Legislação Informatizada - LEI DE 3 DE OUTUBRO DE 1832 - Publicação Original
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LEI DE 3 DE OUTUBRO DE 1832
Dá nova organização ás actuaes Academias Medico-cirurgicas das cidades do Rio de Janeiro, e Bahia.
A Regencia, em Nome do Imperador do Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral Legislativa Decretou, e Ella Sanccionou a Lei seguinte:
TITULO I
Das Escolas, ou Faculdades de Medicina
Art. 1º As Academias Medico-cirurgicas do Rio de Janeiro, e da Bahia serão denominadas Escolas, ou Faculdades de Medicina.
Art. 2º Haverá em cada uma dellas quartoze Professores, que serão todos de profissão medica, occupando cada um uma das cadeiras do Magisterio.
Art. 3º Haverá tambem seis Substitutos, dos quaes pertencerão dous ás sciencias accessorias, dous ás cirurgicas, e dous ás medicas.
Os Substitutos serão tambem os Preparadores das cadeiras da secção respectiva.
Art. 4º O Governo fica autorizado a jubilar com o ordenado actual aquelles dos LEntes, e Substitutos agora existentes, que pela sua idade, ou enfermidades não poderem continuar a tomar parte activa nas funcções do Magisterio; a destinar os outros ás cadeiras, para que forem mais idoneos: e a prover os lugares restantes de Professores, e Substitutos, em pessoas, que tenham a necessaria capacidade, podendo admittir estrangeiros na falta de nacionaes.
Art. 5º Os lugares de Substitutos, que vagarem, depois de organizadas as Escolas, serão providos nas pessoas, que mediante concurso, forem por ellas apresentadas ao Governo como mais habeis.
Art. 6º Para entrar em concurso, cuja fórma será determinada nos Regulamentos da Faculdade, é preciso: 1º Ser cidadão brazileiro: 2º Apresentar titulo legal de Medico, ou Cirurgião. Passados porém quatro annos depois de organizadas as Escolas, ninguem será a elle admittido, sem apresentar titulo de Doutor em medicina, por ellas conferido, ou approvado.
Art. 7º Sómente os Substitutos têm o direito de succeder nas cadeiras: para isso quando houver vaga, a Faculdade respectiva apresentará ao Governo aquelle d'entre elles, que, mediante concurso, fôr julgado mais habil.
Art. 8º Os empregados das Faculdades serão: 1º Um Director nomeado triennalmente pelo Governo sobre lista tríplice, proposta pelas Faculdades, d'entre os seus membros; o qual ficará dispensado de assistir exames, e theses; e na sua falta, ou impedimento, fará as suas vezes o Professor mais antigo no Magisterio da Escola: 2º Um Secretario, que será da profissão medica, nomeado pela Faculdade, com o ordenado de oitocentos mil réis: 3º Um Thesoureiro, que será um dos Substitutos, sem vencimentos, nem propinas, eleito annualmente pela Faculdade.
Art. 9º O Director, Professores, e Substitutos, terão as memas honras, e direito de jubilação, que tiverem os dos Cursos Juridicos. Os Lentes Proprietarios terão de ordenado um conto e duzentos mil réis; e os Lentes Substitutos oitocentos mil réis. Nenhum delles poderá ser demittido por faltas que haja commettido como Lente, ou Substituto, sem que seja ouvida a Faculdade respectiva.
Art. 10. Além dos empregados acima mencionados, haverá um Porteiro com o ordenado de quatrocentos mil réis, e os mais empregados, que se julgarem necessarios para o serviço das Escolas, com os ordenados, que ellas arbitrarem. Todos estes empregados serão nomeados pelo Director com approvação da Faculdade.
Art. 11. As Faculdades concederão os titulos seguintes: 1º de Doutor em Medicina: 2º de Pharmaceutico: 3º de Parteira. Da publicação desta Lei em diante não se concederá mais o titulo de Sangrador.
Os diplomas serão passados pelas Faculdades em nome das mesmas, no idioma nacional, e pela fórma que ellas determinarem.
Art. 12. Os que obtiverem o titulo de Doutor em Medicina pelas Faculdades do Brazil, poderão exercer em todo o Imperio indistictamente qualquer dos ramos da arte de curar.
Art. 13. Sem titulo conferido, ou approvado pelas ditas Faculdades, ninguem poderá curar, ter botica, ou partejar, emquanto disposições particulares, que regulem o exercicio da Medicina, não providenciarem a este respeito.
Não são comprehendidos nesta disposição os Medicos, Cirurgiões, Boticarios, e Parteiras, legalmente autorizados em virtude de Lei anterior.
Art. 14. Compete ás Faculdades: 1º Formar os seus Regulamentos policiaes, disciplinares, e economicos, dependentes da appovação do Poder Legislativo: 2º Verificar os titulos dos Medicos, Cirurgiões, Boticarios, e Parteiras, obtidos em Escolas estrangeiras, e os conhecimentos dos mesmos individuos, por meio de exames, a fim de que elles possam exercer legalmente suas profissões em qualquer parte do Imperio, pagando por estas verificações os Medicos, Cirurgiões, e Boticarios a quantia de cem mil réis.
TITULO II
Do Ensino
Art. 15. Haverá em cada Faculdade quatorze cadieras. As materias do ensino serão distribuidas da maneira seguinte:
1ª Cadeira Physica medica.
2ª Cadeira Botanica medica, e principios elementares de Zoologia.
3ª Cadeira Chimica medica, e principios elementares de Mineralogia.
4ª Cadeira Anatomia geral e discriptiva.
5ª Cadeira Physiologia.
6ª Cadeira Pathologia externa.
7ª Cadeira Pathologia interna.
8ª Cadeira Pharmacia, materia medica especialmente a brazileira, Therapeutica e arte de formular.
9ª Cadeira Anatomia topographica, medicina operatoria, e apparelhos.
10ª Cadeira Partos, molestias de mulheres pejadas, e paridas, e de meninos recem-nascidos.
11ª Cadeira Hygiena, e Historia da medicina.
12ª Cadeira Medicina legal.
13ª Cadeira Clinica externa, e Anatomia pathologica respectiva.
14ª Cadeira Clinica interna, e Anatomia pathologica respectiva.
Art. 16. As aulas serão publicas, e ficarão situadas dentro, ou na vizinhança dos Hospitaes Civis. As Faculdades, de accôrdo com os Administradores destes Hospitaes, fixarão por um regulamento especial a administração medica das Enfermarias destinadas ao ensino clinico.
Art. 17. As materias do Curso Medico serão distribuidas em seis annos da maneira seguinte:
1º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Physica medica: 2ª Botanica medica, e principios elementares de Zoologia.
2º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Chimica medica, e principios elementares de Mineralogia: 2ª Anatomia geral, e descriptiva.
3º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Anatomia geral e descriptiva: 2ª Physiologia.
4º ANNO
Tres cadeiras: 1ª Pathologia externa: 2ª Pathologia interna: 3ª Pharmacia, Materia medica especialmente a brazileira, Therapeutica, e arte de formular.
5º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Anatomia topographica, Medicina operatoria, e apparelhos: 2ª Partos, enfermidades de mulheres pejadas, e paridas, e de meninos recem-nascidos.
6º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Hygiena, e Historia da Medicina: 2ª Medicina legal.
A cadeira de Clinica externa, e Anatomia pathologica respectiva, frequentar-se-ha desde o segundo anno até o sexto inclusive; a de Clinica interna, e Anatomia pathologica respectiva no quinto e sexto anno.
As Faculdades, quando julgarem necessario, poderão propôr uma reforma para a distribuição das materias, que a pratica tiver mostrado ser mais vantajosa.
Art. 18. As materias do Curso Pharmaceutico serão distribuidas em tres annos da maneira seguinte:
1º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Physica medica: 2ª Botanica medica, e principios elementares de Zoologia.
2º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Botanica medica, e principios elementares de Zoologia: 2ª Chimica medica e principios elementares de Mineralogia.
3º ANNO
Duas cadeiras: 1ª Chimica medica, e principios elementares de Mineralogia, 2ª Materia medica, especialmente a brazileira, Pharmacia, e arte de formular.
Durante os mesmos, ou outros tres annos, deverão os que seguirem este curso, praticar na botica de um boticario approvado:s ó depois desta pratica, e do curso, obterão o titulo competente.
Art. 19. Haverá um curso particular para as Parteiras, feito pelo Professor de Partos.
Art. 20. O anno lectivo começa no primeiro dia de Março, e acaba no ultimo de Outubro. Os exames annuaes devem ter lugar depois deste época até o dia vinte de Dezembro. Não haverá feriado, senão nos dias santos, e nos de Festa Nacional. Exceptuam-se desta disposição as Clinicas, nas quaes não haverá feriados.
TITULO III
DOS ESTUDANTES
Art. 21. Os estudantes se matricularão antes do principio de cada anno lectivo.
A taxa das matriculas será em cada um delles de vinte mil réis: os quaes, assim como as sommas, que pagarem os Medicos, Cirurgiões, e Boticarios pela verificação dos titulos obtidos em Escolas estrangeiras, servirão para comprar livros para a Bibliotheca da Escola.
Art. 22. O estudante, que se matricula para obter o titulo de Doutor em Medicina, deve: 1º Ter pelo menos dezaseis annos completos: 2º Saber Latim, qualquer das duas Linguas Franceza, ou Ingleza, Philosophia Racional e Moral, Arithmetica e Geometria. O que se matricula para obter o titulo de Pharmaceutico, deve: 1º Ter a mesma idade: 2º Saber, qualquer das duas Linguas Franceza, ou Ingleza, Arithmetica e Geometria, ao menos plana. A mulher, que se matricula para obter o titulo de Parteira, deve: 1º Ter a mesma idade: 2º Saber ler, e escrever correctamente: 3º Apresentar um attestado de bons costumes passado pelo Juiz de Paz da freguezia respectiva.
Art. 23. Os exames dos preparatorios serão feitos por tres Professores Publicos nomeados pela Faculdade, e acompanhados do Secretario da mesma. As Faculdades, estabelecerão nos estatutos, que ordenarem, a fórma destes exames.
Art. 24. Os estudantes não serão obrigados a fazer exame no fim do anno, que tiverem frequentado, e poderão fazel-o o decurso do seguinte, ao mesmo tempo que estudarem as materias desse anno; mas se no fim delle ou antes da época da matricula do subsequente, não tiverem sido approvados ao menos no exame mais atrazado, não poderão ir adiante.
Art. 25. Nenhum dos seis exames annuaes versará sobre a materia das duas Clinicas, o exame destas será feito á cabeceira dos doente depois do sexto anno. Os estudantes do Curso Pharmaceutico, depois dos tres exames annuaes, passarão por outro pratico, no qual executarão varias preparações pharmaceuticas.
Art. 26. Passados todos os exames, o candidato não obterá o titulo de Doutor, sem sustentar em publico uma these, o que fará quando quizer. As Faculdades determinarão por um regulamento a fórma destas theses, que serão escriptas no idioma nacional, ou em latim, impressas á custa dos candidatos; os quaes assim como os Pharmaceuticos, e Parteiras, pagarão tambem as despezas feitas com os respectivos diplomas.
Art. 27. Os exames serão publicos, e sobre as materias do ponto, que o examinando tirar por sorte. Os estatutos determinarão a sua distribuição, e fórma.
TITULO IV
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 28. Os Cirurgiões formados, ou simplesmente approvados pelas actuaes Academias Medico-cirurgicas, e os alumnos, que actualmente as frenquentam, poderão receber o gráo de Doutor em Medicina, fazendo os exames, que ainda não tiverem feito, tanto das materias dos annos lectivos, como dos preparatorios, ficando aquelles dispensados de toda a frequencia, e estes de frenquentarem as aulas, que já houverem frequentado. No caso porém de estes quererem obter o titulo de Cirurgião formado, as Escolas o conferirão, como actualmente se pratica.
Art. 29. As pessoas, que, tendo obtido titulo de formatura em qualquer Escola estrangeira, quizerem obter o de Doutor nas do Brazil, justificada previamente a identidade da pessoa, serão dispensadas sómente da frequencia das aulas e sujeitar-se-hão a todos os exames, e onus, a que forem obrigados os alumnos das Faculdades brazileiras: as pessoas porém, que ainda não tiverem obtido os ditos titulos, serão dispensadas sómente da frequencia das materias scientificas, que authenticamente mostrarem ter estudado.
Art. 30. De quatro em quatro annos haverá um concurso, para se escolher um individuo doutorado pelas Escolas do Brazil, que viaje á custa do Estado, a fim de colher os conhecimentos, que as mesmas julgarem convenientes.
Art. 31. A Assembléa Geral Legislativa arbitrará a cada uma das Faculdades uma somma sufficiente para a compra de machinas, instrumentos, e mais cousas necessarias ás experiencias physicas, e chimicas, ás preparações, e dissecções anatomicas, etc.
Art. 32. As Faculdades de Medicina ficam autorizadas a receber, e guardar os fundos, legados, e presentes, que lhe forem feitos por qualquer Governo, corporação, ou individuo com hum fim util á humanidade, e á sciencia, e dispôr dos ditos fundos, segundo as intenções dos doadores, para maior beneficio das Instituições Medicas.
Art. 33. O ensino da Medicina fica livre: qualquer pessoa nacional ou estrangeira, poderá estabelecer Cursos particulares sobre os diversos ramos das sciencias medicas e leccionar á sua vontade sem opposição alguma da parte das Faculdades.
Art. 34. Emquanto pelo Poder Legislativo não forem approvados os Regulamentos, de que trata o art. quatorze, regular-se-hão as Escolas Medicas pelos Estatutos, e Regulamentos da Faculdade de Medicina de Paris, na parte, que lhes fôr applicavel; e quanto ao mais providenciarão as Faculdades por meio de Regulamentos provisorios.
Art. 35. Ficam revogadas todas as Leis, e mais disposições em contrario.
Manda por tanto á todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e a execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar, tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado dos Negocios do Imperio a faça imprimir, publicar, e correr.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos tres dias do mez de Outubro de mil oitocentos trinta e dous, undecimo da Independencia e do Imperio.
FRANCISCO DE LIMA E SILVA
JOSÉ DA COSTA CARVALHO
JOÃO BRAULIO MONIZ
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
Carta de Lei pela qual Vossa Magestade Imperial Manda executar o Decreto da Assembléa Geral Legislativa, que houve por bem Sanccionar, dando uma nova organização ás actuaes Academias Medico-Cirurgicas das cidades do Rio de Janeiro, e da Bahia, como acima se declara.
Para a Vossa Magestade Imperial ver.
Bento Francisco da Costa Aguiar de Andrada a fez.
Registrada a folhas 192 v. do Liv. 5º de Leis, Alvarás e Cartas. Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio em 16 de Outubro de 1832.
Albino dos Santos Pereira
Honorio Hermeto Carneiro Leão
Sellada a Chancellaria do Imperio foi publicada a presente Lei aos 23 dias do mez de Outubro de 1832.
Luiz Joaquim dos Santos Marrocos
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1832, Página 87 Vol. 1 pt. I (Publicação Original)