Legislação Informatizada - Decreto nº 447, de 19 de Maio de 1846 - Publicação Original

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Decreto nº 447, de 19 de Maio de 1846

Manda pór em execução o Regulamento para as Capitanias dos Portos.

     Conformando-Me com o parecer das Secções de Guerra e Marinha, e de Fazenda do Conselho d'Estado, emittido em Consulta de vinte e quatro de Dezembro do anno proximo passado: Hei por bem Approvar o Regulamento por ellas apresentado para as Capitanias dos Portos, mandadas estabelecer nas diversas Provincias do Imperio pelo Decreto numero trezentos e cincoenta e oito de quatorze de Agosto de mil oitocentos e quarenta e cinco; e Ordeno que se observe o mencionado Regulamento, que com este baixa, assignado por Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti d'Albuquerque, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, e interinamente encarregado dos da Marinha, que assim o tenha entendido, e faça executar com os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro em dezenove de Maio de mil oitocentos e quarenta e seis, vigesimo quinto da Independencia e do Imperio.

     Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti de Albuquerque

REGULAMENTO DA CAPITANIA DOS PORTOS, A QUE SE REFERE O DECRETO DESTA DATA

TITULO I
Dos Empregados da Capitania dos Portos

     Art. 1º Haverá hum Estabelecimento Naval denominado - Capitania do Porto -, em cada hum das Provincias maritimas do Imperio, designadas nos Artigos seguintes.

     Art. 2º Em cada huma das Capitanias dos Portos das Provincias do Rio de Janeiro, Pernambuco, e Pará, servirá de Capitão do Porto o respectivo Inspector do Arsenal, o qual perceberá, alêm do soldo e mais vencimentos, que como tal lhe competirem, huma gratificação de quatrocentos mil réis por anno.

     Art. 3º Na Capitania do Porto da Provincia da Bahia servirá de Capitão do Porto o respectivo Intendente, que, na conformidade dos Decretos de 11 e 13 de Janeiro de 1834, accumula as funções de Inspector, o qual perceberá, alêm do seu ordenado, a gratificação annual de quatrocentos mil réis.

     Art. 4º Nas Capitanias dos Portos das Provincias do Rio Grande de São Pedro do Sul, e Santa Catharina, servirá de Capitão do Porto hum Official superior d'Armada, o qual perceberá os vencimentos, e mais vantagens de embarcado em Navio de Guerra.

     Art. 5º Em cada huma destas Capitanias dos Portos, as de que trata o Artigo antecedente, haverá hum Secretario com o ordenado de quatrocentos mil réis por anno; podendo servir naquellas Provincias, onde houver Arsenaes, os Secretarios das Inspecções; e a este se abonará, alêm do seu ordenado, a gratificação de trezentos mil réis.

     Art. 6º Ao Capitão do Porto compete:

     1º A Policia naval do Porto, e seus ancoradouros; e bem assim o melhoramento, e conservação do mesmo Porto.

     2º A inspecção, e administração dos Pharoes, Barcas de socorros, Balisas, Boias, e Barcas de escavação.

     3º A matricula da gente do mar, e das tripolações empregadas na navegação, e trafico do Porto, e das costas, praticagem destas, e das barras.

     4º Impor as multas pelas contravenções deste Regulamento.

     5º Decidir summariamente as questões de Policia naval, prejuizos, ou damnos causados pelos Navios entre si dentro do Porto.

     6º Requisitar o auxilio das Autoridades Civis, e Militares, e da Força armada, quando lhe for preciso, para fazer effectivas as disposições do Regulamento, prender, e punir os contraventores.

     7º Ordenar as despezas do Estabelecimento, dentro dos limites, que annualmente lhe forem marcados pelo Ministerio da Marinha, ou conforme as ordens e autorisações especiaes, que pelo mesmo Ministerio lhe forem dadas.

     8º Designar hum ou dous individuos dos que se acharem empregados nos Arsenaes, onde os houver, ou dos que servirem perante as Autoridades Judiciaes do lugar, para fazerem as diligencias necessarias para o expediente da Capitania do Porto, e do processo; assignando a cada hum a gratificação até seiscentos e quarenta réis nos dias em que tiverem serviço, a qual perceberão alêm dos emolumentos que deverem pagar as partes, regulados pelos Regimentos dos salarios judiciaes.

     Art. 7º Ao Capitão do Porto serão subordinados os individuos empregados na Capitania, nos Pharoes, nas Barcas de soccorro, nas de escavação; e os que se empregão no trafico do Porto, rios, lagoas, costas, e na praticagem destas e das barras.

     Art. 8º O Secretario terá a seu cargo lavrar todos os termos, e registral-os; bem como a correspondencia official e ordens que se expedirem; fazer a matricula das tripolações das embarcações nacionaes de coberta, e dos individuos empregados na vida do mar, registrando-as separadamente em livros proprios; organizar no fim de cada anno civil mappas de todos os Navios entrados e sahidos, com declaração das tripolações, tonelagens, portos d'onde sahidos e para onde destinados; e igualmente mappas de todos os individuos empregados na vida do mar, segundo o ramo a que cada hum pertencer.

TITULO II
Da Policia dos Portos, sua conservação e melhoramento

CAPITULO I
Dos Portos, Caes, Praias, e Recifes no Litoral

     Art. 9º O Capitão do Porto cuidará constantemente na conservação, e bom essado do Porto, pelo que pertence á sua limpeza, profundidade, e segurança; e promoverá o melhoramento delle por todos os meios ao seu alcance; propondo ao Governo as medidas, que para esse fim julgar convenientes, acompanhadas as suas representações dos planos das obras, e dos orçamentos das despezas della.

     Art. 10. O Capitão do Porto, ouvida a respectiva Camara Municipal, e com approvação do Ministro da Marinha, designará, e marcará nas praias e terrenos de marinha, reservados para logradouros publicos, huma porção sufficiente para estaleiros e outros usos do expediente do Porto.

     Art. 11. Ninguem poderá dentro do litoral do Porto, ou seja na parte reservada para logradouro publico, ou seja na parte que qualquer tenha aforado, construir embarcação de coberta, ou fazer cavas para as fabricar encalhadas, sem que, depois da licença da respectiva Camara Municipal, obtenha a do Capitão do Porto, o qual a não dará sem ter examinado se poderá, ou não resultar d'ahi algum damno ao Porto.

     Art. 12. Ninguem poderá lançar entulhos nas praias ou caes do litoral do Porto, e sim no lugar designado pela Camara Municipal. O contraventor será sujeito, alêm da multa devida á Camara Municipal, a tirar outra vez o entulho que houver lançado, se com effeito puder ser apanhado na occasião, ou se souber quem foi; mas quando se ignore, a Capitania do Porto, á expensas do cofre das multas, mandará fazer esse trabalho.

     Art. 13. Ninguem poderá fazer aterros, ou obras no litoral do Porto, ou rios navegaveis, sem que tenha obtido licença da Camara Municipal, e pela Capitania do Porto seja declarado, depois de feitos os devidos exames, que não prejudicão o bom estado do Porto, ou rios, os Estabelecimentos Nacionaes da Marinha de guerra, e os logradouros publicos, sob pena de demolição das obras, e multa, alêm da indemnisação do damno que tiver causado.

     Art. 14. Ninguem poderá depositar madeiras nas praias, nem conservar nellas, ou nos caes por mais de 5 dias, ancoras, peças d'artilharia, amarras, ou outros quaesquer objectos que embaracem o transito e servidão publica, ainda que tenha licença da Camara Municipal. E quando para o deposito e demora de taes objectos der licença o Capitão do Porto sem prejuizo da sobredita servidão, só se poderá fazer da batente do preamar das aguas vivas para cima. Os contraventores, alêm da multa a que forem sujeitos pelas Posturas da respectiva Camara Municipal, serão obrigados a fazer escavar qualquer arêa, que se accumule em detrimento do Porto.

     Art. 15. Nenhum proprietario ou arrendatario de trapiche, poderá usar de fachos acesos quando carregão ou descarregão embarcações de cabotagem, podendo porêm usar de lampeões. Os contraventores serão sujeitos á reparação do damno, alêm da multa devida á Camara Municipal.

     Art. 16. As embarcações que se amarrarem a quatro cabos junto de praias, não lançarão ancoras em lugar que no preamar fiquem cobertas, mas sim onde estejão descobertas, a fim de evitar o damno que disso possa resultar ás embarcações do trafico do Porto. Os contraventores serão sujeitos á multa de dez a vinte mil réis, e á reparação do damno que houver.

CAPITULO II
Das entradas, e sahidas dos Navios

     Art. 17. Quando entrar no Porto qualquer embarcação nacional ou estrangeira, o Official de Registro do Porto entregará ao Capitão, ou Mestre hum exemplar do Regulamento do Porto, que será restituido na Capitania, quando a embarcação tenha de se retirar, ou desmanchar.

     Art. 18. Logo depois de visitada a embarcação pelas Repartições Fiscaes, e de saude, o Capitão ou Mestre irá á Capitania do Porto dar entrada, onde se tomará nota do nome do Capitão, da embarcação, praça ou porto a que pertence, do dono ou consignatario, numero das pessoas da tripolação, lugar donde vem, Nação a que pertence, seu porte em toneladas, quaes os passageiros, qualidade e quantidade de lastro. Se o Capitão ou Mestre não puder ir pessoalmente, mandará a sobredita declaração por escripto, por elle assignada, ou por algum dos Officiaes da embarcação.

     Art. 19. Todo o Capitão, ou Mestre de qualquer Navio mercante, que pretender sahir, irá na vespera apresentar seus Despachos á Capitania do Porto para serem ahi examinados; e, estando correntes, se lançará em hum livro de registro o nome do Capitão, ou Mestre, dono, ou consignatario do Navio, a Nação, o numero das pessoas da tripolação, tonelagem, e porto a que se destina; devendo depois entregar-lhe hum documento, que elle apresentará no Registro do Porto. O encarregado do Registro do Porto notará no verso desse documento o dia da sahida, e os nomes dos passageiros, enviando-o depois á Capitania. Todo aquelle que assim não praticar será obrigado pelo Registro do Porto ao seu cumprimento, e sujeito á multa de quatro mil réis: os registros e notas deste Artigo, e do antecedente serão feitos gratuitamente.

     Art. 20. Nenhum Navio mercante, nacional ou estrangeiro, depois de entrar o Sol, ou antes deste nascer, poderá sahir do Porto.

CAPITULO III
Dos Ancoradouros

     Art. 21. A Capitania do Porto coadjuvará o que pelas Repartições da saude e da Alfandega estiver determinado a respeito dos ancoradouros de quarentena, franquia, carga, e descarga; e quando algumas das disposições respectivas lhe pareção inconvenientes, ou entenda que outras se podem dar mais conformes aos interesses publicos e particulares, o proporá esplicitamente ao Governo na Côrte, e aos Presidentes nas Provincias, para se deliberar.

     Art. 22. Tambem conforme o uso, e for mais conveniente, a Capitania do Porto proporá ao Governo o lugar mais proprio para ancoradouros da quarentena, e da franquia, carga, e descarga, sendo os dous ultimos ancoradouros subdivididos para Navios, que tenhão de carregar ou descarregar generos de facil combustão, e para embarcações de cabotagem, cuja carga não for sujeita á direitos d'Alfandega. Tambem conforme o uso e for mais conveniente, designará ancoradouros para os Navios que tenhão de fabricar, e para aquelles que não tenhão destinos. As cabreas, barcaças, armazens navaes, e embarcações do trafico do Porto, amarrar-se-hão nos lugares,e pela fórma que for indicada pela mesma Capitania.

     Art. 23. Os Navios de guerra nacionaes e estrangeiros, ancorarão onde mais convier, fóra dos ancoradouros destinados para os Navios mercantes, nos Portos em que para isso tiverem commodidade; e naquelles em que a não houver tomarão lugar no ancoradouro de franquia,e não poderão sahir do ancoradouro para fabricar, sem que primeiro tirem a polvora; devendo, os primeiros fazel-o por ordem superior, e os segundos requisital-o pela Autoridade que represente o seu Paiz, ao Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros, que solicitará permissão para o deposito ao Ministro da Guerra, prevenindo ao da Marinha desta mudança. Nas Provincias taes requisições serão feitas aos respectivos Presidentes. Os Navios mercantes nacionaes e estrangeiros praticarão semelhantemente, quando tiverem a mesma precisão.

     Art. 24. Nenhum Navio mercante nacional ou estrangeiro poderá passar do ancoradouro de franquia, trazendo polvora á bordo, sem a descarregar, ou seja esta de carga, ou para uso da propria defesa: o Capitão ou Mestre requererá o deposito della, não podendo tornar a receber a que se destinar para seu uso, senão quando estiver o respectivo Navio outra vez no ancoradouro da franquia, e na vespera da partida. Poderá porêm o Capitão do Porto permittir que se conserve na embarcação aquella pequena quantidade de polvora, que julgar precisa para signaes.

     Art. 25. Todo o Navio de guerra ou mercante, nacional ou estrangeiro, fará conduzir a sua polvora de carga ou de defesa, coberta com encetado, levando a embarcação de conducção arvorada huma bandeira encarnada, e indo acompanhada d'hum Guarda, quando for mercante.

     Art. 26. Todo o Navio mercante nacional ou estrangeiro, que estiver nos ancoradouros de carga ou descarga, deverá ter os páos de bujarrona e giba dentro; e nos Portos em que pela sua pequena capacidade estiver por isso amarrado a quatro cabos, terá alêm disso a retranca dentro, e as vergas desamantilhadas; e só em vespera de sahida para o ancoradouro de franquia, a fim de envergar panno, poderá amantilhar vergas e deitar fóra os paos, menos o da giba, que só o porá no ancoradouro de franquia. O contraventor será multado em quatro mil réis por cada vez, e perderá o direito á indemnisação no caso de lhe serem partidos por abalroamento.

     Art. 27. Nenhum Navio poderá dar, no acto de amarrar-se, outra direcção ás suas ancoras, que não seja a que estiver adoptada pelo uso do Porto. O contraventor será obrigado a suspendel-as, e dar-lhes essa direcção, e quando o não faça será a isso constrangido, e depois multado em seis mil réis.

     Art. 28. Todo o Navio nacional ou estrangeiro será obrigado a ter boias nas ancoras das suas amarrações; não podendo amarrar espias a estas boias. O contraventor será obrigado á reparação do damno, havendo-o, o alêm disso multado em seis mil réis.

     Art. 29. Todos e quaesquer Navios deverão, nos differentes ancoradouros, prestar reciprocos auxilios em o acto de amarrar-se ou desamarrar-se, couro seja receber huma espia, arrear a amarra por algum incidente imprevisto, &c.

     Art. 30. He prohibido a todo e qualquer Navio dar tiros, ou salvar, a não estar no ancoradouro de franquia, e neste mesmo o não poderá fazer, levando taco o tiro. Aquelle que transgredir será sujeito á reparação do damno, havendo-o, alêm de ser multado em oito mil réis.

     Art. 31. Não será permittido, dentro dos ancoradouros de carga e descarga, conservar fogo a bordo, depois do toque de recolher, alêm da lanterna de que trata o Artigo 133 do Regulamento de 22 de Junho de 1836, e de huma luz que poderá ter em lanterna fechada na causara de cada Navio. O contraventor ficará obrigado a reparação do damno que possa haver, e será multado em dez mil réis.

     Art. 32. Nenhum Navio poderá sahir sobrecarregado, nem levar carga no convés que cause perigo. O Capitão do Porto o regulará com prudencia, vigiando com attenção sobre taes circunstancias; e o Capitão ou Mestre se conformará com o que elle determinar.

     Art. 33. Nenhum Navio mercante poderá mandar os seus botes ou escaleres, á bordo do Navio que entrar ou sahir; poderão com tudo enviar suas lanchas para o rebocar ou ajudar a amarrar, não podendo porêm estas atracar ao portaló, e só sim amariar-se pela pôpa em quanto seu serviço não for necessario.

     Art. 34. Nenhum Navio mercante poderá ter amarradas suas embarcações miadas, senão aos portalós nos ancoradouros de carga e descarga: no de franquia lhe será permittido ter a lancha pela pôpa. O contraventor será multado em quatro mil réis.

     Art. 35. Nenhum navio mercante poderá ter as suas embarcações miudas fóra do Navio depois do tiro de recolher, salvo por algum motivo extraordinario, que justificará. O contraventor será multado em quatro mil réis.

     Art. 36. Os barcos do trafico do Porto, empregados nas cargas e descargas, não poderão carregar generos senão até á linha d'agua que lhes estiver marcada, e estando estanques. Todo aquelle Arraes que o contrario obrar, será punido com hum até dez dias de prisão.

     Art. 37. Somente aos escaleres d'Alfandega, Capitania do Porto, ou Registro, será permittido andar pelos ancoradouros de carga e descarga, depois do tiro de recolher, em rondas ou em algum outro serviço. Qualquer bote ou escaler que for encontrado, a não ser de Navio de guerra, será apprehendido, e multado o respectivo Navio ou dono em dez mil reis, alêm das em que incorrer conforme os Regulamentos das Repartições Fiscaes.

     Art. 38. Ninguem poderá rocegar, nos differentes ancoradouros, ancoras perdidas seus licença do Capitão do Porto, e este a não permittirá senão por quinze dias; devendo depois a ancora, no caso de achada, ser apresentada para se examinar se pertence ou não ao que a achou, e no caso negativo, ficar para uso da Capitania ou do Arsenal, indemnisando-se a despeza que se houver feito com esse trabalho.

     Art. 39. He prohibido nos ancoradouros apresentar-se individuo algum nú de dia, por qualquer motivo que seja; e andarem indecentes os que se empregarem nas embarcações do trafico do Porto. Os contraventores ficarão sujeitos á prisão por tres dias, e ao recrutamento sendo nacionaes. Havendo ferimento, ou constituindo a acção deshonesta delicto policial, serão os individuos presos, e remettidos á Autoridade criminal de terra.

CAPITULO IV
Dos Ancoradouros dos Navios em fabrico, velhos, e sem destino

     Art. 40. Todo o proprietario, cuja embarcação estiver com agua aberta, e que por seu descuido for a pique, será obrigado a tiral-a do fundo, e a encalhal-a, ou para a desmanchar, ou para reparal-a.

     Art. 41. No caso do Artigo antecedente, se dentro de quinze dias, depois da intimação feita ao proprietario, ou seu legitimo representante no lugar, elle não tirar do fundo a embarcação que havia ido a pique, importará isso o abandono della, e neste caso ficará á cargo da Capitania o trabalho, e proveito; podendo o Capitão do Porto fazer arrematar o desmancho, ou tomal-o a seu cargo. Em todo o caso não será o proprietario isento de huma multa, que cubra as despezas, no caso de deficit.

     Art. 42. Quando hum proprietario pretender desmanchar qualquer embarcação, deverá requerel-o ao Capitão do Porto, para este lhe marcar o lugar. O mesmo Capitão do Porto fará então lavrar hum termo, pelo qual aquelle proprietario se obrigue, dentro d'hum prazo razoavel, a fazer o desmancho, seus deixar objecto algum, que possa contribuir para ruiva do Porto.

     Art. 43. He prohibido aos Mestres encarregados dos fabricos dos Navios acender fogo em suas lanchas para derreter breo, pixe, &c, a mão as terem distante delles, e de quaesquer outras embarcações, o comprimento de huma amarra pelo menos. Os contraventores serão multados em dez mil réis.

     Art. 44. He igualmente prohibido nos ancoradouros dos Navios em fabrico, e dos seus destino, andarem os Pescadores de noite pescando com fachos acesos; devendo ser multados os contraventores em quatro mil réis.

CAPITULO V
Dos soccorros em occasião de incendio, e perigo naval

     Art. 45. Toda a vez que se incendiar qualquer embarcação de guerra, ou mercante, as que estiverem proximas da incendiada tratarão logo de se afastar della; e as que estiverem em posição favoravel, deixando a bordo a gente necessaria para guarda e segurança das mesmas, prestarão logo todo o auxilio, que lhes for possivel. Os Capitães ou Mestres, apenas observarem o signal de incendio, ou ouvirem no mar, estando em terra, recolher-se-hão immediatamente a seus bordos, onde permanecerão até reconhecer-se ter cessado o incendio. O Navio que primeiro observar o incendio, tendo polvora a bordo, fará signal coca dous tiros successivos, e com o intervallo de trinta segundos; ou içará huma grande luz no penol da mesena, sendo a lenterna forrada de filele encarnado.

     Art. 46. O Capitão do Porto, ou seus subordinados, logo que chegarem á bordo do Navio incendiado, ao mesmo tempo que lhe applicarem as bombas, empregarão todos os meios de o tirarem d'entre os outros, para lugar onde não prejudique. No caso de não haver probabilidade de o salvar, o levarão para alguma praia, ou corôa que estiver mais proxima; mas se a rapidez do incendio o não permittir, e correr mesmo risco de se communicar a outros, em taes circunstancias o metterão a pique. Acabado o incendio deverá o Capitão do Porto mandar, sem perda de tempo, passar fundas ao Navio submergido, a fim de o pôr á nado.

     Art. 47. Todos os Navios de tres mastros serão obrigados a ter oito baldes de lona, páo, ou sola alceados; e com seus fieis, e dous machados sempre promptos. Os de dous mastros terão metade; sob pena de multa huns e outros em quatro mil réis.

     Art. 48. Os Praticos, ou Capatazes da gente do trafico do Porto, apresentar-se-hão com suas lanchas guarnecidas (os que as tiverem) no lugar do incendio; e se não forem promptos em acudir, o Capitão do Porto os prenderá por tempo de tres a oito dias, ou os multará de dous a oito mil réis.

     Art. 49. Em occasião de temporal, logo que se observar alguma embarcação em perigo, ou com signal de pedir soccorro, todos os Praticos e Capatazes, segundo o detalhe que a respeito se houver feito, irão á Capitania do Porto com suas lanchas devidamente esquipadas; de dia, ao signal de huma bandeira azul içada no mastro que deverá haver na Capitania; e de noite, ao signal de hum tiro de peça, e hum foguete ao mesmo tempo. A gente que for mandada a soccorro será paga pelo Navio em perigo, assim como os alugueis de ancoras, ancorotes, e viradores, que se lhe prestarem.

     Art. 50. O Capitão do Porto fará hum detalhe entre os Navios nacionaes que estiverem no Porto, a fim de que haja hum diariamente encarregado de ser o primeiro que em occasião de incendio, ou de perigo de Navio, faça esquipar a sua lancha, regularmente guarnecida conforme a natureza do soccorro. O Navio que estiver de dia, terá içada huma bandeira azul no tope de proa.

CAPITULO VI
Dos lastros dos Navios

     Art. 51. Logo que qualquer embarcação quizer descarregar, ou receber lastro, deverá requerer ao Capitão do Porto a devida permissão, e este indicará o lugar aonde deva ser tirado, ou lançado.

     Art. 52. He prohibido embarcar, ou desembarcar lastro durante a noite, e igualmente lançal-o ao mar no lugar do ancoradouro, e da mesma fórma a varredura do porão em occasião de limpeza; o contraventor no primeiro caso será sujeito a huma multa de cincoenta mil réis, e no segundo, alêm da multa de cem mil réis a hum conto de réis, será preso de hum até trinta dias, conforme a gravidade do caso.

     Art. 53. Será permittido a quaesquer embarcações baldear entre si os lastros, precedendo licença do Capitão do Porto, e tomando-se as cautelas, que elle ordenar, para não cahir no mar.

     Art. 54. Será permittido ás embarcações de cabotagem irem fóra dos ancoradouros receber lastro.

TITULO III
Da Inspecção, e administração dos Pharoes, Barcas de soccorro, Balisas, Boias, e Barcas de escavação

CAPITULO UNICO

     Art. 55. Ficará a cargo do Capitão do Porto a inspecção, e administração dos Pharoes, Barcas de soccorro, e de escavação, fazendo conservar tudo em bom estado de satisfazer os seus fins, e informando circunstanciadamente ao Governo o que entender necessario para o seu melhoramento, com indicação das providencias, que se devem dar, e com o orçamento das despezas precisas.

     Art. 56. Nos Portos, ou rios, em que, para segurança da navegação, forem necessarias boias, e balisas, a Capitania do Porto as mandará collocar, empregando na sua conservação a maior vigilancia.

     Art. 57. Nos rios navegaveis a vigilancia na conservação das boias e balisas será incumbida pela Capitania do Porto a pessoa idonea, que perceberá huma gratificação proporcional ao seu trabalho, bem como lhe marcará quaes as suas obrigações.

     Art. 58. Todo aquelle que destruir boias, ou balisas será preso de hum a cinco dias, multado de vinte a trinta mil réis, e constrangido á reparação do damno.

TITULO IV
Da Matricula da gente do mar, e das tripolações empregadas na navegação, e trafico do Porto, e das costas, e praticagem d'estas

CAPITULO I
Da Matricula das tripolações das embarcações de coberta

     Art. 59. Fica instaurada na Repartição da Marinha a matricula das tripolações das embarcações nacionaes de coberta, empregadas na navegação de grandes rios, e Iagoas, de pequena e grande cabotagem, e de longo curso: constará ella da naturalidade, nome, filiação, idade, signaes do individuo, e do ajuste da soldada, que elle for ganhar durante a viagem da embarcação.

     Art. 60. Todas as vezes que qualquer embarcação nacional de coberta se destinar á navegação declarada no Artigo antecedente, deverá o Capitão ou Mestre dirigir-se á Capitania do Porto com sua tripolação, para ahi fazer a declaração do trato e do ajuste das soldadas de cada hum dos individuos durante a sua futura viagem. O Secretario da Capitania do Porto passará então a lavrar hum termo, em que se declarem quaesquer condições que houverem sido feitas entre o Capitão ou Mestre, e a respectiva tripolação, bem como a soldada ajustada; lançando igualmente o nome de cada individuo, seus signaes, naturalidade, &c. Este termo será assignado pelo Capitão do Porto, Secretario, e o respectivo Capitão ou Mestre. Concluido isto o Secretario extrahirá o rol de equipagem ou matricula, organisado em fôrma de mappa nominal, lançando nelle em resumo, como observação, as condições do trato, &c., e assignando conjunctamente com o Capitão do Porto, o entregará ao Capitão ou Mestre.

     Art. 61. Nenhum Capitão ou Mestre, depois de matriculado qualquer individuo de sua tripolação, poderá despedil-o sem concluir a viagem a que se propoem, salvo porêm pagando-lhe por inteiro a soldada, ou convencionando-se por qualquer maneira.

     Art. 62. Nenhum individuo, da mesma fórma, poderá exonerar-se de seguir na respectiva embarcação, depois de estar nella matriculado; o Capitão ou Mestre neste caso poderá coagil-o em virtude do trato, dirigindo-se nos Portos do Imperio ao Capitão do Porto, a fim deste providenciar; e nos estrangeiros aos Consules do mesmo Imperio. Todavia se o individuo que pretender desligar-se der outra pessoa em seu lugar, e nisso convier o Capitão ou Mestre, não haverá lugar o recurso indicado, devendo entretanto fazer-se disso sabedor ao Capitão do Porto, a fim de mandar fazer a conveniente nota na matricula.

     Art. 63. Nenhum Capitão ou Mestre de embarcação nacional ou estrangeira poderá admittir individuo algum em sua tripolação, sendo nacional, sem Bilhete do Capitão do Porto, em que mostre estar o individuo desembaraçado, quer do serviço do Estado, quer de engajamento em outro Navio; e sendo estrangeiro, sem hum documento do Consul de sua respectiva Nação, em que declare estar desembaraçado, e do mesmo Capitão do Porto, por onde conste não ter engajamento em Navio Brasileiro.

CAPITULO II
Da Matricula de todos os individuos empregados na vida do mar

     Art. 64. Os individuos nacionaes empregados na vida do mar, tanto no trafico do Porto, e pequenos rios, como na navegação dos grandes rios e lagoas, na pequena e grande cabotagem, nas viagens de longo curso, e na pesca, serão matriculados na Capitania do Porto, e na fórma deste Regulamento.

     Art. 65. Da mesma fórma se matricularão os Calafates e Carpinteiros de embarcações, comprehendidos no numero, que para cada Porto designar o Capitão.

     Art. 66. No primeiro Domingo de cada mez todos os individuos da vida do mar deverão apresentar-se na Capitania do Porto com suas matriculas á passar mostra, e o Capitão do Porto porá em cada matricula o - visto. - Os Pescadores que não forem do districto do Porto irão ao quartel do respectivo Capataz, o qual do mesmo modo porá o - visto - nas matriculas; remettendo depois á Capitania hum mappa nominal dos individuos que comparecerão, declarando os que faltárão, e qual o motivo.

     Art. 67. Os individuos empregados na navegação, que não estiverem no Porto no dia de mostra acima designado, irão no primeiro Domingo, depois do dia da sua chegada, á Capitania do Porto em que se acharem, apresentar-se com suas matriculas para nellas o Capitão do respectivo Porto pôr o - visto. - Se o ponto em que se acharem for muito distante da Capitania do Porto, apresentar-se-hão ao Capataz do lugar, o qual deverá pôr o - Visto - nas matriculas que lhe forem presentes.

     Art. 68. Todos os individuos empregados na vida do mar serão isentos da Guarda Nacional, e dos mais onus civis. Serão porêm sujeitos ao serviço naval da Marinha de guerra, todas as vezes que for necessario, e segundo suas circunstancias.

     Art. 69. Os que forem remissos em comparecer ás revistas de mostra, nos tempos e pela fórma indicada nos Artigos antecedentes, serão punidos com prisão correccionalmente de hum até oito dias, ou multa.

CAPITULO III
Do arrolamento das embarcações nacionaes

     Art. 70. Todas as embarcações nacionaes construidas no Imperio, ou mandadas construir fóra, ou compradas ao estrangeiro, serão numeradas e arqueadas. Em cada Capitania se fará dellas hum arrolamento, lançando-se em livro proprio o nome do dono, o da embarcação, suas dimensões de boca, pontal, quilha limpa, sua mastreação, comprimento de roda á roda, lugar onde construiria, em que anno, e finalmente o nome do Mestre que a construio, sendo ella nacional. Prevalecerá a arqueação feita pelas Repartições Fiscaes, e por ellas se fará a averbação.

     Art. 71. Sempre que se comprar, ou vender huma embarcação nos Portos do Imperio, em ambos os casos os titulos do anterior proprietario serão entregues á Capitania do Porto onde se realisar a compra, ou venda; e o Capitão do Porto, fazendo-os archivar, mandará abrir assentamento á embarcação comprada quer a estrangeiro, quer a nacional, pondo-se a verba da venda no assentamento da que for vendida; no caso de pertencer a embarcação á Capitania da respectiva Provincia. Mas quando pertença ella á Capitania doutra Provincia, o Capitão do Porto daquella onde se verificar a compra ou venda, avisará officialmente ao outro Capitão do Porto, a fim de proceder este aos novas assentamentos, ou mandar pôr as necessarias verbas.

     Art. 72. Todos os Capitães do Porto das diversas Capitanias enviarão annualmente, até o dia quinze do mez de Janeiro, ao Inspector do Arsenal de Marinha da Côrte, mappas estatisticos de todas as embarcações das differentes classes, bem como dos individuos n'ellas empregados, para de todos estes mappas mandar elle organisar os mappas geraes, que deverá dirigir á Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha no principio de cada anno.

CAPITULO IV
Das Embarcarções do trafico do Porto, e nos rios navegaveis, e dos individuos nas mesmas empregados

     Art. 73. Pela Capitania do Porto serão designados os lugares, onde devão estacionar as embarcações do trafico do Porto, e rios navegaveis: todas serão numeradas e marcadas com huma letra do Alphabeto no costado, e nas velas (as que as tiverem) para designar a respectiva Estação.

     Art. 74. Pela Capitania do Porto será feito hum arrolamento de todas estas embarcações, no qual se especifiquem as correspondentes dimensões, e se declare o nome do dono e sua moradia.

     Art. 75. Todos os individuos empregados em tal serviço serão matriculados na Capitania do Porto, e divididos em Secções. Cada Secção será composta dos individuos que trabalharem em huma determinada Estação.

     Art. 76. Todas as embarcações empregadas no trafico do Porto, e rios navegaveis, alêm da matricula, de que os respectivos individuos deverão andar munidos, não poderão em tal serviço empregar-se sem huma licença por escripto dada pela Capitania do Porto, onde ficará ella registrada: estas licenças serão reformadas no fim de cada hum anno, e não poderão ser transmissiveis; o que contravier será multado de quatro a dez mil réis.

     Art. 77. Cada Secção terá hum Capataz, e o numero de Subcapatazes, que conforme a labutação da respectiva Estação forem necessarios. Huns e outros serão nomeados pelo Capitão do Porto, d'entre os individuos os mais capazes da mesma Estação.

     Art. 78. Cada Capataz responderá pela policia de sua Estação. Não poderá fazer castigos senão por pequenas faltas, limitando-se estes á limpeza da Estação. Nos adictos de pancadas, ferimentos, roubos, mortes, &c., prenderá o delinquente á ordem da Autoridade policial do lugar, fazendo-o conduzir á presença desta com a competente parte.

     Art. 79. Cada Capataz poderá incumbir os seus Subcapatazes daquillo que julgar conveniente a bem da policia local, particularmente em sua ausencia. Detalhará diaria ou semanalmente o numero sufficiente de individuos da sua Secção, que deverá apresentar-se na Capitania do Porto por occasião de incendio no mar, ou em terra, ou quando houver Navio em perigo.

     Art. 80. Havendo bombas de incendio no bairro da respectiva Secção, o Capataz della mandará os individuos detalhados, segundo o Artigo antecedente, para o lugar onde se acharem as bombas, a fim de trabalharem com ellas.

     Art. 81. No caso de se haver prestado auxilio e trabalho, o Capataz fará huma relação dos individuos que trabalharão, certificada pelo Mestre, Contramestre, ou Official de Calafate que houver acompanhado as bombas, ou pelo encarregado das mesmas. Taes individuos serão gratificados pela Capitania do Porto, em proporção do trabalho que houverem prestado, e em relação ao jornal de hum servente. Quando o auxilio for de perigo de Navio, serão pagos pelo respectivo dono ou consignatario, segundo o uso do Porto.

     Art. 82. Cada Capataz vigiará por si e por seus Subcapatazes, que haja a maior subordinação nos seus subalternos, que os passageiros sejão tratados com attenção, não soffrão prejuizos na mais pequena parte do seu trem, fazendo mesmo que se lhe restituão quaesquer objectos que por esquecimento tenhão deixado. Quando o dono de hum objecto deixado não for conhecido, ou não se souber de sua residencia, será a cousa achada dirigida á Capitania do Porto, para por esta serem feitos os competentes annuncios; mas se depois de repetidos elles não apparecer o dono, será entregue ao Juizo a que pertence a arrecadação das cousas de que se não sabe dono.

     Art. 83. Os Capatazes nos seus impedimentos serão substituidos pelos Subcapatazes conforme a ordem numerica, que será segundo o merecimento individual.

     Art. 84. Os Capatazes usarão de numa jaqueta azul, tendo na gola, ao alto de cada lado, hum emblema de metal da configuração de dous remos cruzados com huma ancora, como se vê na figura junta. Os Subcapatazes usarão da mesma jaqueta e emblema, porêm sem ancora; não sendo d'ora em diante admittidos mais quaesquer outros usos que a respeito se tenhão introduzido nas Provincial.

     Art. 85. O Capitão do Porto poderá demittir a qualquer Capataz ou Subcapataz, quando não cumpra seus deveres.

CAPITULO V
Dos Pescadores

     Art. 86. Todos os Pescadores serão divididos em districtos: cada districto será composto dos individuos empregados na pesca interior e exterior, que residirem em bairro ou lugarejo da Cidade, Villa, ou Costa.

     Art. 87. Cada districto terá hum Capataz que inspeccione os demais Pescadores, bem como os Subcapatazes que forem precisos para o coadjuvarem: huns e outros serão da escolha e nomeação do Capitão do Porto da respectiva Provincia.

     Art. 88. Todas as disposições, quanto a deveres e incumbencias de Capatazes e Subcapatazes das Estações de embarque, matricula dos individuos, arrolamento, numeração e marcação com letras no costado, e velas das embarcações, serão applicaveis aos Pescadores.

     Art. 89. O Capitão do Porto irá, ou mandará fazer na primeira vez, por pessoa por elle commissionada, o arrolamento e matricula. Quando depois houverem de se matricular quaesquer individuos, se dirigirão estes ao respectivo Capataz, o qual, procedendo na fórma ordenada, enviará depois huma relação nominal dos individuos matriculados, e hum mappa das embarcações que accrescerem ao Capitão do Porto; e este, mandando proceder aos competentes assentamentos, remetterá ao mesmo Capataz as respectivas certidões de matriculas, para este as entregar a cada individuo.

     Art. 90. Os Capatazes e Subcapatazes usarão tambem de huma fardeta azul, tendo na gola hum emblema analogo de dous anzoes cruzando-se, com a differença que os Capatazes terão de mais huma ancora neste emblema.

CAPITULO VI
Da Praticagem

     Art. 91. Nas Provincias em que seus Portos a navegação necessitar de Praticos de barras, ancoradouros, rios, lagoas, e costas, cada Capitania organisará hum Regulamento, em que se marque o numero de Praticos, que deve haver, habilitações que devem ter, e suas obrigações; deveres dos Capitães e Mestres para com estes, Tabella do quanto devem receber pela praticagem, e penas a que ficão sujeitos huns e outros.

     Art. 92. No mesmo Regulamento se marcará a fórma, por que devem ser feitos os exames, para se obter o diploma de Pratico, que será passado pelo Capitão do Porto; bem como que haverá hum cofre, para nelle se depositarem todas as quantias de praticagem, de entradas sahidas, e de movimento nos ancoradouros, para ser sua totalidade dividida proporcionalmente pelo Pratico mór e mais Praticos, conforme for especificado no Regulamento.

     Art. 93. Depois de organisado o Regulamento será remettido pelo Capitão do Porto á Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha para ser approvado.

TITULO V
Dos prejuizos ou damnos causados pelos Navios entre si dentro do Porto

CAPITULO I
Dos damnos causados por Navios velejados

     Art. 94. Bordejando dous Navios dentro do Porto, ou fóra, ainda entre pontas, o que for com amura por E. B. terá a preferencia em bordos desencontrados. Se neste caso o outro receber avaria, ou a causar, não só não terá direito á indemnisação, mas pelo contrario será obrigado a indemnisar qualquer damno que cause. Todavia, se o Navio for nacional, e de guerra, terá sempre a preferencia.

     Art. 95. Bordejando dous Navios em bordos oppostos junto da costa, banco, ou qualquer outro perigo, o que vier na bordada para fóra não será constrangido a mudar de rumo. Qualquer damno que este tiver por haver manobrado a fim de evitar o abalroamento, ou mesmo por este ter tido lugar, será indemnisado pelo outro Navio.

     Art. 96. Apresentando-se dous Navios na costa em frente d'hum Porto, hum pairando atravessado, outro velejado, se o primeiro for abalroado pelo segundo, será este obrigado á reparação do damno. O abalroamento porêm será comprovado perante o Capitão do Porto, bem como o serão todas as circunstancias do facto, com audiencia do Capitão ou Mestre do Navio abalroados, precedendo a tudo a necessaria vestoria pelos peritos.

     Art. 97. Apresentando-se dous Navios a entrar em hum Porto de difficil entrada, o Navio mais desviado deverá esperar que o mais proximo entre primeiro. Se aquelle por melhor de vela vier encontrar-se com este outro, e tiver lugar o abalroamento, será elle obrigado á reparação do damno.

     Art. 98. Do mesmo modo na sahida, o que estiver mais desviado deverá esperar que saia o que se achar mais proximo á barra.

     Art. 99. Todo o Navio que entrar ou sahir deverá franquear a passagem ao que sahir ou entrar, vindo este com vento escaço.

     Art. 100. Todo o Navio que andando á espia, ou que no acto de se fazer á vela, ou que velejado causar damno a outro Navio fundeado, quer no montante do seu casco, apparelho, e amarração, quer em sua carga, será obrigado á indemnisação do damno.

CAPITULO II
Dos damnos causados por Navios fundeados

     Art. 101. Achando-se hum Navio em pouco fundo, e não podendo safar-se, o Capitão ou Mestre terá direito, em caso de perigo, de exigir que o Navio proximo suspenda ou ponha a pique a sua ancora para lhe dar passagem, huma vez que o Navio ancorado esteja em circunstancias de fazer semelhante manobra sem perigo proprio; mas deverá aquelle indemnisar a este a avaria que para lhe evitar o perigo tiver soffrido.

     Art. 102. Todo o Navio fundeado, logo que delle se approximar hum outro velejado, deverá alar para seu portaló a lanxa ou bote que estiver pela pôpa. Não o fazendo, não só não terá direito á indemnisação do damno, no caso de havel-o, mas pelo contrario será obrigado á reparação de qualquer prejuizo, que por semelhante falta o velejado possa soffrer.

     Art. 103. Todo o Navio ancorado he responsavel pelo damno causado por falta de boias das ancoras de suas amarrações, salvo havendo-se perdido, porque arrebentassem os arinques, e provando-se não ter sido possivel pôr-se outras.

     Art. 104. Todo o Navio que estiver mal collocado, ou mal amarrado, será em hum e outro caso responsavel por qualquer damno que causar áquelle com quem abalroar.

CAPITULO III
Dos damnos causados por occasião de temporal, ou circunstancias extraordinarias

     Art. 105. Toda a vez que o Navio garrar para cima de outro em occasião de temporal, ou extraordinaria força de corrente, no caso de ter sido por descuido, ou porque suas ancoras não sejão proporcionaes ao mesmo Navio, será elle obrigado á reparação do damno.

     Art. 106. Se hum Navio, nas mesmas circunstancias de temporal, abalroar outro em consequencia de hum terceiro o ter a isso impellido, será este terceiro obrigado á reparação do damno, no caso de se darem as mesmas faltas do Artigo antecedente.

     Art. 107. Se porêm se verificarem os casos dos dous Artigos antecedentes, tendo o Navio lançado ao mar todas as suas ancoras, mas que apezar disso, ou o Navio garre ou lhe tenha faltado alguma ancora, em taes casos não haverá direito á reparação do damno. Todavia poderão haver circunstancias em que seja o mesmo damno rateado pelos dous.

     Art. 108. Toda a vez que hum Navio, no acto de amarrar-se ou desamarrar-se, abalroar outro, porque hum terceiro se negasse a prestar os auxilios reciprocos, a que todos os Navios estão obrigados nos ancoradouros, não será elle constrangido á reparação do damno, mas sim aquelle que se tiver negado a esse auxilio.

     Art. 109. Todas as questões que se suscitarem nos casos deste Titulo, e do Titulo II, a respeito de prejuizos ou damnos causados pelos Navios entre si, dentro do Porto, serão decididas summariamente pelo Capitão do Porto, com assistencia e parecer de arbitros; e desta decisão não se dará recurso algum, quando o valor não exceder a cem mil réis.

     Art. 110. Quando o valor exceder á sobredita quantia, e alguma das partes não quizer estar pela decisão, será o negocio levado a hum Conselho, que será composto na conformidade do Artigo 4º do Decreto nº 358 de 14 de Agosto de 1845.

TITULO VI
Disposições geraes

     Art. 111. Qualquer particular que mandar construir embarcação de coberta, apresentará o plano ao Inspector do Arsenal de Marinha nas Provincias onde os houver; ou ao Capitão do Porto, o qual por si, ou mediante huma Commissão convocada ad hoc, examinará se elle satisfaz as condições de, sem faltar á capacidade para a carga, ter a necessaria estabilidade, bom andamento, sufficiente amura, e dimensões proprias segundo o trafico a que he destinada.

     Art. 112. Todos os Navios mercantes nacionaes, alêm do distinctivo particular do seu proprietario, terão o que for proprio da Provincia a que pertencerem: estes distinctivos serão designados pela Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha, e remettidos os desenhos a todas as Capitanias dos Portos, para estas pôrem em uso o que for da respectiva Provincia, e terem conhecimento do das outras.

     Art. 113. Haverá hum cofre para nelle se recolherem as multas, fazendo-se carga destas em livro de receita; devendo cada Capitão do Porto enviar, até o dia quinze do mez de Julho de cada anno, authenticas contas á Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha, depois de approvadas pelo Conselho, tanto da receita como da despeza do anno financeiro findo. Serão clavicularios do referido cofre o Capitão do Porto e Secretario respectivo.

     Art. 114. Em todos os casos de contravenção das disposições deste Regulamento, a que nelle não vai declarada multa especial, poderá impor o Capitão do Porto de dous até quatro mil réis.

     Art. 115. O presente Regulamento será traduzido em Francez e Inglez, e se lhe dará toda a publicidade.

TITULO VII
Da fórma do processo

     Art. 116. Quando por qualquer maneira chegar á noticia do Capitão do Porto alguma contravenção da policia delle, fará escrever pelo Secretario hum termo bem especificado do facto, e suas circunstancias; e mandando chamar perante si o contraventor, a parte queixosa, se a houver, e as testemunhas, se forem precisas, decidirá breve, e summariamente, condemnando ou absolvendo o accusado.

     Art. 117. Se o accusado não comparecer, desobedecendo á notificação, appareça ou não a parte queixosa, se a houver, procederá o Capitão do Porto á revelia; e somente por impedimento, ou outro motivo attendivel e justificado, poderá deferir o seguimento e ultimação do processo para o dia seguinte.

     Art. 118. No caso em que, alêm da multa, seja o contraventor obrigado á indemnisação, assim o decidirá o Capitão do Porto, e nesse mesmo dia, ou no seguinte, mandará proceder ao arbitramento da indemnisação, segundo a importancia do damno, e declarará o contraventor obrigado a satisfazel-a.

     Art. 119. Nos casos de damnos por abalroamento não procederá o Capitão do Porto para indemnisação sem queixa, ou requerimento de parte; salvo se for d'Arma da Nacional o Navio prejudicado.

     Art. 120. Dada a queixa do prejudicado, ou sendo d'Armada Nacional o Navio que tiver soffrido, irá o Capitão do Porto, acompanhado de peritos, a bordo do Navio damnificado; e ahi na presença dos Capitães, ou Mestres, e dos mais Officiaes que se acharem das embarcações, damnificada e damnificante, lavrado pelo Secretario o termo especificado do acontecimento, conforme as informações e declarações que colher, e ouvidas as partes, decidirá immediatamente se tem lugar a indemnisação, e mandará proceder ao arbitramento della.

     Art. 121. Em ambos os casos as decisões definitivas do Capitão do Porto serão irrevogaveis e exequiveis, quando não exceder o valor a cem mil réis e para este fim se enviarão ás Camaras Municipaes as certidões das multas que a dias pertencerem; ao Procurador dos Feitos da Fazenda as certidões daquellas que pertencerem ao cofre da Capitania; e se entregarão ás partes interessadas as dos julgamentos das indemnisações que lhes competirem; e tanto as multas, como as indemnisações, quando os condemnados as nao paguem amigavelmente, serão cobradas executivamente pelos meios judiciaes.

     Art. 122. Quando o valor exceder a cem mil réis poderão as partes recorrer para o Conselho, apresentando-se dentro de cinco dias ao Secretario, que lhe tomará a declaração do recurso, e enviará logo o processo ao Capitão do Porto, o qual immediatamente promoverá a organisação do Conselho, e designará o dia da sessão, que será notificado ás partes para comparecerem.

     Art. 123. Perante o Conselho poderão as partes apresentar suas allegações por escripto no prazo improrogavel de vinte e quatro horas, que para isso será concedido a cada huma; e poderá o Conselho mandar proceder a novas vestorias e exames, se os julgar precisos; e á vista de tudo decidirá definitivamente como entender de justiça.

     Art. 124. Todo o processo, tanto da primeira como da segunda instancia, será formado por simples termos, que contenhão hum relatorio resumido, mas claro do facto e suas circunstancias, depoimento das testemunhas, pareceres dos arbitradores, e decisão do Capitão do Porto ou do Conselho, escriptos pelo Secretario, e assignados pelo Capitão do Porto, ou Conselho, pelas partes, testemunhas, e arbitradores.

     Art. 125. Na primeira e na segunda instancia poderão as partes, nos actos para que são chamadas, ir acompanhadas de seus Advogados e defensores, sendo porêm hum só por cada parte, e não se lhe admittindo allegações por escripto fóra do caso do Artigo.

     Art. 126. Os arbitradores e peritos que hão de proceder ás vestorias, exames, e arbitramentos, serão sempre os Mestres dos Arsenaes; e onde os não houverem serão escolhidos e approvados, com audiencia das partes, d'entre os Calafates, Carpinteiros, e individuos empregados na vida de mar, inscriptos nas respectivas matriculas.

     Art. 127. De todos os papeis que se processarem e expedirem pela Capitania do Porto, se pagarão os respectivos sellos, na conformidade dos Regulamentos.

Tabella dos emolumentos que devem perceber os Secretarios das Capitanias dos Portos

Da matricula de equipagem, por cada pessoa $080
Da matricula dos empregados na vida do mar, por cada pessoa $160
Do arrolamento de huma embarcação d'alto bordo $640
De dito de huma embarcação menor $320
Por huma licença de qualquer natureza $320
Por hum termo qualquer em livro, ou fóra delle, não sendo em processo $500
Por huma certidão $320
Tendo mais de huma pagina, por cada huma $160
Por huma averbação em livro $080

    Do que pertence ao processo, o mesmo que compete aos Escrivães do Judicial.

Palacio do Rio de Janeiro em 19 de Maio de 1846.

Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti d'Albuquerque


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1846


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1846, Página 5 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)