Texto
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
ENTREVISTA COM O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - REALIZADA EM 14/11/2001 |
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EVENTO: Entrevista |
N°: ESP003/01 |
DATA: 14/11/2001 |
INÍCIO: 09h00min |
TÉRMINO: 11h19min |
DURAÇÃO: 02h19min |
TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h19min |
PÁGINAS: 46 |
QUARTOS: 28 |
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO |
GERARDO MELLO MOURÃO – Poeta e escritor. |
SUMÁRIO: Entrevista com o Sr. Gerardo Mello Mourão. |
OBSERVAÇÕES |
Há palavras e expressões ininteligíveis. Há falhas na gravação. Houve intervenções simultâneas ininteligíveis. |
Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 23/12/2009
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pode começar?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pode.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Gerardo, vê se você agora relembra sua origem social, seu ambiente familiar, sua instrução, sua formação intelectual, os primeiros tempos.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Bom, eu nasci numa pequena cidade ao pé da Serra da Ibiapaba, chamada Ipueiras - do outro lado é Piauí - no noroeste do Ceará.
Venho de uma família como toda gente da minha terra: uma família antiga, tradicional, com alguns antepassados até poderosos etc. e tal. A minha mãe era pobre, a família já empobrecida através dos tempos, e era professora primária em Ipueiras. De todo modo, éramos aquilo que se chamava de as famílias importantes da região. Ela, os Noronhas, os Araújos, os Holandas, toda aquela gente é uma família só. O Ceará é uma tribo grande.
Ainda agora fui receber um título de Cidadão Honorário de Crateús, onde passei parte da minha infância, uma cidade já maior do que Ipueiras. E eu disse: “Bom, eu creio que todos nós aqui somos primos”. E aí fez-se as chamadas dos Vereadores, começou pela Presidência: Mello Souza, Melo não sei de quê, Araújo, tudo parente. Então, éramos gente conceituada, mas pobres.
A minha mãe era professora em Ipueiras e formou quase todo mundo que aprendeu a ler, a escrever e a contar ali. Depois, em Crateús, e foi também professora em Nova Russas. E quando não tinha mais o que me ensinar, chegou lá um sujeito que veio de Fortaleza, que era de Crateús também, mais bem formado do que a minha mãe, o Prof. Solón Farias, que abriu uma pequena escola lá. Eu fui aluno dele e, para mim, foi assim um deslumbramento. Foi a primeira impressão que eu tive de um homem inteligente, culto, aberto, mas professor primário, ainda no grau primário. Mas primário naquele tempo era uma coisa muito séria: estudava-se realmente. A minha mãe, professora, sabia muita coisa, era diferente.
Chegou a época de querer formar o menino que levava... Não havia em todo o Ceará, nem em Sobral, que era a capital da região toda, não havia um colégio, um ginásio, o segundo grau. Em Sobral não havia ginásio. Havia um seminário menor, de Dom José Paz. Não havia um ginásio, só em Fortaleza. A minha mãe não tinha dinheiro para me colocar interno em Fortaleza. Eu tinha dois irmãos que moravam aqui no Rio. Então, fui morar com os irmãos e seguir os meus estudos.
Os meus tios quiseram me matricular no Colégio Militar. Arranjaram até um expediente lá. Como eu sou sobrinho-bisneto do General Sampaio, arranjaram uma porção de vantagens lá para eu entrar no Colégio Militar, mas eu refuguei. Apareceu o Bispo da cidade de Valença, que era o Dom André Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti - todos nós tínhamos na conta de parente e, realmente, em toda parentela nordestina, somos todos Albuquerque e Cavalcanti - e quiseram me levar para o seminário dele de Valença. Mas chegou uma missão de padres redendoristas holandeses e eu me entusiasmei. Eu disse que queria ser desses padres e fui ser redendorista, e aí fiz o meu estudo de humanidades. Os primeiros estudos superiores foram com os seminários, dos holandeses.
Quando eu aprendi humanidades... Hoje dificilmente você pode ter um centro de estudos tão sério. Passei quase 8 anos internos num mosteiro, não saía nem para as férias. Não era um seminário comum. Interno num mosteiro, tinha 5, 6 aulas por dia. Fiz 2 horas de latim durante 6 anos, 5 anos de grego, 4 anos de alemão. Enfim, estudando humanidades, como se estudava antigamente, quase como na Idade Média. Estudava o trilho e os quatrilhos. Aprendia-se de tudo, até música, o que não aprendi porque não tinha... Era uma... Aprendi aquelas coisas.
A minha formação básica foi essa. Tudo o que eu sei devo à minha mãe, pobre professora primária no interior do Ceará, e aos monges redentoristas holandeses que me formaram. Depois, saí por conta própria e ganhei o mundo - ou perdi o mundo.
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E o senhor chegou a presenciar a atividade dos cangaceiros? O senhor assistiu à Coluna Prestes?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - A minha terra era uma terra ainda muito marcada por essa vida primitiva do Nordeste, inclusive por grupos de cangaço. Eu meu lembro, eu tinha 7 anos de idade, estávamos já em Crateús, quando a Coluna Prestes entrou em Crateús comandada por João Alberto - na semana passada, inauguramos lá uma casa com memorial da Coluna Prestes. Então, soltaram todos os presos da cadeia de Crateús.
A Coluna Prestes entrou tranqüilamente em todas aquelas cidades do interior sem resistência. Eu me lembro que estava em Ipueiras quando desembarcaram na estação da estrada de ferro os chamados “Os revoltosos”. Quando chegaram à estação, foi uma festa para os meninos, uma farra ver aqueles homens chegando comandados pelo João Alberto, com um chapéu de escoteiro grande na cabeça, um lenço vermelho, os oficiais todos com lenço vermelho, saltaram na estrada de ferro.
Antigamente, na estrada de ferro tinha um telégrafo que funcionava em todo o interior do Brasil. Só havia o telégrafo na estrada de ferro, com aquelas pilhas primitivas feitas de garrafas cortadas com ácido dentro. O João Alberto entrou, todos nós atrás, os meninos, todos os soldados, e chamou um sargento. Havia um telegrafista que era zarolho que passava telegramas, vendia passagens e despachava bagagens. Então, o João Alberto chegou e disse para o sargento: “Pega esse telégrafo aí e quebra”. O sargento pegou os vidros de ácido do telégrafo de morse, jogou nos trilhos e quebrou. E você assistindo aquilo assim, bem bestificado. E o João Alberto disse - eu guardei essa frase até hoje; eu tinha 7 anos, isso foi em 1924, eu sou de 1917 - “Isso é mais perigoso do que 500 inimigos”. Eu passei a ter um respeito profundo pelo Seu Mileto, que manipulava um aparato mais perigoso do que 500 inimigos!
João Alberto chegou e foi para a cidade. Hospedou-se com o estado maior na casa de meu avô, que era chefe político de Ipueiras; e a outra parte na casa do Major José Bento Fontenele, que era outro chefe político.
Ele e o meu avô mandaram matar os novilhos, churrasqueou para a soldadesca, hospedou a oficialidade dentro de casa. E me lembro que João Alberto disse para meu avô - que se chamava Capitão José Ribeiro Mello, Capitão da Guarda Nacional: “Quanto é que tem nos cofres da Prefeitura?” O meu avô disse: “Tem 400 mil réis”. Ele também chamava o João Alberto de Capitão. E ele disse: “Passe para cá”. O João Alberto deu um recibo e levou os 400 mil réis que eram o tesouro municipal de Ipueiras.
E por ali foram caindo aquelas cidades, até irem para Crateús, onde o Governo do Estado decidiu resistir. Juntou os destacamentos policiais de toda a região, todas as forças que pôde, armas, munições etc., e se concentrou em Crateús à espera do ataque dos revoltosos que iriam passar de Crateús para o Piauí. Soltaram, inclusive, todos os presos da cadeia para servirem de soldados.
Havia um preso que foi cangaceiro do bando do Lampião, que se chamava Zé Mourão, por quem eu tinha um encanto, um fascínio. Ele era meu primo. O meu pai e a minha mãe ficavam indignados: “Esse cangaceiro não é parente da gente!”. Devia ser. Ele era um caboclo branco, bonito. Eu ficava com meus primos todo dia, pelo menos conversando com ele na grade da cadeia. Foi só virar o herói da revolução que contava umas façanhas que deviam ser lenda que o Zé Mourão saiu rolando pela praça dando tiro e não sei mais o quê.
É certo que João Alberto atacou Crateús, um acontecimento histórico que se chamava o bombardeio de Crateús. Isso faz muito tempo.
Passei agora lá na minha casa antiga. Ela está toda reformada. Hoje é uma casa bonita, não é a nossa pobre casa, mas está lá. Um dos nossos vizinhos era o nosso primo Raimundo Resende; o outro era o tio da mãe, chamava Tobias Soares, o homem mais mentiroso de Crateús, famoso pelas histórias que contava.
Mas, enfim, a nossa casa era residência e escola. Havia uma sala grande que tinha um nível mais baixo do que a planta do resto da casa. Então, as vizinhas todas pediram para ir dormir lá para se defender de balas. Dormiu lá uma quantidade enorme de senhoras, umas 20 ou 30 senhoras. O único homem da casa era eu, que tinha 7 anos.
Veio um primo nosso, afilhado de minha mãe, chamado Milton Benjamin. Acho que hoje ele está em Brasília. É um velho médico que deve estar com uns 80 anos. Ele foi Coronel da Força Pública de Pernambuco e é tio desses meninos do PT, do Cid Benjamin e do César Benjamin, são meus parentes. Esse menino tinha uns 16, 17 anos, era afilhado da minha mãe e dizia: “Madrinha, eu vou dormir aqui, porque precisa ter um homem em casa”.
Eu sei que começou o bombardeio de Crateús. Estava tudo fechado e só ouvia aquele pá-pá-pá-pá, aquele tiroteio. E eu ouvia sempre um grito durante a noite, aquilo ficou no meu ouvido: “Poupa munição, cabra do Prestes! Poupa munição, cabra do Prestes!” Não sei o por quê. Eu sei que os revolucionários revoltosos, na calçada da nossa casa, foram repelidos, voltaram na noite seguinte. A Força Pública estava esperando, na noite seguinte voltaram e repetiu-se a mesma cena: tiroteio a noite inteira. E lá pelas tantas da madrugada cessou o tiroteio e bateram na nossa porta, bateram numa janela: “Abra!” Assombrado, Milton, disse: “Vamos abrir”. Abrindo a porta, eles pediram emprestadas 3 redes porque havia uns homens feridos na calçada. Então, abrimos, ajudamos lá, vimos aquela poça de sangue e tenho a impressão de ter ficado com a mão molhada de sangue. Não sei se foi impressão de infância. E o Milton, o meu primo e outros ajudantes levaram os 3 sujeitos feridos que foram enterrados na saída de Crateús. Então, o povo inventou que os homens tinham sido enterrados vivos, e eles viraram santos. Hoje as pessoas fazem promessas, levam flores, rezam, etc. Fui lá ver a sepultura deles.
O Prefeito Nazareno Mello, meu primo, encomendou ao Oscar Niemeyer um memorial para registrar essa passagem da História do Brasil. A Coluna Prestes foi uma coisa importantíssima na História do Brasil. A Coluna, como se dizia à época, foi como uma serpente percorrendo o território do País, dando uma consciência cívica ao povo. Aquela coisa do tenentismo era um pouco vago. Naquele tempo, não havia uma ideologia, não havia coisa alguma, justiça nem representação, mas um despertar da consciência nacional e um ato de heroísmo que ficou plantado na História.
Então, a cidade de Crateús foi protagonista desse momento histórico e heróico da vida política brasileira, que contaminou grande parte do povo.
Estive agora em Crateús e entrei no mercado. Visitei os lugares da minha infância. Um mercado velho que fica assim, uma lojinha de Norberto Ferreira. O Sr. Norberto era o padeiro de Crateús, o primeiro padeiro que vi. Em Ipueiras, não havia padaria. Quando fui para Crateús, eu conheci o pão; em Ipueiras, eu comia tapioca. Mas o pão do Sr. Norberto era delicioso. Nunca era suficiente o pão que eu comia de manhã. Achava pouco, queria mais e não tinha. Eu entrei no mercado e vi um velhinho trêmulo, com parkinson, evidente, e disse: “Aqui é do Sr. Norberto?” Ele disse: “Eu sou o filho dele.” “Você não é o filho da Éster?” “Sou.” Ah, era o Ferreirinha, filho do Sr. Norberto, meu companheiro de infância e o primeiro comunista de Crateús! Ficou satisfeitíssimo de termos ido lá homenagear a Coluna Prestes. Ferreirinha... O Sr. Ferreirinha disse: “Eu vou lhe mostrar aqui o primeiro arquivo de Crateús.” Tem um retrato da escola da minha mãe, os alunos todo ao redor. Tinha o meu avô, eu, menino desse tamanho, de cara redonda, o Expedito Machado, o Jânio Machado, com cara de caveirinha, colegas de escola mesmo.
Então, foi um negócio assim de... eu fiquei muito feliz de ter voltado a Crateús, porque eu tenho a minha terra como o meu patrimônio único. A herança que eu tenho é o negócio do Ceará. O Ceará é negócio, a minha vida, a minha formação, o meu sentimento de País, o meu sentimento de Brasil. O resto é bobagem. O resto é... Toda minha obra literária se funda ali.
Eu fiz outras coisas na vida, fiz política liberal, fiz política convencional no Brasil, fui Deputado, tudo isso. Eu ocupei muitas coisas. Mas tudo isso na minha vida foi adultério. O meu matrimônio é com a minha terra e com a minha poesia, que é fundada ali, começou ali. Então, é a minha vida, é a minha poesia, o resto é besteira. Tudo é adultério, o matrimônio foi aquele ali.
Eu me comovi de receber um título de Cidadão Honorário de Crateús. Eu devo dizer aqui - não é para esnobar não - que recebi um título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro, cidadão carioca. Um Vereador me deu esse título, foi votado na Câmara, marcaram a solenidade e eu não fui receber. Não me ocorreu, no dia eu não pude, marcaram outra solenidade, também não fui não sei por quê. Acho que estava no hospital e não fui. Recebi um título de Cidadão Fluminense, dado pelo Chuay, grande companheiro de cadeia, que fez questão disso. Mas, o de Crateús, nem que eu tivesse que atravessar o oceano para receber esse título eu quereria, porque lá é minha terra, minha raiz, minha origem.
Eu me julgo um homem original no meio da cultura brasileira - original naquele sentido goetheano. Goethe disse que original é tudo que está plantado na origem. Só se é original quando se está plantado na origem. Tentei fazer uma obra original da literatura brasileira e na minha vida. Fiz muitas besteiras na vida, adultérios de todo o jeito, mas minha fidelidade à origem é grande.
Eu falo sempre com muita emoção de Ipueiras e Crateús.
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor saiu de Ipueiras...
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Nós ocupamos o litoral do Brasil. No princípio, como se dizia, o Brasil era Pernambuco; Pernambuco era o açúcar, e o açúcar era o (ininteligível.). Então, nós nos ocupamos com o litoral e não havia gente. Nem de português, nem o povoador tinha gente para navegar o sertão imenso. Estava ocupado em defender o litoral contra as invasões de piratas ingleses, franceses e mais tarde os holandeses, que depois vieram de maneira maciça, e assim por diante.
Só fizemos a navegação interior do País quando nós, na guerra holandesa, capítulo que fundou o Brasil, expulsamos os invasores. Esse foi um gesto brasileiro, e não do colonizador português. Portugal e Espanha entraram em negociação com a Holanda para entregar a parte já ocupada por eles.
O Padre Antônio Vieira acumpliciou-se com isso; o Embaixador Souza Andrade, de Portugal, acumpliciou-se com isso. Estava tudo pronto. Quando receberam a ordem aqui para entregar, um caboclo português, com alguns índios e negros, também disseram que não entregavam. E João Fernandes Vieira escreveu a famosa carta ao Rei de Portugal, dizendo: “Vou desobedecer Vossa Majestade pela primeira vez. Vou primeiro expulsar os invasores de nossas terras. Depois irei a Portugal receber o castigo da minha desobediência, mas eu não cumpro a ordem.”
Resistiram às ordens do rei e expulsaram com a primeira guerrilha gloriosa que se travou no mundo. Hoje os oficiais tratam da guerrilha holandesa como um capítulo especial da estratégia e das táticas de guerra moderna, como uma coisa que precedeu o Vietnã. Nas guerrilhas, venceu o exército holandês, que era o mais poderoso do seu tempo.
Pelos estudos de hoje, sabe-se que a etapa do soldado holandês - etapa é aquilo que um soldado recebe, como roupa, comida, etc. -, em Pernambuco, na Bahia, no Nordeste, digamos, era superior à etapa de um soldado americano hoje em vitaminas e proteínas e roupas. E esses caboclos eram leigos.
Então, fundou-se o Brasil ali. Pela primeira vez na História do Brasil aparece a palavra “pátria” num documento da guerra holandesa, escrito pelo negro Henrique Dias. O holandês mandava sempre (ininteligível.) cartas para o Henrique Dias e Camarão tentando comprar coisas, e ele não respondia. Dali a uns dias, perguntou por que não respondia às cartas. Ele disse: “Eu respondo como tenho respondido sempre no cano das bombardas. Sou homem de poucas letras e muita espada e não descansarei enquanto não expulsar o invasor da minha pátria. E respondo pelo Camarão, porque essa também é a pátria dele.”
É o primeiro documento da História do Brasil em que figura a palavra “pátria” feita pelo negro Henrique Dias, em nome dele e do Camarão. Então, ali se fundou realmente a pátria brasileira, expulsando os holandeses.
Os homens que guardavam as costas do Brasil tiveram tempo de começar a navegar as terras dos sertões. Aí surgiram as bandeiras.
Falamos muito nas bandeiras paulistas, que realmente foram as mais frondosas, de maior êxito e admiráveis, com heróis como o Raposo Tavares e Borba Gato. É uma coisa fabulosa. Mas é preciso ver que houve grandes bandeiras também, como as bandeiras baianas, da Casa da Torre, que percorreram distâncias imensas. Houve também as bandeiras pernambucanas, juntando todo o Nordeste, quando um sujeito do Ceará inventou a paçoca e ensinou aos bandeirantes do rio São Francisco que poderiam levar aquilo como comida.
Eu tenho uma grande admiração pelos filmes de faroeste americano. Vê-se aqueles homens admiráveis naqueles cavalos bonitos, mulheres bem vestidas naquelas diligências fabulosas, e fico um pouco humilhado porque eles viveram no século XVIII até XIX. O nosso foi no século XVII e XVIII.
Os bandeirantes brasileiros percorreram este País à pé, com os pés sangrando, inchados, lutando contra os índios, a onça, o bicho do mato, a fome, comendo raízes e tudo. Foi uma epopéia.
Então, eles marcaram um encontro nas margens do São Francisco, nas bandeiras paraenses de Pedro Teixeira, e foram. Pedro Teixeira saiu de Belém do Pará, passou pelo Equador, pela Colômbia, invadiu tudo, tomou posse até o Oceano Pacífico, em nome do rei de Portugal, andando à pé e de canoa.
Os bandeirantes da Casa da Torre, da Bahia, e os bandeirantes pernambucanos marcaram um encontro e fizeram a estratégia do avanço das bandeiras. As bandeiras paulistas foram as mais frondosas e poderosas e fundaram este País. Então, chegaram às Minas Gerais, mas depois que nós construímos a segurança do país, que fizemos um país defendido contra as invasões estrangeiras. É esse, então, o papel que o Nordeste cumpriu neste país.
Os mineiros são muito novos. Eu me lembro um amigo nosso, numa ocasião, fazendo um programa de televisão com João Cabral. Muito deslumbrado com ele, disse: “João, imagine se você tivesse nascido em Minas!“ Ele respondeu: “Espera aí, moço! Vocês são do século XVIII e XIX. Eu estou aqui desde o século XVII. Quem fundou a Vila Rica do Pilar do Albuquerque foi um parente nosso - meu, do Tarcísio, do Albuquerque, sobrinho da dona Brites, a Velha.”
O Capitão Antônio de Albuquerque, pernambucano, fundou a cidade de Ouro Preto. Nós fizemos o país. É claro que a contribuição deles também é enorme, grandiosa, e deram ouro, a nós não tocou o ouro. Nos tocou foi o açúcar, que era um ouro duro de roer.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o ouro daquele tempo.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O açúcar foi, no século, o maior negócio da história do mundo, porque não havia açúcar no mundo. Nas cortes européias, as condessas, as princesas, a classe alta faziam seus docinhos caseiros, em doses homeopáticas, com mel de abelha. De repente, o mundo é inundado pelo açúcar.
A cana-de-açúcar é uma coisa prodigiosa, um cano com água de açúcar já dentro e pronto. É só moer. Isso foi o maior negócio do mundo na época. Tão grande que despertou a cobiça internacional.
Aí veio a guerra de Holanda, que foi uma coisa muito séria. Não foi uma simples invasão de piratas. A Holanda era o país mais rico do planeta, naquela época, e foi sempre um país muito liberal. Foi o único país da Europa onde os judeus não foram perseguidos. Os judeus se refugiaram na Holanda.
Os judeus são um povo poderosamente inteligente, com seus físicos, seus médicos, seus banqueiros. Então, eles se concentraram na Holanda e foram gratos a ela. Armaram a Holanda para a conquista.
Veio um príncipe alemão, Maurício de Nassau, contratado pela Companhia das Índias, empresa da Holanda, que planejou fazer um império atlântico, dominando toda a ribeira do Atlântico Sul, no lado da América, e a ribeira do Atlântico no lado da África. Nassau mandou, de Pernambuco, ocupar Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau. Mandou as tropas descerem até a Patagônia planejando um império a ser construído. Mas os guerrilheiros de João Fernandes Vieira acabaram com a brincadeira deles.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Mourão, voltando um pouco à sua vida, já que o senhor foi para o seminário, por que não se tornou um padre?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu também me pergunto muitas vezes por que não fui padre. De certo modo, acho que me faltou heroísmo.
Um dos escritores que eu mais respeito, Léon Blois, disse que a única tristeza que o homem tem no fundo da alma é não ser santo. O santo é aquele que participa da divindade. E a vocação para o sacerdócio e a vida monástica, que é a que escolhi, é o caminho da santidade. Chamava-se antigamente de a escada do paraíso, desde os primeiros mosteiros do Oriente.
Gaza, que é o lugar onde se matam os judeus e árabes, foi uma cidade por excelência das letras, das artes e do espírito, no seu tempo, com um maior número de doutores. Dali saíram os grandes primeiros monges, que chamavam os mosteiros da escada do paraíso ou a porta do paraíso.
Mas essa escada requer muito heroísmo, uma renúncia a todos os prazeres do mundo. E eu devo lhe dizer que sou um sujeito que não tive vocação para o heroísmo, mas também não sou um canalha. Levei 7 meses na maior angústia: saio ou não do mosteiro? A vida no mosteiro é muito boa. Tem-se diariamente uma hora de conversa com o padre mestre dos clérigos.
Uma vez, disse: “Padre, eu não tenho condições. Estou tentado, quero sair, vou para o mundo. Não vou ser padre.” Ele respondeu: “Está bem. Peça a Deus que o ilumine, reze, pense um pouco por 2 ou 3 dias.“ No dia seguinte, eu voltava: “Padre, pelo amor de Deus, não quero sair, quero ficar.”
Fiquei nessa angústia existencial terrível quase antológica de saio ou não saio até que, depois de 7 meses de angústia, resolvi sair. E nessa hora, quando tirei o meu hábito, depositei-o sobre a cama juntamente com todos os meus vestes eclesiásticos, o meu solidéu, comecei a chorar e não saí. Fiquei numa situação muito delicada e disse que não queria mais sair. O padre disse “Pode sair tranqüilo. Você já foi suficientemente provado. Isso é uma provação que Deus lhe deu durante 7 meses. Não fique se torturando, pode ir tranqüilo que você se salvará.“
A minha saída foi uma coisa tão terrível que eu saí do mosteiro num sábado de carnaval. Você não pode imaginar o que era o carnaval no Rio de Janeiro naquele tempo. Cantava-se pelas ruas: “Eva querida, quero ser o seu Adão.” E aquela coisa fabulosa! (risos.) Eu dizia: “Está tudo perdido, está tudo louco, vai tudo para o inferno!”. Fui à missa no domingo de manhã e procurei o padre: “Estou saindo do mosteiro, quero voltar.” O padre pediu-me que tivesse calma. E eu não voltei.
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E aí o senhor descobriu a poesia?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu saí faltando poucos dias para pronunciar os primeiros votos na vida monástica. Não são os chamados padres diocesanos, de paróquia. Os padres de ordens monásticas pronunciam votos de pobreza, castidade e obediência.
Eu perdi a castidade, a obediência e conservei o luxo da pobreza para o resto da vida. Mas, evidentemente, nunca deixei de ser cristão. Passei muito tempo afastado das práticas religiosas, mas sempre com a presença de Deus.
Lembro-me que, quando cheguei aqui, fui procurado por Tristão de Athayde, Alceu Amoroso Lima, que era o que naquela época se chamava de chefe do laicato católico, escritor. Fui com um amigo meu chamado Orlando Carneiro, que foi o primeiro sujeito que conheci no Rio. Chamava-se Orlando Carneiro, pai de Luiz Orlando.
Fui à missa em um domingo de carnaval e tinha um sujeito do meu lado que começou a me cutucar e a falar comigo. Tinha uma voz rouca e falava alto. Eu, um sujeito acostumado com aquela postura monástica dentro da missa, disse: “Amigo, por favor, quando terminar a missa nós conversamos.“ “Não me importa, eu sou amigo íntimo de Jesus Cristo”. Era o Orlando Carneiro, pai do Luiz Orlando. Foi meu grande amigo. E levou-me ao Tristão de Athayde, ao Alceu Amoroso Lima, no dia seguinte.
O Alceu me disse: “Meu filho, não estou aqui para dar conselho, é só uma advertência. Você esteja sempre com Deus. Estando com Deus, está bem. Esteja de bem com Deus; ou de mal com Deus. Mas esteja com Deus, com a presença dele. Mesmo estando de mal com Ele, mas esteja com Deus”. Foi o primeiro passo que dei. Ele me meteu no Integralismo. “O que você vai fazer? Não importa ser monge ou padre. Tenha uma vocação salvacionista. No fim, você deseja salvar as almas.” “Eu desejo fazer alguma coisa na ordem da política.” “Então você vai ali na Travessa do Ouvidor, 32. Tem um movimento político novo. É um movimento cristão católico integralista. Você se inscreve lá e vai ser integralista cristão. salvacionista”.
No fundo, os políticos canalhas, mesmo os políticos que ignoram tudo, têm uma espécie de vocação para o charlatanismo e para o salvacionismo. Algumas legítimas e outras puramente charlatanescas. O Brizola, antes de ser político, era pregador. Pregava o Evangelho dentro das cadeias para salvar. Então, o salvacionismo leva muito à política também. Não todos. Então, daí foram os meus primeiros passos.
Hoje sou um homem muito mais amadurecido na minha fé. Vivo presente ainda a palavra do Alceu: O senhor está com Deus. De mal com Ele; de bem com Ele. Quer dizer, se eu fiz um negócio que estou sabendo que é mau é porque não está de acordo com as minhas relações com Deus. Porque Deus, como dizia o meu mestre Unamuno: “O que é o problema religioso do homem? O homem está ligado a Deus porque Deus é mais eu do que eu mesmo”. Ele é o Criador e nós somos jogados no mundo como pedaços da galáxia primitiva que Ele criou. Ele é mais eu do que eu mesmo.
Ter consciência moral e espiritual é muito importante. Isso não quer dizer que eu esteja sempre andando direitinho, não. Mesmo completamente destrambelhado, mas sempre tenho consciência daquilo que está certo e daquilo que está errado e me esforço para acertar.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Gostaria que o senhor nos falasse também como é que foi esse seu contato com a política. De que forma o senhor aderiu a esse movimento; que impressão isso lhe causou e a conseqüência disso.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu fui lá e o Tristão me disse: “Vá lá na Travessa do Ouvidor nº 32 - lembro-me até hoje - em frente à Livraria Schmidt”. O Augusto Schmidt tinha uma livraria pequena bem em frente à sede do Integralismo. Aliás, o Plínio fundou o Integralismo no Rio na Livraria do Schmidt.
É uma história muito curiosa de ser contada ainda. O Plínio Salgado fundou, em São Paulo, a Sociedade de Estudos Políticos e a Ação Integralista Brasileira para fazer um aparelho político para a Sociedade de Estudos Políticos. O aparelho se chamava Ação Integralista Brasileira. Plínio, foi o fundador; Iaci Gayara, o Alfredo Silva Teles, o Roberto Simonsen, o velho - não o Ministro Simonsen; o Gustavo Barroso. Estava aqui no Rio. E o Plínio fez 14 viagens ao Rio de Janeiro. O Plínio então um dia fundou em São Paulo.
Depois de fundado o negócio, ele olhou e falou: “Vou fazer um desfile na Avenida Paulista”. O Menotti del Picchia, o Cassiano Ricardo, amigos dele, disseram: “Não faça isso. Vai ser ridículo fazer um desfile com 40 sujeitos. Vai ser vaiado!”. “Não me importo com vaia.” “Amanhã, quando você for ao Automóvel Club, vão fazer uma gozação!” “Um dia eu fecharei o Automóvel Club”. “E no Jockey Club...” “Um dia eu fecharei o Jockey Club.” E fez a marcha dele.
Veio 14 vezes ao Rio de Janeiro - ele contava isso - de trem de segunda classe, às vezes com a calça remendada nos fundilhos, o que era muito comum naquele tempo, para arranjar aqui. Mas ninguém estava com ele. Reuniam-se na livraria do Schmidt. Quando chegavam as 6 horas, o Schmidt baixava aquela porta de aço e o Plínio vendia o peixe dele. Era um homem muito fascinante no falar.
Freqüentavam ali Gustavo Barroso, Everaldo Leite, que era um engenheiro da Light; Antônio Galotti, San Tiago Dantas, Thiers Martins Moreira e alguns outros, Jaime da Silva Teles daqui do Rio de Janeiro. Até que um dia resolveram: vamos fundar. O Schmidt, entusiasmadíssimo, queria que ele fundasse um movimento católico, como a Action Française. Com as condições do Schmidt cumpridas, fecharam o católico também. Então o Schmidt disse: “Agora vamos levar para fora do Rio de Janeiro”.
Foi fundado o núcleo aqui com 10 ou 12 sujeitos. E os recursos para viajar? Vamos viajar como? O Schmidt falou: “Faz um livro”.
O Plínio foi o mais prodigioso datilógrafo que já vi na minha vida. Era um monstro. Escreveu esse livro. Ficou trancado na livraria à noite inteira. De manhã cedo, entregou o livro pronto. “Está aqui. Vamos editar”. “Como é o nome do livro?” “O Que é o Integralismo”.
O Schmidt era um editor que não tinha um tostão. Pulava de galho em galho como alguns editores que conhecemos. Foi ao conselheiro Mayrink Veiga, velho Mayrink Veiga, pai do Antenor. “Conselheiro, isso aqui é um livro importante contra o comunismo e tal. Preciso só de 5 contos para editar esse livro”. O Mayrink Veiga deu 5 contos. O Schmidt imprimiu o livro fiado e deu 5 contos ao Plínio para viajar.
O Plínio pegou um navio da Lloyd. Tinha que ir alguém junto com ele. Então o Thiers Martins Moreira, muito jovem, tinha acabado de se casar inclusive com uma mulher encantadora, a Rosita, muito bonita, disse: “Vou junto.” “E a Rosita?” O Thiers tinha um emprego de 400 mil réis por mês. Então, o Galotti, o San Tiago, o Lacombe, o Gustavo disseram: “Vamos fazer uma vaquinha e damos uma mesada para a Rosita. Pode largar o emprego”. A Rosita ficou morando numa pensão e o Thiers seguiu com o Plínio.
Primeiro, o navio parou em Vitória. Lá, fundaram o Movimento Integralista com um sujeito que tinha uma rede de farmácias chamado Roubach. O filho do Roubach posteriormente foi um dos donos do Pró-Cardíaco, Robson Roubach, estudante que conheci. Fundaram em Vitória. E um engenheiro da estrada de ferro, Edson Vieira, parece-me.
Depois foram para a Bahia. Lá o Plínio fez uma conferência nas faculdades de Medicina e aí ingressou um número grande de sujeitos. Os primeiros a entrar foram o Balbino, professores, estudantes. Alguns deles estão vivos ainda.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Esse grupo tinha alguma coisa a ver com a Câmara dos Quarenta?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não. A Câmara dos Quarenta foi uma organização criada muito mais tarde, quando o Integralismo já estava forte para instrumentar melhor a administração do partido. A Câmara dos Quarenta era um negócio mais decorativo. O Plínio reuniu a Câmara dos Quarenta para colocar sujeitos que podiam prestar serviços ao partido, especialmente financiadores. Eram Raul Leite, alguns industriais, enfim. Tinha certa importância, mas não era um organismo que comandava o partido. Quem comandava o partido era o secretariado nacional. Era o Integralismo organizado.
Quem fez toda a estrutura do integralismo, da organização política do Integralismo, foi o Secretário de Organização Pública. Era o Everaldo Leite, engenheiro da Light. Acho que morreu. O Everaldo foi quem estruturou, fez as secretarias. O Integralismo tinha um ministério. Tinha um ministro, secretário nacional, correspondente a cada ministério.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sr. Mourão, me diga uma coisa. Está muito boa a sua exposição. O senhor deixou de falar o seguinte: como o senhor vivia e sobrevivia profissionalmente?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Comecei a trabalhar como professor. Era professor de latim e de francês em vários colégios aqui, inclusive no Ginásio de São Bento. Foi o meu primeiro emprego como professor. Depois, fui jornalista no jornal integralista Ofensiva, aquele jornal diário e em outro jornal diário integralista, O Povo, do qual fui diretor com 20 e poucos anos. Era eu e o Juca Loureiro, genro do Plínio. Como professor tirava o meu sustento, pois tive algumas pequenas heranças. Minha mãe era pobre, mas tínhamos sempre algumas pequenas heranças e tinha uma vida razoavelmente suportável. Minha vida se tornou muito difícil depois, quando tirei 6 anos de cadeia, já casado com a minha primeira mulher, porque fiquei viúvo. É difícil sobreviver.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O que houve para o senhor tirar esses 6 anos de cadeia? O que aconteceu?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Vou chegar lá.
Fui preso 18 vezes. Tinha uma atuação muito jovem, porém muito presente. Quando se fechou o Integralismo começou-se a conspirar. Portanto, 18 vezes.
Eu tinha no partido uma posição de diretor do jornal diário - diretor nominal, evidentemente. O Plínio me fez diretor. Aparecia o meu nome diariamente em artigos violentos etc. Quando começou a conspiração para o Estado Novo, nós fomos contra. Depois, fui preso durante a guerra, já acusado de relações com a Alemanha nazista etc. Nunca tive relação com a Alemanha nazista. Nunca houve uma lei brasileira que me condenasse. Fui condenado a 30 anos de prisão. Não fui condenado à morte até porque não havia pena de morte. Não havia pena alguma.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual foi a instituição que o condenou?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Tribunal de Segurança Nacional. Fomos presos primeiro na Conferência Pan-americana, que se realizou no Hotel Glória. Havia um capitão, Túlio Regis Nascimento.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Famoso.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Esse capitão tinha sido da Aliança Nacional Libertadora. Depois tornou-se um homem de direita. Primo legítimo do Alexandre Konder, do Valério Konder, dessa gente.
Tínhamos um grupo e começamos a fazer uma anarquia no Hotel Glória. Fizemos o diabo. Jogamos panfletos etc. Veio a polícia. O Túlio era capitão. Deu uma chave de galão e fomos presos na hora. Depois nos soltaram, nos tornaram a prender. Até que prenderam e foi quando houve o rompimento de relações do Brasil com os países do eixo - Alemanha, Itália, Japão. Fui preso e saí daqui tranqüilamente. O Túlio ficou recolhido ao Forte de Copacabana e agrediu um coronel do Forte, o Coronel Sadock. Pegou o coronel, através da grade, e quase o matou. A sua situação ficou grave. Daí veio o Konder e vários outros. Aí fiquei tranqüilo lá na cadeia. Não tinha crime nenhum para me condenar quando o Getúlio publica um decreto - o Decreto nº 4.766, de 29 de outubro de 1942 - definindo crimes contra a segurança nacional, cujo art. 21 dizia: “promover e manter no território nacional, ação em favor do inimigo. Pena mínima: 20 anos até máxima.” A máxima seria a morte. Daí então vinha o art. 69 lei. O art. 68 dizia: esta lei retroagirá até a data de 28 de janeiro de 1942. Será a primeira vez na história do Direito Penal, desde a codificação do direito romano, que uma lei penal retroagirá. O primeiro artigo de todos os códigos penais do mundo diz que não haverá crime sem prévia cominação legal. Ninguém pode ser processado ou condenado se não em virtude e na forma de lei anterior. Isto é ditadura! Estado Novo, não é?
O art. 69 diz que, no caso de aplicação retroativa desse decreto, não haverá pena de morte, transformando-se a pena máxima em 30 anos. Por isso, escapei da retroativa.
Estávamos presos. Havia até uns advogados presos lá, partidários do eixo. Eram contra a entrada do Brasil na guerra, contra os Estados Unidos. Não há tribunal que aplique essa regra. Havia um advogado, o Dr. Camilo Pimentel, famoso, que dizia que o Tribunal de Segurança aplicava qualquer coisa e o Tribunal de Segurança aplicou a lei.
Nunca comparecemos diante de um juiz. Nunca houve autos nesse processo. Foi apenas a folha policial mandada pela Delegacia de Ordem Política e Social e, na base daquilo, fomos julgados e condenados.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Essa decisão foi tomada em que data?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Hein?
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – qual foi a data da decisão do Tribunal?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Já estávamos presos há quase 2 anos. A data da decisão, exatamente, não sei. Eu estava preso desde janeiro, e a lei foi promulgada em 29 de outubro de 1942.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E retroagiu para que dia?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Retroagiu para 28 de janeiro.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Para atingi-los?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Para nos atingir. Fomos, então, condenados. Pensei que quando acabasse a guerra, iriam nos soltar. Realmente, quando acabou a guerra, caiu a ditadura do Estado Novo, e o primeiro ato do Governo José Linhares foi extinguir o Tribunal de Segurança Nacional. Houve o famoso discurso do Brigadeiro Eduardo Gomes, no Teatro Municipal, discurso este que parece ter sido redigido pelo próprio Keller, em que o Brigadeiro pedia justiça para as vítimas desse tribunal infame que se ergue no País como um coro de tragédia grega.
Então, o primeiro ato do Governo José Linhares foi extinguir o Tribunal de Segurança Nacional, e todos os processos foram encaminhados à apreciação da Justiça Militar. Então, entramos com um habeas-corpus no Supremo, no qual foi Relator o Ministro Ribeiro da Costa, e revisor o ministro Nelson Hungria, que tem uma frase lapidar que diz que a condenação do Mello Mourão é uma monstruosidade que precisa ser revogada para salvaguardar a dignidade da própria Justiça.
O habeas-corpus foi concedido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou a anulação do processo por não haver nenhum crime nas leis brasileiras que possam ser atribuídas a esses cidadãos. E não havia autos no processo. Nunca comparecemos a um juiz. Isso se desenrolou e eu paguei pelo fato o resto da vida. Era chamado de peão nazista, condenado à morte, não sei o quê. Nas memórias do Barros, ele conta uma história nossa. Houve um repórter que fez uma matéria tremenda contra nós, eu, Túlio, Konder na revista O Cruzeiro. Eu era mais notório porque escrevia em jornal todos os dias. Era uma coisa tremenda.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem foi esse repórter?
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem? Quem foi esse repórter?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Esse repórter, você logo adivinhará.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Davi Nasser? Era o Davi Nasser?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O Túlio disse: vamos matar esse sujeito! Matar não, disse o Konder. Vamos fazer ele comer um prato de merda! Nós o cercamos por 3 ou 4 dias e, por fim, pegamos o sujeito na zona norte, para os lados de Andaraí, Vila Isabel. Nós pegamos o sujeito e o colocamos no carro e o levamos para o botequim do Português, em São Cristóvão, onde estava tudo preparado. O Português já tinha preparado o prato. Baixamos as portas e todos nós dissemos: Come ou morre! Konder era um sujeito incisivo: Come ou morre agora! Ele disse: Eu como. Tem um guardanapo? Não, eu disse. É sem guardanapo! Comeu um prato inteiro. Quando acabou de comer, o Túlio disse: Agora vai morrer. Ele disse: Mas Já comi! Vai morrer, porque quem come merda morre! Não pode viver! Por fim, soltamos o sujeito. E o Túlio disse: Olhe, da próxima vez, morre! comendo ou não comendo. Pode ir embora!
Mas isso me diverte, às vezes, um pouco. O sujeito foi condenado à morte. Eu fui condenado à morte. Fomos os 2 únicos sujeitos condenados à morte na história da República, que eu conheça. Quem tirou da cadeia fui eu. Quer dizer, eu tirei, não. Eu fiz o pedido de indulto ao Presidente. Os meus companheiros de prisão eram dois pracinhas. Mas era um negócio interessante. Os jornais da época fizeram reportagens grandes sobre esses 2 rapazes. Eram 2 pracinhas do Rio Grande, que estavam na Itália. Um deles era um rapaz loirinho, muito bonito, chamado Luiz, e o Adão era um sujeito gaúchão, amulatado. Eles, me parece, que estavam embriagados, entraram na casa de um pobre camponês italiano e abusaram das meninas da casa, e, depois de estuprá-las, mataram-nas e também o velho camponês italiano. Foram condenados à morte. O grande General do Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias, condenou-os à morte pelo Conselho de Guerra. A Lei de Guerra tinha que moralizar o Exército. Parece que o próprio Mascarenhas recomendou ao General Dutra que comutasse a pena de morte em 30 anos de prisão, porque a pena de morte traumatizaria os soldados da FEB se matassem os dois rapazes. E a pena foi comutada a 30 anos. Tiraram o preso da penitenciária. E eu fiz o pedido de indulto deles ao General Dutra. Redigi o pedido e o enviamos. Os dois tinham a pena de morte. Luís e Adão. Não me lembro do sobrenome deles, mas, na República do Peru, há uma moça, que mora aqui, e que era assistente social da Marinha e prestava muitos serviços à instituição. É minha prima, até — Iradi Gadelha. Ela que me pediu para fazer o indulto. Eu o fiz, ela o encaminhou e os sujeitos foram indultados. Voltaram ao Rio Grande. Foi a única pena de morte. Os únicos condenados à morte. Quem me dera abolir essa pena.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual foi a sua experiência política, depois da cadeia?
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu li em algum lugar que o senhor recebeu a visita do Camus na prisão.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu recebi. Creio que o Camus esteve comigo em 3 ocasiões, para me visitar.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Albert Camus.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Albert Camus. O Camus veio aqui e eu havia traduzido para o Teatro Experimental do Negro — era do amigo Abdias Nascimento, fiz na cadeia — uma peça do Camus chamada Calígula. Modéstia à parte, fiz uma tradução perfeita, uma beleza de tradução do Calígula, do Camus. E o Abdias ficou andando com o Camus pelo Teatro Experimental do Negro. O Camus era uma figura fisicamente impressionante. Só faltava chorar, olhando para mim. Fiquei comovido e ele, comovidíssimo, disse que não. Poeta. Conversei com ele; voltou. Na terceira vez, ele me disse: Não se meta em política. Somos artistas! Não temos que fazer a história. Nosso papel é sofrer a história! Uma frase que é uma beleza. Nosso papel é sofrer a história e não fazer a história. Deixa esses sujeitos fazerem a história. Não se meta em política!
E eu reincidi. Andei fazendo política de novo em 1964, 1967, mas foi adultério. (Risos.) Mas tive muitos amigos. O Tristão me visitou várias vezes na cadeia.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como você despertou para a poesia? Você escreveu um livro, um romance, que ficou conhecido como o romance precursor em matéria de realismo mágico, fantástico, que foi o Ás de Espadas. Depois, você...
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – É o Valete de Espadas.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Valete de Espadas!
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Valete de Espadas foi um livro que teve fortuna. Não tem nada com realismo mágico. O Valete de Espadas foi um romance do existencialismo cristão. Um romance que teve fortuna. O Valete de Espadas está traduzido em 12 línguas.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas muitos acham que foi o romance precursor.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Sim, mas antes disso eu escrevia poesia. Eu faço parte de um grupo que se chama Santa Hermandad de la Orquídea. Somos 6. Há um retrato muito bonito nosso por aqui. Somos 6 rapazes, que nos reunimos pela primeira vez em Buenos Aires, em 1939. Godofredo Siommi, maior poeta da língua espanhola; Efraim Thomas Bó, figura endemoniada, morreu aqui. Napoleão Lopes Filho; eu; Raul Young, que está vivo em uma pequena cidade balneária da Argentina –– eu tenho que ir lá ainda antes de morrer –– e o negro Abdias Nascimento.
Então, escrevíamos poesias. Estávamos envolvidos com política. Eu era um homem de direita, com integralismo, etc. O Godo era Presidente da FUBA, Federação Universitária de Buenos Aires, de esquerda, filho de um dos mais famosos anarquistas argentinos, o velho Nikolai Siommi, que tinha um recorde de 32 travessias de Buenos Aires para Montevidéu, para fugir da polícia. O pai era anarquista. O Godo era de esquerda. O Efraim era do Partido Comunista, candidato a Deputado por Entre Rios, partido comunista. Raul Young era colega da faculdade –– eu, o Abdias e o Napoleão.
Trabalhávamos a poesia com muita seriedade. É uma história longa. Até que um dia chegamos e decidimos a abandonar tudo! não ter mais nada com coisa alguma. O nosso único compromisso era com a obra poética. Iríamos fazer uma obra poética. O que havíamos feito até aquele momento não valia nada! Queimamos tudo, quilos de caderno de poesia ruim, como costumam fazer os adolescentes, na frente de um bar em Buenos Aires, chamado Victória. Por isso, chamou-se El Pacto de Victória. Queimamos tudo e daquele momento em diante escrevemos a consigna, o inventor da ordem Ou Dante ou Nada! uma consigna juvenil. Mantivemos uma fidelidade a isso. Queimamos toda a obra e começamos com a Santa Hermandad de la Orquídea.
Fizemos um pacto, então, de percorrer uma navegação do interior. Andamos no Brasil todo, América Latina e por aí afora. O Godo morreu este ano. Fui à Viña del Mar, onde ele vivia. Era diretor de uma escola de arquitetura fundada pelos poetas, a maior escola de arquitetura do mundo! Antes de morrer, escreveu uma carta: Se tivesse de aprender arquitetura, iria para uma pequena escola no penhasco. Foi uma escola em que fui professor 2 anos e meio. Nessa escola, ensina-se no primeiro ano de Arquitetura os 4 aristotélicos, os 5 diálogos de Platão, e assim por diante. Faz-se 1 mês de extrapauta, aulas de tailleur, fora as aulas curriculares, que são na própria oficina de Arquitetura.
Todo ano, um grupo da escola do último ano, com 80 a 100 alunos, faz o programa chamado Travessia. Este ano foram ao Cabo de Santo Agostinho, ponto extremo do oriente brasileiro. Sempre que vêm aqui, dou-lhes uma aula de 2 horas na praia. Fui aos funerais do Godo, numa cerimônia com 2 mil e tantos estudantes. Fundamos uma cidade em Viña del Mar, la ciudad abierta, onde qualquer artista pode morar. Eu posso ir para lá agora com toda a minha família e ficar morando lá de graça, temos casas, moram vários lá. O funeral foi muito comovente. Construímos um cemitério dentro da cidade e uma ágora grega na cidade, quando eu estava lá.
Conseguimos esse terreno com o Governo do Frei, que nos deu uma praia imensa ao lado de Viña del Mar. Foi uma luta, porque diziam que éramos comunistas, sujeitos esquisitos e estranhos. Depois veio o governo do Allende, que dizia que éramos facistas, etc. O Godo nunca fez outra coisa na vida a não ser poesia. Também se recusou a publicar. Há uns 40 livros, todos edições de 40 ou 50 exemplares tirados na Universidade e distribuídos. Assim também fazia o Kadaf, maior figura da poesia grega moderna. Kadaf nunca editou um livro. Fazia um poema com 50 exemplares, 40 exemplares e mandava para 40, 50 pessoas. Foi o mais importante da literatura grega moderna.
Godo era contra eu editar, mas passei a fazê-lo. O negro Abdias se dedicou exclusivamente ao problema da raça negra, da redenção dos negros brasileiros, dizia que era a missão dele e era realmente uma coisa tão importante. Se os negros do Brasil tivessem consciência da importância desse fato, teriam um retrato do negro Abdias em casa. Lembro-me dos nossos primeiros encontros com o Abdias, que era integralista também. Era do gabiente do Plínio. Ele ia conosco, todos os estudantes integralistas, importantes na época. Ele dizia: Ser negro neste País é duro. Eu dizia: O que é isso, Abdias? Quem está ligando para isso? Ele dizia: Onde você corta o cabelo? Eu dizia: No salão Belas Artes. Era um salão que ficava na Avenida Rio Branco, em frente ao Jóquei Clube. Ele dizia: Eu não corto o cabelo lá. Falei: Então, vamos embora. Fomos lá e o meu barbeiro era um italiano chamado Luigi. Sentei e o Abdias também sentou, esperando vaga. Vagou uma cadeira, chamaram um, chamaram outro. Eu disse: Luigi, este senhor aqui está esperando; ele estava antes deles. Ele me respondeu: Não atendemos pessoa de cor. O quê? Não atendemos pessoa de cor. Fale alto! Não atendemos pessoa de cor. Pessoa de cor, não; não atende negro. Abdias, ele não atende negro aqui. Levantamos e quebramos a barbearia do homem todinha, aqueles espelhos bonitos, aqueles vidros de loções. Paramos na polícia. Perguntei: onde mais que você não entra, Abdias? Ele dizia que não entrava em lugar algum! Eu não entro no Cassino da Urca, Cassino de Copacabana. Falei que iríamos ao Cassino da Urca. Saí e arranjei vários amigos. Havia um amigo meu, oficial da Marinha, chamado tenente Carvalho, que era um atleta, e outro, que se chamava Jorge Paes Leme, filho do capitão dos portos do Rio, gostava de briga, etc e tal. O outro se chamava Nelson Americano Freire, irmão do General. Disse que iríamos levar o negro no Cassino da Urca. Chegando lá, entramos, os quatro. Era uma porta de vidro rotativa. Quando passamos, eu disse: Cadê o negro? Disse ao porteiro que estava faltando um companheiro nosso. Ele disse: Dr. não entram pessoas de cor aqui. Como é? Quebramos a porta de vidro do Cassino da Urca e fomos parar na polícia. E assim por diante.
No Copacabana Palace, veio o Balé da Kathlyn Dougham, um dos maiores balés negros folclóricos do mundo, com passagem paga de Nova Iorque, tudo reservado. Quando chegaram aqui, no Copacabana Palace, e viram aqueles negros, disseram: Desculpem, houve um engano e não há vaga. Foi o maior escândalo. Fomos lá e quebramos o Copacabana Palace. É essa a situação dos negros no Brasil, o Abdias foi um pioneiro. O Abdias fundou o Teatro Experimental do Negro. Negro não entrava em teatro. Quem fazia papel de negro nos teatros era um sujeito pintado de piche. Era uma coisa horrível. Esse negro dedicou a sua vida a isso.
Tenho um grande respeito a ele, é um guru, um santo da cor. Sacrificou, inclusive, a vida. Foi professor na Universidade. Abdias é catedrático da Universidade do Estado de Nova Iorque. É aposentado. Vive disso, vive de uma aposentadoria que é boa, dá pra viver, porque é em dólar, não é?
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como o senhor foi tocado pela poesia? Foi no tempo do seminário? Como descobriu a poesia? Como foi esse encontro?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu lhe disse que queimamos quilos de poesia ruim. No seminário, devo ter escrito uns 100 ou 200 cadernos de poesias ruins. Naquela época se estudava Poesis no quinto ano. Então, o sujeito aprendia a escrever poesia metrificada em português, a fazer poesia em metrolatino e em metrogrego. Diziam: fazer hoje uma poesia sobre um incêndio na floresta em metros, em dactil virgiliano. (tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam, tam) e em grego (trecho falado em grego). Um exercício poético. Então, escrevi quilos de poesia. Era uma vocação que está muito ligada à ingenuidade da juventude brasileira. Todo mundo quer começar sendo poeta.
Você já cometeu seus sonetinhos, não?
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – também...
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Todos nós. Diziam que aquilo não era poesia, mas prosa rimada, prosa metrificada. Poesia é um Dante, poesia é uma metáfora. Saímos lendo, lendo e discutindo 24 horas por dia. Lemos tudo o que se podia ler na época. Eram livros que abriam de Mallarmé, um mestre, Benedetto Croce, mestre da estética moderna, que também teve seus pecados políticos; foi Senador, Deputado, fundador do Partido Liberal, fundador do pensamento liberal da Europa, apesar de ter votado a favor da posse do Mussolini, quando ele fez a marcha sobre Roma.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Benedetto Croce.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Benedetto Croce, pai do liberalismo e da estética moderna. Croce disse que o homem conhece duas formas de conhecimento humano. O conhecimento lógico ou conceitual e o conhecimento mágico ou intuitivo. O conhecimento lógico é o objeto da filosofia, da história onde você adquire o conceito de uma coisa, mas não a coisa em si. A coisa é do conhecimento mágico e intuitivo, é o conhecimento poético. Há uma linguagem do conhecimento mágico e uma linguagem do conhecimento lógico.
Dessa forma, a linguagem da poesia é a metáfora; não é a imagem, não é a comparação. É a metáfora, é a coisa levada além do além, do além de si mesma para chegar ao núcleo, ao caroço da realidade. O conhecimento lógico de uma banana lhe dirá que se trata de uma fruta com forma cilíndrica geralmente, com uma casca mais grossa, com um miolo assim. Isso não é banana, isso é o conceito da banana. Todo conceito, no fundo, é um preconceito. O conceito é uma coisa pessoal. É o conceito que eu faço, que você faz, que ela faz, pode ser fato ou não. Agora, o conhecimento mágico e intuitivo, esse não se explica logicamente, esse lhe dá a coisa propriamente dita.
Então, chegamos à poesia. Há poucos poetas respeitados no mundo. A poesia não ensina nada. O sujeito começa a querer ensinar... Você faz uma poesia engajada, você está fazendo libelos políticos, bons ou maus, mas libelos. Qualquer um pode redigir aquela prosa. A poesia vem da musa, a coisa do Apolo. Aprendemos que é muito ligada à Grécia.
O próprio Goethe, um dia, foi fazer uma romaria ao Convento de São Francisco de Assis e, no caminho, encontrou um templo antigo de Minerva que tapava as Atenéias dos gregos, e ficou lá um mês inteiro. A Grécia nasceu ali, com o pai Homero, nasceu com Hexíodo, quando o homem tomou conhecimento de que existia sobre a terra. Começamos a buscar aquelas fontes todas. Passamos a ler diariamente, horas e horas e horas, Homero inteiro, Hexíodo inteiro, Virgílio inteiro, Dom Quixote inteiro. Goethe sabia de cor Dom Quixote inteiro. E várias outras coisas que são fundamentais ao conhecimento mágico e intuitivo das coisas. Essa é a poesia, porque a poesia não ensina; não queira ensinar nada a ninguém com poesia.
Apolo fundou a Grécia, fundou a Confederação Grega, chamada Anfictiônia, onde tudo era resolvido pelos oráculos da Sibila, na gruta de Apolo. Dormi lá uma noite, porque fui preso de manhã cedo por ter tomado banho nu na fonte de Castalha e havia um soldado grego que me prendeu; escrevi tudo num dos meus livros. Um dia, um desses capitães gregos, Temístocles, fez uma consulta a Apolo. Antes da batalha, antes de uma eleição, antes de uma luta, antes de uma viagem, ele se consultava com os deuses, na Sibila; chamava-se Sibila porque siciava, através de sibilos. O capitão não entendeu bem e disse: “O senhor pode me explicar melhor o que o senhor quer dizer com isso?” Então, Apolo disse: “Apolo não ensina, Apolo revela”; a poesia revela as coisas, não ensina; quem quiser que as veja.
Então, a nossa poesia é isso.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que se destaca na sua obra poética? O que o senhor considera mais importante na sua obra poética?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É muito difícil você se julgar e falar sobre sua própria obra.
Fiz algumas obras e, em certo momento, tomei a poesia como algo cosmogônica; a poesia funda as coisas, é uma cosmogonia. Uma das frases-mestras da nossa vida é a frase de Hölderlin: (trecho falado em alemão) – “Mas o que permanece é o que os poetas fundam”. A poesia é uma cosmogonia que funda.
Assim, tive a audácia de querer fazer a fundação do Brasil, que foi o primeiro livro de uma trilogia chamado Os peãs. Peãs é o nome dos Cantos de Apolo; eram cantos de amor, cantos eróticos, cantos de guerra, cânticos de dor, paianes, em grego. E comecei uma trilogia chamada País dos Mourões; era uma história sobre aqueles homens rudes, brutais, ignorantes que fundaram uma terra, fundaram um país, fundaram uma vila, uma cidade, uma casa, matando, morrendo com sangue; tudo se funda penosamente, ninguém faz nada sem muito sangue, sem muito sacrifício. Então, era um livro fundador, País dos Mourões. Mourões eram um dos grupos parentais que foram mortos e mataram, também, os Meros, seus primos.
Depois o segundo volume, esses livros sucederam ao Valete de Espadas, que escrevi na prisão, onde escrevi, primeiro, 10 elegias de perdição, que se chama Cabo das Tormentas. E ainda reeditaria o livro. Depois, cheguei à conclusão de que, ainda ontem, estava nos braços de uma mulher (risos) e que hoje acordei miseravelmente em cima dessa cama de cadeia onde jogaram-me um bule de café sórdido. Que lógica há nisso? Então, comecei a escrever um conto e vi que não há lógica alguma. Por que ontem estava lá e hoje estava aqui? E o livro foi-se desdobrando em 10 ou 12 capítulos, cada dia acordando num lugar diferente sem lógica nenhuma. E não tem lógica nenhuma, porque ontem estava em São Paulo e acordei ouvindo um idiota falar, e daqui vou ouvir um político falar de coisas. Tem lógica isso? Não tem.
Então, Valete de Espadas é um drama da “irresidência” na terra, o homem não reside. Nesse livro, primeiro, a pessoa acorda numa cidade desconhecida, no dia seguinte, acorda num navio; depois, acorda num cassino, acorda num prostíbulo. E é o que acontece; não tem lógica alguma! Estava ontem num mosteiro e hoje estou num prostíbulo. Não há lógica! Não há lógica! É uma mágica. Nós somos manipulados por um poder que joga conosco, como jogamos carta de baralho. Sou um valete de espadas, acordo num cemitério, acordo numa conspiração... O valete é um moço bonito.
Mas, saí do Valete de Espadas para escrever o País dos Mourões, que já é a residência na terra; o homem também reside na terra, também toma posse dela e a cria e a funda.
O segundo livro da trilogia dos Peãs, que começa com País dos Mourões, chama-se Peripécia de Gerardo, que é um canto itinerante onde todos estão procurando o país onde morar, procurando a residência, procurando o chão com o qual se sonha e o qual se deseja. Peripécia, no sentido grego da palavra, vem de “peripípto”, “pípto” significa cair e “peri” é cair em redor de si mesmo. Ou seja, o sujeito cai e vemos uma peripécia.
O terceiro canto, o terceiro livro dos Peãs chama-se Rastro de Apolo, e descobri que era o país de Apolo; Lá é onde se pode estar no seu chão, debaixo do seu céu; é uma relação do homem com seu destino eterno, isto é, com a divindade. Acredito que Deus existe. Escrevi a vida desse santo, um pobre frade ignorante e rezador, uma coisa fabulosa. Comecei com uma história, ingênuo, para contar milagres e outras coisas, que Deus não existe, etc.
Lembro-me de um amigo meu, português, Antonio Valdemar, era membro da Academia de Ciências de Lisboa, que contou que, na juventude, era um sujeito inteiramente ateu militante. Ele foi a uma conferência do Cardeal Dom Nuno, Cardeal Patriarca das Índias. Ele era um rude português dos Açores, que havia sido pescador dos Açores e era um cardeal. Dizem que o Cardeal começou a falar e ele se levantou — tinha vinte e poucos anos —: V.Exa. está aí a ‘falaire’ de Deus, que foi Deus, por que Deus isso... Mas Deus não existe, eu sei que Deus não existe. Por que esse negócio de Deus? O senhor tem alguma prova de que Deus existe? Então, o Cardeal ficou, assim, perplexo e o Valdemar disse que o padrezinho novo que chegou começou a soprar no ouvido dele umas coisas; ele empurrou o padre e disse: Não, meu filho, não sou um homem de letras, fui um seminarista medíocre, nem sei como me ordenei padre, não me lembro mais dessas provas da existência de Deus, de Santo Tomás, das 5 ou 7 provas de Santo Tomás, e também não me interessa. Não ‘senhore, doutore. Eu não tenho nenhuma prova de que Deus existe, agora, o senhor tem alguma de que ele não existe? (Risos.) Então, entramos numa aposta de pascal, Pascal disse: “ existe ou não existe”. Qual é o negócio para o homem? É um negócio um pouco sórdido, interesseiro. Se existe, o que vou sacrificar? Vou sacrificar 10, 20, 30, 50, 60 anos de vida desafiando essa coisa, jogando contra uma eternidade? E há tantas provas de que Ele existe como de que Ele não existe, e tenho sinais de que Ele existe. Provas, não, sinais. Então, fico com os sinais. A aposta que faço é nos sinais de Deus, presentes.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Recite parte de um poema que o senhor considera mais marcante de sua obra.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É difícil. Depois dessa trilogia, dediquei-me a um trabalho mais pesado, um trabalho que me levou, inclusive, a um exame histórico de documentos. Na realidade, foi a descoberta do mundo, os portugueses inventaram o mundo, foi a invenção do mar.
Retirei uma frase de Capistrano de Abreu, que disse: O Brasil é uma invenção do mar. É essa costa imensa para onde veio um capitão de 24 anos, irmão do 1º Governador-Geral, Martin Afonso Lopes de Souza, que saiu com uma frota de navio, desde o Maranhão até a Patagônia, desenhando a costa do Brasil, nominando os acidentes da costa, os cabos, as enseadas etc. Então, foi o mar que inventou o Brasil, e os portugueses inventaram o mar. Antes, o mar era aquela bacia mediterrânea, e o português, um povo deste tamanho, passou por toda a costa da África, toda — não é força de expressão! Diga o nome de um país ou de um acidente; os portugueses chegaram lá primeiro. E um príncipe louco, naquele negócio de Sagres, onde temos medo até de andar e de o vento nos carregar, esse homem louco, com silícios, casto, rezando, fazendo penitências e fundando um centro de estudos náuticos, um dos maiores cartógrafos do mundo. Ele navegou o mundo inteiro sem nunca ter navegado uma milha. Mandou o sujeito passar o Cabo Bojador, e o sujeito foi e não passou. Ele disse: Volte até passar, e o sujeito voltou. E ele mandou, afinal, Bartolomeu Dias pegar o Cabo das Tormentas, onde não se podia passar, porque, de acordo com a geografia e a cosmografia da época, ali era o fim do mundo; depois dali, havia abismos infinitos, a pessoa caía. Ali não havia mar nem nada. O sujeito foi, não passou e ele disse: Não volte sem passar. Ele foi, passou e descobriu o caminho para as Índias, pegou o outro lado da África, o Oceano Índico e Moçambique, até as Índias.
Então, foram os portugueses que inventaram o mar, e o mar inventou o Brasil. E resolvi fazer uma epopéia, mas, no mundo moderno não cabe mais uma epopéia. Quem vai fazer uma epopéia? Os grandes críticos do mundo moderno dizem que a epopéia do homem moderno é o romance. E por que não? Parece que a epopéia foi a invenção do mar, é a metáfora do homem descobrindo o mundo e criando o mundo. Há documentos históricos. Mergulhei naquela Torre do Tombo, mergulhei em tudo, passei praticamente 2 anos em Portugal em serviço; não se trata de um livro de história, mas a metáfora da história.
Acho que o livro foi muito importante, foi considerado por certa crítica muito importante. Wilson Martins disse que o que restará da poesia brasileira deste século é a Invenção do Mar. Em Portugal, um sujeito disse o livro reescreveu de novo Os Lusíadas, porque Camões cantou a aventura do mar asiático. Então, a fundação do Brasil está toda ali. As poucas coisas que contei aqui sobre a história do Brasil estão lá. Terminei, evidentemente, na Guerra Holandesa. Não vou fazer história da Monarquia e da Proclamação da República, a coisa que se criou com este negócio de um país, de uma pátria.
Às vezes, as pessoas acham ridícula a palavra pátria, mas não é não. Ela é o nosso chão.
E assim vai. Agora, estou escrevendo a vida de um milagreiro, São Gerardo, as anedotas, os milagres. Gosto muito dos milagreiros. Os dois grandes milagreiros na América foram um frade mulato chamado Martin de Porres, que era irmão leigo, dominicano. Não pôde ser padre porque era mulato e não admitiam mulato nas ordens religiosas. Aqui, o primo do Abdias quis ser franciscano e não pôde, só como irmão leigo. Hoje, está tudo aberto.
Martin de Porres foi um grande milagreiro, no Peru. Certo dia, iam inaugurar um convento. Era um frade ignorante, rezador, fazia milagres a torto e a direito. Iam inaugurar uma sala nova, a sala do capítulo do convento, a sala de reuniões, e iam fazer a festa da cumeeira na casa. Antigamente, se fazia a festa da cumeeira. Hoje, na nossa terra, ainda se faz essa festa da cumeeira. Todo o mundo bebe cachaça, traz sanfona para tocar. O dono da casa parece um rei, um deus. A cumeeira é uma viga que se coloca para sustentar a casa. Então, foram inaugurar a cumeeira, os frades todos, o vice-rei do Peru, todo mundo assistindo. Quando foram colocar a viga, faltaram 3 palmos. O irmão Martin de Porres disse: Irmãzinha, cresça os 3 palmos. E a viga cresceu os 3 palmos. Os historiadores do Peru disseram que era uma lenda, uma coisa sem importância. O importante é que a lenda cria história. A história não existe sem a lenda.
O mais materialista dos pensadores, Marx, fundou sua teoria da luta de classes sobre a lenda de Caim e Abel. Caim era o poder industrial, o sujeito que transformava a criação; Abel, o inocente. Era a luta da indústria e da agricultura. A luta de classes começou com Caim e Abel. É a lenda de Caim e Abel.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não quer recitar uma poesia?
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - No final, ele poderia pegar o livro dele e ler. Talvez fosse melhor.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – tá bom, tá bom.
(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – pega aí um livro meu qualquer!
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O senhor quer tomar um copo d'água? Quer fazer um lanche?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Hein?
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - quer parar pra fazer um lanche, Dr. Gerardo?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Traz aí uns livros meus!
(Intervenções simultâneas ininteligíveis.)
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Mas diga, o senhor ia falar sobre a beleza.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – Pois é. (ininteligível) perguntou a Paulo: O senhor trabalha em quê? O Paulo disse: Eu trabalho a beleza. Ele disse: Beauty is difficult — a beleza é difícil.
Há pouco tempo fiz um poema, traduzido em 3 ou 4 línguas, sobre o mito da beleza. No Antigo Testamento, o mito da beleza está no livro do profeta Daniel, no episódio de Susana, uma beleza, uma mulher irresistível. Os velhinhos se reuniram lá, para pegá-la no jardim, tomando banho. Era a beleza.
Os averroístas dos séculos XIV, XV, como Augustín Nifo, achavam que a beleza podia acontecer no cânone da forma feminina, da forma de uma mulher. Escolheram uma mulher chamada Joana de Aragão, uma princesa, como cânone da beleza. Beleza realmente, sabe? Eu fiz um livro sobre a beleza chamado Susana, traduzido, também, em 3 ou 4 línguas.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Susana quer dizer o quê, exatamente?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Beleza.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - É a beleza? É uma palavra grega?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, “Susana” é uma palavra das línguas semíticas. Evidentemente era uma mulher da cidade de Susa, uma susana.
(Falha na gravação.)
“José herdou as terras
João os rios
com seus navios
no Amazonas no São Francisco no Parnaíba
Francisco herdou o engenho
a cana caiana
Manuel herdou os patacões de ouro
Antônio herdou as fazendas de bois
e Pedro a casa-grande
escada de mármore
jacarandás lavrados
outros herdaram os cavalos
arreios estribos de prata
e até Miguel herdou
a cartola a casaca
o relógio e a corrente
de ouro.
Naquele tempo havia amantes francesas e alguém
herdou Jacqueline
e alguém
as pistolas de coldre de madrepérola
e o punhal na bainha de vaqueta.
Eu não herdei nada
fugi para a Cidade de Susa
e raptei
à beira da fonte
uma
Susana.
As terras arderam os rios secaram os navios
afundaram
os patacões? — derreteram —
a escada caiu,
jacarandás se quebraram
os cavalos morreram
rasgou-se a casaca, puiu-se a cartola
parou o relógio sumiu a corrente
e a pistola e punhal morreu Jacqueline num
cabaret de Crateús.
O tempo comeu tudo
Restou a eternidade
teus olhos tua boca
herança minha
Susana.”
Então, a beleza é a única coisa que resta.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Bonito poema!
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Esse é o da beleza?
(Pausa.)
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O Invenção do Mar é a metáfora da nossa história portuguesa e brasileira. Começa com Dom Diniz, que foi realmente o fundador da língua portuguesa. Ele fundou a Universidade de Coimbra. Ele fundou a língua portuguesa política. Em toda a Europa, todas as leis, todos os alvarás, todos os decretos, todas as sentenças de todos os governos — na França, na Espanha, na Alemanha, na Inglaterra, na Itália — eram em latim. Um dia, Dom Diniz decidiu: “As leis de Portugal, os alvarás, os decretos serão feitos na língua do povo português”. Foi o primeiro povo que adotou oficialmente a sua língua. As aulas de todas as universidades da Europa — de Pavia, de Padova, de Heidelberg, de Oxford, de Paris — todas eram em latim. Ele disse: “As aulas da Universidade de Portugal serão dadas na língua do povo português”. Foi o fundador.
E fundou a esquadra portuguesa. Ele foi casado com a mulher mais bela da Europa, Santa Isabel - Rainha Isabel - mulher belíssima que tinha um ciúme mortal dele. Ele era cheio de mulheres, mas apaixonado por ela. Um dia, ele estava na cidade do Porto. O cais estava cheia de barcos. Ele olhou e perguntou: “De onde são esses barcos?” Disseram: “São barcos franceses, de Marselha, e barcos de Liverpool, da Inglaterra”. Ele perguntou: “E portugueses, por que não há?” “Porque não há madeira em Portugal para se fazerem barcos”. Ele saiu dali e, então, plantaram-se os famosos pinhais de Leiria, para se fazerem tábuas para barcos, para que Portugal tivesse uma esquadra. Em 10 anos, começou-se a serrar tábuas para fazer os primeiros barcos portugueses. Foi o sobrinho dele o infante que começou as navegações, com os barcos que ele mandou fazer.
E ele foi poeta por excelência da língua portuguesa, poeta cortesão, das cantigas cortesãs, dos madrigais. Começo com um canto dele:
“Ai flores do verde pinho
ai pinhos da verde rama
coroado das flores do verde pinho
eu não quero este mar — eu quero o outro:
quero o mar das parábolas e elipses
dos cones helicôneos dos abismos
o mar sem fim — o mar
com seus heliotrópios suas ninfas
seus cavalos-marinhos, seus tritões
e seus lobos do mar:
e tu, Pater Poseidon,
com teu tridente em teu palácio de águas.
E era uma vez Diônisos — poeta e rei
e um dia a flor do pinho será tábua
e um dia a tábua será sonho quando
o pinho de novo verde sobre as águas verdes
talhado a enxó
entre as espumas talhar as ondas: — então
o mar libidinoso irá lambendo
as ancas das caravelas redondas.
Ai flores
do verde pinho
ai ramos de Leiria
ai flor dos linhos do Alentejo.
E a flor das velas nesse baile
bailando ao vento cada vez mais longe
cada vez mais perto — Diônisos —
dos sonhos que sonhavam
os olhos de Isabel —
e um dia os pinhos serão galgos
e esses galgos do mar irão galgar
das pupilas do Infante
a latitude e a longitude das lonjuras
ao sal da lágrima — ao sal das águas.
E no chão das águas
ai flores do verde pinho
ai linhos do branco linho:
caminhos dançam sobre o chão de abismo
sobre o chão dançador da esmeralda revolta
a dança da saudade marinheira
cantada nas violas:
ai tábuas que foram verdes
tão tábuas para fragatas
tão tábuas para guitarras.
No mesmo pinho, Luís Vaz de Camões,
cantavam cantos do mar
das partidas não chegadas
dos amores desterrados
pelas váreas do Alentejo
de Teresas e Marias.
E as moças de seios redondos
de Traz-os-Montes, das Beiras de Portugal
gemiam canções de amor:
ai flores do verde pinho
ai pinhos da verde flor:
na flor, na frôa e na fulô de seus aromas:
saudades dos marinheiros.”
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Isso é bonito!
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – lindo!
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – E vai por aí a fora! o Brasil, em cada cântico... O Padre Manuel da Nóbrega, “Esta terra é uma empresa nossa”. É outra coisa que quero dar aqui.
Hoje, há na literatura latino-americana um escritor poderoso, Gabriel García Márquez. O meu País não é um Macondo, o Brasil não é um Macondo! Custou sangue, suor e lágrimas para fundarmos o País. Isso não é uma brincadeira. Fazer disso uma anedota, um folclore? Não, senhor! Isto não é uma colônia, não é um Macondo!
Aliás, citamos muito sangue, suor e lágrimas. Winston Churchill, na guerra, quando suas ilhas estavam ameaçadas pelo terror do nazismo, fez um famoso discurso. Churchill foi um orador espantoso. Em certo ponto, disse “sangue, suor e lágrimas”. A frase é do Padre Antônio Vieira, no púlpito de uma igreja na Bahia, quando desafiou Deus: “Deixando os holandeses nos invadirem, não nos destes mais do que sangue, suor e lágrimas”. A frase é nossa. Este País foi feito sob sangue, suor e lágrimas. Cem mil portugueses foram comidos pelos índios, assados com mandioca. Quantos índios morreram, não sabemos. O próprio Antônio Vieira pergunta um dia: “Onde estão os milhões de índios?” Calcula-se que havia de 6 a 8 milhões de índios, pelos melhores cálculos. Quantos negros morreram, até antes de chegarem? Em geral, morria metade antes de chegar ao Brasil. Então, fundar o País custou muito a nós. Não se deve levar esses fatos por anedota, por brincadeira.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não teria sido possível colonizar o Brasil sem os negros.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, não teria sido possível. Como iam fazer açúcar? Não havia mão-de-obra. O português não tinha mão-de-obra para isso. A mão-de-obra índia era muito duvidosa. Os índios nunca foram dados a esse tipo de trabalho. Os índios brasileiros estavam na idade da pedra lascada. Não eram como os índios, por exemplo, da América. No Peru, havia os incas; no México e na América Central, havia os maias e os astecas, povos que chegaram a um alto ponto de civilização e cultura. No Brasil, os índios estavam na idade da pedra lascada. Os índios não sabiam sequer morar. O primeiro aprendizado do homem sobre a terra é fazer uma casa. Os índios não tinham aldeias, eram nômades: paravam aqui, depredavam a caça e a pesca do local e mudavam para outro local.
Daí a ignorância brasileira, ou essa cultura de “caderno dois”: dizem que os pataxós foram os primeiros índios a ver Cabral. Coisa nenhuma! Os pataxós estão na Bahia há 100 anos; eram índios do Mato Grosso, ou melhor, eram nômades, como todos os demais índios brasileiros. Evidentemente, deram uma contribuição, uma contribuição de sangue. Temos uma população cabocla muito grande, e boa. Foram os portugueses que fizeram dar uma ênfase muito grande a isso.
Meu amigo Darcy Ribeiro, que nunca leu um livro na vida, mas que era um dos sujeitos mais prodigiosamente inteligentes que conheci. Para ele, nossos índios nunca fizeram nada; sua contribuição foi passiva, de sangue.
Quanto à contribuição negra, hoje é vivamente enfatizada. Cito o meu amigo Abdias. Dou razão aos negros: tudo o que fizeram tinham direito de fazer, porque sofreram muito. Um poema famoso de um amigo meu, poeta negro do Haiti, diz que isso seria algo inventado por algum historiador demente. Não é verdade que cassavam sujeitos nas costas da África e os traziam para cá; não é verdade que aqui separavam mães de filhos, pais de filhos, não é verdade que aqui os levavam para leilão em praça pública, onde exibiam seus testículos para provar que eram machos, na hora da venda. São tantas humilhações que só podem ter sido inventados por algum historiador demente.
Mas houve uma grande contribuição. Este País é europóide, queiram ou não. Este país é europóide. Este País é lusóide. Foram os europeus, sobretudo os portugueses, que fizeram este País. Os índios nos deram isso, os negros nos deram aquilo e aquilo outro. Os portugueses nos deram a língua, que é a coisa mais importante, o cabedal mais importante, o potencial mais importante é a língua humana. Nossa pátria é nossa língua, nosso ser é nossa língua, é a nossa alma. Os portugueses nos deram a língua! Os portugueses nos deram, de um modo geral, a religião. Os portugueses nos deram a arte de vestir. Nos vestimos como europeus! nos ensinaram a arte de morar. Nos deram as instituições de direito público. Portanto, a grande contribuição é do europeu. Este País é europóide, queiram ou não. Somos europóides, e não somos africanos e não somos índios. Somos europóides!
E fomos construídos com um sacrifício inaudito: Eu lhe digo: 100 mil portugueses morreram aqui!
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Relativamente aos negros, não eram tanto os capitães de navios ou os traficantes de escravos que traziam os escravos; havia brigas tribais entre os próprios africanos, que leiloavam os derrotados, os vencidos, como escravos nas praças dos povoados africanos.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Na verdade, se houve caça aos negros, houve muito pouca. Realmente, os reguletes africanos vendiam os inimigos por objetos, como pedaços de fumo. Havia preços para os negros e as negras. Eles vendiam os inimigos, para fazer negócio. Os negros foram os primeiros!
Há outra coisa: não foram os portugueses os grandes negociantes. Os portugueses eram os testas-de-ferro dos navios. O negócio era inglês. Cromwell estabeleceu o monopólio do tráfico de negros, que pertencia, portanto, à Coroa Inglesa, ao Parlamento inglês. E os anglo-saxônicos eram muito mais terríveis contra os negros do que nós aqui. Houve crueldade e tudo o mais, não podemos negar nada. Os negros sofreram muito e têm direito a tudo. Não nego nada disso, mas é preciso verificar a situação dos negros aqui. Fez-se a abolição e depois a independência — antes não havia condições, mas nos Estados Unidos a abolição ocorreu mais de sessenta e tantos anos depois da independência. E isso custou uma guerra na qual morreram 800 mil pessoas, em nome dos escravocratas. Os escravocratas fizeram uma guerra para não emancipar os negros. Aqui, como tudo no Brasil, custou a assinatura de uma princesa, com uma pena de ouro.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Gerardo, vamos sair um pouco desse domínio da poesia e da magia, como o senhor disse, e vamos para um outro domínio por onde o senhor também andou, o da política, um domínio mais lógico, né? Vamos contar também um pouco da sua trajetória.
O senhor saiu da cadeia, depois de 6 anos desse processo penoso, dessa acusação tremenda. O Brasil estava sendo redemocratizado. Getúlio foi afastado do poder. O País voltou à democracia; as instituições eram livres. O que o senhor fez? O que aconteceu com a sua vida?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu saí da prisão quando o País foi democratizado. A primeira coisa era refazer a minha vida, depois de 6 anos de prisão.
A minha mulher morreu uma semana antes de eu sair da prisão e me deixou uma filha. Eu fui tratar de sustentar a família. Procurei emprego aqui e ali, essa coisa toda, mas eu estava, evidentemente, contagiado por um certo vento de liberdade que o País tinha respirado, depois da queda de uma ditadura. O Estado Novo foi uma ditadura terrível, silenciosamente terrível. Vão dizer que não houve aqui campos de concentração! Houve campos de concentração, e eu estive num campo de concentração na Ilha das Flores. Não houve fornos crematórios, como no nazismo, não houve stalinismo, mas houve coisas terríveis. Toda a justiça foi posta de lado. Houve uma euforia de liberdade depois. Eu me entusiasmei com a campanha do Brigadeiro, por exemplo.
Casei-me pouco tempo depois de sair da cadeia. Tinha mulher de família política. O pai era Deputado, depois foi Senador e Ministro. E eu entrei também na política. Fui até Deputado Federal por Alagoas, mas sempre fazendo uma coisa um pouco... um adultério. Não era o meu negócio, mas fiz. Achei que eu poderia dar uma certa contribuição, mas eu não tinha contribuição alguma a dar.
Depois, veio a ditadura militar, e fui para a cadeia de novo. Fugi para o exílio. Fui cassado. Passei dois anos e meio no exílio.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Qual a alegação que eles usaram?
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor foi cassado pelo AI-5?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não tinha nem acusação, não havia acusação alguma.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor foi cassado pelo AI-5?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Ninguém sabe por que fui cassado. Eu tenho um diploma de cassado, que preguei na parede.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi cassado em que ano?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui cassado no AI-5. Eu estava em casa jantando, quando a Lígia Doutel de Andrade ligou: “Acabamos de ser cassados eu, fulano e não sei quem...” Até hoje não se sabe por quê. Eu, por acaso, tenho uma certidão de que fui cassado, porque precisei tirar uma certidão de que não tinha título eleitoral porque estava cassado; então, deram-me a certidão.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor foi para onde?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui para o Chile. Os meus amigos della Santa Hermandad estavam todos lá me esperando. Foi uma farra!
Saí com dificuldade de Brasília. Eu tinha passaporte diplomático, de Deputado e tudo o mais. O General Kruel... Eles me prenderam no primeiro dia da revolução, levaram-me para a Fortaleza de Santa Cruz. Estávamos presos lá eu, o Nelson Werneck Sodré, o Schwein, o Coronel Cerveira, o Neiva Moreira, uma porção de gente. Ficamos lá. A Câmara se declarou em sessão permanente até me soltarem, porque eu tinha imunidades. Então, Castelo mandou soltarem-me.
Fui para Brasília. O riograndino General Kruel, irmão de Amaury Kruel, era o Chefe de Polícia do Governo de Castelo. Procurou meu sogro, que era compadre e sócio dele, e disse: “Barros, vão matar o menino, o senhor aqui, o Gerardo. Um bando de oficiais quer matá-lo”.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por quê? Porque que eles queriam matá-lo?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu não sei. Havia uma campanha tremenda contra mim. Tinha feito um discurso muito violento no dia em que saí da prisão.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O que o senhor disse nesse discurso que o senhor fez no dia que saiu da prisão?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Denunciei. Cheguei sujo na Câmara, saindo da fortaleza direto para a Câmara.
Primeiro, marquei a minha passagem. Naquele tempo, havia avião para Brasília saindo do Santos Dumont. O Doutel de Andrade, que era líder do partido, disse: “Não vai, senão vão prendê-lo. Marca no Santos Dumont e vai pegar o avião com a gente no Galeão.” Então, fui para o Galeão. O Doutel e meu sogro estavam nesse avião, foram pegar-me.
Cheguei a Brasília e, usando a palavra no Grande Expediente, fiz um discursos de quase duas horas. O Humberto Lucena, até morrer, dizia que aquele tinha sido o maior discurso que ele ouvira na Câmara. Havia um silêncio, não havia zumbido.
Quiseram-me matar — mataram alguns sujeitos. Foi algo terrível. Denunciei a prisão e denunciei tudo. Foi a primeira voz que saiu do fundo das catacumbas para denunciar as prisões de Deputados. A minha foi a primeira voz. Fiquei 15 dias preso. Quando saí, fui para a Câmara e fiz um discurso contando o ocorrido.
Então, o sujeito disse: “ Não fica na casa do Barros”, meu sogro. Fiquei na casa do Paes de Andrade, um sujeito extraordinário. Ele me disse: “Vai para a minha casa. Se morrer, não morre só.” O Paes naquele tempo era bom atirador. Ele saía comigo da casa dele para a Câmara, ia da Câmara para a casa dele, e havia sempre um jipe com oficiais do Exército esperando do lado de fora. O Paes falava: “Não morre um só aqui, não. Se morrer, morrem dois” O Kruel disse que havia um grupo de oficiais que queria matar-me e que seria melhor mandar-me embora.
Comprei uma passagem numa agência que havia no Hotel Nacional. Naquele tempo, o único vôo internacional que partia de Brasília era um vôo que ia para Trinidad e Tobago e, na volta, para o Chile. Comprei a passagem para sair daqui do Rio. À noite, o Kruel foi à casa do Barros: “Barros, esse menino está louco! Se ele for para o Rio, vão prendê-lo lá. Mande-o embarcar aqui, que aqui eu posso botá-lo dentro do avião”. Então, comprei essa passagem.
O Miguel Marcondes, um grande amigo, um sujeito extraordinário, Deputado por Campo Grande, no Mato Grosso, também do PTB e estava metido no “grupo dos 11”, disse: “Você pega um avião com a minha carteira para Campo Grande e depois para Ponta Porã” — a terra dele era Ponta Porã. “De lá você atravessa a rua e está no Paraguai.” Foi o que eu fiz.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pedro Juan Caballero?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pedro Juan Caballero. Fui com a carteira de Deputado do Miguel Marcondes, viajei como Miguel. Atravessei para Pedro Juan Caballero direto do aeroporto. Não havia lugar no avião. Lá havia um avião das Linhas Aéreas Paraguaias, mas não havia lugar. Um tenente disse que não havia lugar, o avião era oficial do Paraguai. Eu disse: “Eu tenho um negócio urgente em Assunção, não posso deixar de ir.” Por fim, o tenente respondeu: “Posso deixar o senhor em Villa Concepción”. Pensei: “Sair daqui da fronteira já é um grande negócio”.
Entrei num avião cheio de índios, macacos, papagaios, o diabo! Quando chegamos a Villa Concepción, pedi ao tenente para me dar um lugar e perguntei: “Quanto o senhor quer?”. Puxei um quilo de dinheiro do bolso. O tenente paraguaio olhou e disse que eu poderia viajar na minha cabine. Dei 20 contos a ele, era uma fortuna. Dei 20 contos, viajei na cabine dele para Assunção e, de lá, fui para o Chile. Foi algo medonho.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como foi esse exílio no Chile?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - De Assunção já liguei para lá. Os meus amigos foram esperar-me no aeroporto de Los Cerrilos, em Santiago, com um avião particular, para levar-me para Viña del Mar. Eu saí do avião da Pan American e fui para Viña del Mar em um aviãozinho particular dos meus amigos. Fiquei lá dois anos e meio.
Era o Governo do Frei, de quem fiquei muito amigo.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor lecionou na universidade?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Fui professor na Universidade Católica e tinha um lugar também no Serviço Internacional da Promoção Popular. Havia muitos exilados brasileiros lá, e viviam todos muito bem. Todos os exilados brasileiros no Chile estavam trabalhando. Também foram para o Chile outros exilados. Havia 14 ex-Deputados Federais, alguns professores, alguns estudantes.
No Uruguai havia gente mais diversificada. Havia operários e camponeses. A vida dos exilados uruguaios foi um pouco infernizada com disputas. No Chile, éramos uma comunidade classificada e todos estávamos trabalhando. O Governo do Chile deu amparo a todos. Todos que estavam lá tinham emprego.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Fernando Henrique estava lá nessa época?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Sim, claro. Havia um primo-irmão do Fernando Henrique. Era um médico comunista chamado Hugo Alexandre, meu grande amigo. Ele era solteiro, mais jovem. Ficou morando na minha casa. Eu tinha uma casa boa, grande. Lá conheci o Fernando Henrique, que freqüentou a minha casa.
Serra era estudante. Havia meia dúzia. O Serra era estudante. Fizemos uma caixinha. Quem tomava conta da caixinha era o Adão Pereira Nunes, uma espécie de patriarca dos exilados, um grande homem. Adão era um santo homem, um comunista histórico, um comunista romântico, firme, mas um sujeito de um coração e de uma alma gigantesca. O Adão organizou uma caixinha. Os que estavam trabalhando contribuíam. Eu dava todo mês 50 dólares. Alguns poucos que não tinham trabalho viviam da contribuição da caixinha. Eram poucos. Todos os demais trabalhavam.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quando o senhor voltou ao Brasil?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu voltei para o Brasil em 1967. Alguns amigos meus, como o Miguel Marcondes, que foi muito importante para mim, disse; “eu já conversei aqui com o Adauto”, que era Presidente da Câmara, “Você chega aqui e vem direto para a Câmara”. Eu vim.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E reassumiu?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Reassumi.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Depois de 2 anos?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Depois de 2 anos, reassumi.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E como foi explicado o afastamento, do ponto de vista institucional e legal?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Pedia-se licença. Voltei e até assisti ao fechamento da Câmara.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor se candidatou novamente? Porque em 67.....
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967 eu fui cassado.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1967?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967, fui cassado.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Então, antes do AI-5?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Em 1967 eu era suplente, havia disputado a eleição e fui suplente. Então, cassaram... Cassaram nada, cassaram a suplência!
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor se exilou novamente ou ficou aqui?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eu fiquei aqui, trabalhando penosamente. Eu ainda tinha pequenas economias ainda do Chile, eu ganhava mais ou menos bem lá. Então, foi possível viver.
Fui trabalhar no boletim cambial, o “Peralva”, o João Alberto Leite Barbosa.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Chamavam “besteira cearense”.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O João Alberto, cearense, era um sujeito muito inventivo. Ele tinha um grupo de revistas econômicas, umas 4 ou 5 revistas. O BC era um revista diária. Tirava-se algum holerite. Havia uma revista semanal e outras 4 ou 5 revistas. Fiquei trabalhando lá durante algum tempo. Era possível sobreviver.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Dr. Gerardo, como o senhor vê essa sua experiência dentro da política prata, da política partidária, da política institucional? O que o senhor retira dessa experiência hoje?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Um dia perguntaram isso ao Joyce. Joyce tinha sido militante político na Irlanda. Meteu-se em política até na Itália. Assinou manifestos defendendo Mussolini. Depois de uns tempos, perguntaram a ele sobre política. Ele respondeu: “A política? Não sei se foi um súcubo ou um íncubo que dormiu comigo uma noite, do qual hoje tenho a maior repugnância”. O quadro político brasileiro — eu tenho muitos amigos ainda metidos na política, amigos nossos, que você conhece, mas é um negócio....a gente tem que pensar na tolerância até com eles — a política brasileira é muito pobre!
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pobre sobretudo de idéias.
(Falha na gravação.)
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - ... foi o líder do Goulart no Senado, um líder de poder pessoal junto ao Jango. Havia amizade, afeto, muita intimidade. Estava por dentro das coisas todas; passou pelas mãos dele quase tudo que se possa imaginar.
Já no Governo Juscelino, ele foi Ministro. Eu estive muito na intimidade do poder, e quanto mais a intimidade do poder chega perto de você, você acaba convencendo-se de que está dormindo com o súcubo ou com o íncubo.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É o demônio, né?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É terrível.
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Durante o Governo do João Goulart, o senhor defendeu as reformas?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Defendi as reformas, a reforma agrária, sobretudo. Trabalhei, defendi e apresentei projetos nesse sentido. Fui muito marcado durante o Governo Goulart, muito marcado.
A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor falou que apresentou projeto de lei referente à reforma agrária.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Apresentei um projeto de lei. Eles não... Apresentei um projeto que acho que podia... A coisa em que o Jango mais esbarrou na reforma agrária, segundo algumas conversas... Diziam: “O Jango não tem dinheiro para a reforma agrária. Nós precisamos de mais 3 bilhões para poder começar uma reforma agrária”. Eu disse: “Jango, eu tenho uma solução”. Quando eu era menino, lá no Ceará, não havia meio circulante no interior — ainda há pouco estávamos comentando isso com alguns amigos em Crateús. Os comerciantes não tinham dinheiro em Ipueiras, Crateús. Havia apenas mercadorias. Então, os comerciantes passaram a imprimir dinheiro, um dinheiro que se chamava boró: “Pagar-se-á ao portador deste a importância de 10 mil réis no armazém de Raimundo Mourão”. Raimundo Mourão emitia o dinheiro, e pagava-se.
Naturalmente, com o tempo, vários deles quebraram. Dizem que um parente meu quebrou com 600 mil contos de borós. Isso deve ser exagero. Devia haver 60 mil ou 6 mil. Enfim, emitia-se boró, e o boró se fazia circular como dinheiro.
Então, eu disse: “Jango, você emite boró?” Ele perguntou: “O que é boró? Que diabo é boró?” “Eu vou explicar: emite-se um dinheiro, uma moeda que sirva para se pagarem impostos, mas que não vai servir para a importação nem para subsídio de exportação. Então, ela não vai incidir no câmbio. Com esse dinheiro a gente compra terra e faz a reforma agrária”. Mas os doutores lá da Câmara acharam que “a moeda podre contamina a moeda forte”.
Foi uma coisa inventiva, viu? Emitir um dinheiro para.....mas, eu discuti muito.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi essa transição ideológica da direita para a esquerda? Como o senhor mudou?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - O que era direita e o que era esquerda? É preciso lembrar-se de que os problemas sociais, os problemas de justiça social... O primeiro sujeito que instituiu no mundo 8 horas de trabalho chamou-se Benito Mussolini. Foi Mussolini que inventou 8 horas de trabalho para o trabalhador, que inventou férias para o trabalhador, que inventou auxílio-família para o trabalhador. Assim, os que eram chamados de direita tinham uma preocupação social muito grande. O partido nazista, na Alemanha, era um partido com preocupações sociais. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães era um partido contra o qual estava a alta burguesia, entendeu?. A preocupação social estava muito na mentalidade de toda a minha geração, à esquerda e à direita, e sobretudo na geração católica, que vinha da encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, que suscitou o problema social da Europa, e vinha da bula Quadragesimo Anno, de Pio XI, que se preocupava muito, vinha dos sindicatos católicos fundados na Bélgica.
Eu lia muito isso. No Brasil, a concentração de dinheiro, de poder e a construção de oligarquias se tornaram intoleráveis para qualquer um que contemplasse aquele panorama.
Portanto, a linha entre direita e esquerda era muito próxima. A direita brasileira do meu tempo era profundamente antiamericana, eram contra os americanos. Gustavo Barroso escreveu Brasil, Colônia de Banqueiros, livro ainda hoje é comentado. O Fernando Gasparian, um editor de esquerda, comentou o livro, que denuncia o capitalismo internacional. Era, portanto, uma linha muito tênue.
A diferença maior na época, em 1935, quando começou a agitar-se o problema do socialismo, com a Aliança Nacional Libertadora, era um problema de nacionalismo. Naquela época, a esquerda era internacionalista. Havia o internacionalismo do socialismo, etc., e a direita era profundamente nacionalista. No dia em que entrei para o integralismo, o Tristão me mandou ir ver o Plínio, que estava fazendo um discurso profundo. Ele estava denunciando, dizendo que o País estava vendido, etc. Lembro-me desta frase até hoje: “Porque até a luz que nos alumia é estrangeira”, e apontou para a lâmpada da Light. Fiquei tocado com aquilo!
E o Governo do Jango trouxe as causas nacionalistas. Os integralistas do Rio Grande do Sul elegeram Brizola, Governador naquela época. O integralismo, naquele tempo, no Rio Grande do Sul, tinha um eleitorado que era um fiel de balança, muito dividido entre o PSD, que era a UDN, e o PTB.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor falou que o partido nazista era o partido socialista. Os ideólogos do socialismo e do partido nazista foram expurgados a partir do momento em que o Hitler fez um acordo com os barões do RU.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Bom, o desenrolar da coisa é uma contingência natural. Tudo é íncubo e súcubo, por esse caminho.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Nós temos sobretudo na política brasileira — e também internacionalmente — alguns casos de artistas que chegam ao poder, como o caso de José Sarney, que é um acadêmico, um escritor, e foi Presidente da República. Há outros Presidentes da República com pendores literários, como Juscelino, que também foi da Academia. Como o senhor vê a convivência entre a arte e a política? É uma convivência possível? Os artistas têm uma contribuição política para dar?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eles que dêem, se quiserem; eu não dou mais! Eu sou muito amigo do Sarney, gosto muito dele. E acho até o Sarney um escritor importante. O romance Dono do Mar é importante, ele sabe disso. Eu me dou muito com ele. Contudo, enfim, eles não têm mais como mudar. Eles entraram nisso. É como um sujeito que convive com uma sogra megera o resto da vida. Ninguém o mandou contrair o casamento. Ele terá que agüentar a sogra; então, ele agüenta a política o resto da vida.
E muitos tiram dela vantagens, lícitas ou ilícitas, ou comodidades, né? Além da comodidade, há os compromissos. Conheço o drama de alguns políticos, coitados, que entram nesse negócio e assumem certos compromissos com as suas regiões, com a sua sociedade, com as suas comunidades, e que não podem mais se afastar dele. Conheço casos assim, que me dão pena. Estão perdendo tempo! Digo-lhes: “Larga essa porcaria aí!”
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas o senhor não acha que o empobrecimento da política, que o senhor próprio constatou, deve-se muito a isso? Se a política, além de ser esse tipo de atividade, incorporasse um pouco da arte, ela não estaria num patamar acima, ela não poderia desenvolver-se num outro patamar?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - É muito difícil fazer um julgamento sobre a política brasileira. A coisa mais grave que aconteceu com a política brasileira ao longo dos tempos foi o despreparo cultural do povo brasileiro. Tobias Barreto, no seu tempo, dizia que o Brasil não tem povo, tem público. Ainda hoje, até certo ponto, tem mais público do que povo. Não há consciência popular. O povo brasileiro é despreparado, as lideranças são despreparadas.
E, neste ponto, entra a única coisa que eu debito aos portugueses: eles são refinados colonizadores. Não é sem razão que Portugal foi a última metrópole a se retirar das colônias da África, a última, depois da França e da Inglaterra. Portugal não permitiu no Brasil, como bom colonizador, que se formasse uma geração de ensino superior. Não havia uma escola superior. Criaram apenas uma escola de Medicina, então não se formavam pessoas. Em escolas superiores, estariam formando-se lideranças possíveis e ameaçadoras, a tal ponto que no Brasil a primeira escola superior foi criada depois da Independência. Foi um projeto inepto do Martim Francisco. Tenho a história do projeto da Faculdade reconhecido por Clóvis Bevilácqua, que apresentou o projeto de Martim Francisco: “Haverá duas escolas superiores no Brasil, uma em Recife e Olinda e outra em São Paulo”. Foi fundado o ensino superior sob o pleonasmo do Martim Francisco de Andrada, que era um dos Andrada.
Sabe qual é a mais antiga universidade brasileira? A universidade daquele Estado que até há pouco tempo, antes dessas “Rondônias da vida”, era o mais novo da Federação, o Paraná, que se destacou de São Paulo. A universidade mais antiga do Brasil é a Universidade do Paraná, que é dos anos 30. Não havia universidade. Havia algumas escolas superiores, que se destacavam. O País não tinha uma tradição de formação de consciências culturais, consciências do saber. E a relação entre o saber e o poder é decisiva. O exercício do poder é uma conseqüência do exercício do saber.
Lembro-me de que, certo dia, eu estava nos Estados Unidos, na casa do negro Abdias, que reunia todos os negros americanos, no tempo da Angela Davis, famosa militante negra condenada à morte — não a mataram, mas ela chegou a ser condenada à morte por metralhadora. Estávamos jantando na casa do Abdias, à noite, e a Angela Davis, entusiasmada, disse: “Nós vamos tomar o poder!” Eu disse: “Oh, menina! Tomar o poder aqui nos Estados Unidos? Tomar o poder do Pentágono, do FBI?” Ela disse: “Eles têm o poder porque eles detêm o saber, e as elites americanas estão desertando do saber. Hoje, nas universidades americanas, os filhos dos Rothschild e dos Rockefeller não estudam mais, a não ser as matérias ancilares, como Gerência de Capitais, Administração de Empresas, Sociologia. Eles não chegam às matérias que são o núcleo do saber, como História, Filosofia, Direito, etc”.
Isso é verdade. Essa rebelião das massas, relatada na obra de José Ortega y Gasset, vai começar por aí. As massas estão tomando o saber e, um dia, chegarão ao poder. Estão entrando em colégios e faculdades. Contudo, a faculdade brasileira ainda é muito ruim, a universidade brasileira é a pior do continente, é pior do que a da Bolívia, pois não temos tradição. Eles têm universidades que vêm dos primeiros dias da colônia. As primeiras universidades da América espanhola datam de 1543. A Universidade de Santo Domingo, a Universidad Mayor de San Marcos, o Colégio San Felipe, na Colômbia, Colégio de San Agustín, na Bolívia, o San Carlos, no Chile: todas são grandes universidades.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - San Andrés.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Eles têm tradição. Na Bolívia, há professores de Filosofia, conheci alguns. Estive, por exemplo, diante de um professor espanhol salamaqueño. Aqui, o negócio é penoso.
É claro que, no campo da ciência aplicada, temos áreas mais desenvolvidas do que no restante da América Latina. Medicina e Engenharia são exemplo disso. Há centros de excelência de Medicina em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ciência aplicada, pois na área do pensamento puro, não tem! e o que constrói a história é o pensamento puro, os homens que pensam.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor gostaria de falar mais alguma coisa?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Não, já falei demais.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi bom, foi bom!
A SRA. ENTREVISTADORA ( Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi maravilhoso!
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Uma grande aula, né!
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi muito bom. Qual é a editora do seu livro Invenção do Mar?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Você não o tem?
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não.
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO - Isso é uma vergonha! Vai levar um.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Tarcísio, na viagem, veio recitando de cor um poema seu.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Um do País dos Mourões. É da Record?
O SR. GERARDO MELLO MOURÃO – É Record.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Coloca para a equipe de tevê. Não vou precisar não.
O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não, esse é para você, Tarcísio.
O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, vou comprar o livro.