, quase todas. Então, eu queria ir para uma, estava bloqueada. A única que não estava bloqueada era a da Iugoslávia. Foi uma coincidência. Então eu fui para a Embaixada da Iugoslávia. Eu já tinha ido para Brasília, estava em Brasília porque meu filho Tito estava lá fazendo o primeiro ano de Economia. Luís Carlos estava aqui, só Tito que estava lá. E eu fui para Brasília, fiquei lá na... Não me lembro de quem era o apartamento, não sei. Só sei que disseram: “Olha, quem está dando cobertura aqui a refugiados políticos é a Embaixada da Iugoslávia”, disseram. Mas, diante da minha figura, disseram assim: “Mas é muito difícil para você porque tem que pular um portão muito alto e tal, de modo que é meio difícil de entrar, porque eles fecham muito cedo. Enquanto há muito movimento não se pode ir, tem que ser quando parar o movimento, mas eles fecham cedo o portão lá. E você, como vai? Tem que pular uma cerca.” Eu disse: “Minha filha, eu pulo até uma montanha.” Então, lá foi Dona Beata pular a tal coisa.

Tito foi-me levando. Ele tinha um carrinho e estava lá. Não sei se o Luís Carlos... Não, Luís Carlos tinha ficado aqui. Não sei quem mais estava junto com o Tito. Levaram-me e viram...

Agora, o que foi terrível para mim é que eu tenho pavor de cachorro. Quando eu pulei e caí lá dentro — eu até hoje fico arrepiada —, veio um bando de cachorro lá de dentro. Fiquei apavorada! Mas logo acederam as luzes, chamaram a cachorrada, e tudo se acalmou. E fui muito bem tratada.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os cachorros não chegaram a atacar a senhora, não?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, não chegaram a me atacar. Os cachorros saíram. Iam cumprir sua função, mas logo veio gente atrás deles, chamaram, e os cachorros foram embora. Eu fui e pulei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi esse exílio lá na Iugoslávia?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi muito agradável (Risos), digamos assim.  Foi muito agradável, porque eu tinha facilidade de visitar tudo que eu quisesse, as fábricas, as escolas, as igrejas. Facilitavam-me tudo e me tratavam de maneira muito afetuosa. Logo fiz amizade com umas duas ou três moças lá.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Como você sobrevivia lá?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Na Iugoslávia? Eles nos deram asilo político. Nós tínhamos tudo.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Tinha trabalho também?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Trabalho não tinha. Eu tinha alguma coisa assim,  mas porque era mais fácil para mim cantar num lugar, alguma coisa assim, fazer uma palestrinha. Mas, de um modo geral, não se trabalhava não. Eles...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, a senhora e o Riff viveram lá quantos anos?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Na Iugoslávia? Não vivemos anos, não. Não vivemos anos porque, como foi o negócio que nós fomos para...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Paris, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Para Paris. O Tito estava... Quando nós... Esse detalhe do De Gaulle é interessante. Não sei se já fiz referência a isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Não.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Quando o De Gaulle soube da situação aqui — o De Gaulle tinha estado no Brasil, não sei se vocês sabem, e tinha conhecido o Raul, não sei como —, mandou um aviso muito simpático: que sabia da nossa situação e, se nós tivéssemos filhos em idade ginasial, oferecia estudo lá na Iugoslávia. Foi assim que Tito se formou lá em Economia. Depois...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Na França.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, lá na Iugoslávia ele esteve um pouco, mas não ficou muito tempo, porque logo... Quem foi que mandou, que ofereceu para irmos para Paris? Foi um político também. Possivelmente me lembrarei daqui a pouco. Tinha um apartamentozinho lá, ia lá de vez em quando, mas não estava sempre ocupado. Ofereceu-o para nós ficarmos, enquanto procurássemos trabalho e acomodação. Quem foi o político? Não sei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas todos os seus filhos foram junto com a senhora e o Riff para Paris?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, não foram para Paris. Nós fomos para Paris. O Tito que conseguiu... Como eu disse, o De Gaulle ofereceu aos que estivessem estudando matrícula gratuita e estudo lá.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Em Paris?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Sim, em Paris. E o Tito aceitou. Então, ele estudou Economia lá em Paris. Depois até adoeceu lá, e foi uma época muito difícil. Mas Luís Carlos, que é até hoje físico, um físico de renome extraordinário... Recentemente foi a um congresso em que era o único físico sul-americano, porque ele tem uns trabalhos de teoria quântica muito famosos publicados nas revistas mais importantes do mundo inteiro, meu filho Luís Carlos. Então, como ele estava com esse... Ele não quis ir porque disse que o curso de Física era muito difícil. Já era uma dificuldade grande e ele ainda teria a dificuldade de enfrentar o idioma que não sabia bem nem nada. Então, ele não foi. O Tito foi, esteve lá, foi para França e estudou lá. Depois foi para a Inglaterra.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - A senhora permaneceu no exílio até quando? Até a anistia? A senhora só voltou para o Brasil com a anistia ou voltou antes?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu voltei antes, acho. Voltei antes, acho, por influência do Correia Lima, se não me engano, que era... Isso está meio difícil, mas eu tinha um cunhado que era... Já ouviu falar o nome? Era comandante do Forte de Copacabana, parece, ou do Leme, não sei bem, Correia Lima. Aliás, o filho dele agora é militar aposentado também.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A senhora voltou no início da década de 70, porque eu trabalhei com o Riff no Jornal do Brasil.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Porque a viúva, assim que soube que ele estava aqui, mandou oferecer a ele trabalho lá no Jornal do Brasil. Não era a viúva?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - A Condessa Maurina.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - A condessa!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Dona Maurina.

            A SRA. BEATRIZ RIFF – Maurina, exatamente.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Condessa Pereira Carneiro.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Exatamente. A Condessa Pereira Carneiro, quando soube que o Raul tinha chegado, imediatamente mandou oferecer-lhe trabalhar lá com ela, se ele quisesse.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - E ele foi trabalhar lá.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ele esteve lá uma temporada grande.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - A senhora ou o seu marido tiveram algum contato com o Jango durante esse período, durante esse exílio ou depois disso? A senhora teve algum...

            A SRA. BEATRIZ RIFF - O Raul tinha mensalmente contato com Jango no exílio, porque o Jango, como eu disse, considerava o Raul o irmão mais velho, não só por afeição, mas também politicamente, porque ele tinha muita confiança na orientação política do Raul. Todos os meses, ele fazia questão de que o Raul fosse lá. Ele gostaria que fosse mais seguido, mas o Raul já estava trabalhando no Jornal do Brasil. Então, ele dizia para ele: “Não, eu não posso.” Então, acontecia assim: ele geralmente ia sexta-feira, à noite, de avião, e voltava na segunda-feira, logo de manhã. E o Jango cismou que ele não ficava mais tempo lá porque eu não estava junto. Então, ele insistia de todo jeito, oferecendo uma passagem para a Dona Beatriz ir também.

Até que, lá para as tantas, o Raul tinha um período de férias, e eu estava de aniversário. O Raul disse: “Olha, o Presidente manda seguidamente, querendo oferecer para você passar uma temporadinha lá na...” Como se chamava mesmo a granja dele? A Granja do Torto é aqui. A de lá eu esqueci o nome.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Do Uruguai, não é?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Ele já estava na Argentina.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É Mercedes.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, eu digo o nome da granja dele, que tinha um nome.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Uma estância, não é?

A SRA. BEATRIZ RIFF - É uma granja, uma fazendola.

Então, quando chegou meu aniversário... E todo mês o Raul tinha que ir lá. O Raul ia e voltava logo para o trabalho. E ele cismava que o Raul não ficava porque eu não ia. Então, ele oferecia passagem. Quando chegou a época do meu aniversário, e o Raul podia tirar uns dias de férias, ele disse: “Ah, minha filha, ele vivia oferecendo, então, vamos aproveitar agora.” E fui lá e fiquei na granja dele. Não me lembro como era o nome. Eu sei que aí convivi com ele diariamente.

             A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A senhora conviveu com a Dona Maria Teresa?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Maria Teresa, mais ou menos, porque ela era uma criança quando casou, era muito, muito jovem e não tinha nada na cabeça. Não, é natural, ela era filha de pessoal de destaque em São Borja. De modo que era muito pouco, não tinha convivência com ela nenhuma. Depois, eu fiquei mais convivendo quando Denise ficou mocinha. Aí nós ficamos... E fiquei muito, muito amiga de João. João mora no meu coração. Ali, abraçadinho comigo. Parece até que é meu filho, meu neto. Parece meu neto.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - João Vicente.

            A SRA. BEATRIZ RIFF - João Vicente é um amor.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dona Beatriz, qual foi a impressão que a senhora teve do Jango nesses dias que passou com ele no exílio? Como ele via o Brasil? Ele era uma pessoa amargurada? Qual foi a impressão que a senhora teve?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ele não era nunca amargurado. Ele tinha tristeza, tanto que, para viver longe do Brasil, era um sofrimento, mas por outro lado a sua consciência e o seu humanismo eram tão grandes que ele teve... Eu acho que já me referi aqui que, em certa época, um movimento de militares ofereceu a volta dele. Ele disse que jamais poria os pés no Brasil enquanto houvesse um único brasileiro proibido de entrar aqui.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual a análise que ele fazia a respeito do golpe de 64, nessas conversas com o Riff e a senhora? Como ele apreciava esses regimes militares na América Latina toda?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como ele via o Brasil? Qual a impressão que ele tinha? A senhora lembra?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Isso eu não lembro muito não, porque, quando eles estavam conversando coisas mais especiais, eu ficava mais lá para dentro, arrumando uma coisa e outra na casa, porque estava meio de dona da casa no Uruguai, na Argentina.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A senhora chegou a conviver com Carlos Lacerda também?

            A SRA. BEATRIZ RIFF - Com Carlos Lacerda muito, porque ele tinha um jornal que se chamava A Marcha, que ficava ali, na Cinelândia, se não me engano. Eu me dava muito bem com Carlos Lacerda. Tanto que, às vezes, quando ele tinha que sair durante o dia e que eu estava por ali, ele dizia: “Beatriz, você fica tomando conta daqui, heim.” Então, eu ficava na mesa recebendo as pessoas que chegavam, anotava tudo e dizia para ele. Eu me dava muito bem com Carlos Lacerda. Depois, nos separamos. Não convivemos, deixamos a convivência porque ele se tornou um agressor do Jango, agredia muito, e tudo mais.

Entretanto, na noite em que nós estávamos fugindo, nós ficamos um tempo numa fazendola que um parente nosso tinha no caminho de quem vai para as praias. Esse lugar existe e deve ter na frente um letreiro Sítio do Haiti, uma coisa assim, porque o dono desse sítio era casado com a irmã de minha mãe e era Cônsul honorário do Haiti. Então, era um lugar que a gente podia se esconder muito bem. E dava o mar quase nos fundos da casa. Era uma beleza, e nós nos refugiamos ali.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E o Lacerda?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, então, de noite, ouvindo o rádio, o Lacerda estava naquelas catilinárias dele, metendo o pau nos comunistas. Ele tinha sido da Juventude Comunista. E disse, lá pelas tantas — e depois eu vim a saber porque ele tinha dito isso: “Entretanto, vocês têm que saber que em toda a parte existe gente boa e ruim, gente que merece respeito e outras que não devem ser respeitadas. Então, eu quero lembrar que mesmo no Partido Comunista existem pessoas como Raul Riff.” E aí começa a elogiar Raul Riff, porque isso, porque aquilo, não sei o quê. E eu e Raul, (risos) imagina! “Lembrou-se de nós neste momento.” Posteriormente, viemos a saber que andava correndo, que o Raul tinha sido preso e estava sendo maltratado, e que, então, veio de público dizer isso, porque tinha um prestígio danado para defender...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Uma atitude de grandeza.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Conosco ele teve esse gesto muito simpático.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas a senhora teve algum contato com ele depois desse rompimento dele com o Partido Comunista? A senhora chegou a encontrá-lo pessoalmente, chegou a ter algum tipo de convivência?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, mas não foi por má vontade não, mas porque os caminhos levavam para outros lados mesmo. Ele tinha uma militância muito intensa. Não podia mesmo nem estar fazendo visitinhas de amizade nem nada. Mas ele nos respeitou muito e teve essa atitude muito bonita, que eu vim a saber porque ele tinha falado em Raul nesse inquérito. E corria que Raul havia sido preso e estava sendo maltratado. Então, ele veio com a sua autoridade dizer que mesmo no Partido Comunista existem pessoas decentes. Sublinho e assino embaixo. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando o Riff voltou ao Brasil, Carlos Lacerda ainda estava vivo. Tinha havido a Frente Ampla e a Frente Ampla foi uma das razões do que houve em 68. Não foi uma só; foram vários fatores. Mas uma das razões foi a Frente Ampla, que foi uma organização dos ex-Presidentes da República...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Foi.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Então, o Riff voltou a ter contato com Carlos Lacerda aqui no Brasil?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Tinha, de vez em quando. Mas assim não...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando ele voltou do exílio para cá?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eles se falavam. Não sei se...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora chegou a participar de alguns desses contatos?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que eles conversavam?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, eu não sei. Eu não sei dos contatos, se ele tinha... Eu acho que era só assim... quando eventualmente se encontravam em reuniões políticas e tal.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas o Riff apoiou a Frente Ampla?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Claro.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora também?

A SRA. BEATRIZ RIFF - É.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não tiveram mais contato com Carlos Lacerda?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Não, eu não tive. Não sei dele também, porque nessa época eu já estava muito ocupada aqui com netos e tal, e nem sempre participava de todas os contatos que ele tinha, onde ele ia, nem... Mas ele foi muito leal conosco, o Carlos Lacerda, muito.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E hoje em dia, quer dizer, a senhora está com 90 anos.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Com a Graça de Deus, mas não espalha. Se bem que toda a imprensa do Rio de Janeiro já divulgou tanto isso que já está demais. Isso é até maldade.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Nós vamos negar, vamos desmentir isso.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Isso é maldade. Não, vocês dizem: “Não, ela realmente tem 90 anos, mas tem uma mente de, digamos...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Trinta.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Quem dera que todos de 30 tivessem. (Risos.) Eu conheço mesmo, na família, algumas de 30 que não têm.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Queria que a senhora, em primeiro lugar, fizesse uma análise: o Partido Comunista ao qual a senhora se filiou passou por muitas transformações nesse período. Houve a queda do Muro, o fim da União Soviética.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Como essa coisa terrível que houve agora.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como a senhora analisa o comunismo hoje? Que tipo de comunista a senhora se sente hoje? Como é que a senhora vê o comunismo hoje, se tem futuro, se não tem, se acabou, se não acabou? Como é que a senhora se sente hoje no comunismo ideológico?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu acho que com o nome de socialismo, e não aquele comunismo, assim, à la rage, como diz o francês, mas o socialismo, uma coisa mais ampla, digamos. Ampla é a palavra. Acredito cem por cento no socialismo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E por quê?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Porque acho que acredito no ser humano. Não sei se é por isso. Não sei, mas eu acredito que o socialismo é uma idéia que tende a se expandir. Você não acredita? É uma idéia que tende a se expandir. Acho que é a melhor maneira de expressar o que eu sinto a respeito do socialismo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Onde é que a senhora estava quando houve a queda do Muro de Berlim, aquele fato simbólico, a derrubada do Muro?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu estava aqui no Rio, se não me engano.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Qual foi a sensação que a senhora teve?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu não sei. Foi dividido em Oriental e Ocidental...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, quando acabaram o Muro...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Acabou a União Soviética...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... o desmantelamento dos regimes comunistas no leste da Europa, acabou-se tudo. Como a senhora viu?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu não me lembro bem. Não sei, mas eu continuo sempre achando que...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Mas antes a senhora falou que ficou triste?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Fiquei triste? Sim, porque eu acho que... É como agora, por exemplo também, que anda aí o PDT e PT e não sei mais o quê. Como que PDT e PT não entendem que deviam se unir, mas unir bastante. Porque, veja bem, ninguém, ninguém no mundo diz “as direitas”; dizem “a Direita”, porque a Direita é monolítica. Mas ninguém diz “a Esquerda”, dizem “as esquerdas’. É preciso meditar sobre isso, espalhar bem isso. Nós não queremos ser as esquerdas; nós queremos ser a Esquerda, tá? Fico até arrepiada.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Diz-se que a Esquerda só se une na cadeia.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não sei. Tenho a impressão de que quando ela não se une aqui fora, dificilmente vai se unir na cadeia, porque a cadeia é um lugar que tende a acirrar — sei lá... Se a pessoa não controla muito o egoísmo, o desespero, a desavença... Você guardar a mentalidade, o equilíbrio, como Nise da Silveira, como Maria Werneck, é difícil. Vamos dizer, como Beatriz também, não é? (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E o Brasil? Como é que a senhora vê o Brasil? A senhora atravessou praticamente todo esse século, saiu, voltou, viu o Brasil de fora, de dentro. Como é que a senhora vê? A senhora tem muita esperança no Brasil? Como é que a senhora vê o país?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas eu tenho sempre esperança no Brasil, apesar de tudo. Tenho sempre esperança no Brasil, porque tenho sempre, apesar de tudo, uma grande confiança no povo brasileiro. Apesar de pensarem que o povo brasileiro não entende nem se interessa por coisa nenhuma a não ser futebol e carnaval, não, se interessa, sim. Eu sei bem. Essa que está aí, por exemplo, trabalhando aqui. Como ela se interessa pela política e pelas coisas todas para saber e... Quando eu analiso, ela concorda... Está me olhando lá de dentro... (risos.) Chega ao ponto de dizer que é minha filha, não é? (Risos.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Luís Carlos e Tito Bruno são homenagens?

A SRA. BEATRIZ RIFF - São, é claro. Luís Carlos Prestes... Disse até que além da questão política havia uma questão afetiva muito forte, porque eu era muita amiga, como disse, da vovó Hermelinda. Quando nasceram os meus gêmeos, ela os considerava bisnetos, e tudo era assim. Então, eu fiz essa homenagem a Prestes, e a do Tito, foi porque ele teve a coragem incrível, sem ter um exército forte, pois se voltou para a juventude, até para a infância, digamos, mobilizou todo o País para lutar contra um inimigo poderosíssimo que vencia em toda parte onde chegava, mas lá foi derrubado; foi derrubado, porque havia uma pessoa chamada Marechal Tito, que se tornou, com toda razão, um ídolo do povo iugoslavo. Então, seguiram a palavra do seu líder, e ele era um líder excelente, maravilhoso. E você via... Meu Deus, tinha lá um museu da revolução, com uma criança, um menininho, que parecia, assim, pela figurinha, ter uns 10 anos no máximo, com uma bolsa atravessada no pescoço, pendurada, e dizendo assim... Como é que a gente chama quando leva a mensagem? Não era a palavra mensageiro; mas era um pequeno mensageiro que levava as mensagens de umas tropas, de uns grupos revolucionários, para outros e tal, com toda a consciência. Um menino de uns 10 anos, ou, sei lá, um pouco mais, e vi como o povo inteiro de lá tinha uma consciência política muito clara. 

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Outra experiência importante sobre a qual a senhora falou antes, mas não falou agora, foi a sua viagem à China. A senhora disse que conheceu o Chu-En-Lai.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, sim.

O SR ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora chegou a conhecer o Mao-Tsé-Tung também?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Claro, Mao-Tsé-Tung, Chu-En-Lai.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tiveram conversas? Como é que foram essas conversas?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, conversas eu não tive, mas assistia a todas as palestras lá, aquela coisa toda. O Mao-Tsé-Tung era adorado. E, não, não assisti, era muito difícil lá por causa do idioma. Eles não conhecem assim muito; há uns grupinhos, assim pequenos, que falam, nessa área, agora não sei, agora deve estar muito... mas que se entendessem bem, a gente... mas eu gostei muito de lá, principalmente.... e engraçado que, apesar de tudo, sem aparecer, eles controlavam muito a vida da gente. (Risos.) E eu sei por isso. Eu sempre tenho o hábito de ler antes de dormir; então, às vezes, todo mundo já foi dormir, está todo mundo dormindo e tal e, se a leitura me agrada eu fico lendo, e tal, e uma vez um deles me disse assim: “A companheira lê muito de noite, fica muito, muito, muito até tarde lendo, não bom pro saúde, não bom, hora de dormir, dormir para refazer os forças.” E tinha toda razão. (Risos.) De modo que eles estavam atentos a tudo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ou então o seu serão incomodava a eles?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não, não, não, não era por isso não, não era por....

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Beatriz, a senhora tem diversos cartazes do Che Guevara. A senhora chegou a conhecer o Che Guevara? Tem poster, tem cartazes?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Mas não, mas eu conheci muito pouco porque é assim, rapidamente, eu conheci bem a mãe dele.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que foi essa história?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Era a...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Célia.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Célia. É, Célia.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que foi esse conhecimento?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Com ela?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Célia.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Como eu já disse, que ela era a negação total e clara do preceito mais conhecido de Che Guevara. Porque Che Guevara Hay de endurecerse pero sin perder la ternura, jamás. Que coisa mais bonita. E ela era desse tipo de mulher política, séria, grave. Lá no Rio Grande do Sul, o pessoal caía em cima de mim que era um caso sério, porque minha militância era carnaval, filhos do povo, festa de Natal, tudo muito alegre. De noite, quando saía das reuniões eu vinha com o grupo cantando pela rua. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E ela?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Isso me manteve assim até os noventa anos, se não fosse assim, não estaria, você não acha?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Com essa vitalidade.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não é? Não, com essa vitalidade não; com essa alegria, com essa juventude, com essa vivacidade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Com esse charme, aí.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Muito obrigada pelo charme. (Risos.) Ai, ai, mas que calor. (Risos.)

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Tem mais alguma coisa para contar?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Espera aí. Não, o negócio de positivismo eu já falei.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Está escrevendo algum livro?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Não. Estou querendo muito, tentando muito escrever memórias, e até já pensei em títulos e coisas assim. Os títulos até engraçados (Risos.) Um dele é “Enquanto o Seu Lobo Não Vem”. (Risos.) Porque eu não quero dizer que a morte é feminina, porque mulher, eu só entendo mulher como vida, alegria e tal; a morte, então, eu digo, seu lobo, então eu digo “Enquanto o Seu Lobo Não Vem”. Não sei se será esse nome. Ou então, tem um outro nome que eu pensei, que começaria o título na primeira página e terminaria na última, não me lembro qual é. Mas, enfim, eu vou escrever, porque eu, eu, graças à minha militância, conheci pessoas tão maravilhosas. Conhecer Prestes, conviver com ele, com tanta alegria, com tanta amizade sincera, conhecer Marighela, conhecer a vovó de Prestes, as irmãs dele, todos, ser amiga até hoje, sou amiga dessa segunda mulher e tudo, da Maria, e isso tudo foram alegrias que a minha militância me trouxe. E essa coisa de poder dizer “confiança que vivido.” (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A que a senhora atribui esse seu amor pela vida, esse seu entusiasmo, porque muitas vezes as pessoas, até com menos idade do que a senhora, já estão acabrunhadas, já estão desistindo da vida, e a senhora tem um entusiasmo muito grande. Qual é a sua receita para ter esse entusiasmo pela vida?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Amor. Amor. Amor no sentido mais amplo. Amor por tudo e por todos. Pelos seres humanos, pelos seres vivos que, às vezes, são mais humanos do que os outros. E amor, despertar amores, viver amores. (Riso.) É isso. Não é uma boa lição de vida? Então? Você também acha, é claro né?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bem coquete.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Hã? O quê?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bem coquete, agora.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu acho que..... coquete que você quer dizer é bem feminina?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Charmoso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bem charmosa.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Charmosa! Bom isso, sei lá se isso é um charme, se vocês acham que é um charme, muito obrigada.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ela é perfeita.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora transmite simpatia, alegria, irradia uma fonte de energia muito forte.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Sabe por quê? Porque eu amo, amo; como eu disse, tenho o meu coração cheio de amor, e amor que é essa coisa ampla, que não é amor só apenas de homem e mulher, amor de tudo, pela natureza, pelos seres humanos, pelos seres vivos, por tudo. Só não amo as cobras porque... mas, coitadas, elas também não têm culpa de ser cobra.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Nem as baratas.

A SRA. BEATRIZ RIFF - Nem as baratas. Mas é amor, amor é a receita.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas Beatriz, você também falou em amar e despertar amores. O despertar amores, quantos?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Quantos?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quantos amores foram despertados?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Eu não sei, mas tem um mais recente que escreveu umas coisas muitos bonitas, assim, umas palavras muito bonitas, que diz assim: “Querida amiga Beatriz, por quem eu tenho um grande amor, amor que é fruto de todas as suas belezas”. Bonita a frase. “E que sei que me é retribuído (Risos.), pelo respeito e carinho com que sou tratado sempre que nos encontramos. Continue, querida companheira, nos ensinando o quanto é bom viver.” Poeta puro, né? Porque ainda tem uma coisa que é muito interessante, que geralmente as pessoas se aproximam de mim e começam a fazer poesia! Isso não é bom?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Claro.

A SRA. BEATRIZ RIFF – Beleza, né? Não é uma beleza essa declaração? Pois é, ensino a viver; eu, que acho que estou precisando tanto aprender a viver, acham que eu ensino; então, vou tirar o diploma. (Risos.) Ai, ai, eu me divirto com essas bobagens que eu digo.

ENTREVISTADORA (não identificada) – D. Beatriz, aquela história que você falou pra mim da guerra, que a senhora (ininteligível) ...

A SRA. BEATRIZ RIFF - Você ficou muito impressionada com isso, é?

O SR. ENTEVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que foi essa história?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Ah, não, é que no tempo da guerra, eu estava no Rio Grande do Sul nessa época, e havia uma ameaça de bombardearem as cidades e tal, essa coisa; então, botavam — não sei se aqui no Rio, mas acho que também, aqui também deviam fazer isso, decerto —, quando anoitecia, botavam os panos pretos todos cobrindo as janelas para não verem de fora as luzes, para não terem os alvos para jogarem as bombas; foi um susto grande. E eu, como eu sou muito velhinha já, eu já tenho um contato com guerra também anterior, porque, quando a minha avó faleceu, eu tinha 8 anos, e foi da Primeira Guerra, se não me engano. E uma lembrança que eu tenho dessa época é uma coisa que é interessante pelo fato de que já na infância, e em contato com pessoas que não eram políticas, que, meus avós não eram políticos, eram positivistas; meu avô, como eu já disse, eu acho, substituiu Teixeira Mendes, e tal; apesar de não serem políticos, fizeram um movimento aqui de — não sei o que foi — mandar... (falha na gravação) Parece que fizeram um apelo para mandarem para crianças belgas e tal, não sei se eram roupas ou coisas assim. Eu sei que minha avó juntou— disso eu me lembro muito bem — um grupo de pessoas trabalhavam. Eu me lembro porque eu também tinha a minha função. Não sei como eles faziam, fabricavam uma espécie de uns envelopes, como se fossem — como é que se chama? — para botar em cima de ferimento ou qualquer coisa. Como é? Então...

O SR. ENTEVISTADOR (Ivan Santos) - Emplasto?

A SRA. BEATRIZ RIFF - Como os emplastos, digamos. Então tinham fazendas, lençóis de... coisas velhas e tais que a gente desfiava. A gente desfiava tudo aquilo. Era uma trabalheira enorme. Eu, pequena, também ajudava nisso. Eu tinha 8 anos, nessa época; também desfiava e botava...

O SR. ENTEVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Faziam emplastos para ferimentos.

 A SRA. BEATRIZ RIFF - ... para ferimentos, com  fazendas desfiadas. Então, eu tive esse contato. Meu avô já disse a vocês que mudou o nome da rua?

A SRA. ENTEVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Falou.

A SRA. BEATRIZ RFF - Pois é...

(Interrupção do áudio – sem a finalização da entrevista.)