Legislação Informatizada - Decreto nº 2.856, de 7 de Dezembro de 1861 - Publicação Original
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Decreto nº 2.856, de 7 de Dezembro de 1861
Approva os novos estatutos da Companhia Mutua de Seguros de vida de Escravos, estabelecida na Cidade do Rio de Janeiro.
Attendendo ao que me representou o Conselho Director da Companhia - Mutua de Seguros de Vida de Escravos -, estabelecida na Cidade do Rio de Janeiro, e de conformidade com as minhas immediatas Resoluções de 18 de Agosto do anno passado e 3 de Julho ultimo tomadas sobre pareceres de consultas da Secção dos Negocios do lmperio do Conselho de Estado: Hei por bem approvar os novos estatutos da mesma companhia, que com este baixão, assignados por Manoel Felizardo de Souza e Mello, Conselheiro de Estado, e Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em sete de Dezembro de mil oitocentos e sessenta e um, quadragesimo da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
Manoel Felizardo de Souza e Mello.
Estatutos da Companhia Mutua de Seguros de vida dos escravos
TITULO I
DA COMPANHIA
Art. 1º A Companhia Mutua de Seguro de vida de escravos, he a reunião em associação de senhores de escravos, com o fim de se segurarem uns aos outros contra os prejuizos resultantes da mortalidade dos mesmos escravos em todo o lmperio do Brasil, sob as condições aceitas nestes Estatutos.
Art. 2º Os seguros da Companhia, por emquanto, se circunscrevem sómente ao Municipio Neutro e ao de Nictheroy.
Art. 3º A duração desta Companhia será do dez annos, contados do dia de sua installação, findos os quaes, a Assembléa geral resolverá o que melhor convier á Companhia; e, logo que hajão subscriptos tres mil contos de réis de riscos, se considerará a Companhia incorporada.
TITULO II
DA ADMINISTRAÇÃO
Art. 4º A administração da Companhia será confiada á um Conselho composto de nove pessoas, e dous Gerentes eleitos pela assembléa geral á pluralidade de votos.
Art. 5º Os nove membros do Conselho serão eleitos no fim de cada triennio á pluralidade de votos; e seus membros deverão ter seguro de cinco contos de réis para cima.
TITULO III
DO DIRECTOR
Art. 6º O exercicio do lugar de Director será de tres annos, podendo ser continuado por nova eleição.
Art. 7º Ao Director compete:
1º Presidir ao Conselho, e convoca-lo de accordo com os Gerentes, todas as vezes que o julgar conveniente;
2º Assignar com um dos Gerentes todos os contractos e mais papeis concernentes ao movimento da Companhia;
3º Rubricar as folhas do todos os seus livros, depois de numeradas, e assignar os termos de abertura e encerramento dos mesmos;
4º Endossar letras em nome da Companhia, para os fins que ordenar o Conselho;
5º Fazer o relatorio, por orgão de um dos Gerentes, nas sessões annuaes, do andamento da Companhia.
TITULO IV
DO CONSELHO
Art. 8º Eleitos os nove membros do Conselho, o mais votado será o Presidente, que ao mesmo tempo he o Director, servindo de Secretario o terceiro em votos; os immediatos serão supplentes do Director e do Secretario; depois do que o Conselho se julgará constituido, lavrando-se acta.
Art. 9 º Fica entendido, que os supplentes substituirão o Presidente e o Secretario nas suas faltas e impedimentos.
Art. 10. Ao Conselho incumbe:
1º Discutir as medidas propostas para o bom andamento dos negocios da Companhia.
2º Autorisar as despezas que não sejão previstas nestes Estatutos, assim como decidir nos casos, em que os mesmos Estatutos forem omissos.
3º Fiscalisar os interesses da Companhia, ficando as suas decisões sujeitas á approvação da assembléa geral.
4º Nomear e demittir os empregados da Companhia, e marcar-lhes vencimentos.
TITULO V
DOS GERENTES
Art. 11. Os Gerentes serão de nomeação da assembléa geral.
Art. 12. O seu exercicio será de seis annos, podendo ser-lhes continuado por nova eleição, salvo porém o caso de mal-versão ou faltas que compromettão os interesses da Companhia, em o qual a assembléa geral poderá demitti-los e nomear quem os substitua.
Art. 13. As suas attribuições são:
1º Dirigir o escriptorio da Companhia;
2º Aceitar letras em nome da Companhia, tendo em vista o que fica dito no § 2º do art. 10;
3º Representar a Companhia nos Tribunaes;
4º Encarregar-se das compras dos impressos, e em fim de tudo quanto disser respeito ao movimento da Companhia, dando de tudo parte ao Conselho em occasião opportuna.
TITULO VI
DA DIRECTORIA
Art. 14. A Directoria será composta do Director e dos dous Gerentes.
Art. 15. As suas attribuições são:
1º Propôr ao Conselho os empregados habilitados para o serviço da Companhia, bem como a demissão dos que não convenha que estejão ao serviço da mesma, podendo suspendê-los, até que o Conselho resolva;
2º Executar todas as deliberações tomadas pelo Conselho;
3º Confeccionar os regulamentos internos da Companhia, e fazer com que sejão fielmente executados, depois de approvados pelo Conselho.
TITULO VII
DOS MEDICOS
Art. 16. A Companhia terá dous Medicos peritos, e outros dous ajudantes com direitos ás vagas de peritos, e mais os Medicos adjuntos que a Directoria julgar conveniente para o serviço, não tendo estes ultimos vencimento algum, porém direito de accesso aos lugares de Medicos ajudantes, que vagarem.
Art. 17. As suas attribuições serão marcadas por um regulamento.
TITULO VIII
DOS VENCIMENTOS
Art. 18. O Director perceberá uma commissão de 2 por cento sobre o total dos premios de seguros effectuados em cada anno, não podendo exceder essa commissão a quatro contos de réis annuaes.
Art. 19. Os Gerentes perceberão o ordenado de quatro contos de réis cada um no primeiro anno, e dahi por diante mais uma commissão de um cincoenta avos por cento a cada um, sobre todos os valores segurados em cada anno.
TITULO IX
DOS SEGUROS
Art. 20. O valor dos escravos será estimado pelos Medicos da Companhia.
Art. 21. Os seguros dos escravos serão pagos segundo a tabella annexa a estes Estatutos, a qual poderá ser alterada pela administração da Companhia, quando as circumstancias o exigirem.
Art. 22. Os seguros nunca poderão ser feitos por prazo menor de um anuo, a contar do dia, em que se effectuar o contracto.
Art. 23. No caso de seguro de mais de tres escravos inclusive, o segurado pagará a metade da importancia dos premios e o sello á vista; e aceitará uma ou duas letras, pelo resto da quantia, de um a dous mezes de prazo.
Art. 24. A falta de pagamento dessas letras, no seu vencimento, exonerará a Companhia de toda e qualquer responsabilidade, ficando entendido que a Companhia, no caso de obrigar os aceitantes ao pagamento das letras vencidas, não fica exonerada da responsabilidade que contrahio.
Art. 25. As letras de que trata o art. 23 serão reputadas vencidas, logo que haja um sinistro, para serem encontradas no pagamento desse mesmo sinistro.
Art. 26. As reformas dos seguros deverão ser feitas nos tres ultimos dias do anno do contracto, para que os escravos segurados não sejão sujeitos á novo exame.
Art. 27. A Companhia se responsabilisa por qualquer genero de morte, menos a que resultar de sevicias ou suicidio, quando este fôr originado por acto forçado, castigo barbaro, ou tortura por parte do segurado.
Art. 28. No caso de se segurarem escravos á bordo de um navio, a Directoria, do accordo com o segurado, poderá modificar a responsabilidade incorrida pela Companhia, tendo em vista a duração das viagens, a perda total do navio, e todas as circumstancias, que poderão alterar a equitativa vantagem do seguro para todos os socios.
Art. 29. A morte do escravo seguro deve ser verificada pelos Medicos da Companhia, que certificaráõ por meio de um attestado a identidade da pessoa, se a morte teve lugar por sevicias ou propinação de veneno por parte do segurado, para o que o segurado he obrigado a dar parte á Companhia antes do corpo ser dado a sepultura.
Art. 30. Se o escravo seguro fallecer em lugar, em que não possa o artigo antecedente ter execução, o segurado mandará certificar por um Medico do lugar a causa da morte, sempre que fôr possivel, mencionando na certidão os signaes particulares do cadaver, á fim de julgar-se da identidade do individuo, se existião signaes de sevicias ao de propinação de veneno, e quaos as causas, devendo esta certidão ser testemunhada por tres homens honestos do lugar, cujas firmas serão reconhecidas pelo respectivo Tabellião.
Art. 31. Não se podendo dar cumprimento ao artigo antecedente, por falta de Medico no lugar, o segurado deverá proceder a corpo de delicto, á fim de verificar-se se a morte teve lugar por outra qualquer causa, que não por sevicias ou propinação de veneno por parte do segurado.
Art. 32. Os attestados mortuarios passados pelos Medicos da Companhia serão pagos a esta na razão de cinco mil réis cada um.
Art. 33. No caso de venda ou transmissão do escravo, a apolice do seguro será transferivel ao novo possuidor; e esta transferencia deverá ser feita no escriptorio da Companhia, sem o que não terá validade.
Art. 34. Quando o segurado quizer mandar para a Misericordia, Hospital ou Casa de Saude o seu escravo, por causa de molestia, deverá participar immediatamente á Companhia; o mesmo terá lugar quando, por mais de 15 dias, fôr para fóra dos limites, de que falla o art. 2º
TITULO X
DOS SOCIOS
Art. 35. Sendo esta Companhia mutua, todo o socio he segurado e segurador.
Art. 36. O pagamento do valor do escravo, que fallecer, será feito á primeira exigencia, depois da apresentação dos documentos seguintes: participação do segurado á Companhia, attestado do Medico que tratou do escravo, certidão de obito e a apolice.
Art. 37. Se por epidemia, ou outro qualquer motivo, o producto dos premios recolhidos ao banco, e o que houver no fundo de reserva, não chegar para o pagamento dos sinistros, ratear-se-ha entre os socios, proporcionalmente ao seu capital seguro, a quantia necessaria para desobrigar a Companhia; se porém, como he de presumir, ella fôr bem succedida, da totalidade dos premios recebidos deduzir-se-hão as despezas occorridas, e do saldo que ficar, depois de discriminada a receita pertencente aos seguros pendentes, se tirará a quota conveniente para o fundo de reserva, e o restante se dividirá pelos socios, na proporção dos premios recebidos de seus valores segurados, levando-se esse saldo em conta corrente, para que, nas reformas de seus seguros, elles entrem sómente com a quota que lhes tocar pela continuação destes mesmos seguros.
Art. 38. Fica entendido que o valor dos escravos seguros responde por qualquer eventualidade.
Art. 39. O socio, cujo seguro terminar com o fallecimento do escravo, perderá o direito ao dividendo do saldo.
Art. 40. Sendo esta Companhia de compromisssos mutuos, não he permittido á socio algum retirar-se della, antes de finalisar o tempo do contracto de seu seguro, exceptuando-se porém o caso do disposto no art. 33, porque então, havendo passado á outro os seus compromissos com a Companhia, seu contracto não fica alterado.
Art. 41. As quotas pela continuação dos seguros, de que trata o art. 37, e que terminão em Abril, deverão ser sacadas em recibos para cobrar-se dentro dos 15 dias decorridos, depois do balanço das operações da Companhia, cujo resultado será publicado pelos Jornaes da Côrte.
Art. 42. A falta do pagamento total desses recibos, dentro do periodo marcado no artigo antecedente, incorrerá na mesma pena consignada no art. 24 para as letras.
Art. 43. O socio, que não quizer renovar o seguro, deverá participa-lo á Companhia, antes de findo o tempo do seu contracto, para ter direito ao dividendo que lhe tocar relativamente á aquelle tempo.
TITULO XI
DA ASSEMBLÉA GERAL DOS SOCIOS
Art. 44. Haverá annualmente uma assembléa geral ordinaria dos socios, que será convocada por annuncios publicos e representada pelo numero duplo do numero do conselho pleno.
Art. 45. Cada socio não poderá ter mais do que um voto.
Art. 46. Serão tomados em consideração para a eleição do Conselho, os votos dos socios que não poderem comparecer á reunião da assembléa geral, uma vez que sejão exarados em cartas por elles firmadas, e reconhecidas as firmas por Tabellião.
Art. 47. Esta sessão occupar-se-ha em:
1º Ouvir ler o relatorio dos trabalhos da Companhia, e nomear uma commissão de tres membros para o exame das contas;
2º Resolver qualquer duvida sobre a intelligencia destes Estatutos.
3º Receber e apurar os votos para a eleição do Conselho, depois de approvar o parecer de exame de contas.
Art. 48. Poderá haver assembléa geral extraordinaria, quando o Conselho julgar conveniente, ou logo que 50 socios a requeirão ao Presidente Director.
Art. 49. Haverá um Presidente eleito annualmente pela assembléa geral para presidir aos trabalhos das suas sessões, e um Secretario igualmente eleito, cujos exercicios serão sómente de um anno.
Art. 50. Quando a assembléa geral dos socios julgar conveniente a reforma dos presentes Estatutos, deverá propo-la com tres mezes de antecedencia, e qualquer reforma que haja não poderá ter vigor sem a expressa approvação do Governo.
Art. 51. A eleição dos Gerentes será feita pela fórma determinada no art. 46 para a eleição do Conselho.
TITULO XII
DO FUNDO DE RESERVA
Art. 52. Haverá um fundo de reserva feito pela contribuição das quotas tiradas dos saldos a distribuir-se pelos socios, e dos dividendos que, por falta de cumprimento do art. 43, deixarem de ser pagos.
Art. 53. O fundo de reserva será destinado para occorrer á qualquer despeza que a Companhia tiver de fazer, depois de exhausto o que houver em caixa.
Art. 54. Nenhum segurado poderá, quando não faça mais parte da Companhia, ter direito ao fundo de reserva.
TITULO XIII
DAS DESPEZAS
Art. 55. Entender-se-ha por despezas da Companhia, os vencimentos de seus empregados, a importancia de commissões, gastos de escriptorio, de impressos, de conducções, de passagens, custas judiciaes, e quaesquer outras que se tenhão feito, ou se fação em serviço da Companhia.
Art. 56. A despeza feita com o fim de effectuar-se seguros, e verificações de escravos enfermos fóra da cidade, ou seus arrebaldes, em lugares mais longiquos, será á custa dos segurados.
TITULO XIV
DAS DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 57. No impedimento do Director, servirá o supplente na fórma do art. 9º, e este perceberá, durante o seu exercicio provisorio, a commissão competente marcada no art. 18.
Art. 58. No caso de impedimento dos Gerentes, que os prive de exercer suas funcções, a assembléa geral nomeará quem os substitua e arbitrará o seu vencimento.
Art. 59. Na falta da solidariedade que se requer nestes Estatutos entre os Gerentes e Director, haverá recurso para o Conselho, que elegerá d'entre si um Presidente, o qual em caso de empate terá dous votos.
Art. 60. Os actuaes membros da administração gozarão desde já das disposições dos arts. 5 e 12 destes Estatutos.
Art. 61. Os empregados da Companhia não poderão, ainda que eleitos, fazer parte do Conselho da mesma.
Art. 62. Os fundos da Companhia serão recolhidos á uma casa bancaria da Côrte, em conta corrente de juros.
Palacio do Rio de Janeiro em 7 de Dezembro de 1861.
Manoel Felizardo de Souza e Mello.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1861, Página 479 Vol. 1 pt II (Publicação Original)