Legislação Informatizada - CARTA RÉGIA DE 5 DE NOVEMBRO DE 1808 - Publicação Original

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CARTA RÉGIA DE 5 DE NOVEMBRO DE 1808

Sobre os indios Botocudos, cultura e povoação dos campos geraes de Coritiba e Guarapuava.

     Antonio José da França e Horta, do meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania de S. Paulo. Amigo. Eu o Principe Regente vos envio muito saudar. Sendo-me presente e quasi total abandono, em que se acham os campos geraes da Coritiba e os de Guarapuava, assim como todos os terrenos que desaguam no Paraná e formam do outro lado as cabeceiras do Uruguay, todos comprehendidos nos limites dessa Capitania e infestados pelo Indios denominados Bugres, que matam cruelmente todos os fazendeiros e proprietarios, que nos mesmos paizes têm procurado tomar sesmarias e cultival-as em beneficio do Estado, de maneira tal que em todo o terreno que fica ao Oeste da estrada real, desde a Villa da Faxina até a Villa das lages, a maior parte das fazendas, que estão em dita estrada, se vão despovoando, umas por terem os Indios Bugres morto os seus moradores, e outras com o temor que sejam igualmente victimas, e que até a mesma estrada chega a não ser vadeavel, senão para viajores que vão reunidos em grande numero e bem armados, quando antes não havia memoria, que os Indios atravessassem a estrada para a parte da Serra, e que as fazendas a leste da estrada se consideravam seguras e livres, chegando agora até a atacar o Registro que esta em cima da Serra no caminho que vai da Villa das Lages para Santa Catharina, e mostrando-se dispostos a querer atacar a mesma Villa, em cujas visinhanças têm chegado a matar povoadores; e constando-me que os sobreditos campos e terrenos, regados por infinito rios, são susceptiveis não só da cultura de trigos, cevadas, milhos e de todas as plantas cereaes e de pastos para gados, mas de linhos canhamos e de toda a qualidade de linho, assim como de  muitas outras preciosas culturas, além de que se acham no mesmo territorio terras nitrogeneas e muitas minas de metaes preciosos e de outros não menos interessante; sendo-me tambem igualmente presentes os louvaveis fructos que têm resultado das providencias dadas contra os Botocudos, e fazendo-se cada dia mais evidente que não ha meio algum de civilisar povos barbaros, senão ligando-os a uma escola severa, que por alguns annos os force a deixar e esquecer-se de sua natural rudeza e lhes faça conhecer os bens da sociedade e avaliar o maior e mais solido bem que resulta do exercicio das faculdades moraes do espirito, muito superiores ás physicas e corporaes: tendo-se verificado na minha real presença a inutilidade de todos os meios humanos, pelos quaes tenho mandado que se tente a sua civilisação e o reduzil-os a aldeiar-se, e gosarem dos bens permanentes de uma sociedade pacifica e doce, debaixo das justas e humanas leis que regem os meus povos, e até mostrando a experiencia quanto inutil é o systema de guerra defensiva: sou servido por estes e outros justos motivos que ora fazem suspender os effeitos de humanidade que com eles tinha mandado praticar ordenar-vos: Em primeiro logar que logo desde o momento em que receberdes esta minha Carta Regia, deveis considerar como principiada a guerra contra estes barbaros Indios: que deveis organizar em corpos aquelles Milicianos de Coritiba e do resto da Capitania de S. Paulo que voluntariamente quizerem armar-se contra elles, e com a menor despeza possivel da minha Real Fazenda, perseguir os mesmos Indios infestadores do meu territorio; procedendo a declarar que todo o Miliciano, ou qualquer morador que segura algum destes Indios, poderá consideral-os por quinze annos como prisioneiros de guerra, destinando-os ao serviço que mais lhe convier; tendo porém vós todo o cuidado em fazer declarar e conhecer entre os mesmos Indios, que aquelles que se quizerem aldeiar e viver debaixo do suave jogo das minhas Leis, cultivando as terras que se lhe approximarem, já não só não ficarão sujeitos a serem feitos prisioneiros de guerra, mas serão até considerados como cidadãos livres e vassallos especialmente protegidos por mim, e por minhas Leis: e fazendo praticar isto mesmo religiosamente com todos aquelles que vierem offerecer-se a reconhecer a minha autoridade e se sujeitarem a viver em pacifica sociedade debaixo das minhas Leis, protectoras de sua segurança individual e de sua propriedade. Em segundo logar sou servido que á proporção que fordes libertando não só as estradas da Coritiba, mas os campos de Guarapuava, possais alli dar sesmarias proporcionaes ás forças e cabedaes dos que assim as quizerem tomar com o simples onus de as reduzir a cultura, particularmente de trigo e mais plantas cereaes, de pastos para os gados, e da essencial cultura dos linhos, canhamos e outras especies de linho. Em terceiro logar ordeno-vos que assistais com o competente ordenado a João Floriano da Silva que me tem servido como Professor Publico, que fui servido nomear intendente da cultura dos campos de Guarapuava por Decreto desta mesma data, e a quem encarrego o exame dos mesmos terrenos, o propor tudo o que julgar conveniente para o adiantamento da sua boa cultura; a conservação da estrada que vai da Faxina a Lages, e aquelle caminho, que deve existir no melhor estado para a communicação da Coritiba com algum porto de mar á serra, parecendo que o mais proprio será o de Pernaguá; e assim a elle como o seu irmão José Telles da Silva, ao Tenente Coronel Manoel Gonçalves Guimarães, e ao Tenente Coronel Francisco José de Sampaio Peixoto, darei as sesmarias, que puderem cultivar; e este Intendente poderá com o seu exemplo justificar a bondade dos principios que propuzer para melhoramento da cultura dos mesmos campos de Guarapuava, devendo vós ouvil-o em tudo o que ordenardes; mas não lhe sendo permittido obrar por vias de facto, senão quando vós o autorizardes para o mesmo fim. Em quarto logar: determino que sendo possivel que nos terrenos que ora se mandam abrir, appareçam diamantes, e que possa assim soffrer a minha Real Fazenda, façais publicar que todo o diamante que casualmente apparecer, deve ser logo entregue na Junta da minha Real Fazenda,, onde sempre receberá alguma recompensa o que o apresentar: que toda a lavagem de terras para tirar diamantes fora prohibida; e que os que assim obrarem, ficam expostos á maior severidade das Leis ja estabelecidas para conservar este direito privativo da minha Corôa; e que o Ouvidor de Pernaguá deverá annualmente tirar uma rigorosa devassa contra todo e qualquer individuo que contravier a estas minhas reaes ordens.

     Finalmente, ordeno-vos que detineis o Engenheiro João da Costa Ferreira, e para o futuro, o que seu logar exercer, a que seu logar exercer, a que proceda a levantar sucessivamente o plano dos mesmos Campos; e que sendo sempre ouvido nas sesmarias que derdes juntamente com o novo Intendente que fui servido crear, e alguns Officiaes, que nomeareis para esse fim, me dêm por vosso meio annualmente conta de todo o progresso que resultar desta minha paternal providencia em benefício da maior cultura e augmento de povoação, ficando muito a vosso cargo e dando-vos incumbo, de fazer subir todos o annos á minha real presença esta conta pela repartição de Guerra e pela da Fazenda, com todas aquellas reflexões que a vossa intelligencia e zelo pelo meu real serviço puder suggerir-vos. O que assim tereis entendido e fareis executar como nesta vos ordeno. Escripta no Palacio do Rio de Janeiro em 5 de Novembro de 1808.


PRINCIPE.


Para Antonio José da Franca e Horta.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1808


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1808, Página 156 Vol. 1 (Publicação Original)