Legislação Informatizada - Decreto nº 1.983, de 3 de Outubro de 1857 - Publicação Original
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Decreto nº 1.983, de 3 de Outubro de 1857
Concede a Thomaz Dixon Lowden privilegio por espaço de 50 annos, para a construcção de huma estrada de ferro entre a barra do rio Camoci e a Cidade da Granja, na Provincia do Ceará, e a Cidade do Ipú da mesma Provincia.
Attendendo ao que Me representou Thomaz Dixon Lowden âcerca da conveniencia de huma estrada de ferro na Provincia do Ceará, que partindo da barra do rio Camoci, e immediações da Cidade da Granja vá terminar na Cidade de Ipú, sendo levada á do Sobral, e Desejando promover, quanto for possivel, em beneficio d'agricultura e do commercio da mesma Provincia, os meios de mais facil communicação entre os pontos do seu territorio, que pelo desenvolvimento de sua industria agricola podem admittir desde já tão importante melhoramento: Hei por bem, na conformidade da Lei de 26 de Junho de 1852, Conceder á Companhia que o Supplicante formar, privilegio exclusivo por espaço de cincoenta annos para a construcção e uso da referida estrada, sob as condições que com este baixão assignadas pelo Marquez de Olinda, Conselheiro d'Estado, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Imperio, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em tres de Outubro de mil oitocentos cincoenta e sete, trigesimo sexto da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
Marquez de Olinda.
CONDIÇÕES Á QUE SE REFERE O DECRETO Nº 1.983 DESTA DATA
1ª Fica concedido á Companhia que o referido Thomaz Dixon Lowden formar, privilegio por espaço de cincoenta annos, contados da data da formação da mesma Companhia, para a construcção, e uso exclusivo de huma estrada de ferro que, partindo das aproximações da barra do rio Camoci, e immediações da Cidade da Granja, na Provincia do Ceará, vá terminar na Cidade de Ipú, sendo levada ás visinhanças da do Sobral.
2ª A formação da Companhia se realisará dentro de hum anno, contado da publicação deste contracto, sob pena de quatro contos de réis de multa paga pelo concessionario.
O Governo poderá prorogar este prazo por mais seis mezes; e se não se realisar dentro deste tempo, o concessionario pagará igual multa, e perderá o direito á concessão, sem indemnisação alguma por qualquer titulo que seja, ficando o Governo livre para contractar com quem entender.
3ª A Companhia se formará com capitaes estrangeiros, pelo menos nas duas terças partes do seu capital.
4ª A Companhia mandará fabricar wagons, e carros de quatro rodas, que possão ser puxados por animaes sobre cracas de ferro; isto he, fará construir huma estrada de ferro, cuja força motriz seja animal.
5ª Se, durante o tempo do privilegio, a Companhia empregar o vapor como força motriz das locomotivas, o prazo do privilegio será prolongado a noventa annos.
6ª Durante o tempo do privilegio, não se poderá conceder autorisações para empresas de outras estradas da mesma natureza, dentro da distancia de cinco legoas de hum e outro lado, e na mesma direcção desta; salvo mediante previo accordo com a Companhia.
O mesmo se entenderá no caso de ser admittido o vapor como motor.
Esta prohibição não se estende ás estradas de ferro com motor animal ou de vapor, cujas direcções sendo diversas, posto que o ponto da partida seja o mesmo, possão aproximar-se accidentalmente de algum ponto desta estrada, ou mesmo corta-Ia, com tanto que dentro da área privilegiada não recebão nem passageiros nem mercadorias.
7ª Os pontos intermedios da linha privilegiada ficão dependentes de accordo posterior entre o Governo e a Companhia, depois que esta houver procedido á todos os exames, e trabalhos preparatorios, e apresentado á definitiva approvação do mesmo Governo a respectiva planta.
8ª A Companhia poderá construir, de ferro, madeira, ou de qualquer outra conveniente substancia, as linhas transversaes, que julgar necessarias para facilitar o transporte de passageiros, e de generos para a linha principal; não se estendendo porêm a estas os favores concedidos pelo presente contracto á linha principal.
9ª A Companhia se obriga, sob pena de quatro contos de réis de multa: a principiar os trabalhos da construcção da estrada dentro de dous annos, que começarão a correr da data da formação da mesma Companhia; a leva-la até á Cidade do Sobral dentro de cinco annos contados do começo da obra; e á de Ipú no fim de mais tres depois dos referidos cinco annos.
No caso de imposição desta multa, o Governo concederá á Companhia huma prorogação razoavel daquelles prazos, finda a qual a Companhia pagará outra multa da mesma quantia, e ficará sugeita á rescisão deste contracto, se o Governo assim o resolver, sem que por isso tenha direito a qualquer indemnisação.
10ª Pela rescisão do presente contracto, a Companhia não perderá a propriedade da porção da estrada que estiver feita, mas sim o direito á continuação do privilegio, e dos favores concedidos pelo mesmo contracto, ficando responsavel pelo valor dos que já tiver recebido, hypothecada para este fim a porção da estrada feita.
11ª A Companhia poderá, na fórma das Leis em vigor, exercer o direito de desapropriar os terrenos de dominio particular, que forem necessarios tanto para o leito da estrada, como para as estações, fazendas, armazens e mais obras adjacentes, precedendo licença previa do Governo, depois de verificar a necessidade da desapropriação; sendo-lhe pelo mesmo Governo gratuitamente concedidos para o dito fim os terrenos devolutos, que houver.
Fica declarado que nesta concessão não são incluidos os predios e quaesquer proprios nacionaes; quando o Governo entender que se elles podem ceder, se procederá á conveniente indemnisação por parte da Companhia.
12ª Tambem ser-lhe-ha concedido o uso das madeiras, e outros materiaes existentes nos terrenos devolutos, de que a Companhia precisar para a construcção da estrada.
13ª Ficão isentos de direitos de importoção, dentro do prazo marcado para a conclusão das obras, os trilhos, machinas, e instrumentos destinados á construcção das mesmas obras; bem como, por espaço de mais seis mezes, os carros, locomotivas, animaes, e outros objectos necessarios, para que a estrada possa ser aberta ao serviço publico.
Esta isenção he tambem concedida ao carvão de pedra, durante o primeiro dos referidos prazos, e por espaço de mais cinco annos, contados da conclusão das obras. Logo que forem estabelecidas locomotivas por vapor, o prazo se estenderá a mais outros cinco annos, que começarão a correr do emprego do vapor.
14ª Os navios que transportarem os objectos especificados no Artigo antecedente, terão livre entrada no porto de Camoci. Fica-lhes porêm prohibida a importação de objectos de commercio, e bem assim o exercicio, naquelle porto, de qualquer acto mercantil, que não tiver por fim abastece-los das vitualhas necessarias para seu regresso para o porto de sua precedencia, ou para qualquer outro.
15ª Para a fiscalisação dos favores concedidos nos Artigos anteriores, deverá a Companhia, logo que tenha fretado embarcação para o transporte dos ditos objectos, ou logo que lhes haja dado este destino, sendo de sua propriedade, communica-lo ao Consul Brasileiro respectivo, por intermedio dos seus agentes, e ao Presidente da Provincia, por intermedio da sua Directoria.
16ª O dito Consul fiscalisará de modo que, á bordo dos navios empregados neste transporte, não sejão recebidos outros objectos alêm dos declarados na condição 13ª; e disto passará attestado com a conveniente individuação, remettendo, logo que puder, duas copias delle, hum ao Governo, outra ao Presidente da Provincia.
17ª O Inspector da Alfandega da Provincia do Ceará nomeará, com approvação do Presidente, hum empregado da dita Alfandega de sua inteira confiança para presidir á descarga dos navios; correndo por conta da Companhia a despeza que este empregado fizer na viagem de ida, e de volta daquelle porto, e estada nelle, segundo for estipulado pelo referido Presidente.
18ª A embarcação que não apresentar á este empregado, alêm do manifesto, o attestado do Consul, não poderá descarregar senão na Alfandega da Provincia, e a que trouxer effeitos prohibidos ficará alêm disto sujeita ás multas e penas impostas pelos regulamentos das Alfandegas do Imperio aos que importão objectos não comprehendidos no manifesto, ainda mesmo no caso de virem nelle declarados, por quanto serão considerados como se não viessem.
Além destas penas a Companhia perderá immediatamente o favor da condição 14ª.
19ª A Companhia se obriga a não possuir escravos, e a empregar no serviço da estrada unicamente pessoas livres, nacionaes, ou estrangeiras: aquelles poderão gosar da isenção do recrutamento, e da dispensa do serviço activo da Guarda Nacional, e estes participar de todas as vantagens, que por Lei forem concedidas aos colonos uteis e industriosos, entre as quaes não são comprehendidas quaesquer prestações pecuniarias que se dispensem aos colonos.
20ª Só terão direito de gosar da isenção do serviço activo da Guarda Nacional, e do recrutamento, os nacionaes empregados na Companhia, que forem incluidos em huma lista assignada pelo seu Director, que será semestralmente entregue ao Presidente da Provincia; não podendo, passado o primeiro semestre, ser nella contemplado o empregado, que não contar tres mezes de serviço effectivo.
Convencida a Companhia de qualquer abuso em tão importante clausula, com detrimento do serviço publico, poderá ser multada pelo Governo na quantia de quatro contos de réis; e na reincidencia, alêm da multa de igual quantia, perderá este favor, se o Governo assim o julgar conveniente.
21ª A estrada não impedirá o livre transito dos caminhos actuaes, e dos outros que, para commodidade publica, forem abertos; nem a Companhia terá o direito de exigir nenhuma taxa pela passagem de outras estradas de qualquer natureza nos pontos de intersecção.
22ª O Governo poderá fazer, em toda a extensão da estrada, as construcções e apparelhos necessarios para o estabelecimento de huma linha telegraphica electrica, responsabilisando-se a Companhia pela guarda, e conservação dos fios, postes, e apparelhos electricos a expensas suas, e prestando-se a transportar gratuitamente os Agentes da telegraphia, que viajarem por necessidade do seu emprego.
A Companhia terá em todo o tempo a preferencia para fazer semelhante construcção, se o Governo a não quizer executar por sua conta; sendo, em tal caso, gratuito o serviço prestado ao mesmo Governo, á ordem do qual terá a Companhia hum fio electrico disponivel.
Mas ou a construcção dos telegraphos se faça a expensas do Governo, ou da Companhia, a administração do fio pertencente ao primeiro correrá por conta delle, que nomeará quem a deva exercer.
23ª As malas do Correio, e seus conductores, bem como quaesquer sommas de dinheiro pertencentes aos Cofres publicos serão gratuitamente conduzidas pela Companhia.
Em cada viagem gosarão de igual vantagem dous passageiros por conta do Governo, e huma carga que não exceda de cinco arrobas. O que demais accrescer, a Companhia se obriga a transportar mediante o abatimento de vinte por cento do preço commum.
24ª Se o Governo mandar tropas para qualquer ponto, a Companhia se obriga a pôr immediatamente á sua disposição, por metade da tarifa estabelecida, todos os meios de transporte que possuir; e a empregar tambem nesta conducção os pertencentes ao Governo, que forem apropriados ao serviço da linha.
25ª Por igual preço fará a Companhia transportar os prezos, e os respectivos guardas, prestando o Governo os carros proprios, e com a necessaria segurança.
26ª A Companhia transportará tambem gratuitamente, em qualquer tempo, e para qualquer direcção as Irmãs de Caridade, em wangons de primeira classe.
Outrosim, durante os primeiros quinze annos, mediante aviso previo do Governo, transportará da mesma sorte, da costa para o interior, em wangons de terceira classe, dous mil colonos, que obtiverem concessões de terras distribuidas em porções convenientes, sendo quinhentos colonos no primeiro periodo de cinco annos, seiscentos no segundo, novecentos no terceiro periodo.
27ª Durante o privilegio, a Companhia perceberá os preços de transporte de passageiros, e mercadorias, segundo huma Tabella, que de accordo com o Governo será organisada sobre as seguintes bases:
1ª Para os generos de exportação, e de producção do paiz, o maximo do preço não excederá de vinte réis por arroba e por legoa de vinte ao gráo.
2ª Para os generos de importação, o maximo será de trinta réis pelo mesmo peso, e distancia.
Em ambos os casos os preços serão regulados na Tabella segundo as distancias de modo, que se não estabeleça hum só para toda a linha.
3ª O preço da conducção de objectos de grande volume, e de pequeno peso, como mobilias, caixas de chapéos, & c., poderá ser elevado ao duplo. Poderão ser sujeitos a huma Tabella especial os objectos de conducção perigosa, como polvora, & c., e os que, em razão de sua fragilidade, como pianos, louça, vidros, & c., ou por seu valor, como prata, ouro e joias, obrigão a Companhia á maior responsabilidade. Estes preços porêm deverão ser especificadamente declarados.
28ª Se o Governo entender de conveniencia publica effectuar o resgate desta concessão, pode-lo-ha fazer mediante previa indemnisação da Companhia, que será regulada da maneira seguinte:
1º O resgate não poderá ter lugar (salvo no caso de accordo com a Companhia) senão depois de vinte annos de duração do privilegio.
2º O preço do resgate será regulado pelo termo medio do rendimento liquido do ultimo triennio.
3º A Companhia receberá do Governo, em fundos publicos, huma somma que dê igual rendimento.
29ª O Governo prestará á Companhia por intermedio das Autoridades locaes, toda a protecção compativel com as Leis, a fim de que ella possa realisar a arrecadação das taxas estabelecidas; e por meio de Regulamentos, protegerá não só a segurança dos viandantes, como os conductores e empregados, que a Companhia tiver para fiscalisar, a observancia dos seus Regulamentos, permittindo-lhe ter guardas barreiras, que serão Cidadãos Brasileiros morigerados, pagos pela Companhia, e que poderão andar armados, sujeitos porêm á inspecção das Autoridades locaes.
30ª Nos Regulamentos do Governo, de conformidade com o disposto no § 14 do Art. 1º da Lei de 26 de Junho de 1852, serão tambem estabelecidas regras de policia, e de segurança em favor das proprias estradas, e do seu uso regular, para previnir qualquer perigo, que venha ou de estranhos, ou da mesma Companhia; e nelles imporá o Governo as convenientes multas, solicitando do Corpo Legislativo maiores penas, se por experiencia o reconhecer necessario.
31ª A Companhia não poderá emittir acções, ou promessas de acções negociaveis, sem que se tenha constituido em sociedade legal com estatutos approvados pelo Governo.
32ª A Companhia terá a faculdade de explorar minas de carvão, pedra calcarea, ferro, chumbo, cobre, e de quaesquer outros metaes, ainda preciosos, sem prejuizos de direitos adquiridos por outros; podendo exercer esta faculdade no seguimento da linha da estrada de ferro, e na mesma zona de cinco legoas para cada hum dos lados.
33ª No caso do Governo resolver que alguns dos seus Engenheiros se instruão na construcção das estradas de ferro, a Companhia os admittirá para que assistão a todos os trabalhos da empreza.
34ª A Companhia se corresponderá com o Presidente da Provincia, ou com o Governo; não o podendo fazer neste caso, senão por intermedio do mesmo Presidente.
Para isso he competente tão sómente a Directoria da Companhia estabelecida na Provincia; ou a dita Directoria se componha de hum, ou de muitos membros, segundo for regulado, devendo, no ultimo caso, faze-lo por intermedio do seu Presidente.
Exceptuão-se desta regra os casos imprevistos acontecidos em grande distancia da Capital, em que for necessario recorrer ás Autoridades locaes para dar qualquer providencia.
35ª Podendo, não obstante a clareza das estipulações deste contracto, dar-se desaccordo entre o Governo e a Companhia á respeito de suas disposições, ou no caso de desintelligencia ácerca de algum ponto não previsto no mesmo contracto, reconhecendo o Governo a vantagem de qualquer decisão, será esta dada por Juizes arbitros, dos quaes hum será da nomeação do Governo, outro da Companhia, e hum terceiro será nomeado por accordo de ambas as partes, e se não for possivel chegar a esse accordo, será o terceiro arbitro o Conselheiro d'Estado mais antigo, e em caso de igualdade de antiguidade, o mais velho.
36ª O presente contracto fica dependente, para seu complemento, de ajuste posterior e definitivo entre o Governo, e a Companhia, depois que esta apresentar os trabalhos, e esclarecimentos de que trata a condição 7ª, sendo então declaradas as clausulas, e condições que deverão regular o systema da construcção da estrada de ferro, dos carros, machinas, e locomotivas, segundo os melhoramentos que tiverem sido feitos á bem da segurança dos passageiros, e dos objectos de transporte, da economia do custeamento, da velocidade da marcha, e de todas as mais commodidades, e vantagens para o publico, devendo tal ajuste preceder ao começo da obra.
Rio de Janeiro em 3 de Outubro de 1857. - Marquez de Olinda.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1857, Página 309 Vol. 1 pt II (Publicação Original)