Legislação Informatizada - DECRETO Nº 11.037, DE 4 DE AGOSTO DE 1914 - Publicação Original

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DECRETO Nº 11.037, DE 4 DE AGOSTO DE 1914

Estabelece regras geraes de neutralidade do Brasil no caso de guerra entre as Potencias estrangeiras

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil: achando conveniente estabelecer as normas geraes que devem ser observadas no Districto Federal, nos Estados da União e no Territorio do Acre para resguardar a neutralidade do Brasil em caso de guerra entre Potencias estrangeiras e sobre o modo de se proceder para com os navios de guerra e mercantes dos paizes belligerantes; resolve que sejam cumpridas rigorosamente, sempre que o Governo Federal decretar a sua execução, as regras constantes da circular que a este acompanha, expedida pelo Ministerio das Relações Exteriores.

Rio de Janeiro, 4 de Agosto de 1914, 93º da Independencia e 26º da Republica.

HERMES R. DA FONSECA.
Frederico Affonso de Carvalho.

 

Regras geraes de neutralidade

    Art. 1º Os residentes nos Estados Unidos do Brasil, nacionaes ou estrangeiros, devem abster-se de qualquer participação ou auxilio em favor dos belligerantes e não deverão praticar acto algum que possa ser tido como de hostilidade a uma das potencias em guerra.

    Art. 2º Não é permittido aos belligerantes promover no Brasil o alistamento do nacionaes seus, de cidadãos brasileiros, ou de naturaes de outros paizes para servirem nas suas forças de terra e mar.

    Art. 3º O Governo Brasileiro não consente que se preparem ou armem corsarios nos portos da Republica.

    Art. 4º E' absolutamente probihida a exportação de artigos bellicos dos portos do Brasil para os de qualquer das potencias belligerantes, debaixo da bandeira brasileira ou de outra nação.

    Art. 5º E' probibido aos Estados da União e seus agentes exportar ou favorecer directa ou indirectamente a remessa de qualquer material de guerra a um dos belligerantes ou aos belligerantes.

    Art. 6º Aos belligerantes é prohibido fazer do littoral e aguas territoriaes dos Estados Unidos do Brasil base de operações navaes contra os seus adversarios, e tambem lhes é vedado collocar nessas aguas estações radio-telegraphicas fluctuantes, servindo de meio de communicação com forças belligerantes no theatro da guerra.

    Art. 7º Si o theatro das operações de guerra ou os portos maritimos de um dos belligerantes estiverem a menos de doze dias de viagem dos Estados Unidos do Brasil, calculada a travessia, a vinte e tres milhas, nenhum navio armado em guerra do outro ou outros belligerantes, acompanhado ou não de presas, poderá estacionar nos portos, bahias ou ancoradouros brasileiros mais de 24 horas, salvo o caso de arribada forçada.

    Pela expressão «salvo o caso de arribada forçada» deve-se entender que o navio de guerra ou corsario não será obrigado a sahir do porto dentro do prazo de 24 horas:

    1º, quando não possa effectuar os concertos indispensaveis para se expor ao mar sem risco de se perder;

    2º, quando igual risco se der por causa do máo tempo;

    3º, quando dentro do prazo de 24 horas não possa sahir, perseguido ou ameaçado por inimigo que esteja a cruzar nas visinhanças do porto de refugio.

    Nesses tres casos, fica ao arbitrio do Governo Federal determinar, segundo as circumstancias, o tempo da demora do navio.

    Art. 8º Si fôr de mais do doze dias o tempo de viagem para que o navio ou navios de guerra de um belligerante possa possam alcançar algum ponto do litoral inimigo, a duração do estacionamento ou escala em porto ou em aguas brasileiras será determinada, conforme as circumstancias, pelo Governo Federal, quer se trate do um ou de varios navios de guerra, formando estes divisão ou esquadra.

    Entretanto, não poderá exceder de doze dias, em aguas do littoral brasileiro, a duração do estacionamento de uma divisão naval ou esquadra de qualquer dos belligerantes composta de mais de tres unidades de combate.

    Art. 9º Qualquer que seja a distancia entre os portos do Brasil e o theatro principal das operações de guerra, ou entre os portos dos Estados Unidos do Brasil e os de um dos belligelantes, não será permittido aos corsarios com carta de marca do outro ou de qualquer belligerante entrar ou permanecer em portos ou aguas territorias do Brasil sinão pelo espaço de 24 horas, salvo os tres casos previstos no art. 7º.

    Art. 10. As regras estabelecidas nos arts. 7º e 8º sobre limitação do estacionamento nos portos, ancoradouros e aguas do littoral brasileiro não se applicam aos vasos de guerra exclusivamente empregados em missão scientifica, religiosa ou philanthoropica, ou aos navios hospitaes.

    Art. 11. Qualquer acto de hostilidade, inclusive a captura e o exercicio do direito de visita, commettido por navios dos belligerantes em aguas territoriaes do Brasil constitue uma violação da neutralidade e offensa á soberania da Republica.

    O Governo federal, além da satisfação devida, pedirá ao Governo ou Governos belligerantes que faça ou façam relaxar a presa, com os seus officaes e guarnição, ou equipagem, se a dita presa já estiver longe das aguas da jurisdicção brasileira, e não puder mais o Governo Federal reprimir, pelo emprego das suas forças navaes, o abuso commettido.

    Art. 12. O Governo Federal usará dos meios de que dispõe para, depois da declaração de guerra, impedir o equipamento ou armamento de qualquer navio que elle tenha motivos razoaveis para crer destinado a cruzar ou a concorrer para operações hostis contra um dos belligerantes. Usará da mesma vigilancia para impedir que parta do seu territorio qualquer navio destinado a cruzar ou a concorrer para operações hostis e que haja sido, em aguas da sua jurisdicção, adaptado, no todo ou em parte, aos usos da guerra.

    Art. 13. Nos portos e ancoradouros dos Estados Unidos do Brasil, os navios de guerra dos belligerantes, sem augmentar de modo algum a sua força militar, só poderão reparar, na medida indispensavel á segurança da navegação, as avarias que tenham soffrido.

    A autoridade naval brasileira verificará a natureza dos concertos a effectuar, os quaes deverão ser feitos com a maior celeridade possivel.

    Art. 14. Os navios de que trata o artigo precedente só podem abastecer-se nos portos e ancoradouros do Brasil:

    1º, para completar a sua provisão normal de viveres em tempo de paz;

    2º, para receber combustivel com que possam alcançar o porto mais proximo do seu paiz, ou completar a carga dos seus paióes propriamente ditos.

    Art. 15. Os navios de guerra dos belligerantes que tomarem combustivel em porto brasileiro não poderão renovar a usa provisão no mesmo ou em outro porto brasileiro sinão tres mezes depois.

    Art. 16. Não poderão os navios dos belligerantes servir-se dos portos, ancoradouros e aguas territoriaes do Brasil para augmentar as suas provisões militares e o seu armamento, nem para completar a sua guarnição.

    Poderão, porém, utilizar-se dos serviços dos pilotos do paiz.

    Art. 17. A simples passagem por aguas territoriaes do litoral do Brasil de navios de guerra e presa dos belligerantes não é considerada compromettedora da neutralidade do Brasil.

    Art. 18. Quando navios de guerra das parte belligerantes se achem sumultaneamente em porto ou ancoradouro brasileiro, devem medear pelo menos 24 horas entre a partida de um delles e a do adversario, si ambos forem movidos a vapor.

    Si fôr navio de vela o que sahir e a vapor o que ficar, não poderá este partir sinão tres dias depois.

    A ordem da partida dos navios movidos a vapor é determinada pelo ordem das chegadas, salvo si o primeiro estiver no caso em que é admittida a prolongação do estacionamento.

    Um navio de guerra belligerante não póde deixar o porto brasileiro em que se ache sinão depois da partida de um navio mercante levando pavilhão do seu adversario, respeitados os does prazos acima indicados, conforme o mercante seja de vela ou a vapor.

    Art. 19. Si, apezar da notificação feita pela autoridade local competente, um navio de guerra belligerante não deixar o porto brasileiro em que não tenha o direito de permanecer, o Governo Federal tomará as medidas que julgar necessarias para tornar o navio incapaz de fazer-se ao mar emquanto durar a guerra.

    a) O commandante do navio de guerra arvorando pavilhão de uma potencia que haja ratificado a 13ª Convenção da Haya, de 17 de outubro de 1907, ou que a ella haja adherido, tem a obrigação de facilitar a execução dessas medidas.

    b) Si o commandante do navio belligerante não quizer attender á notificação recebida, por qualquer motivo inacceitavel ou porque pertença a paiz que se não haja obrigado a essa e outras clausulas da citada 13ª Convenção da Haya. o Governo Federal ordenará ás suas autoridades navaes e militares o emprego da força para que não fique compromettida a neutralidade brasileira.

    c) Quando um navio belligerante fôr retido no Brasil, os officiaes e a guarnição serão egualmente retidos.

    d) Os officiaes e os homens da guarnição assim retidos poderão ser alojados em outra embarcação ou em terra, e poderão ser sujeitos ás medidas restrictivas que pareça necessario impor-lhes. Todavia, a bordo do navio de guerra ficarão os homens necessarios para a sua conservação. Os officiaes poderão ficar em liberdade. tomando o compromisso escripto sob palavra de honra, de não sahir do logar que lhes fôr designado em territorio brasileiro, sem autorização do ministro da Marinha.

    Art. 20. As presas feitas por um belligerante só poderão ser trazidas a um porto brasileiro por causa de innavegabilidade, de máo estado do mar, de falta de combustivel, ou de falta de provisões de bocca, a tambem no caso previsto no seguinte art. 21.

    A presa deve partir logo que haja cessado a causa que motivou a sua entrada. Si o não faz, a autoridade brasileira notificará ao capitão da presa a ordem de partir immediatamente, e, caso não seja obedecido logo, usará dos meios de que disponha para relaxar a presa com os seus officiaes e equipagem, e para internar a guarnição posta a bordo pelo captor.

    Será igualmente relaxada a presa que houver entrado em porto brasileiro fóra das quatro condições estabelecidas no começo do presente artigo.

    Art. 21. Poderão ser admittidas nos portos brasileiros se presas, escoltadas ou não, quando trazidas para serem deixadas sob sequestro, esperando a decisão do tribunal de presas competente.

    A presa poderá ser mandada, por ordem da autoridade local, para outro porto brasileiro.

    Si a presa é comboiada por um navio de guerra, os officiaes e a escolta póstos a bordo pelo captor poderão passar para o navio de guerra.

    Si a presa viaja só, o pessoal posto a bordo pelo captor é deixado em liberdade.

    Art. 22. Os navios de guerra dos belligerantes que, perseguidos pelo inimigo e para evitar ataque imminente, se refugiarem em porto brasileiro, serão ahi detidos, até se desarmarem. Ser-lhes-ha, porém, permittida a sahida, si os seus commandantes se comprometterem a não mais tomar parte na guerra empenhada.

    Art. 23. Nenhuma presa poderá ser vendida no Brasil antes que a validade da captura seja reconhecida pelos tribunaes competentes do paiz do captor. Este não poderá tambem dispôr no Brasil dos objectos que tenha a bordo provenientes da presa.

    Art. 24. Aos commandantes de forças navaes ou de navios de guerra de qualquer das potencias belligerantes que entrarem em portos brasileiros para fazer concertos ou receber viveres e combustivel, será pedida a declaração escripta de que não apresarão navios mercantes trazendo o pavilhão do seu adversario, mesmo fóra das aguas territoriaes do Brasil, se forem encontrados dentro dos mares comprehendidos entra a longitude de 30 gráos Oeste de Greenwich, o parallelo de 4 gráos e 30 minutos Norte e o de 30 gráos Sul, quando esses mercantes tenham sahido com carregamento recebido em portos brasileiros ou tragam algum manifesto de carga destinada a portos do Brasil.

    Art. 25. Não será permittido a nenhum dos belligerantes receber nos portos do Brasil generos vindos directamente para elles em navios de qualquer nação, pois isso significaria que o navio belligerante não demandou o porto brasileiro por necessidade imprevista, mas com o proposito de cruzar nas proximidades do littoral. A tolerancia desse abuso equivaleria a permittir que os portos brasileiros servissem aos belligerantes de base de operações.

    Art. 26. Os navios das potencias belligerantes admittidos em portos e ancoradouros do Brasil deverão permanecer nos pontos que lhes forem designados pela autoridade local, em perfeita tranquillidade e completa paz com todos os navios que ahi estiverem, ainda os de guerra ou armados em guerra de outra potencia belligerante.

    Art. 27. As autoridades militares, navaes, fiscaes e de policia exercerão a maior vigilancia para impedir que aos portos e aguas territoriaes da Republica sejam violadas quaesquer das disposições precedentes.

    Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 4 de Agosto de 1914. - Frederico Affonso de Carvalho.


 


Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 05/08/1914


Publicação:
  • Diário Oficial da União - Seção 1 - 5/8/1914, Página 9045 (Publicação Original)