Legislação Informatizada - Decreto nº 1.030, de 7 de Agosto de 1852 - Publicação Original
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Decreto nº 1.030, de 7 de Agosto de 1852
Concede a Eduardo de Mornay e Alfredo de Mornay privilegio exclusivo pelo tempo de 90 annos para a construcção de hum caminho de ferro na Provincia de Pernambuco, entre a cidade do Recife e a Povoação denomindada Agua Preta.
Havendo-Me representado Eduardo de Mornay e Alfredo de Mornay ácerca da utilidade da construcção de huma estrada de ferro na Provincia de Pernambuco, que, partindo da Cidade do Recife, e passando pelo rio Serinhaem, na confluencia deste com o Aramaragi, e pelas Povoações de Agua Preta e Garanhuns, vá terminar em hum dos pontos da extensa navegação do rio de S. Francisco, pedindo, para a incorporação de lima Companhia que realise a referida estrada, o privilegio autorisado pela Lei de 26 de Junho de 1852; e Desejando promover quanto for possivel, em beneficio da agricultura e do commercio da Provincia de Pernambuco, os meios de mais facil communicação entre os pontos do seu territorio, que pelo desenvolvimento de sua industria agricola podem admittir desde já tão importante melhoramento: Hei por bem Conceder-lhes o privilegio exclusivo pelo tempo de 90 annos, para construcção unicamente de hum caminho de ferro, que deverá partir da Cidade do Recife e terminar na Povoação d'Agua Preta, por meio de huma Companhia de nacionaes e estrangeiros que para esse fim organisarem, sob as condições que com este baixão, assignadas por Francisco Gonçalves Martins, do Meu Conselho, Senador do Imperio, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Imperio, ficando porêm este contracto dependente da approvação da Assembléa Geral Legislativa na fórma do Art. 2º da citada Lei. O mesmo Ministro o tenha assim entendido, e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em sete de Agosto de mil oitocentos cincoenta e dous, trigésimo primeiro da Independencia e do Imperio.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.
Francisco Gonçalves Martins.
CONDIÇÕES A QUE SE REFERE O DECRETO DESTA DATA, E COM AS QUAES O GOVERNO CONTRACTA COM EDUARDO DE MORNAY E ALFREDO DE MORNAY A CONSTRUCÇÃO DE HUMA ESTRADA DE FERRO NA PROVINCIA DE PERNAMBUCO
1ª O Governo concede aos ditos Ernpresarios o privilegio por hum prazo de 90 annos, contados da data da incorporação da Companhia, para a construcção e gozo de hum caminho de ferro que parta da Cidade do Recife até o ponto denominado - Agua Preta. - A incorporação deverá verificar-se dentro de hum anno da data deste contracto.
2ª Durante o tempo do privilegio, não se poderá conceder empresas de outros caminhos de ferro dentro da distancia de 5 leguas, tanto de hum como de outro lado, e na mesma direcção deste, salvo se houver accordo com a Companhia. Esta prohibição não comprehende a da construcção de outros caminhos de ferro que, ainda partindo do mesmo ponto, mas seguindo direcções diversas, possão approximar-se accidentalmente de algum ponto da estrada privilegiada, ou mesmo corta-la, com tanto que dentro da zona privilegiada não possão receber mercadorias e passageiros.
3ª Os pontos intermedios da linha contractada ficão dependentes de accordo posterior entre o Governo e a Companhia, depois que esta houver procedido a todos os exames e trabalhos preparatorios, apresentando a respectiva planta, que será submettida á definitiva approvação do Governo.
4ª A Companhia poderá construir tambem linhas transversaes de ferro, de madeira, ou de qualquer outra conveniente especie, quando julgue de utilidade para facilitar o transito de generos e de passageiros para a linha principal; não gozando porêm dos favores para aquelles caminhos que a esta são concedidos, excepto os que forem expressamente designados no contracto.
5ª Os trabalhos da estrada deverão começar dentro do prazo de dous annos, contados da data da incorporação; e a Companhia os concluirá no de doze. Na falta de cumprimento desta obrigação, a Companhia poderá ser multada pelo Governo em 10.000$ de réis, o qual lhe marcará mais hum anno para o começo ou ultimação dos trabalhos, pagando a Companhia pela mora de cada hum semestre do novo prazo 4.000$ de réis. Findo o anno, e imposta a multa do ultimo semestre, será esta seguida da perda do contracto, salvo se a mora for proveniente de causa imprevista ou invencivel por parte da Companhia.
6ª Quando a Companhia tiver perdido o direito ao contracto pela falta da conclusão da obra, conservará a propriedade da parte feita, perdendo somente o direito á continuação do gozo dos favores que pelo contracto lhe tinhão sido concedidos; e será neste caso ainda responsavel pelo valor dos que já tiver recebido, dando-se para este fim a hypotheca nas mesmas obras.
7ª Poderá a Companhia usar do direito de desapropriar na fórma das Leis em vigor, o terreno de dominio particular que for necessario para leito do caminho de ferro, estações, armazens e mais obras adjacentes; e pelo Governo lhe serão gratuitamente concedidos para os mesmos fins os terrenos devolutos e nacionaes, e bem assim os comprehendidos nas sesmarias e posses, salvas as indemnisações que forem de direito. Tambem o Governo lhe concederá o uso das madeiras e outros materiaes existentes nos terrenos devolutos e nacionais, e de que a Companhia tiver precisão para a construcção do caminho de ferro. Os favores deste Artigo são extensivos aos caminhos transversaes.
8ª Ficão isentos de direito de importação, dentro do prazo marcado para a conclusão das obras, os trilhos, machinas e instrumentos que se destinarem á mesma construcção, e bem assim os carros, locomotivas, e mais objectos necessarios para começarem os trabalhos da empresa. A mesma isenção he concedida ao carvão de pedra, durante o referido prazo, e o de mais 10 annos depois das obras concluidas e a linha aberta ao publico em toda a sua extensão. O gozo destes favores fica sujeito aos Regulamentos fiscaes para evitar qualquer abuso.
9ª A Companhia se obriga a não possuir escravos, e a não empregar no serviço da construcção do caminho de ferro senão pessoas livres, que sendo nacionaes poderão gozar da isenção do recrutamento, bem como da dispensa do serviço activo da Guarda Nacional; e sendo estrangeiros participarão de todas as vantagens que por Lei forem concedidas aos colonos uteis e industriosos.
10ª Só terão direito de gozar da isenção do serviço activo da Guarda Nacional e do recrutamento, os nacionaes empregados pela Companhia que estiverem incluidos em huma lista entregue todos os seis mezes ao Presidente da Provincia, e assignada pelo seu Director, não podendo, passado o primeiro semestre, ser nella contemplado o individuo que não tiver tres mezes de effectivo exercicio. Convencida a Companhia de qualquer abuso sobre este importante assumpto, em detrimento do serviço publico, poderá ser multada pelo Governo na quantia de 4.000$ de réis, e perderá mesmo este favor em caso de reincidencia, se o Governo o julgar conveniente.
11ª O caminho de ferro não impedirá o livre transito dos caminhos actuaes, e de outros que para commodidade publica se abrirem; nem a Companhia terá direito de exigir taxa alguma pela passagem de outras estradas de qualquer natureza nos pontos de intersecção.
12ª O Governo poderá fazer em toda a extensão do caminho de ferro as construcções e apparelhos necessarios ao estabelecimento de huma linha telegraphica electrica responsabilisando-se a Companhia pela guarda dos fios e apparelhos electricos, e prestando-se a transportar gratuitamente os agentes da telegraphia que viagem, em razão do seu emprego. A Companhia terá o direito de fazer semelhante construcção se o Governo a não quizer executar por sua conta; sendo neste caso gratuito o serviço prestado ao mesmo Governo.
13ª As malas do Correio e seus conductores, bem como quaesquer sommas de dinheiro pertencentes aos Cofres Publicos, serão conduzidas gratuitamente pelo caminho de ferro. Igual vantagem terão dous passageiros ao serviço do Governo em cada viagem, e a carga não excedente de 10 arrobas. O que de mais accrescer a Companhia se obriga a transportar mediante o abatimento de 20 por cento do preço commum.
14ª Se o Governo mandar tropas para qualquer ponto, a Companhia se obriga a por immediatamente sua disposição, por metade da tarifa estabelecida, todos os meios de transporte que possuir, e a empregar tambem nesta conducção os pertencentes ao Governo que forem apropriados ao serviço da linha.
15ª Por igual preço fará a Companhia transportar os presos e seus respectivos guardas, prestando o Governo os carros proprios e com a necessaria segurança.
16ª O Governo garante á Companhia o juro de 5 por cento do capital que empregar na construcção do caminho de ferro da linha principal. Por hum Regulamento especial do Governo será designado o modo de verificarem-se as despezas da construcção, do costeio, e a receita realisada; bem como as epochas e fórma do pagamento do juro.
17ª A Companhia franqueará ao Governo, para o cumprimento do Artigo anterior, o exame de todos os seus livros, proporcionando-lhe quaesquer outros esclarecimentos de que possa precisar.
18ª Esta garantia he devida a contar do primeiro dia em que estiver concluida cada huma secção da estrada, e franqueada ao publico, e somente pelo capital nella despendido, cessando logo que por espaço de seis mezes sejão interrompidos os trabalhos por culpa da Companhia; não devendo continuar a obrigação senão depois que, continuados os trabalhos, se conclua a secção que foi interrompida, ou a que foi começada de novo, quando os trabalhos tenhão parado no fim de cada huma dellas. Cada secção constará pelo menos de tres leguas, e será fixada a sua extensão de accordo com a Companhia.
19ª Cumprindo precisar a responsabilidade a que por este contracto se sujeita o Governo mediante a garantia dos 5 por %, será fixado o maximo do custo da obra, devendo ter lugar esta fixação depois que a Companhia apresentar os seus trabalhos preparatorios, a planta e o orçamento, com os convenientes detalhes explicativos, ficando tudo dependente da approvação do Governo Imperial. Se na execução, porêm, as despezas forem menores do que as do maximo fixado, o Governo se aproveitará desta reducção para a verificação da estipulada garantia; e se excederem, correrá o excesso por conta da Companhia.
20ª A Companhia embolsará o Governo do que tiver despendido em virtude da garantia estipulada do juro, depois que ella tiver realisado o dividendo de 8 por %, guardada a seguinte escala de porcentagem.
De | 8 | por | % | 1 |
De | 9 | » | 1 1/2 | |
De | 10 | » | 2 | |
De | 11 | » | 2 1/2 | |
De | 12 | » | 3 |
E assim por diante.
21ª A garantia cessa logo que a Companhia realisar o rendimento liquido de 5 por % em tres annos consecutivos.
22ª Durante o privilegio a Companhia perceberá os preços de transporte de mercadorias e passageiros segundo huma Tabella que o Governo de accordo com ellas, organisará, conforme as seguintes bases:
1ª Para os generos de exportação e de producção do Paiz o maximo do preço não excederá de 20 réis por arroba, e legua de 18 ao gráo.
2ª Para os generos de importação o maximo será de 30 réis pelo mesmo peso e distancia.
3ª O preço da conducção para os objectos de grande volume e de pequeno peso, como sejão mobilias, caixões de chapeos, &c., poderá ser elevado ao duplo. Tambem poderão ser sujeitos a huma Tabella especial os de conducção perigosa, como seja a polvora, &c., e os que, em razão de sua fragilidade, como pianos, louça, vidros, &c., ou por seu valor, como prata, ouro e joias, &c., obrigão a Companhia a maior responsabilidade; estes preços deverão ser especificadamente declarados. Em todos os casos, porêm, o Governo poderá elevar ao duplo o maximo do preço de conducção, em quanto não se verficar a condição 21.
23ª Logo que a Companhia puder fazer dividendos de 12 por %, o preço de transporte será reduzido, reformando o Governo as Tabellas, ouvindo para este fim a mesma Companhia. De qualquer maneira haverá todos os 5 annos revisão das referidas Tabellas, para receberem as modificações que o bem publico, conciliado com o interesse da empresa, aconselhar.
24ª Não obstante as reducções no Artigo anterior declaradas, se a Companhia fizer dividendo maior de 12 por %, metade deste excesso será destinado para amortisação do capital da empresa, e formará hum fundo que será administrado debaixo da fiscalisação especial do Governo.
25ª Se o Governo entender de conveniencia publica effectuar o resgate da concessão do caminho de ferro, o poderá fazer mediante previa indemnisação da Companhia, que será regulada da maneira seguinte:
1º Não poderá ter lugar este resgate, salvo de accordo com a Companhia, senão passados 30 annos da duração do privilegio.
2º O preço do resgate será regulado pelo termo medio do rendimento liquido dos ultimos tres annos.
3º A Companhia receberá do Governo huma somma em fundos publicos que dê igual rendimento, descontadas quaesquer quantias resultantes da garantia do juro que por ventura a Companhia deva ainda, e as de amortisação que possa ter recebido por consentimento do Governo, ou que haja de receber na occasião.
26ª O Governo prestará á Companhia, por meio das Autoridades, toda a protecção compativel com as Leis, a fim de que possa ella realisar a arrecadação das taxas estabelelecidas, e protegerá com Regulamentos especiaes, não só a segurança dos viandantes, como os conductores e empregados que a Companhia tiver para fiscalisar a observancia dos seus Regulamentos; permittindo-lhe ter Guardas-barreiras que serão Cidadãos Brasileiros morigerados, pagos pela Companhia, e que podem andar armados, mas sujeitos á inspecção das Autoridades locaes.
27ª Nos Regulamentos do Governo, de conformidade com o § 14 do Art. 1º da Lei de 26 de Julho de 1852, serão tambem estabelecidas regras de policia e de segurança em favor dos proprios caminhos, e do seu uso regular, para prevenir qualquer perigo que venha ou de estranhos ou da propria Companhia, impondo o Governo as convenientes multas, solicitando do Corpo Legislativo maiores penas, se por experiencia reconhecer necessario.
28ª No caso de que o Governo queira que alguns Engenheiros seus se instruão na construcção de caminhos de ferro, a Companhia os admittirá para que assistão a todos os trabalhos da empresa.
29ª A Companhia não poderá emittir acções, ou promessas de acções negociaveis, sem que se tenha constituido em sociedade legal, com estatutos approvados pelo Governo.
30ª A Companhia terá a faculdade de explorar e abrir minas de carvão, pedra calcaria, de ferro, chumbo, cobre, e de quaesquer outros metaes, ainda preciosos, sem prejuizo de direitos adquiridos por outros; devendo quando as descobrir dirigir-se immediatamente ao Governo, para que lhe sejão demarcadas as datas, e estipuladas as condições do seu gozo; podendo a Companhia exercer esta faculdade no seguimento da linha do caminho de ferro, e na mesma zona de cinco leguas para cada hum dos lados.
31ª Podendo, não obstante a clareza de todas as estipulações deste contracto, dar-se desaccordo entre o Governo e a Companhia, a respeito de seus direitos e obrigações, reconhecendo o Governo a vantagem de huma qualquer decisão, esta será dada por Juizes arbitros, dos quaes hum será da nomeação do mesmo Governo, outro da Companhia, e o terceiro por accordo de ambas as partes; e se este accordo não for possivel, será o terceiro Membro o Conselheiro d'Estado mais antigo, e em igualdade de antiguidade o mais velho.
32ª O presente contracto ficará dependente, para seu complemento, de ajuste posterior e definitivo entre o Governo e a Companhia, depois que esta apresentar os trabalhos e esclarecimentos de que tratão as condições 3ª e 19ª; e então serão consignadas as clausulas e condições que devão regular o systema da construcção do caminho de ferro, de carros, machinas e locomotivas, de accordo com os ultimos melhoramentos a bem da segurança dos passageiros e dos transportes, da economia do costeio, da velocidade da marcha, e de todas as mais commodidades e vantagens para o publico; devendo tal ajuste preceder ao começo da obra.
Rio de Janeiro em 7 de Agosto de 1852.
Francisco Gonçalves Martins.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1852, Página 337 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)