Legislação Informatizada - DECRETO Nº 8.647, DE 31 DE MARÇO DE 1911 - Republicação
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DECRETO Nº 8.647, DE 31 DE MARÇO DE 1911
Approva o regulamento para o Hospital Central do Exercito
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorização que lhe confere o art. 48, n. 1, da Constituição e de accôrdo com o disposto no art. 22, XIV, da lei n. 2.356, de 31 de dezembro de 1910, resolve approvar o regulamento para o Hospital Central do Exercito, que com este baixa, assignado pelo general de divisão Emygdio Dantas Barreto, ministro de Estado da Guerra.
Rio de Janeiro, 31 de março de 1911, 90º da Independencia e 23º da Republica.
HERMES R. DA FONSECA.
Emygdio Dantas Barreto.
SR. PRESIDENTE
Em vinte annos de vida republicana a instrucção publica tem sido repetidamente remodelada. Longe estou de me associar aos censores das frequentes reformas do ensino que, no minimo, traduzem o louvavel intento de melhorar um ramo de serviço, cuja evolução se accentua sempre, á luz das descobertas recentes, ao influxo de doutrinas progressivas, com o auxilio dos novos methodos e systemas. Póde-se affirmar que, em vez de reparos, a acção revisora dos governos faz jús ao reconhecimento nacional.
Não se comprehenderia a immobilidade dos programmas de ensino, dos processos de educação.
O que entre nós é visto de través, como fructo de instabilidade criminosa ou de lastimavel incoherencia, nos centros cultos da Europa e dos Estados Unidos é applaudido e animado, porque, na ancia de aperfeiçoamento que as devora, as nações, ciosas de seu futuro, não se aferram ao culto mystico das tradições, não estacionam, não retrocedem. Lá, como aqui, as reformas se têm succedido com pequenos intervallos.
Os paizes adiantados, julgam, e com razão, repousarem na boa qualidade da instrucção conferida aos cidadãos a sua segurança interna e externa, a conservação das glorias conquistadas e a conquista de outras, o desenvolvimento das suas lettras, sciencias e artes.
Como na época de agitação fecunda que a humanidade atravessa não ha dia que ao surgir, não traga o sello de uma surpreza scientifica, artistica ou litteraria, dentro de lapso curto as instituições de ensino sentem-se envelhecidas e impotentes para a realização de um destino util, reclamando, consequentemente, a decretação de medidas que as rejuvenesçam e habilitem aos prestimos do seu alto ministerio.
Decorrer dahi a proliferação dos congresos, das entrevistas, das conferencias, dos projectos, dos livros, das monographias que se dedicam ao assumpto e cuja acção tende ao objecto da reforma.
Na França, que, ha poucos annos, refundiu o seu ensino secundario de fórma tão perfeita que serviu de modelo aos outros paizes, agora se avoluma uma corrente de novos ideaes, orientados pela cultura medica, que, dentro em pouco, imprimirá feição diversa ás escolas. - « A hygiene, disse A. Mathieu, penetra largamente a pedagogia, não sómente a educação physica e a educação moral penetra até o jardim, á primeira vista vedado, da educação intellectual.»
Como, em seis lustros, se arruinou a velha concepção didactica, roteirada pelos classicos greco-latinos e conhecedora de um unico instrumento de aprendizado - os exercicios mneu-monicos!
Se não temesse a attracção de paradoxo, concluiria asseverando que, ao ter inicio a execução de um plano de ensino, elle ja precisa ser reformado.
Examinando, retrospectivamente, as direcções que, em trinta annos, a questão do ensino tem tomado no Brazil, nota-se que, apezar de se delinear em curvas mais ou menos sinuosas, ella se encaminha no sentido da plena liberdade espiritual.
Nem se comprehenderia a possibilidade de um rumo diverso. Phenomeno social ligado á serie de outros da mesma especie, instrucção deveria soffrer a influencia das doutrinas liberaes, que começaram na abolição e terminaram na Republica, com o corollario de todas as suas medidas.
Postos de lado os retoques, as emendas ou ampliações que constituem as pequenas reformas, - grande numero dellas de caracter pessoal, reaccionario, - tres grandes marcos attestam movimentos decisivos e assignalam as tendencias da época: a reforma de 1879, a de 1891, a de 1901.
Não me hei de occupar com a analyse e interpretação dos pequenos movimentos reformistas, alguns, como disse, limitados ao amparo de interesses individuaes feridos pelas arestas das renovações em bloco e outros, parciaes, ampliativos, rectificadores de pontos omissos, não merecem attenção. Ao lado delles, dignos da sympathia piedosa consagrada ás flores mortas em botão, ajusta-se as tentativas mallogradas, os projectos frustros, que, aliás, representam um grande papel - o de propagandistas de ideias, cujo ineditismo irrita os escravos da rotina, mas cuja victoria terá o seu dia.
Com as organizações completas e systematicas me deterei um pouco, procurando descobrir, na traça de cada uma, esse fio de liberdade que julgo aviventar as concepções didacticas.
Da approximação e confronto das datas resalta uma conclusão immediata; de decada em decada, o legislador tem sido forçado, para se collocar á altura das exigencias da vida contemporanea, a refundir as instituições do ensino.
Reformas climatericas condensam e consubstanciam, em suas linhas, as aspirações de decennios de lutas em busca da perfeição.
Onde ou em que se encontravam, em 1879, os empecilhos á marcha ascensional do progresso? A reforma de então, substituindo o ensino obrigatorio pelo ensino livre, parece responder, summariamente, á pergunta. A liberdade de frequencia, a que se reduziu o ensino livre, foi a morte do magister dixit. De um golpe desappareceu o reinado do professor, como mais tarde, e quasi em virtude desse primeiro assomo de reivindicta, de uma assentada, aluiram o dominio do senhor de escravos e os fundamentos da monarchia.
O Imperio caminhava de olhos vendados ao sabor das circumstancias. As corporações docentes foram, em todos tempos, a guarda das instituições: pela qualidade do ensino, moldado nas conveniencias do Estado, e pelo prestigio do mestre, a que se entrega a cera virgem das intelligencias, para nelle ser impresso um cunho proprio, os governos preparam o futuro da politica nacional. O ensino livre, quebrando o encanto da palavra professoral, levantou aos olhos da mocidade uma ponta do véo que envolvia a emancipação das consciencias. As escolas transformavam-se em sementeiras de abolicionistas e de republicanos; foi da effervescencia dos centros academicos, onde o ultimo laço da submissão - a passiva obediencia ás doutrinas dos mestres - se rompeu, que promanaram as grandes e gloriosas, jornadas de 1888 e 1889.
Em 1891 coube á Republica a vez do regular os destinos da instrucção publica. Benjamin Constant appparecia cercado da dupla aureola de professor sem preconceitos e de estadista inspirado pela revolução, para cujo triumpho a mocidade concorrera grandemente. Fez-se a reforma.
A livre frequencia, nos institutos officiaes privilegiados, não bastava á sêde de expansão; a lei consagrou um novo dispositivo - a equiparação dos institutos particulares aos officiaes. Não pretendo, nem devo fazer o inventario das equiparações. O desvirtuamento do regimen não destróe o que de bom lhe é intrinseco. Ao lado da dispensa de ponto nas faculdades, o que enfraqueceu o dogmatismo do magisterio, a nova medida trouxe a confirmação de que não é monopolio dos estabelecimentos officiaes, como já não era dos seus lentes, a distribuição do ensino.
Dez annos decorreram após o regimen implantado por Benjamin Constant. As rodas da entrosagem gastaram-se; a sobrecarga das materias, principalmente, prejudicou em grande parte a obra do estadista republicano. A nova, reforma impunha-se, e fez-se conservando, unicamente, o que já era patrimonio da liberdade.
O Codigo de Ensino de 1901 visava corrigir os erros e defeitos da lei anterior. Julgando ter sido convertida a liberdade, de frequencia em licença de vadiar, o Codigo tentou estabelecer, de uma maneira suave, o ponto para os estudantes.
Não o conseguiu.
O legislador olvidava o aspecto principal do problema. Como toda reacção energica a proclamação da Republica, para a qual a mocidade contribuira, ultrapassara os limites da normalidade em que mais tarde o Estado se devia encerrar.
A primeira consequencia foi a enversão dos papeis entre os actores do scenario anterior a 1889; o magister dixit cedeu o logar ao discipulus dixit. E o caso occorrido em S. Paulo com professor Justino de Andrade foi o primeiro passo para a situação de anarchia e de indisciplina que reinou, desde então, confessada por todos, docentes e discentes. E' positivo que o discipulos dixit devia acabar, mas o processo do Codigo era o mais feliz. Se é verdade que o Codigo envidou meios cohibir o mal entendido direito de que se apossaram os estudantes, - a deserção completa das aulas, - não é menos certo que, dominado pelas injuncções do espirito republicano, ajuntou á livre frequencia, respeitada em parte, aos institutos equiparados, uma nova medida - a livre docencia - que significa, nada mais, nada menos, do que a permissão ao alumno para escolher o seu mestre e a garantia a qualquer cidadão habilitado para leccionar no recinto dos estabelecimentos officiaes. Foi esta uma conquista da liberdade que entrou na legislação do ensino e della não mais sahirá, apezar da livre-docencia, sob o regimen do codigo, desconnexo e incoherente em seus dispositivos, não ter dado todos os fructos que esperavam.
Assumi o compromisso de gerir a pasta do Ministerio do Interior, com que a confiança de V. Ex. me distinguiu, quando se encerrava exactamente um cyclo de dez annos. De 1901 a 1911 o Codigo de Ensino e as suas interpretações aniquilaram-se pelo uso. A nação tem reclamado e reclama um paradeiro ás insuficiencias e ao desmantelo da lei vigente. O Poder Legislativo, cuja cooperação fôra solicitada pelo meu antecessor, Dr. Tavares de Lyra, não satisfez os reclamos do meu esforçado colega, restringindo-se agora a votação da autorização constante do § II e suas lettras do art 2º da lei n. 2.356, de 31 de dezembro de 1910.
Os termos da autorização, ora concedida pelo Congresso, coincidem, em seu lineamento, com as ideias aventadas acerca do assumpto no Manifesto Inaugural que, a 15 de novembro ultimo, V. Ex. dirigiu á Nação.
De accôrdo perfeito com essas ideias e promessas, procurei orientar o trabalho que ora offereço ao exame e approvação de V. Ex.
A reforma simples e pura das instituições existentes não bastava. Urgia dotar o ensino com uma organização que introduzisse novos estimulos ao desenvolvimento das corporações didacticas, sem prejuizo das normas administrativas, sem desperdicio da fortuna publica, sem preterição da disciplina e da hierarchia; uma organização despida de ruidosos apparelhos e embebida desse principio de liberdade que se presente na historia da pedagogia brazileira.
E esta consegui, sem sobrecarregar o Thesouro Nacional, pois o augmento de despeza que da presente organização resulta não excederá a 40:000$, excesso largamente compensado pelo melhor apparelhamento dos corpos docentes e pela cessação, no futuro, dos accrescimos de vencimentos aos professores.
A liberdade de frequencia, estabelecida como faculdade concedida ao alumno de frequentar o curso que lhe aprouver, e não como até agora se comprehendeu, a liberdade de não frequentar curso algum, a livre-docencia, foram accrescidos da abolição de privilegio de qualquer especie concedida aos institutos creados pela União, cuja autonomia didactica e administrativa foi, por seu turno, assegurada, cessando, de facto, a intervenção do Estado, que só, mediatamente, e emquanto concorrer com auxilios materiaes, fará sentir a sua acção,junto ás corporações do ensino superior e fundamental.
Não me cingi a sommar as parcellas de independencia. Na Lei Organica e nos regulamentos especiaes que a acompanham agasalhei esquecidos compromissos republicanos. Foi sempre um anhelo da burguezia a aristocratização pelos titulos; perdidas as fornadas das condecorações e dos outros ornatos de fidalguia medieva, o titulo academico transformou-se no sonho dourado de quasi todas as familias brazileiras. Os resultados foram a avalanche de matriculas nos cursos superiores e as immensas levas annuaes de doutores e bachareis. Taes diplomas, pela presente organização, são substituidos por modestos e democraticos certificados, attestando a assistencia e o aproveitamento nos cursos respectivos.
Conferindo ás faculdades do ensino superior o direito de, por um exame de admissão, seleccionarem os candidatos á matricula em seus cursos, libertei o ensino fundamental, desopprimindo-o da condição subalterna de mero preparatorio para o assalto ás academias.
Adoptei, por se me afigurar productor de optimos fructos, o systema da docencia allemã com todas as suas consequencias - exames por secções, abolição dos concursos, estagio dos professores, creação de taxas inherentes ás necessidades do regimen.
Nas faculdades superiores e no Collegio Pedro II transformei, creei e extingui cadeiras, com a preoccupação de infundir um criterio pratico ao estudo das disciplinas, de maneira que se formem professores bons e convencidos de sua alta missão e se preparem cidadãos capazes de elevar o nivel intellectual da Republica.
Ao ensino fundamental consagrei especial attenção. Diminuindo o numero de materias e o numero das horas de aula - em nenhuma serie haverá mais de 21 horas de aula por semana, - modificando as exigencias do exame de admissão, estatuindo a passagem por simples promoção, espero ver afastada a sobrecarga que tanto prejudicava e desmoralizava o ensino secundario. As noções scientificas e litterarias deverão ser ministradas com segurança e sem desperdicio de theorias. E' preciso que não mais se verifique a exactidão do axioma: - o que os meninos aprendem, com mais certeza, nos collegios, é aquillo que os mestres não lhes ensinam.
Confinado o curso fundamental nas lindes de um programma bem dosado e despido de superfluidade, julguei desnecessario dividil-o em dous cyclos, á semelhança do que alhures se tem feito. Os cidadãos desta democracia devem receber a mesma instrucção integral.
Para não romper, de vez, antigos habitos, deixo de propor a extincção total do Internato do Collegio Pedro II, circumscripto, aliás, pelo meu voto, ás quatro primeiras series. Sou francamente contrario aos internatos do Estado, maximé para jovens maiores de 16 annos. Os inconvenientes são manifestos.
Em 1910, para citar um caso, o meu antecessor, por solicitação do actual director do Internato Bernardo de Vasconcellos, expediu um aviso determinando fossem transferidos para o Externato os alumnos gratuitos de 16 annos e equelles de desenvolvimento physico exaggerado ou procedimento irregular.
Nas entrelinhas se percebe o movel da providencia. E', comtudo, mais leal e mais consentaneo com a pedagogia, amputar as duas ultimas series do Internato do que transformar o Externato num estabelecimento onde, ao juizo exclusivo do director, venham pagar, no cumprimento de uma pena desconhecida do regulamento, os indisciplinados e os machacazes. Além do mais, o custeio da 5ª e 6ª series do Internato attinge annualmente á quantia de 86:000$; ora, o numero escasso de alumnos que nellas se matriculam - em 1910 havia tres na 6ª serie - não justifica uma despeza tão pesada.
Com um patrimonio unico, com congregação uma, não se comprehende que as duas secções do Collegio se denominem diversamente. A' minha sinceridade republicana sempre repugnou esse tributo de justiça bipartida com que o Governo quiz reverenciar a obra do ex-Imperador. Não comprehendo homenagens pela metade. E o proprio Bernardo de Vasconcellos, que teve a iniciativa de celebrar, com a fundação do Collegio, o anniversario do seu rei, descontente ficaria com a mutilação da sua vontade, se resuscitasse. O seu espirito de vassallo da velha escola repelliria a associação do seu nome num monumento elevado, por suas mãos, ao vulto que, assim, elle procurava recommendar á posteridade. Em vez de o lisonjear, a lembrança o magoaria.
A presente organização assignala e tem em vista uma suave e natural passagem da vigente officialização do ensino para a sua completa desofficialização, corollario fundamental do principio da liberdade profissional, consagrado na Constituição da Republica.
Liberta a consciencia academica da oppressão dos mestres, arredada destes a tutela governamental, em cujo passivo se inscrevem todas as culpas da situação periclitante a que chegaram as instituições do ensino, acredito dar um passo para frente com a actual organização.
O que produzir o futuro cahirá sob a responsabilidade exclusiva das congregações.
Mas nutro a convicção de que os membros dos corpos docentes, compenetrados do seu alto papel, não desmentirão a nomeada que os precede, nem faltarão á confiança que o paiz, pelo seu Governo, deposita no seu patriotismo e no seu saber. « Pouco importa, sublinhou Boutmy, a materia que um homem superior ensinar aos jovens. O essencial é que o homem seja superior. »
Eis, em escorço, o meu plano concretizado na trama da Lei Organica e nos regulamentos annexos. Entrego a ossatura de um organismo complexo a mãos habeis que a saberão vestir, distribuindo com esmero as partes plasticas, de fórma que, dos relevos e contornos da figura, resalte uma impressão de força e de belleza.
Rio, 29 de março de 1911. - Rivadavia da Cunha Corrêa.
- Diário Oficial da União - Seção 1 - 8/4/1911, Página 4106 (Republicação)