Legislação Informatizada - Decreto nº 1.774, de 2 de Julho de 1856 - Publicação Original

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Decreto nº 1.774, de 2 de Julho de 1856

Dá Regulamento para a Casa de detenção estabelecida provisoriamente na Casa de Correção da Côrte.

     Hei por bem, Usando da attribuição que Me confere o Art. 102, § 12 da Constituição, Decretar que na Casa de detenção estabelecida provisoriamente na Casa de Correcção da Côrte se observe o Regulamento que com este baixa, assignado por José Thomaz Nabuco de Araujo, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em dous de Julho de mil oitocentos cincoenta e seis, trigesimo quinto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

José Thomaz Nabuco de Araujo.

 

REGULAMENTO PARA A CASA DE DETENÇÃO ESTABELECIDA
PROVISORIAMENTE NA CASA DE CORRECÇÃO DA CÔRTE

SECÇÃO I
Da prisão e suas divisões

     Art. 1º Em quanto não for construido o edificio destinado para a Casa de detenção, servirá para esse fim a parte do primeiro raio de Casa da Correcção que se acha desoccupada, constando das mansardas e pavimento terreo.

     Art. 2º As mulheres, escravos e menores serão recolhidos em prisões separadas, guardadas as convenientes divisões.

     Art. 3º Os presos da Casa de detenção serão assim classificados:

     § 1º Os que tiverem sido presos por infracção de Posturas municipaes, Regulamentos policiaes, infracção de contracto, dividas civis ou commerciaes, ou que sendo subditos estrangeiros tiverem sido detentos á requisição dos respectivos Consules.

     § 2º Os presos indiciados de qualquer crime.

     § 3º Os pronunciados por crimes afiançaveis.

     § 4º Os pronunciados por crimes inafiançaveis, com excepção dos do paragrapho seguinte.

     § 5º Os pronunciados por crimes em que possa ter lugar a pena de morte, galés perpetuas, prisão com trabalho por mais de dez annos.

     § 6º Os condemnados a qualquer pena, cujos processos pendem de recurso que suspende a execução da sentença.

     § 7º Os que por infracção deste Regulamento, rixosos ou por máos costumes, forem pelo Chefe de Policia mandados conservar em separado, guardadas quanto for possivel as divisões anteriores.

     § 8º Os que padecerem de molestias contagiosas, ou repugnantes, cuja companhia seja nociva aos outros.

     Art. 4º Os presos, que se acharem nas condições das §§ 1º até ao 4º do Artigo anterior, serão aposentados nas mansardas, e os outros no pavimento terreo. Além destas divisões haverão as que forem convenientes, tendo-se em vista a posição social, costumes e circumstancias individuaes.

     Art. 5º Nas mansardas serão designadas salas para o expediente da prisão, para entrevista dos presos com seus advogados, parentes, ou pessoas associadas em seus negocios, para os presos que estiverem imcommunicaveis, e tambem para os interrogatorios a que tem de responder perante o Juiz, podendo esta ultima ser em baixo, se houver para isso a necessaria accommodação.

SECÇÃO II
Da direcção da Casa de detenção e seus empregados

     Art. 6º A direcção da Casa de detenção provisoria fica encarregada ao Director da mesma Casa de Correcção, a quem competirão as attribuições e vantagens concedidas pelo Regulamento nº 120 de 31 de Janeiro de 1842; elle poderá ter hum Ajudante e hum Escrevente, que serão os mesmos que servião na prisão do Aljube, ou outros quaesquer que forem de sua confiança, por elle propostos e nomeados pelo Chefe de Policia.

     Art. 7º Os Empregados designados na 2ª parte do Artigo antecedente servirão sob as ordens do Director da Casa de Correcção

SECÇÃO III
Dos livros e sua escripturação

     Art. 8º Haverá na Casa de detenção os seguintes livros:

     § 1º De entradas e sahidas, sendo hum dos homens e outro das mulheres, e outro dos escravos, nos quaes se escreverão o nome, sobrenome, e signaes caracteristicos do preso, sua filiação, naturalidade, idade, estado, profissão, dia e lugar em que foi preso, e o de sua entrada na prisão, culpa, nome das testemunhas que presenciarão o facto (á vista da nota constitucional), Juiz que decretou a prisão, e por quem conduzido, e em seguida a declaração de ser ou não sustentado á custa do Estado. Nesse mesmo livro na margem fronteira se escreverão o dia da sentença de pronuncia ou não pronuncia, de condemnação ou de absolvição, a natureza da pena em que foi condemnado, o Alvará de soltura, ou qualquer mudança na situação do preso, como os signaes que adquirio na prisão, sua entrada para a enfermaria, e regresso da mesma, obito, as penas correccionaes que soffreo, e quaesquer outras observações ácerca do seu comportamento.

     § 2º De obitos, no qual se fará assento do dia em que morreo o preso, com as declarações exigidas no Art. 31.

     § 3º De inventario, no qual se fará menção dos objectos pertencentes aos presos, que por virtude deste Regulamento serão no acto da entrada arrecadados para lhes ser entregues na occasião da sahida.

     § 4º De conta corrente dos presos pobres sustentados á custa do Estado, no qual serão lançados todos os objectos fornecidos aos mesmos para vestuario e outras necessidades, e o valor do salario com que (os que trabalharem) entrarem para amortizar essas despezas, ou para formar seu peculio particular.

     § 5º De hum indice alphabetico em que estejão lançados os nomes de todos os presos com referencia aos livros acima designados, a fim de facilitar o uso dos mesmos livros.

SECÇÃO IV
Da entrada dos presos na Casa de detenção, sua classificação, trabalho e regimen

     Art. 9º Nenhum preso será recolhido na Casa de detenção sem ser acompanhado de huma ordem escripta da Autoridade que o prendeo, na qual declare o nome do preso, motivo da prisão, lugar e hora em que esta teve lugar; serão sómente recebidos sem ordem escripta os que tiverem sido presos em flagrante por qualquer patrulha rondante ou pessoa do povo; mas neste caso o condutor he obrigado a fazer as mesmas declarações, provando ou demonstrando a impossibilidade que teve de levar o preso á presença da Autoridade competente, na fórma prescripta pelo Art. 131 do Codigo do Processo Criminal.

     Art. 10. A' vista do crime em que he indiciado, e da condição do preso, será elle classificado para ir tomar o aposento que lhe competir, sendo nesse acto despojado de todos os objectos de valor que comsigo trouxer, os quaes, depois de arrolados em sua presença, ficarão arrecadados e sob a guarda do Ajudante, para lhe serem restituidos na occasião da sahida, ou entregues á pessoa que elle designar.

     Art. 11. Os presos que não forem sustentados á custa do Estado, receberão de fóra as suas comidas, que serão examinadas pelo Director, ou por outro empregado de sua escolha, e só poderão ter entrada de manhã das nove ás nove e meia, e de tarde das duas e meia ás tres, em cujas horas receberão tambem a roupa de uso e de cama, sendo obrigados a mudarem aquella duas vezes, e esta huma por semana.

     Art. 12. O preso que por pobre houver de ser sustentado á custa do Estado, receberá logo á sua entrada a vestimenta da casa, deixando na arrecadação a roupa com que entrou, para lhe ser entregue no acto da sahida, sendo-lhe positivamente prohibido receber de fóra qualquer objecto de comida ou vestuario. A tabella nº 1 marca o numero de peças de roupa de uso e de cama, e o termo de sua duração.

     Art. 13. A tabella nº 2 junta a este Regulamento marca a ração de cada preso pobre: aquelles, porêm, que quizerem trabalhar receberão a ração marcada na tabella nº 3, igual á dos condemnados da Penitenciaria, sendo a despeza deste augmento deduzida do producto do seu trabalho.

     Art. 14. Os estrangeiros reclusos á requisição de seus respectivos Consules receberão (salva a disposição do Art. 11) a ração marcada na tabella nº 3, e os escravos a da tabella nº 4, que he a mesma do calabouço da Casa de Correcção.

     Art. 15. Os presos pobres que quizerem trabalhar serão admittidos nas officinas de trabalho do Estabelecimento, ou em lugar separado, se for mais conveniente, vencendo o jornal que será marcado pelo Director. Do producto desse jornal, deduzida a despeza do augmento de sua ração na fórma prescripta na segunda parte do Artigo antecedente, o resto lhe pertencerá, e será entregue no acto de sahir da prisão.

     Art. 16. A nenhum preso será permittido ter escravo ou criado de portas a dentro da prisão, e mesmo dentro do Estabelecimento só será admissivel com permissão do Chefe de Policia, ou do Director da Casa de Correcção.

     Art. 17. Os presos poderão ter entrevista com membros de sua familia, ou pessoas de amizade, duas vezes por semana das oito ás nove horas da manhã; essa entrevista será na presença do Director, ou de qualquer outro empregado por elle designado; mas a presença destes funccionarios não embaraçará que elles fallem em segredo sobre seus negocios, excepto havendo recommendação de estarem incommunicaveis.

     Art. 18. Poderão igualmente os presos receber tres vezes por semana, e a qualquer hora do dia, seus Advogados e Procuradores, com as cautelas previstas no Artigo antecedente, e extraordinariamente com licença do Director.

     Art. 19. Os presos de cada classe conversarão entre si até horas de silencio, sem nunca perturbarem o socego das outras prisões, nem a ordem que deve ser mantida no Estabelecimento. Dado o signal de silencio cada hum se recolherá á sua cama.

     Art. 20. São expressamente prohibidos na Casa de detenção os jogos de cartas, dados ou outros semelhantes; e apenas tolerado o xadrez e o das damas; e esses mesmos serão prohibidos se ao Director constar que delles abusão os presos.

     Art. 21. He prohibibo na Casa de detenção a entrada de objectos que igualmente o são na Penitenciaria.

     Art. 22. Aos presos que se sustentarem á sua custa, poderá o Director permittir huma ração de vinho que não exceda de meia garrafa, cassando a permissão quando della haja abuso.

     Art. 23. O fornecimento dos presos, tanto de alimento e vestuarios, como de medicamentos e dieta no caso de enfermidade, será feita pela mesma fórma e sob os mesmos contractos porque he feito aos condemnados da Penitenciaria. Mas as contas destas despezas serão, como até agora, tiradas mensalmente e remettidas até o dia 5 de mez subsequente á Secretaria da Policia para, por intermedio do Ministerio da Justiça, serem pagas pelo Thesouro ao respectivo fornecedor.

     Art. 24. Adoecendo o preso será, ainda que o não requeira, remettido para a enfermaria, que por em quanto he a da Penitenciaria. Essa remessa será feita com guia contendo o nome do preso, e a declaração de ser ou não sustentado á custa do Estado.

     Art. 25. Se o preso mandado para a enfermaria for pessoa abastada, isto he, que se sustente á sua custa, ou se for escravo, as despezas de medicamentos e dieta correrão por conta propria, ou de seus senhores; ellas serão averbadas no livro de entradas e sahidas, em frente ao assento do preso, para serem pagas na occasião da soltura, sem o que não terão cumprimento os respectivos Alvarás.

     Art. 26. As sommas recebidas pelo Director na conformidade do Artigo antecedente serão por elle recolhidas ao Thesouro, que lhe passará titulo de descarga, dando disto o mesmo Director parte ao Chefe de Policia.

     Art. 27. Se no acto da apresentação do Alvará de soltura o preso abastado, ou escravo, se achar na enfermaria, o Director apresentará a conta da despeza já averbada para ser paga, se aquelle ou o dono não preferirem, e o Medico não exigir que o doente continue até completo restabelecimento na enfermaria, do que se fará menção no dorso do mandado.

     Art. 28. As contas de despeza de fornecimento serão assignadas pelo Director da Casa de detenção, e as da enfermaria rubricadas pelo Medico da casa.

     Art. 29. O Medico da Casa de detenção, que continuará a ser o mesmo do Aljube, visitará a enfermaria, pelo menos huma vez por dia, e a prisão nunca menos de tres por semana. Suas ordens, pelo que respeita ao tratamento, serão exactamente cumpridas.

     Art. 30. O mesmo Medico deverá assistir, pelo menos huma vez por semana, á distribuição da comida para observar se os generos são de boa ou má qualidade, participando ao Director e ao Chefe de Policia as faltas que encontrar.

     Art. 31. Morrendo algum preso na enfermaria, ou na prisão, immediatamente o Director da Casa participará ao Chefe de Policia, e este mandará que o Delegado ou Sub-delegado de Policia alli compareça com seu Escrivão para fazer e lançar no livro de obitos o competente auto, no qual se declararão o nome do morto, o dia e hora do seu fallecimento, causa presumivel da morte, Medico que o tratou, &c., cujo auto será assignado pela mesma Autoridade Policial, pelo Director da Casa, pelo Medico e pelo guarda da prisão a que pertenceo o finado.

     Art. 32. A nota constitucional, os Alvarás de soltura e quasquer outras ordens ou sentenças relativamente aos presos, serão previamente apresentadas ao Director da Casa, a fim de que, tendo dellas conhecimento, possa fazer as competentes notas no livro das entradas.

     Art. 33. Os presos recolhidos durante a noite serão recebidos em lugar separado, para serem classificados no dia seguinte, á vista da parte da Autoridade que os prendeo.

SECÇÃO V
Da hygiene

     Art. 34. As mesmas medidas de hygiene e asseio estabelecida para os condemnados da Penitenciaria serão applicadas aos presos da Casa de detenção; elles tomarão banho e terão a barba rapada pelo menos huma vez por semana, e o cabello cortado mensalmente.

SECÇÃO VI
Disposições geraes

     Art. 35. Os presos que infringirem o presente Regulamento, ou não se comportarem na prisão com a decencia moderação necessaria, ficarão sujeitos ás penas correccionaes que lhes serão impostas pelo Director. Essas penas são:

     § 1º Advertencia em separado.

     § 2º Reprehensão em publico.

     § 3º Mudança de prisão (Art. 3º, § 12).

     § 4º Prisão solitaria.

     § 5º Idem e jejum, sendo este por tempo que não prejudique á saude, conforme o juizo dos Medicos.

     Art. 36. Ficão inteiramente abolidos os castigos corporaes para os presos que não forem escravos, bem como o uso de golilha, grilhões, &c.

     Art. 37. A guarda da prisão será feita externamente por uma guarda militar, e internamente por seis guardas semelhantes aos que já existem na Penitenciaria, para esse fim nomeados pelo Director, mediante as vantagens que aquelles percebem.

     Art. 38. No principio de cada mez dará o Director ao Chefe de Policia huma relação nominal dos presos existentes na Casa de detenção, com declaração dos que se achão sentenciados ou não, dia da prisão, Juiz que a decretou, e estado do processo se souber.

     Art. 39. Alêm da relação nominal, continuará a dar á mesma Autoridade parte diaria das entradas e sahidas do dia antecedente, com declaração da Autoridade que decretou a prisão ou soltura.

     Art. 40. O Director providenciará sobre o sustento dos presos que, não sendo pobres, quizerem ser fornecidos pelo Estabelecimento, pagando elles as despezas respectivas.

     Art. 41. Vendo o Director que hum preso da Casa de detenção se conserva por oito dias sem que se tenha dado começo ao seu processo, fará aviso desta circumstancia ao Chefe de Policia, declarando o Juiz que decretou a prisão, ou aquelle a cuja disposição se acha o preso.

     Art. 42. Serão applicaveis ao regimem economico e disciplinar da Casa de detenção as mesmas regras e disposições estabelecidas no Regulamento da Penitenciaria, que sobre representação do Director e parecer do Chefe de Policia forem applicadas pelo Governo, não sendo incompativeis com a condição do preso meramente detento.

     Art. 43. O Director da Casa de detenção examinará na pratica se o presente Regulamento merece ser alterado em alguma de suas disposições, e disso informará ao Chefe de Policia, fazendo por essa occasião as observações que julgar convenientes.

Palacio do Rio de Janeiro em 2 de Julho de 1856. - José Thomaz Nabuco de Araujo.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1856


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1856, Página 294 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)