Legislação Informatizada - Decreto nº 1.077, de 4 de Dezembro de 1852 - Publicação Original
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Decreto nº 1.077, de 4 de Dezembro de 1852
Approva e manda executar os Estatutos do Hospicio de Pedro Segundo.
Tendo consideração ao que Me representou o Conselheiro d'Estado José Clemente Pereira, Provedor da Santa Casa da Misericordia desta Cidade, sobre a necessidade de regular o serviço e administração do Hospicio de Pedro Segundo: Hei por bem Approvar e Mando que se executem no mesmo Hospicio os Estatutos propostos pelo dito Conselheiro d'Estado, que com este baixão, assignados por Francisco Gonçalves Martins, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Imperio, que assim o tenha entendido, e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em quatro de Dezembro de mil oitocentos cincoenta e dous, trigesimo primeiro da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
Francisco Gonçalves Martins.
ESTATUTOS DO HOSPICIO DE PEDRO SEGUNDO, MANDADOS EXECUTAR PELO DECRETO Nº 1.077 DE 4 DE DEZEMBRO DE 1852
CAPITULO I
Origem e fim da instituição do Hospicio de Pedro Segundo
Art. 1º O Hospicio de Pedro Segundo,
fundado por Decreto de 18 de Julho de 1841, debaixo da Augusta Protecção de Sua
Magestade o Imperador, he destinado privativamente para asylo, tratamento e
curativo dos alienados de ambos os sexos de todo o Imperio, sem distincção de
condição, naturalidade e religião.
Art.
2º O mesmo Hospicio, em virtude do Decreto da sua fundação, e do termo da
sua incorporação na Santa Casa da Misericordia da Cidade do Rio de Janeiro, he
igual em direitos, prerogativas e isenções aos outros pios Estabelecimentos da
mesma Santa Casa.
CAPITULO II
Da Administração do Estabelecimento
Art. 3º A Administração do Hospicio de
Pedro Segundo, he confiada a tres Irmãos da Santa Casa da Misericordia, servindo
hum de Escrivão, outro de Thesoureiro, e outro de Procurador, nomeados
annualmente pela Mesa da mesma Irmandade, e a ella subordinados, debaixo da
superintendencia, que pelo Compromisso compete ao Provedor. As attribuições e
deveres dos sobreditos Administradores serão regulados no Regimento interno do
referido Hospicio.
Art. 4º O serviço
do Hospicio de Pedro Segundo divide-se em economico, sanitario e religioso.
O primeiro será commettido a hum Administrador, ajudado por empregados subalternos.
O segundo estará a cargo de Facultativos clinicos de Cirurgia e Medicina, servindo hum de Director, auxiliados por Irmãs da Charidade, enfermeiros, enfermeiras e serventes, e hum Pharmaceutico chefe da Botica.
O terceiro finalmente será desempenhado por Capellães. No Regimento interno do mesmo Hospicio se regulará o numero dos referidos empregados, suas incumbencias e vencimentos.
CAPITULO III
Da admissão e sahida dos alienados
Art. 5º Serão admittidos gratuitamente no Hospicio de Pedro Segundo:
1º As pessoas indigentes:
2º Os escravos de senhores que não possuirem mais de hum, sem meios de pagar a despeza do seu tratamento e curativo:
3º Os marinheiros de navios mercantes, apresentando, no
acto da entrada, escripto, reconhecido por Tabellião, do proprietario,
consignatario, capitão ou mestre da embarcação a que pertencerem, ou do Consul
respectivo.
Art. 6º Os alienados, que
tiverem meios de pagar as despezas do seu tratamento e curativo, serão
admittidos como pensionistas.
Art.
7º Ninguem será admittido como Pensionista sem que as respectivas familias,
Tutores, Curadores, ou senhores, sendo escravos, tenhão apresentado ao
Administrador do Hoscio escripto assignado por pessoa notoriamente abonada, que
afiance o pagamento mensal das quotas diarias, correspondentes á classe em que o
doente houver de ser collocado, a saber.
1ª | Classe: quarto separado, com tratamento especial | 2$000 |
2ª | Classe: quarto para dous alienados, com tratamento especial | 1$600 |
3ª | Classe: Enfermarias geraes: | |
Pessoa livre | 1$000 | |
Escravos | $800 |
Em todas as classes as
despezas do vestuario dos alienados será por conta destes, pelo preço que se
ajustar, segundo o estado da alienação mental, se as pessoas obrigadas pelo
tratamento não preferirem fornecer o mesmo vestuario em
especie.
Art. 8º Os alienados
militares, tanto do Exercito como da Armada, remettidos pelas Autoridades
competentes, serão tratados como pensionistas; regulando-se a classe pelo
pagamento, e este pelos vencimentos que lhes competirem quando enfermos, com
tanto que não excedão á quota da 1ª classe.
Art. 9º Os Irmãos da Santa Casa da
Misericordia, que forem admittidos no Hospicio, sem meios de pagar as despezas
do tratamento e curativo, serão tratados gratuitamente como pensionistas;
regulando-se a classe segundo os serviços que tiverem prestado á mesma Santa
Casa, e a sua posição social.
Art.
10. Ninguem será inscripto nos livros do assentamento ou matricula dos
alienados do Hospicio de Pedro Segundo, senão em virtude de despacho do Provedor
da Santa Casa; e este só poderá ordenar a matricula:
1º A' vista de requisição official do Juiz dos Orphãos, ou do Chefe ou Delegado de Policia do districto da residencia do alienado, ou do lugar onde for encontrado; e sendo Militar, Ecclesiastico ou Religioso, do seu Superior competente:
2º Sobre petição do pae, tutor, ou curador, irmão,
marido ou mulher, ou senhor do alienado, por elles assignada, com reconhecimento
da assignatura por Tabellião Publico.
Art.
11. Em qualquer dos referidos casos, cumpre que tanto os Officios de
requisição, como as petições declarem o nome, naturalidade, residencia, idade,
condição civil, e estado do alienado; e que as segundas, sejão alêm disso,
instruidas com certidão authentica da sentença do Juiz dos Orphãos que houver
julgado a demencia, ou pelo menos de attestado de Facultativo clinico, que
certifique a alienação mental; devendo todos os documentos ser reconhecidos por
Tabellião, e competentemente sellados.
Art. 12. Quando os alienados não
vierem acompanhados de certidão authentica do julgamento da demencia, serão
postos em observação por tantos dias, quantos forem bastantes para se formar
juizo seguro do seu estado mental, com tanto que não excedão a quinze; sendo
obrigados os Facultativos clinicos do Estabelecimento a interpor hum parecer
motivado, fundado nas suas observações, dentro do referido prazo, de que se
lavrará assento em livro para este fim privativamente designado: e segundo for o
resultado do parecer, o Provedor ordenará a matricula ou a sahida.
Art. 13. Em caso urgente,
requisitando-se por petição de partes a admissão de algum alienado que não venha
acompanhado de nenhum dos documentos requeridos no Art. 11, poderá o Provedor
autorisar a admissão em deposito, procedendo-se, antes da matricula aos termos
prescriptos no Artigo antecedente.
Art.
14. Sempre que algum alienado, que houver entrado sem vir acompanhado de
instrumento de julgamento da sua demencia, se demorar no Hospicio por mais de
hum mez, o Administrador do mesmo Hospicio he obrigado a communicar a sua
admissão ao Juiz dos Orphãos desta Cidade, a fim de que proceda conforme for de
direito.
Art. 15. Para evitar os
abusos que possão commetter-se na detenção indevida dos alienados, e obstar a
que se attente contra a liberdade e segurança pessoal dos individuos, dando-os
como alienados, sem o estarem, são incumbidos os Membros da Administração do
Hospicio, e particularmente o Provedor de visitar frequentemente os dormitorios
e aposentos dos alienados, fazendo as convenientes investigações para conhecerem
por si mesmos a verdadeira posição e estado mental de cada alienado.
Art. 16. Os alienados não poderão ser
despedidos do Hospicio antes de obterem hum curativo completo, excepto sendo
pensionistas; os quaes poderão obter alta, qualquer que seja o seu estado
mental, se assim o requererem as pessoas, que requerêrão a sua admissão,
satisfeitas as despezas vencidas.
Art.
17. Antes de se dar sahida aos alienados curados, e mesmo aos que por
qualquer motivo tenhão de sahir, antes do seu completo restabelecimento, o
Administrador do Hospicio dará promptamente parte á Autoridade ou pessoa que
houver requerido a sua admissão, e ao Juiz dos Orphãos nos casos em que houver
sentença de julgamento da demencia, ou o alienado for orphão.
CAPITULO IV
Do serviço sanitario
Art. 18. Os alienados recebidos no
Hospicio serão distribuidos em duas divisões; huma comprehenderá todos os
individuos do sexo masculino, e a outra todos os do sexo feminino.
Art. 19. Os alienados indigentes, e
os pensionistas da ultima classe serão distribuidos nas subdivisões seguintes:
1ª de tranquillos limpos: 2ª de agitados: 3ª de immundos: 4ª de affectados de
molestias accidentaes.
Os pensionistas das primeiras duas
classes serão distribuidos em duas subdivisões: 1ª de tranquillos: 2ª de
agitados.
Art. 20. A classificação
estabelecida no Artigo antecedente poderá ser alterada com maior numero de
subdivisõse por accordo dos Facultativos clinicos do Hospicio, autorisado pelo
Provedor, sempre que se entender que a alteração póde ser util ao serviço e
tratamento dos doentes.
Art. 21. Em
cada divisão sexual haverá hum Facultativo clinico encarregado do tratamento e
curativo dos respectivos alienados.
Os referidos Facultativos
substituem-se mutuamente nas suas faltas e impedimentos.
Art. 22. Compete aos Facultativos
clinicos, cada hum nas Enfermarias, que pelo Provedor lhes forem designadas.
1º A direcção e prescripção de todo o tratamento e curativo dos alienados existentes nas Enfermarias a seu cargo:
2º Regular a instrucção, occupação, trabalho, e recreio dos alienados, a horas fixas e regulares:
3º Determinar a applicação dos meios coercivos e repressivos, autorisados pelos presentes Estatutos (Art 32), quando forem indispensaveis, ou convenientes para obrigar os alienados á obediencia, e conceder os premios, que se estabelecerem no Regimento interno do Hospicio, aos que os merecerem:
4º Conceder licença para que os alienados sejão visitados pelos seus parentes e amigos:
5º Dar alta aos alienados, declarando o estado mental em que sahem, e especificar as causas certas, ou provaveis da morte dos que fallecerem:
6º Indicar por escripto ás pessoas a quem forem entregues os alienados, que sahirem curados, os preceitos e cautelas que devem observar para prevenir as recahidas:
7º Informar a familia de qualquer alienado do estado deste, todas as vezes que assim lhe for requerido:
8º Dar parte de tres em mezes ao Provedor do estado e natureza dos padecimentos dos alienados retidos no Hospicio por ordem da Autoridade Publica:
9º Organisar annualmente a estatistica dos alienados, que lhes forem confiados, designando-os nominalmente, e o Relatorio dos methodos therapeuticos por elles empregados no tratamento de cada hum dos doentes, acompanhado das circumstancias das molestias, do resultado das suas observações, e das mais considerações que julgarem convenientes, a fim de ser tudo incorporado no Relatorio geral.
CAPITULO V
Regimen alimentar e disciplinar
Art. 23. A alimentação dos alienados
será prescripta diariamente pelos respectivos Facultativos clinicos, que são
obrigados a regular-se pelas Tabellas das dietas, juntas á estes Estatutos.
Art. 24. Os dormitorios e aposentos
dos alienados, e particularmente os dos agitados e immundos, serão
convenientemente preparados para devida limpeza, segurança e mais necessidades
do seu tratamento.
Os aposentos destinados para os
pensionistas da 1ª e 2ª classe, alêm das referidas condições, serão dispostos,
mobilhados e servidos em relação á sua condição, e com attenção á prestação por
elles paga ao Estabelecimento.
Art.
25. A casa de banhos será disposta e preparada de modo que nella se possão
administrar aos enfermos banhos hygienicos e medicinaes de toda a especie.
Art. 26. Os alienados serão vigiados
assiduamente, por fórma que estejão sempre limpos e asseiados, e se evitem os
perigos de altercação e disturbios.
Art.
27. Fóra das horas do descanso, que serão marcadas no Regimento interno, os
alienados, cujas circunstancias o permittirem, serão entretidos em occupações de
instrucção e recreio, e em trabalhos manuaes nas officinas, e no serviço
domestico do Estabelecimento, seus jardins e chacara, na conformidade das
prescripções dos repectivos Facultativos, e com as devidas precauções; tendo-se
em vista na escolha e designação dos trabalhos, e na maneira de os dirigir, a
cura dos alienados, e não o lucro do Estabelecimento.
Art. 28. Haverá dentro do
Estabelecimento as officinas que se julgarem convenientes, debaixo da inspecção
e direcção das Irmãs da Charidade, para serem nellas empregados os alienados que
tiverem officios, e aquelles que para os aprender mostrarem disposição: sendo
licito á Administração do Hospicio contractar, com qualquer pessoa estranha ao
Estabelecimento, a factura de obras para que os alienados possão achar-se
habilitados.
Art. 29. Os generos e
materias primas das obras contractadas serão recebidas pelo Administrador do
Hospicio, e por elle entregues, depois da obra feita, aos respectivos
fornecedores.
Art. 30. Metade do
producto do trabalho dos alienados será entregue ao Thesoureiro do Hospicio para
ser applicado ás despezas do Estabelecimento; e a outra metade deverá entrar em
hum cofre de duas chaves, das quaes terá huma o Administrador, e outra a Irmã
Superiora das Irmãs da Charidade, para ser entregue aos alienados officiaes a
parte que a cada hum corresponder, quando sahirem curados.
Art. 31. Poderão conceder-se aos
alienados os premios, que no Regimento interno forem julgados convenientes.
Art. 32. Os unicos meios de repressão
permittidos para obrigar os alienados á obediencia são:
1º A privação de visitas, passeios e quaesquer outros recreios:
2º A diminuição de alimentos, dentro dos limites prescriptos pelo respectivo Facultativo:
3º A reclusão solitaria, com a cama e os alimentos que o respectivo Clinico prescrever, não excedendo a dous dias, cada vez que for applicada:
4º O colete de força, com reclusão ou sem ella:
5º Os banhos de emborcação, que só poderão ser
empregados pela primeira vez na presença do respectivo Clinico, e nas
subsequentes na da pessoa e pelo tempo que elle designar.
Art. 33. Os referidos meios de
repressão só podem ser determinados pelo Facultativo a cujo cargo estiver o
alienado.
Todavia, em caso urgente, poderá o
primeiro Enfermeiro empregar, debaixo de sua responsabilidade pessoal, a
privação de visitas, passeios e quaesquer outros meios de recreio, a reclusão
solitaria, e o colete de força, com reclusão ou sem ella, dando conta ao
Facultativo respectivo, na sua primeira visita ao Hospicio, da qualidade dos
meios empregados, e dos motivos que tornarão indispensavel a sua applicação.
Art. 34. He prohibido a qualquer
pessoa estranha ao Hospicio visitar ou fallar aos alienados, sem licença do
respectivo Clinico, debaixo da responsabilidade dos Enfermeiros, a quem estiver
confiada a guarda dos mesmos alienados.
Art. 35. Nenhum papel manuscripto ou
impresso, com destino para algum alienado, poderá ser recebido no Hospicio sem
previa licença do Clinico respectivo.
CAPITULO VI
Disposição transitoria
Art. 36. O Provedor da Santa Casa da Misericordia fica autorisado para dar as Instrucções necessarias para a boa execução dos presentes Estatutos, organisando hum Regimento interno provisorio do Hospicio de Pedro Segundo, que será levado ao conhecimento do Governo Imperial depois de tres annos de pratica, com as alterações que a experiencia mostrar necessarias.
Palacio do Rio de Janeiro em 4 de Dezembro de 1852.
Francisco Gonçalves Martins.
TABELLA Nº 1
DIETAS PARA PENSIONISTAS DA 1ª E 2ª CLASSES
Almoço
Pão branco: chá ou café, com leite, ou sem elle: assucar e manteiga.
Jantar
Pão: sopa de pão, cevadinha, ou massas: carne de vacca: arroz: frango ou gallinha: toucinho: ervas ou salada: vinho: fructa e doce. Cêa Pão: chá ou café, com leite, ou sem elle: assucar e manteiga.
N. B. Esta dieta póde variar, substituindo-se o pão ao jantar, no todo ou em parte, por farinha de mandioca: a carne de vacca e o arroz, por lombo de Minas, ou peixe salgado ou fresco: o frango ou gallinha por carne de porco ou carneiro: as ervas ou salada, por legumes frescos. E o chá ou café, por mate. A' cêa cangica.
TABELLA Nº 2
DIETAS PARA PENSIONISTAS DA 3ª CLASSE E ALIENADOS INDIGENTES
Almoço
Pão branco: chá ou café, com leite, ou sem elle: assucar e manteiga.
Jantar
Pão: sopa de pão: carne de vacca: toucinho: arroz: fructa. Cêa Pão: chá ou café: assucar e manteiga.
N. B. Esta dieta póde variar, substituindo-se o pão ao jantar por farinha de mandioca: a carne de vacca com arroz por carne secca com feijão e ervas: o chá ou café por mate: e as cêas por cangica.
TABELLA Nº 3
DIETAS PARA OS ALIENADOS ENFERMOS DE MOLESTIAS ACCIDENTAES, ALÊM DA ALIENAÇÃO MENTAL
As mesmas dietas que se achão estabelecidas para os doentes do Hospital Geral da Santa Casa da Misericordia da Cidade do Rio de Janeiro.
Francisco Gonçalves Martins.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1852, Página 442 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)