Legislação Informatizada - CARTA IMPERIAL DE 30 DE ABRIL DE 1828 - Publicação Original
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CARTA IMPERIAL DE 30 DE ABRIL DE 1828
Approva os estatutos da Casa Pia e Collegio de S. Joaquim dos Meninos Orphãos da cidade da Bahia.
José Egidio Gordilho de Barbuda, Presidente da Provincia da Bahia. Eu o Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil, vos Envio muito saudar. Tomando em consideração o que Me representaram o Provedor e mais Mesarios, Administradores da Casa Pia e Collegio de S. Joaquim dos Meninos Orphãos da cidade da Bahia; e Tendo ouvido o Visconde de Cairú, Inspector dos estabelecimentos litterarios e scientificos do Brazil, sobre os estatutos organizados para o mesmo collegio: Hei por bem approval-os, para que tenham a sua devida execução.
O que me pareceu participar-vos, para que assim o tenhais entendido, e façais observar.
Escripta no Palacio do Rio de Janeiro em 30 de Abril de 1828, 7º da Independencia e do Imperio.
IMPERADOR.
Pedro de Araujo Lima.
Para José Egidio Gordilho de Barbuda.
Estatutos Da Casa Pia E Collegio De S. Joaquim Dos Meninos Orphãos Da Cidade Da Bahia
INTRODUÇÃO
Se a educação da mocidade em geral tem parecido sempre um objecto importante e digno da attenção de todas os Soberanos, muito mais importante se deve julgar a educação daquella parte da mocidade, que, privada de seus progenitores, correm imminente risco de perecer, ou definhar á mingua, assim como de contrahir habitos viciosos por falta de conselho e assistencia paterna nos primeiros passos da carreira da vida, tornando-se muitas vezes inutil a si, ou perigosa á sociedade.
As providencias dadas pelas ordenações, e mais leis a favor dos orphãos, são sem duvida cheias de sabedoria, e contêm as maximas mais adequadas que até então pôde subministrar a experiencia dos tempos; mas sendo dificultoso achar sempre tutores zelosas, que procurem promover convenientemente a educação dos orphãos que têm um patrimonio, muito mais difficultoso será achar tutores com estas qualidades para os orphãos intelligentes, e absolutamente desamparados; pelo que, não podendo elles tirar das sobreditas providencias a cargo dos respectivos Juizes todo o beneficio de que precisam, reclamam um auxilio mais prompto, e mais efficaz, como foi já de alguma sorte reconhecido pelas Instrucções que acompanharam o Decreto de 16 de Março de 1812, e pelo Alvará de 24 de Outubro de 1814, no qual se mandou a bem dos orphãos desamparados do Reino de Portugal instaurar a Casa Pia do Castello.
O Collegio dos Orphãos da cidade da Bahia, monumento da caridade de seu primeiro instituidor, o irmão Joaquim Francisco do Livramento, e do zelo illuminado de seu reformador, o Marquez de S. João da Palma, Governador que foi daquella provincia, e sob cujos auspicios se redigiram (1) os presentes estatutos, assim como da generosidade e efficacia de muitos bemfeitores, que tão energicamente trabalham pela prosperidade daquelle estabelecimento, offerecendo aos orphãos desamparados daquella cidade e povos o conforto de uma existencia commoda, e beneficio de liberal educação, não só afiança ao Imperio uma bem fundada esperança da conservação e melhoramento dessa porção de sua natural povoação, mas até poderá com o andar do tempo constituir-se um grande liceu e casa de regular educação para os filhos dos habitantes mais abastados da provinda. O exito dependerá da boa administração, e da observando exacta dos presentes estatutos.
O Excelso e Beneficentissimo Imperador, e Fundador do Imperio do Brazil, o Senhor D. Pedro I, é o Protector da Casa Pia e Collegio de S. Joaquim dos Meninos Orphãos da cidade da Bahia.
(1) Estes estatutos foram apresentados no armo de 1821; e nao foram então approvados, por conterem disposições relativas a privilegios e graças nao julgados admissiveis, sendo depois modificados nos termos em que se acham.
TITULO I
Das autoridades encarregadas da direcção e governo do collegio
CAPITULO I
Das Attribuições Da Primeira Autoridade
§ 1º Ao Presidente da Provincia, e seus successores com esta denominação, ou com qualquer outra que possa vir a ter como Delegado de Sua Magestade Imperial, que fica sendo Protector do collegio, pertence fazer guardar religiosamente estes estatutos, providenciando prompta e prudentemente a tudo quanto pela Mesa do collegio lhe fôr requerido.
§ 2º Ao Presidente da Provincia, na mesma qualidade, pertence fazer effectiva a eleição das futuras Mesas, não concedendo dispensa a nenhum eleito, salvo o caso de justo impedimento bem verificado; e reconduzir as Mesas, quando uma utilidade reconhecida assim o exija.
§ 3º Será louvavel ao Presidente da Provincia portanto, nesta qualidade de Delegado do Protector do collegio, visital-o sempre que fôr possivel, para animar os empregados e collegiaes, a fim de melhor se promover a sua prosperidade, e tambem quando a Mesa entender necessaria a sua presidencia.
CAPITULO II
DA MESA
§ 1º A administração dos bens, e governo dos empregados, e mais membros do collegio pertence a uma corporação com o titulo de Mesa do collegio, conforme as regras estabelecidas nestes estatutos.
§ 2º Cada Mesa exercerá as suas funcções por espaço de tres annos; será composta de 13 pessoas ou vogaes, a saber, de um Presidente com o titulo de Provedor do collegio, de um Escrivão, de um Thesoureiro, de um Procurador, e nove consultores; devendo todos os lugares da Mesa recahir em pessoas muito dignas, e principalmente recommendaveis pela correcção de seus costumes, e zelosa caridade; em falta do Provedor o Escrivão fará as suas vezes, e presidirá á Mesa. Como a experiencia tem mostrado em outras corporações semelhantes que, os que promovem melhor os interesses da casa pelos conhecimentos praticos que adquiriram, são os Escrivães e Thesoureiros, estes mesarios, depois de acabarem o seu tempo, assistirão ás sessões da nova Mesa por espaço de deus mezes, ou pelo que fôr necessario para a instruirem dos negocios e manejo das dependencias da casa, sem que tenham voto nas deliberações.
§ 3º Qualquer que tenha sido até agora a fórma da eleição da Mesa administrativa, proceder-se-ha d'aqui em diante da maneira seguinte: A Mesa existente, oito dias mais ou menos antes de terminar o triennio, convocará sessão extraordinaria, composta de todos os vogaes, para o fim de se fazer a eleição da Mesa futura. Cada vogal, pela mesma ordem em que costuma votar, lançará em uma urna o nome da pessoa que em sua consciencia julgar mais idonea para Provedor. O Provedor actual, em presença da Mesa abrirá a urna, e contando os votos para verificar a certeza do seu numero, com voz clara irá lendo os nomes um por um, e o Escrivão os irá lançando em uma lista exactamente pela ordem, em que forem sahindo da urna, até se preencherem todos os 13 votos. Passará depois esta lista da mão do Escrivão para a do Thesoureiro, e passarão os bilhetes dos votos da mão do Provedor para a do Procurador, afim de que estes confiram os bilhetes com a lista feita, e achando-os certos, será eleito o que tiver mais votos. Acontecendo haver empate nos elegendos, serão decididos por escrutinio. O methodo acima declarado será igualmente praticado para a eleição de todos os mais vogaes da Mesa. A nomeação assim feita será irrevogavel, e della se lavrará o competente termo, que todos os eleitos assignarão: acontecendo porém fallecer, ou ter impedimento de ausencia, ou molestia continuada algum dos eleitos, eleger-se-ha outro em lugar desse, ficando entendido que esta providencia a respeito dos impedidos é emquanto durar o impedimento de que se trata.
§ 4º A Mesa tomará posse no domingo ultimo de Agosto depois da festividade de S. Joaquim, padroeiro do collegio; assistira primeiramente ao santo sacrificio da missa, que se deverá celebrar na capella respectiva, sendo dita pelo Padre Reitor, e na sua falta pelo Padre Vice-Reitor; e invocando devotamente o auxilio divino, para bem desempenhar a obra pia de que se vai encarregar, passará a occupar os seus assentos na sala destinada para as sessões. O Provedor terá assento no alto da mesa em cadeira distincta; á sua direita se assentará o Escrivão, á esquerda o Thesoureiro, immediato ao Escrivão o Procurador, e d'ahi os mais consultores, repartidos por um e outro lado indistinctamente sem precedencia alguma, achando-se assim a Mesa reunida, na primeira sessão darão todos os vogaes, principiando pelo Provedor, juramento de bem e fielmente cumprirem os presentes estatutos, e administrarem a causa dos orphãos com toda a intelligencia e zelo de que forem capazes, pondo a mão direita sobre o livro dos Santos Evangelhos, que deverá estar sobre o bofete, e depois disso se começará a tratar dos negocios da administração. Cada um dos membros da Mesa exercerá por um mez a mordomia do collegio, fazendo como representante e delegado da Mesa todos os fornecimentos necessarios, frequentando o collegio todos os dias por si, ou por pessoa de sua inteira confiança, e concorrendo com o Reitor pra a conservação da ordem e boa economia em todas as repartições e officinas do mesmo collegio, á imitação da Santa Casa da Misericordia.
§ 5º A' Mesa incumbo não só entender na direcção e augmento dos fundos do collegio, arrecadação de suas rendas, e tolos os outros bens, que por qualquer via lhe pertençam; fiscalisar e approvar as contas dos Thesoureiros, Mordomos e Procuradores, nomear e dar os titulos da nomeação por suas portarias aos empregados do collegio; ordenar o pagamento das folhas dos ditos empregados, e quaesquer outras despezas necessarias: mas tambem fazer a eleição da futura Mesa; deliberar sobre a admissão dos orphãos, e porcionistas; aceitar a demissão dos empregados, ou determinar a sua expulsão, e dos mesmos collegiaes em caso de incorrigibilidade; e decidir finalmente sobre qualquer objecto relativo á conservação, economia, e prosperidade da casa pia e collegio, nos termos dos presentes estatutos. A Mesa, que acabar, dará as suas contas á que lhe succeder dentro do impreterivel prazo de 30 dias; e a sua approvação é privativa da Mesa, sem que alguma das autoridades da cidade arrogue a si este direito; podendo a mesma Mesa nomear d'entre as pessoas probas e intelligentes da cidade revisores ás contas; e quando se conheça falta ou alcance, a Mesa recorrerá ás justiças ordinarias da cidade, e perante dias proporá as acções que lhe competirem. Estando conformes e approvadas as contas pela Mesa, esta as mandará publicar quanto antes pela imprensa, afunde chegarem ao conhecimento de todos; e remetterá cópia ao Presidente da Provincia para fazer subir á presença de Sua Magestade Imperial o estado de prosperidade do estabelecimento.
§ 6º Deve a Mesa regularmente juntar-se uma vez em cada mez; porém occorrendo alguns negocios muito urgentes, o Provedor a fará convocar promptamente para os decidir em qualquer occasião conveniente, e fóra da Mesa mensal. A reunião de sete vogaes representará a Mesa para a deliberação dos negocios do expediente ordinario; mas os negocios de maior ponderação, como a eleição da futura Mesa, a nomeação do Reitor, Vice-Reitor, e Professores, a admissão de orphãos ou porcionistas, e bem assim a expulsão ou despedida dos sobreditos empregados e collegiaes por motivo de máo comportamento, ou mesmo quando por algum outro assim convenha aos interesses da casa, a eleição de outros quaesquer empregados, determinação de seus ordenados (sem que nenhuma das autoridades da cidade se possa ingerir nisso; a exemplo da Santa Casa da Misericordia) sómente deverão por via de regra deliberar-se em Mesa plena; e completa. Acontecendo faltarem alguns vogaes para preencher ou o numero da Mesa plena, ou o da menos plena, por justo impedimento, chamará a Mesa vogaes que tenham servido nas antecedentes Mesas, e em falta, quaesquer bemfeitores da casa que sejam para isso idoneos, afim de substituirem o seu lugar, e procederem legitimamente ás deliberações. Mas se ainda assim, sendo todos os mesarios e sobreditos vogaes avisados (o que deve constar authenticamente, declarando-se no acto do aviso tanto a importancia, come a urgencia do negocio) não comparecerem, neste caso far-se-ha Mesa concorrendo de sete membros para cima, e ficará válida toda e qualquer deliberação, ou accôrdo que a Mesa tomar naquella occasião, declarando-se no mesmo accôrdo que se praticaram todas as diligencias aqui requeridas para se juntar um maior numero de vogaes, e formar-se a Mesa plena, como ordenam os estatutos.
§ 7º Quando os negocios forem não só ponderosos mas affectarem de alguma fórma a segurança do patrimonio do collegio, como as vendas, distracções, ou escambos de qualquer das suas propriedades, perdões, ou quitas dos juros, ou parte do que se lhe deva para facilitar a cobrança do resto, e quaesquer outras transacções ou convenças, em que por qualquer maneira o collegio aliene, ou perca alguma parte de seus fundos, ou reditos, ou os torne de peior condição sujeitando-os a encargos que não tenham, assim como si se tratar de inconvenientes resultantes dos presentes estatutos, a que seja preciso remediar; em todos estes casos não poderá decidir simplesmente a Mesa, porém convocará a Junta, conforme se dirá no capitulo 3º deste titulo.
§ 8º Todos os membros da Mesa têm voto igual, e a todos é licito propor qualquer objecto de deliberação a beneficio do collegio, e sua administração. Os negocios se decidirão á pluralidade de votos, e por escrutinio por via de regra; e quando alguns de menor importancia, e do expediente ordinario se tratem conferencialmente, reclamando qualquer dos vogaes, se passará a recorrer immediatamente ao escrutinio. Entende-se sempre que o Escrivão poderá melhor esclarecer, qualquer objecto que se haja de tratar, e por isso será o primeiro a dar o seu voto, seguindo-se o Thesoureiro, e os mais na ordem em que estiverem assentados, sendo o Provedor o ultimo. Acontecendo em alguma sessão concorrerem os vogaes em numero par, por falta e ausencia de alguns, remediar-se-ha este inconveniente, chamando-se alguma pessoa que tenha servido nas antecedentes Mesas, ou qualquer bemfeitor.
§ 9º Quanto á nomeação dos empregados futuros do collegio, quando os vogaes não concordem conferencialmente nos que devem ser eleitos, irá cada vogal pela ordem, em que costuma votar, dizendo o nome da pessoa que julgar mais idonea para exercer o lugar vago, e o Escrivão as irá escrevendo em uma lista; depois do que, passando-se a votar por via de escrutinio sobre cada elegendo, irá o Escrivão lançando a par do nome de cada um destes o numero dos votos que tiverem, e recahirá a eleição naquelle que obtiver a maioria. Acontecendo haver empates, tornará a Mesa sobre estes a votar por escrutinio, até que a pluralidade decida a eleição.
§ 10. Da mesma sorte se procederá nas outras deliberações relativas a quaesquer objectos da competencia da Mesa, que se contenham em supplicas feitas por partes, ou em proposições feitas por qualquer dos vogaes, como lhes é licito pelo § 8º deste capitulo. Porquanto lidas as supplicas pelo Escrivão, ou feitas as sobreditas proposições pelos vogaes, e não concordando elles logo conferencial e uniformemente sobre a decisão, se passará immediatamente a votar por via de escrutinio sobre a admissão, ou rejeição do objecto em deliberação, e observada a maioria, se tomará a decisão competente, que se escreverá por despacho nas mesmas supplicas, ou se lavrará termo no livro dos accôrdos, relativo á proposição, de que se trata: tudo assignado pela Mesa, para ter logo a sua devida execução, salvo si o objecto das supplicas, ou proposições fôr da natureza daquellas que exigem a convocação da Junta, como se disse no § 7º, porque então só nesta poderá ser definitivamente decidido.
§ 11. Os orphãos, que houverem de ser admittidos a concurso, terão 7 annos completos de idade, por ser esta, aquella que o Alvará de 21 de Janeiro de 1775 fixou para a manutenção dos expostos pela Casas de Misericordia; e não passam de 9, conforme se acha já assentado por termo. A sua estada no collegio durará quando muito até os 18 annos, dentro do qual periodo nem mãi, nem parente ou tutor terá direito para solicitar a sua sahida por nenhum caso: e quanto aos porcionistas, será a sua entrada de 7 a 12 annos, por estar já em pratica, e permanecerão igualmente até os 18 annos.
Os pretendentes ao concurso dirigirão supplicas á Mesa, com declarações documentadas, quanto fôr possivel, de seus nomes, naturalidades, costumes, e empregos dos pais ou tutores (pretendendo lugares de porcionistas); e pretendendo lugares de orphãos ajuntarão além disto certidão do respectivo Parocho, pela qual conste não só da morte, ou falta do pai, mas do inteiro desamparo por morte ou pobreza da mãi, e destituição do arrimo de qualquer parente eu bemfeitor, sobre cuja base procederá ainda a Mesa ás indagações que lhe parecerem convenientes, afim de que sómente sejam admittidos a concurso os verdadeira e indubitavelmente desamparados; preferindo em iguaes circumstancias os naturaes da Provincia.
Os expostos poderão tambem entrar em concurso, e pretender lugares de orphãos, pois que como taes são considerados pelas leis do Imperio.
§ 12. A Mesa administrativa augmentará, ou diminuirá o numero dos orphãos conforme o seu rendimento, tendo em vista o total de suas despezas, afim de que não contraia empenhos; e dos porcionistas por um arrazoado arbitramento, da despeza que poderão fazer no collegio, estipulando-se as mesadas ou quarteis do respectivo pagamento por termos assignados pelas partes, com fiança idonea perante a Mesa, e com a devida circumspecção, a fim de que a casa e patrimonio dos orphãos desamparados não sejam de fórma alguma sacrificados aos interesses dos porcionistas, mais bem partilhados pela fortuna; antes o patrimonio destes reverta em utilidade daquelles, ficando a Mesa responsavel pelo alcance resultante de qualquer contravenção a este paragrapho.
§ 13. Os porcionistas poderão dirigir as suas supplicas em todo o tempo que seus pais, tutores, ou pessoas, em cujo poder estiverem, julgarem conveniente, e entendendo a Mesa que tem lugar, e procedendo na fôrma do § 12, os admittirá. Os orphãos poderão tambem fazer as suas supplicas em qualquer occasião, ficando a arbitrio da Mesa admittil-os com attenção ás regras postas nos §§ 11 e 12. Nenhum titulo de preferencia, por mais especioso que seja, influirá na recepção dos orphãos. No caso porém da admissão de alguns orphãos, e que nessa occasião concorra maior numero do que seja possivel receber se, a Mesa, tendo feito numerar os requerimentos qualificados com o despacho de - conforme - de nº 1 por diante, mandará fazer um igual numero de bilhetes, todos da mesma feição e tamanho, enumerados de 1 por diante, conformemente aos requerimentos; e depois de bem dobrados os ditos bilhetes, serão postos em um, vaso ou urna, na presença da Mesa, e bem revolvidos pelo Provedor, serão tirados da urna os bilhetes um a um por um menino, os quaes irá o Escrivão logo abrindo, e verificando pela numero a que requerimento correspondem; publicará immediatamente os nomes dos orphãos sorteados, e se lhes porá despacho nas suas supplicas, declarando o dia em que se deverão apresentar para a sua entrada.
Por nenhum outro principio ou maneira poderá ser admittido no collegio algum menino para ser educado á custa das rendas do mesmo collegio, salvo si alguma pessoa em sua vila, ou por meio de testamento quizer dar ao collegio a quantia de 1:600$000 de fundo perdido, para por elle se educar qualquer designado menino, não tendo menos de 7 annos, nem mais de 12, devendo estudar até a idade de 18 quando muito.
§ 14. Os fundos do collegio deverão consistir principalmente em acções da caixa de desconto, e ainda mesmo em predios rusticos ou urbanos, no caso de haver dispensa nas leis de amortização a favor deste pio estabelecimento. Adquirindo o collegio bens de outra natureza, como dividas activas, bens moveis, ou semoventes, estes, a não serem escravos, animaes ou utensilios, que nessa occasião sejam necessarios para o serviço do collegio, serão immediatamente vendidos em hasta publica, ou applicados como melhor parecer á Mesa administrativa, tendo em vista os interesses da casa.
§ 15. A Mesa fica encarregada de proceder com toda a circumspecção, e fazer todas as averiguações necessarias, para que a compra dos predios rusticos e urbanos, caso ella seja permittida, se faça com a devida discrição e acerto, tanto a respeito de sua qualidade, não annuindo jámais a comprar por suggestões dos interessados predios máos, ou ainda bens por preços excessivos, como a respeito da segurança das mesmas compras, não comprando jámais bens, por cuja occasião se possam receiar litigios com alguma probabilidade, e fazendo consignar sempre o preço da cumpra, mandando proceder ás diligencias e citação dos credores certos, ou incertos, conforme a Ord. do Liv 4º Tit. 6º, quér a compra seja convencionalmente feita por escriptura publica, quér por via de arrematação em hasta publica, afim de que os predios lhes fiquem pertencendo livre e desembargadamente sem mais responsabilidade pelos anteriores encargos e hypothecas.
§ 16. Os predios rusticos serão ou aforados perpetuamente, ou por tres e mais vidas, com estipulação de laudemios e pensões favoraveis ao collegio, proporcionadas ao valor progressivo das terras, e com outras condições compatíveis com a natureza do aforamento, no caso de serem os ditos predios absolutamente incultos, conforme o que se determina na Carta de Lei de 4 de Julho de 1776, ou arrendados, no caso de serem predios já cultivados, com a estipulação de competentes rendas, e determinação clara e explicita das bemfeitorias necessarias e uteis que se permittem, e a cuja compensação sómente ficará o collegio obrigado, renunciando os rendeiros á generalidade da Ord. Liv. 4º Tit. 54 § 1º, para se evitarem litigios que por falta dessa cautela se poderão originar. Os sobreditos contractos de aforamento, ou renda de predios rusticos se celebrarão sempre pela hasta publica, e com segurança de fiador idoneo á renda, com prazos sufficientemente longos para animar o interesse dos rendeiros, e o progresso da agricultura do paiz, quando forem simplesmente arrendados.
§ 17. Os predios urbanos serão arrendados com os prazos ordinarios, e do estylo do paiz, e com fiador idoneo que se obrigue como principal pagador para com a Mesa. Nestes arrendamentos, no caso em que se e não possam commodamente realizar pela hasta publica, prescindir-se-ha della; mas quando forem de objectos de maior monta, e de implicancia para o futuro, far-se-hão por escripturas publicas, ou ao menos por termos subscriptos pelo Escrivão, assignados pelos inquilinos,e seus fiadores, estipulando-se explicitamente as condições, e bemfeitorias que se autorizam, o que tudo é conforme ao espirito da Ord. do Liv. 1º Tit. 88 § 23, e Assento de 23 de Julho de 1811. E quanto aos de menor monta, serão feitos pelo Thesoureiro de accôrdo com o Escrivão, dando parte á Mesa na primeira sessão.
§ 18. Haverá no collegio um cofre forte com tres chaves de differentes guardas, de que serão clavicularios o Provedor, o Escrivão e o Thesoureiro. Estando impedido o Provedor ou Thesoureiro, poderão dar a chave a qualquer pessoa de sua confiança, que por elle sirva debaixo de sua responsabilidade; mas em nenhum tempo poderá uma pessoa só ter duas chaves. Dentro do dito cofre se guardarão não só os dinheiros em especie pertencentes ao collegio, mas tambem joias, emquanto se não distrahirem conforme ao § 14, e as escripturas, e quaesquer outros papeis de grande importancia, e que constituam o archivo do collegio.
§ 19 Haverá durante a administração de cada Mesa um livro de receita e despeza do cofre. Este livro será escripturado com toda a distincção e clareza, lançando-se por extenso no corpo do assento as quantias que devem sahir fóra por algarismo, sommando-se a importancia do total no fim de cada paginal, e balanceando-se a receita com a despeza no fim de cada mez. O Escrivão assignará com o Thesoureiro, ou quem por elle servir, as cargas das entradas ou receitas, dando-se á parte uma cautela por ambos assignada, e com referencia á pagina do livro do cofre; e com o Provedor, ou quem tiver a sua chave, as partidas do pagamento e despeza, que serão igualmente assignadas pela parte que receber, ficando os clavicularios responsaveis por qualquer addição que se lance em despeza sem a dita assignatura da parte, e sem ser autorizada pela Mesa, a qual collectivamente é tambem responsavel pela autorização, e approvação das mesmas despezas.
O sobredito livro da receita e despeza será remettido pela Mesa que succeder na administração, juntamente com os documentos que a legalisam, a dous dos mesarios mais zelosos e intelligentes que houverem servido anteriormente no collegio, afim de que examinem a conta, e deem por escripto no fim do mesmo livro a sua opinião, notando os erros e omissões que encontrarem, sem o que não poderá a Mesa existente approvar a conta da Mesa sua antecessora.
§ 20. Haverá, para durar, emquanto tiver papel em branco, um livro que, servindo ao mesmo tempo de diario e mestre, preste para nelle se abrirem contas correntes a todas as pessoas que tiverem transacções com o collegio, ainda mesmo sendo Mordomos ou Procuradores do mesmo collegio, afim de que a todo o tempo conste o saldo de suas respectivas contas. Haverá tambem um livro de inventario de todos os bens do collegio; um de accôrdos da Mesa e Junta; um para os subscriptores assignarem nelle os donativos que fizerem ao collegio; um dos registros dos diplomas favoraveis; um de termos; um de eleições; um de matricula, entrada e sahida dos orphãos e porcionistas e quaesquer outros que a arbitrio da Mesa se julgarem necessarios para formar uma escripturação completa nos diversos ramos de sua administração: devendo todos os sobreditos livros ser numerados, rubricados e encerrados pelo Provedor; e os que forem relativos simplesmente á educação dos collegiaes, serão rubricados e encerrados pelo Reitor do collegio. Tanto pelo que toca á repartição do cofre, como no que diz respeito á mais escripturação, não deve haver jamais mysterio ou segredo algum, sendo licito a qualquer membro da Mesa ou Junta instruir-se em todo o tempo do estado da dita escripturação, sem que alguem lh'o possa obstar, porque, além de que a causa dos orphãos interessa igualmente a todos os seus administradores, e deve ser francamente tratada, até para se acreditar na opinião publica o bom conceito dos bemfeitores, de quem depende a conservação e prosperidade do estabelecimento, póde esse vogal lembrar qualquer correcção e melhoramento vantajoso que deva aproveitar-se, sendo proposto, e convenientemente discutido.
§ 21. Ao Provedor, como Presidente da Mesa, pertence fazer em seu nome as convocações extraordinarias da Mesa e Junta nos casos designados nestes estatutos; fazer reinar a ordem nos actos a que deve presidir, impendo silencio aos que nas conferencias se portarem com falta de respeito e decencia, ou fizerem alterações demasiadamente contenciosas, ordenando em tal caso que se passe a votar por escrutinio, ainda quando nenhum dos outros vogaes o reclame; fica porém prohibido ao Provedor decidir por si só, e fóra da Mesa, qualquer objecto, podendo sómente despachar petições para se passarem certidões de cousas constantes dos livros e archivos do collegio a requerimento das partes, facultar aos collegiaes sahir fóra na conformidade dos estatutos, e providenciar alguma outra cousa que não soffra demora, participando-a á Mesa na primeira sessão seguinte.
§ 22. Ao Escrivão incumbe escrever os despachos da Mesa, e dirigir a escripturação do collegio, pelo que frequentará com assiduidade a Secretaria, fazendo que o Escripturario, havendo-o, cumpra exactamente as suas obrigações, e se evite a falta de assentos tão prejudiciaes em qualquer administração. Igualmente incumbe ao Escrivão, logo que entrar a nova Mesa, dar-lhe no prazo de oito dias uma lista resumida dos bens da casa, estado em que se acham, assim como da arrecadação em geral.
§ 23. Ao Mesario, que exercitar a mordomia do collegio, na fórma do § 4º deste capitulo, pertence prover a tudo que fôr preciso para o fornecimento da despensa, enfermaria, copa, e algum outro objecto determinado pela Mesa; para o que irá recebendo do Thesoureiro as quantias que se julgarem necessarias, e procederá em tudo com a discrição e zelo que deve inspirar a causa dos miseraveis orphãos. Quando o Mordomo enviar viveres, e quaesquer outros objectos do consumo do collegio, os mandará apresentar ao Reitor, e na sua falta ao Vice-Reitor, com uma relação assignada, a qual, achando-se conforme, a rubricará o Reitor, e a tornará a enviar ao Mordomo, para com ella documentar a sua conta do mez. A conta do Mordomo deverá ser balanceada no fim do seu mez, e a haverem differenças, ou saldos, se pagarão immediatamente.
§ 24. Ao Thesoureiro pertence receber toda e qualquer quantia que deva entrar na casa, dando quitações com o Escrivão, cuidar no reparo de collegio, e das propriedades, ou seja maior ou menor, vestuario dos orphãos e famulos; pagar toda e qualquer despeza, procurando poupar tudo quanto fôr compativel com o commodo da casa, pois que a elle compete a immediata fiscalisação da economia della. Todas as folhas de jornaes serão assignadas pelos respectivos mestres, e os titulos de compras pelos vendedores.
§ 25. O Procurador é obrigado a avisar para as Mesas, e Juntas por ordem do Provedor, e quando pelo Escrivão lhe fôr indicado; agitar as demandas; cobrar os alugueis e mais rendas do collegio; e de accôrdo com o Thesoureiro examinar o estado das propriedades, para ver se precisam de concerto, e augmento de alugueis, e ainda encarregar-se desses concertos, e procurar tudo o mais que fôr a beneficio do collegio, sempre debaixo das ordens da Mesa, a qual poderá dividir o trabalho, e allivial-o de parte de alguns destes encargos, se lhe parecer conveniente.
Quando lhe forem confiadas as quitações para diligenciar as cobranças do collegio, assignará em um livro, em que ellas devem ser lançadas, a certeza do seu recebimento; e quando entregar ao Thesoureiro as quantias que fôr cobrando, irá este assignando esta certeza ao lado do lançamento das sobreditas quitações, afim de que o Escrivão faça as devidas cargas ao Thesoureiro, com a precisa exactidão, e possa mais promptamente fazer as necessarias conferencias da certeza, e cobrança das rendas do collegio. As despezas desta repartição, sendo feitas fóra do collegio, não exigem a rubrica do Reitor, e serão documentadas com as ferias dos officiaes mecanicos, assignadas pelos respectivos mestres das obras, e contas assignadas pelos Advogados, e Solicitadores das causas judiciaes.
O Procurador balanceará a sua conta todos os mezes, ou quando a Mesa julgar conveniente; e havendo differenças ou saldos, serão estes feitos immediatamente.
§ 26. A Mesa determinará o destino dos orphãos da maneira que lhe parecer mais conveniente, pondo-os, logo que tiverem a instrucção que considerar necessaria, a aprender as artes mecanicas, seja no Arsenal e Trem Imperial, seja entregando-os a mestres particulares por tempo convencionado, empregando a sua influencia para os seus destinos, conforme a inclinação que mostrarem, entendendo-se sempre que, uma vez sahidos do collegio, nenhum direito mais têm ao beneficio da casa.
§ 27. Nenhum vogal durante o seu exercicio em Mesa poderá com esta contrastar, nem fazer transacção alguma relativa aos bens e quaesquer outros objectos do collegio: os mesmos empregados assalariados apenas poderão fazer com a Mesa convenções relativas a seus salarios, debaixo da pena de nullidade.
§ 28. A Mesa deverá no fim do anno mandar extrahir um balanço geral dos fundos, dos reditos, e despezas do mesmo anno, conforme o que constar dos livros do inventario, mestre, e receita e despeza do cofie, e igualmente um estracto do numero, idade, progresso, e destino dos collegiaes: o que tudo, depois de verificado e approvado pela Mesa; será enviado com carta de officio ao Presidente da Provincia; e com a sua approvação se mandará imprimir e distribuir gratuitamente ao publico.
§ 29. Haverá uma festa annual no terceiro domingo de Agosto, dia de S. Joaquim, Padroeiro do collegio, á qual assistirá a Mesa, sendo toda a despeza della, que não excederá a 80$000, á custa da casa. Esta festa será offerecida a Deus pela conservação da vida e saude de Sua Magestade o Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Imperio, e de toda a Imperial Familia. Haverá missa de incenso na dia 12 de Outubro, natalicio do mesmo Augustissimo Senhor, Protector do collegio, a qual será offerecida a Deus pela sua saude e prosperidade do Imperio. Haverá igual missa no dia 3 de Maio, a qual será tambem offerecida a Deus por todos os bemfeitores da casa pia e collegio, e todas celebradas pelo Reitor, ou Vice-Reitor.
CAPITULO III
DA JUNTA
§ 1º A Junta sei a composta de 20 pessoas, que tenham servido com zelo os principaes cargos da Mesa, havendo-as, e em falta, de quaesquer bemfeitores do collegio que pareçam para isso idoneos, a arbitrio da mesma Mesa. A reunião da Junta terá lugar sempre que os negocios da casa exijam esta medida, tratando-se em Mesa antecipadamente da convocação de mesma Junta, e escrevendo-se os avisos para ella em nome do Provedor.
§ 2º Perante esta Junta, assentada em commum com a Mesa, e presidida pelo Provedor, e na sua falta, pelo do anno anterior, fará o Escrivão da Mesa um relatorio do estado geral do collegio, e dos inconvenientes que se tem praticamente encontrado na execução de alguns artigos dos estatutos, quando essa seja a materia de que se deva tratar, ou quando se tenha em vista algum certo e determinado objecto, exporá o particular negocio que motiva a convocação da Junta; e passando-se a deliberar conferencialmente, ou por via de escrutinio, conforme se disse a respeito da Mesa neste tit. cap. 2º §§ 8, 9 e 10, lançar-se-ha pelo Escrivão no livro dos accôrdos o que fôr decidido, afim de se lhe dar a devida execução, sendo negocio que se possa logo realizar, ou de se propor á Augusta Consideração de Sua Magestade Imperial, quando tiver por objecto a reforma, ou correcção de alguns artigos dos presentes estatutos.
TITULO II
Da organização do collegio
CAPITULO I
DAS AUTORIDADES E EMPREGADOS QUE DEVEM HABITAR DENTRO DO COLLEGIO, E SUAS OBRIGAÇÕES
§ 1º Os empregados, que devem residir dentro do collegio, são: um Reitor, um Vice-Reitor, um Economo, um Enfermeiro, e um Porteiro.
§ 2º Do Reitor. - O Reitor deverá ser um presbytero de consumada prudencia, intelligencia e virtude. Elle é o chefe immediato dos empregados, e pessoas que residem dentro do collegio, os quaes por isso lhe devem obedecer em tudo o que pertencer á utilidade e serviço do mesmo collegio, podendo todavia recorrer á Mesa no caso de se sentirem aggravados. Deve vigiar muito seriamente na paz, socego, asseio, boa ordem, e abastança do interior da casa, concorrendo com o Thesoureiro para o conseguimento destes fins, informando-o de todos os objectos que devem ser fornecidos ás officinas e consumo dos collegiaes, assim como dos reparos necessarios á conservação do edificio, e recorrendo immediatamente á Mesa no caso de se lhe não dar logo prompta providencia. Deve conferir e rubricar as relações dos viveres e mais objectos de despezas feitas pelo Mordomo dentro do collegio, e igualmente as receitas para os doentes, que no livro competente se enviarem ao boticario. Deve ter para com os collegiaes a ternura e mansidão proprias dos pais para com os filhos, unindo-lhe a gravidade necessaria para conciliar o respeito. Incumbe-lhe dirigir a educação religiosa e moral dos collegiaes, presidindo aos actos religiosos, ensinando-lhes a doutrina christã, ao menos aos domingos e dias santos, depois da missa, obrigando aos mais provectos a ler e decorar, além do cathecismo, o manual da religião christã, e legislação nacional, adoptado para uso do collegio, e dando-lhes sôbre tudo com o seu exemplo lições praticas de solida piedade, justiça, e geral benevolencia, por cujos principios fará, quanto estiver da sua parte, que os collegiaes dirijam suas acções, assim como que observem as regras pertencentes á educação physica, politica, e exacta disciplina do collegio. Poderá visitar as aulas quando quizer, e em horas desencontradas, para observar o comportamento dos Lentes, sem que isso lhe possa ser estranhado por estes. Presidirá á Congregação dos mesmos Lentes, que deve haver mensalmente, marcando-lhes o dia, conforme se dirá no plano de instrução, e de commum accôrdo com elles tratará das causas pertencentes á educação e ensino dos collegiaes, afim de informar competentemente á Mesa a este respeito. Nomeará semanariamente d'entre os collegiaes o hebdomadario, o leitor, e todos os mais que forem necessarios ao bom regimen e economia do collegio. Deverá o Reitor residir constantemente no collegio, sem jámais pernoitar fóra delle, salvo em caso de urgentissima necessidade, e ficando em seu lugar o Vice-Reitor: em todo o caso não poderá ausentar-se por mais de 8 dias sem licença da Mesa. Acompanhará os collegiaes sempre que possa, quando com licença da Mesa ou do Provedor sahirem em communidade, juntamente com o Vice-Reitor. Assistirá ao acto da comida dos collegiaes com o Vice-Reitor, ainda no caso que alguma vez não usem della com elles. Fica a seu arbitrio a metade do tempo das ferias, de accôrdo com o Vice-Reitor; porém si por acontecimento de molestia fôr embaraçado de recolher-se no tempo marcado, o fará immediatamente participar por carta ao Provedor, para este fazer conhecer á Mesa o motivo que o obrigou a essa falta; e succedendo o contrario, deliberará a Musa o que melhor convier. O Reitor deverá explicar no collegio o Evangelho, e o cathecismo nos domingos, á hora que entender mais commoda, e em determinado lugar, para que todos os collegiaes e famulos da casa possam assistir, e aproveitar-se desta doutrina. As missas do Reitor são livres, menos as dos domingos e dias santos, e de qualquer outro dia de festa, ás quaes precederão tres signaes de toque do sino: o primeiro logo que o Vice-Reitor acabar de a dizer; o segundo ás oito horas e meia; e o terceiro ás nove, tempo em que a principiará immediatamente; entendendo-se o mesmo quando por impedimento do Reitor a disser o Vice-Reitor. Quando succeda impedimento de ambos, providenciará em tempo o Reitor, para que haja sempre essa missa e apolicada por todos os bemfeitores do collegio.
3º Do Vice-Reitor. - O Vice-Reitor é immediato ao Reitor, e o ajudará a dirigir o collegio, concordando nessa divisão de trabalho prudentemente; e em falta do Reitor faz as suas vezes, guardando as regras acima estabelecidas; pelo que deverá ser igualmente um presbytero intelligente, e de bons costumes. Fica a seu cargo a bibliotheca, e á sua responsabilidade. Compete-lhe a metade do tempo das ferias, a seu arbitrio, de accôrdo com o Reitor; acontecendo porém impedimento legitimo, que o obrigue a exceder o tempo marcado, participará immediatamente por carta á Mesa, e ao Reitor o motivo dessa falta; e succedendo o contrario, deliberará a Mesa como melhor convier. As missas do Vice-Reitor são livre, á excepção das dos domingos e dias santos, e de qualquer outro dia festivo; e serão estas applicadas pelos bemfeitores do collegio, e ditas ás 7 horas, menos quando se achar impedido o Reitor, porque em tal caso as dirá ás 9, como se declara no § 2º deste capitulo.
§ 4º Do Economo. - O emprego de Economo deve recahir em um sujeito, o qual não só tenha boa moral, louvavel conducta, e exemplar procedimento, mas tambem que seja acreditado na opinião publica. Na razão do seu emprego é subordinado ás ordens das autoridades constituidas para o bom regimen e governo do collegio. E' responsavel pelas officinas, a saber: despensa, cozinha, refeitorio e rouparia, fazendo com seu exemplo que qualquer, que nellas fôr empregado, cumpra exactamente com os seus deveres.
§ 5º Do Enfermeiro. - O Enfermeiro não só deve ser revestido das mesmas qualidades que se exigem no Economo, mas principalmente deve resplandecer nelle a virtude da caridade, a qual em razão do seu emprego deve praticar muitas vezes com os tenros enfermos que forem confiados ao seu desvelo, tratamento e cuidado. Da mesma sorte é subordinado ás determinações dos superiores, com a mais restricta responsabilidade por qualquer infracção das suas obrigações.
§ 6º Do Porteiro. - O Porteiro, a quem na qualidade do seu emprego incumbe entender-se primeiramente com qualquer pessoa que se dirija ao collegio, além de bons costumes e exemplar procedimento, deve ser dotado de consumada prudencia, moderação, e urbanidade. E' de seu dever tratar a todos os hospedes mui polidamente, e vigiar si os collegiaes, ou famulos, que sabem, têm para isso faculdade, conformando-se em tudo com as determinações dos superiores, e com as regras prescriptas no cap. 4º § 9º deste titulo.
CAPITULO II
DOS EMPREGADOS QUE PODEM RESIDIR FÓRA DO COLLEGIO
§ 1º Estes empregados são os seguintes:
1º Professores das doutrinas que se ensinarem no collegio, conforme a parte do plano de instrucção que fôr posta em execução.
2º Um Escripturario encarregado de toda a escripta do collegio, debaixo da inspecção do Escrivão.
3º Um Professor de medicina e cirurgia.
4º Um Boticario.
§ 2º Os Professores, que se propuzerem a ensinar qualquer ramo de instrucção estabelecido no collegio, deverão ser dotados não só de intelligencia e litteraria capacidade, mas principalmente de boa e irreprehensivel conducta, afim de que o seu exemplo firme, consolide a sua doutrina, e concorra para o grande objecto da educação moral dos collegiaes. Desempenharão exactamente o plano de instrucção na parte que lhes fôr relativa, indo ao collegio pontualmente nas horas marcadas na pauta ou horario, e em todos os dias, á excepção dos domingos, dias santos, e do tempo destinado para ferias; tendo cadernos em que façam observações sobre o progresso e moralidade dos seus alumnos, e dando de tudo conta nas Congregações mensaes, conforme se contém no mesmo plano.
§ 3º O Escripturario deverá ser igualmente pessoa de bons costumes, que escreva desembaraçadamente, e versado em escripturação e arranjo de contas. Será obrigado a escrever na secretaria do collegio todos os dias, á excepção dos domingos e dias santos não dispensados, salvo havendo Mesas, ou Juntas, porque então deverá tambem comparecer para escripturar o que lhe fôr determinado. Escreverá debaixo da direcção do Escrivão da Mesa todos os livros e papeis pertencentes á administrarão do collegio, bem como tudo mais que sob a direcção do Reitor respeitar á economia do collegio, e educação dos collegiaes, trazendo sempre todos os livros e papeis em boa guarda e ordem, e a escripturação completa e em dia, para cujo fim trabalhará todo o tempo que a Mesa por direcção do Escrivão entender necessario, que não poderá nunca ser menos de seis horas por dia, ainda mesmo quando a escripturação estiver muito adiantada.
§ 4º O Professor de medicina e cirurgia visitará promptamente o collegio todas as vezes que fôr chamado, e exigir o tratamento dos doentes, em regra duas vezes por semana.
Prescreverá os remedios e dietas convenientes, devendo haver no collegio um livro destinado para cada um destes dous objectos, nos quaes escreverá o dito Professor, declarando os nomes dos doentes por quem se prescrevem. No mesmo livro das dietas, mas em lugar separado, poderá offerecer á consideração da Mesa as observações que lhe occorrerem sobre os defeitos do plano de educação physica, e lembrar as regras de hygiene que lhe parecerem proprias para sua correcção.
§ 5º O Boticario não aviará receitas para o collegio, sem que se lhe apresentem lançadas no livro competente dos remedios, assignadas pelo Professor de medicina e cirurgia, e pelo Reitor; e enviará os remedios sempre bem tapados, e lacrados com o seu respectivo sinete.
CAPITULO III
DOS COLLEGIAES
§ 1º Os collegiaes porcionistas apresentarão na ocasião da entrada os artigos de vestuario, utensilios e livros que lhes forem indicados pelo Reitor, conforme um plano geral approvado pela Mesa; e os orphãos receberão estes mesmos artigos, quando os não obtenham de algum bemfeitor, á custa das rendas do collegio, e conforme as circumstancias o permittirem a arbitrio da Mesa.
§ 2º Todos os collegiaes orphãos, e porcionistas formarão um corpo dividido em duas secções. A primeira será composta dos collegiaes que tiverem 7 até 12 annos de idade; a segunda dos que excederem a dita idade: cada uma das sobreditas secções será subdividida em decurias compostas de 10 collegiaes. As decurias serão nomeadas com o numero de 1ª, 2ª, 3ª, etc., da 1ª ou 2ª secção. Os collegiaes de cada decuria terão o numero de 1 a 10, e serão presididos por um decurião escolhido pelo Reitor d'entre os mais benemeritos da decuria, tanto em costumes, como em applicação. Além deste decurião de cada uma das decurias, haverá tantos geraes com o titulo de prefeitos, quantas vezes houver cinco decurias, os quaes receberão pela manhã as ordens do Reitor, para as fazer executar nas suas respectivas decurias, onde serão respeitados como taes; e uns e outros conservados, ou removidos conforme o seu comportamento. Os decuriões serão distinctos com um laço de fita estreita com cores verde e amarella, collocado abaixo da insignia do calix, e os prefeitos com uma fita de meia largura das mesmas cores com laços nas extremidades, pendente ao pescoço; advertindo-se porém que, em geral, além dos numeros, os collegiaes terão um distinctivo que os faça conhecidos, e a que decuria pertencem, o que fica ao arbitrio do Reitor; e com este distinctivo se marcarão os seus respectivos vestuarios, e quaesquer utensilios, para que se não confundam, e possa cada um delles zelar competentemente essa sua primeira propriedade, tendo de tudo relações escriptas pelos mesmos collegiaes, quando já saibam escrever, ou aliás por seus decuriões.
§ 3º A divisão das decurias é independente de qualquer outra que possam fazer os Professores nas suas respectivas aulas para a economia da instrucção; e deve subsistir sempre para a boa ordem do collegio, sendo os collegiaes nomeados decuriões obrigados a inspeccionar todos os membros da sua decuria em qualquer parte onde elles se acharem, aconselhando-os a cumprir os seus deveres, tanto pelo que toca á instrucção, como pelo que diz respeito ás regras da educação physica, moral, e religiosa, e dando immediatamente conta ao prefeito de todos os acontecimentos notaveis das suas respectivas decurias, para este os levar ao conhecimento do Reitor. Exceptuam-se desta inspecção os collegiaes nomeados para presidirem nos diversos empregos do collegio, os quaes só respondem immediatamente ao Reitor, emquanto assim estiverem empregados.
§ 4º Os collegiaes terão toda a reverencia ao Reitor, Vice-Reitor, e Professores, e obedecerão igualmente aos decuriões, e estes aos prefeitos em tudo que por elles fôr determinado para execução do plano de educação, e regras conteúdas nestes estatutos. Os collegiaes sé tratarão uns aos outros como irmãos e amigos, e usarão com os famulos de toda a doçura e caridade, que a razão e a religião christã nos inspira para todos os nossos semelhantes.
§ 5º Os collegiaes deverão servir a si proprios, sem jámais para isso occupar os famulos do collegio: portanto logo que se erguerem, cobrirão as suas camas, varrerão os seus aposentos, depositarão o lixo fóra da porta, e se vestirão promptamente, esperando a ordem do chefe da decuria para principiarem os trabalhos do dia.
§ 6º Os collegiaes orphãos jámais poderão sahir fóra do collegio, senão em companhia do Reitor, ou Vice-Reitor; mas aos porcionistas permitte-se no tempo das ferias, ou em qualquer occasião em que elles sejam requeridos por seus pais, ou pessoas que os representem, sendo entregues a estes, ou a quem fôr por elles autorizado, e devendo voltar ao collegio sempre acompanhados das sobreditas pessoas, para constar que não excederam ás suas ordens; aliás o Reitor os não receberá, salvo por despacho da Mesa.
§ 7º Se apparecerem parente, ou bemfeitor de algum orphão, que queira encarregar-se da sua educação; levando-o para sua companhia antes de haver terminado o tempo de estada no collegio, a Mesa o não consentira sem que saiba ler, escrever e contar, e grammatica portugueza, salvo se a Mesa reconhecer com toda a evidencia que o que requer, tem possibilidade para adiantar o orphão, e concorrer para sua fortuna, devendo neste caso assignar termo de fazer dar ao orphão uma educação tanto ou mis liberal e perfeita, do que elle poderia receber no collegio, debaixo da responsabilidade para com o mesmo orphão pela perda que nisso haja de soffrer.
CAPITULO IV
DA POLICIA E DISCIPLINA DO COLLEGIO
§ 1º A policia e disciplina do collegio são encarregadas immediatamente ao Reitor, com subordinação aos accôrdos da Mesa. Ellas têm por objecto a conservação e asseio do mesmo collegio, seus moveis e utensilios; a facilidade, boa ordem, e regularidade do serviço que nelle se executa; e finalmente a correcção das faltas que forem commettidas contra as regras estabelecidas nos estatutos.
§ 2º Os quartos dos collegiaes, e todas as suas e officinas do collegio devem conservar-se sempre em asseio o mais exacto.
§ 3º Haverá uma casa proxima á casa de jantar, com o titulo de copa, e ahi se guardarão as rouIpas, louça, vidros, e mais objectos do serviço da mesa, e se depositarão as comidas que ficarem reservadas de uma para outra refeição, a fim de que se tenham em boa guarda, e com o devido asseio.
§ 4º A despensa será collocada em lugar bem arejado, claro, e não muito distante da cozinha. A cozinha será azulejada em todas as suas paredes, as quaes serão esfregadas todas as semanas; e terá uma mesa para o serviço, que será lavada com todo o cuidado todos os dias. A agua para o uso da cozinha e mais officinas estará em vasos, onde se conserve sempre em asseio; as panellas, marmitas, e cassarolas deverão ser de folha, ou barro bem cozido, mas não vidrado. E' absolutamente prohibido usar de vasos de cobre nesta repartição, e ainda em qualquer outra onde se possam receiar consequencias de azinhavre.
§ 5º A enfermaria será collocada em lugar para isso apropriado, e consultando-se a esse respeito os peritos da medicina. Haverá um sufficiente numero de camas com caixas de retrete entre uma e outra, e a competente roupa destinada para as camas, e vestuario dos doentes; um lavatorio, e uma toalha que se renovará com frequencia a arbitrio do respectivo facultativo; uma ou mais tinas montadas sobre carretas para uso de banhos; havendo o maior escrupulo em que tudo se conserve no mais exacto asseio.
§ 6º As roupas de cada officina terão uma marca bem distincta, de modo que jamais se confundam, principalmente as da enfermaria. Em todas haverá prateleiras, e gavetas para guarda dellas, e outros utensilios; e igualmente cadernos com a sua relação, pelos quaes se farão as entregas, e se tomarão as contas aos que nas officinas servirem, além do inventario geral de todos esses objectos, que deve estar em poder do Reitor, e com o qual devem conferir os sobreditos cadernos. Na despensa haverá um livro onde se descrevam exactamente, além dos utensilios, todos os viveres e fornecimentos que nella entrarem e sahirem; e tanto o livro da despensa, como os cadernos das outras officinas, estarão sempre patentes ao Mordomo do mez para conhecer o estado dellas, fazer as combinações que julgar necessarias a bem da economia do collegio, devendo em todos elles (a ser possivel) escrever os mesmos collegiaes que servirem nas officinas.
§ 7º Haverá uma casa com o titulo de rouparia, onde não só estejam todas as roupas lavadas, mas se recolha a que se houver de dar a lavar, toda a cargo do Economo, e descripta no livro competente. As roupas da enfermaria se depositarão com toda a separação e cautela, para que de modo nenhum se misturem com as outras officinas, ou com as dos collegiaes em saude, que todas devem ter a competente marca, como já fica dito no paragrapho antecedente, e no § 7º do Cap. 3º deste titulo.
§ 8º Far-se-ha diligencia para se encaminharem as aguas das chuvas, e as das lavagens e serviço das officinas ao lugar das cloacas, e quaesquer outros onde muito cumpra manter o asseio. Se apezar de cautelas houver máo cheiro diffundido na atmosphera, parecendo conveniente purificar-se-ha o ar com o uso dos acidos muriatico, nitrico, ou acetico, em vapores, e pelo methodo que prescrever o Professor de medicina e cirurgia, ficando prohibido o uso da alfazema, e outros perfumes, que além de mais dispendiosos, se tem julgado improprios para conseguir a salubridade do ar.
§ 9º A porta do collegio se abrirá ás 6 horas da manhã, e se fechará ás Ave-Maria. A' excepção das pessoas empregadas no serviço do collegio, não se permittirá que entre ou saia alguem, sem licença do Reitor; e sendo do sexo feminino, quando forem mãis, avós, ou outros parentes proximos dos collegiaes. Haverá, além da sineta da porta, outra em lugar proprio para o Porteiro fazer os signaes, conforme pelo Reitor lhe fôr determinado, quando houverem de entrar ou pessoas a visitar ocollegio, ou pessoas nelle residentes.
§ 10. Haverá um lugar commurn para todos os collegiaes nelle fallarem ás pessoas que vierem de fóra procural-os em horas opportunas, precedendo licença do Reitor, como fica dito; não será porém licito receber visitas em horas de aula, ou outros exercicios pertencentes á economia do collegio; e no caso que, durando a visita, se faça signal para alguns dos sobreditos exercicios, findará a conversação e o collegial pedirá licença ao seu hospede para se retirar, salvo sendo ampla a que tiver obtido do Reitor. O Reitor ou Vice-Reitor, assistirá a estas visitas todas as vezes que fôr possivel, para ensinar aos collegiaes a pratica da urbanidade, e inspirar-lhe por seu exemplo, que é melhor que todas as regras, maneiras polidas e modestas, que mostrem respeito, estima e benevolencia, mas sem ressabios de lisonja, dissimulação, ou baixeza.
§ 11. O collegio será alumiado á noite por lampeães que se terminem em tubos capazes de conduzir o fumo fóra da casa, sendo isso possivel; usar-se-ha de azeite de mamona, ou de cóco; e serão collocados os ditos Iampeões nos lugares indispensaveis, a arbitrio do Reitor com approvação da Mesa. Estes lampeões se apagarão á hora de recolher, ficando apenas luzes nos lugares de absoluta precisão.
§ 12. A distribuição das horas do dia, e determinação do tempo para cada um dos serviços, serão reguladas por uma pauta, ou horario. Esta pauta ou horario será organizada pelo Reitor, tendo em consideração os trabalhos economicos do collegio, e aquella parte do plano de instrucção que effectivamente se mandar pôr em execução, o que sendo dependente do arbitrio da Mesa, e calculo das rendas do collegio, não se pôde de ante-mão fixar de uma maneira certa e invariavel. O horario será apresentado á Mesa; e sendo por ella approvado, se colocará no lugar mais patente do collegio para servir de regra impreterivel, fazendo-se signaes de sineta para cada um dos exercicios pelo collegial hebdomadario. A' proporção que o plano de instrucção fôr tendo maior extensão, ir-se-hão fazendo no horario as correcções que parecerem convenientes.
§ 13. Faltando qualquer dos empregados assalariados ás suas obrigações, serão advertidos pelo Reitor, pela primeira vez em particular, pela segunda em presença de outros empregados; e caso se não corrijam, participar-se-ha á Mesa para o providenciar cum a diminuição dos salarios, ou mesmo com a despedida dos ditos empregados.
§ 14. Os collegiaes, que commetterem faltas, serão advertidos pelos Professores, sendo as faltas relativas á instrucção, e commettidas dentro das aulas, fazendo-lhes ver com horror as consequencias dessas faltas; e até serão castigados prudentemente, quando forem imiteis estas advertencias, ou pelo Reitor, sendo as faltas fóra das aulas. Os castigos se regularão segundo o systema exposto no plano de educação.
§ 15. Far-se-ha diligencia por estabelecer no collegio officinas de algumas artes das mais necessarias, como as de alfaiate e sapateiro; porque o mesmo collegio póde fornecer-lhes serviço continuado, pelo estrago que os meninos costumam a fazer no vestuario e calçado; e podem estos trabalhos constituir ás vezes um meio de correcção para certas faltas dos collegiaes, principalmente dos orphãos, como se dirá na tabella das culpas e castigos.
TITULO III
Da educação dos collegiaes
CAPITULO I
DA EDUCAÇÃO EM GERAL
§ 1º A educação tem por objecto aperfeiçoar, e dirigir as faculdades physicas e moraes do homem, pira utilidade do individuo que a recebe, e da sociedade civil de que elle é membro.
§ 2º Pelo que toca ao physico, devem os collegiaes ser dirigidos de modo, que adquiram o maior grão de força e robustez de que as suas constituições furem capazes, e se tornem proprios para servir a sociedade com os seus braços, e commetter os trabalhos mais arduos da vida, para os quaes os orphãos parecem já destinados pelas circumstancias de sua pobreza e desamparo, e a que os porcionistas poderão ser obrigados pela incalculavel instabilidade das cousas humanas.
§ 3º Ainda que a civilisação tenha inventado quasi-infinitos meios de supprir e augmentar a força dos braças do homem, e que a mesma defesa do Soberano e da patria não pareça ter presentemente della tão grande dependencia, como acontecia entre as nações antigas, algumas das quaes segundo o testemunho de Eliano, levavam a disciplina a ponto de punir os cidadãos, cujos corpos apresentassem qualquer indicio de molleza; seria todavia um erro crasso abandonar por isso o plano da nossa perfeição physica, da qual se póde ainda hoje tirar muito grandes vantagens, e que é intimamente ligada com a perfeição intellertual e moral do espirito. A experiencia das mesmas nações antigas mostra que o projecto de melhoramento e perfeição physica não é chimerico, pois que factos da mais averiguada certeza provam que ellas supportavam trabalhos, que hoje parecem incriveis, e tinham por via de habitos de frugalidade, e continuados exercicios chegado a formar como uma nova constituição. Imitando-se portanto quanto fôr possivel aquelle processo simples, e indicado pela mesma natureza, é de esperar que nos apro ximemos áquelles beneficias resultados a favor da geração presente.
§ 4º Pelo que diz respeito á parte litteraria e moral, deve a educação ter em vista preparar os collegiaes com os conhecimentos convenientes, e indispensaveis aos empregos da vida commum; e sobre tudo communicar-lhes noções claras da virtude, e do vicio, das acções licitas, e illicitas conforme os principios da razão, da religião, e até das leis penaes do nosso codigo nacional.
§ 5º Para se conseguiremn os fins acima ditos, proceder-se-ha da maneira mais facil, e accommodada ás circumstancias dos collegiaes, seguindo-se, quanto fôr possivel, a marcha e desenvolvimento natural das faculdades do espirito, principiando-se pelos conhecimentos mais obvios, e sujeitos á acção immediata dos sentidos, dando-se exercicio ás faculdades da percepção, imaginação, e memoria, e passando-se depois ás doutrinas que applicam e aperfeiçoam a potencia raciocinadora. Far-se-ha principalmente toda a diligencia para lhes inculcar, já pelas acções praticadas perante elles, já pelos exemplos subministrados pela lição da historia, dos apologos, e até romances escolhidos, o respeito e gratidão ao Ente Supremo, obediencia ao Soberano, e autoridades legitimas; justiça e benevolencia para com os nossos semelhantes, consciencia da propria dignidade, e desejo da perfeição individual, unida ao amor do trabalho, e disposição a desempenhar todos os deveres de qualquer situação e posto, em que pela Providencia se achem collocados; mostrando-se-lhes que, não podendo este ser igual para todos, por mais inferior que seja, nunca deshonra o homem, a não ser acompanhado dos vicios da mentira, grosseria, adulação, e baixeza; assim como a mais alta graduação e dignidade o deixam de ennobrecer, quando são acompanhadas da vaidade, soberba, e deshumanidade.
CAPITULO II
DA EDUCAÇÃO PHYSICA
§ 1º A educação physica tem por objecto regular a habitação, a comida, o vestuario, os exercicios, e tudo o mais que é relativo á economia da saude dos collegiaes, afim de se conseguir o fim proposto no plano geral de educação.
§ 2º Os collegiaes devem ser alojados em aposentos com modos, bem arejados, e visitados pelo sol, jámais em aposentos interiores, e alcovas escuras.
§ 3º Os collegiaes de 7 até 12 annos de idade, e que formam a 1ª secção, deverão estar juntos em um só salão ou dormitorio, sendo possivel, e os da 2ª secção e que excedem á sobredita idade, estarão distribuidos, com separação dos da primeira, e de modo que fiquem entre si reunidos os que forem pouco mais ou menos da mesma idade.
§ 4º Comerão os collegiaes tres vezes cada dia nas horas marcadas no horario; a comida será a mais sã e simples, que ser possa, mas variada; preferindo-se no almoço e ceia os solidos, segundo as circumstancias do tempo, e o que a experiencia fôr mostrando ser mais praticavel, e conveniente á saude dos collegiaes.
§ 5º Os collegiaes se recolherão para dormir, no inverno ás 8 horas e meia, e se erguerão ás 8 horas; no verão ás 9, e se erguerão ás 5, precedendo signal de sineta para os despertar sem sobresalto. As camas serão uniformes, e o mais simples que fôr possivel, e sem colchões altos e molles. Fica prohibido dormir com vestido, e com a cabeça coberta.
§ 6º O vestido dos collegiaes deverá ser bem folgado, para lhes permittir o livre exercicio dos membros. Dentro do collegio usarão de vestido talar azul ferrete, conforme o uso já estabelecido; trarão por baixo do vestido talar camisa, calça comprida que toque os sapatos, por evitar meias, e um sapato bem folgado feito de couro de veado branco. Fóra do collegio usarão os orphãos, em acto de communidade, de vestido talar, escapulario preto, murça, e barrete azul claro, tudo conforme se acha adoptado na instituição já em pratica, pelo modelo do painel dado por Sua Magestade Fidelissima o Senhor D. João VI no anno de 1813 ao primeiro instituidor do collegio; e no passeio do mesmo vestido, omittindo-se a murça e barrete, em lugar do qual usarão do gorro preto, devendo usar então de sapatos pretos. Os porcionistas dentro do collegio usarão do mesmo uniforme dos orphãos, havendo a differença de serem cingidos com um cadarço de lã verde, e usarem de meias. Fóra delle usarão de vestido talar, barrete preto, e murça preta, na qual trarão a insignia do calix, sendal de fita verde com borlas, meias e sapatos pretos, indo em communidade; e em passeio se omittirão a murça, sendal, e barrete, e em lugar deste usarão do gorro.
§ 7º A limpeza e asseio do corpo, concorrendo muito eficazmente para a conservação da saude, devem os collegiaes lavar em agua fria as extremidades, mãos, pés, face, e até mesmo a cabeça todos os dias, para o que trarão o cabello cortado e curto; e banharão o corpo todo no mar na occasião do exercicio de natação, como abaixo se dirá, sendo por via de regra prohibido usar de lavagem, ou banho quente ou tepido: devem igualmente cuidar no asseio, unhas, e vestuario; e de tudo passará o Reitor revista todos os dias á hora designada no horario.
§ 8º O exercicio e movimento sendo igualmente necessarios para o desenvolvimento e perfeição da constituição physica, deve este ser frequente, e principiar logo com o dia. Os collegiaes, apenas se erguerem, tendo-se vestido, lavado, coberto as suas camas, e varrido os seus aposentos, havendo feito a oração da manhã, e saudação ao Reitor, e ao Vice-Reitor, quando presente se achar, partirão em tempo de verão em sua companhia, ou de outra pessoa que faça as suas vezes, para o campo vizinho e adjacente ao collegio, a respirar o ar livre da manhã, que por sua elasticidade deve dar energia aos corpos. O superior, que os acompanhar, á vista do formoso espectaculo da aurora, e apparição do astro do dia, fará por exaltar seus espiritos até o Creador da natureza; dirigirá suas attenções á contemplação dos phenomenos da vegetação; e assignará mesmo algumas pequenas porções de terreno aos que a isso se mostrarem inclinados, pira nellas fazerem seus ensaios de cultura, e pequenos jardins.
§ 9º Durante este tempo de exercicio, que durará meia hora, ou pouso mais, poderão os collegiaes empregar-se em toda a sorte de movimentos proprios a fortificar o corpo, como correr, saltar, subir as arvores, lutar, levantar e transportar pesos, jogar a bola ou laranginha, a péla, o volante, e quaesquer outros jogos desta natureza, sendo licito desembaraçar-se então da guamaxa, e mesmo dos sapatos, para maior liberdade. Ficará ao cuidado do superior que assistir, o dirigir de alguma maneira estes exercicios, fazendo que os collegiaes se sirvam de ambos os braços para os fortificar com igualdade, estabelecendo-se, si fôr possivel, alguma espécie de emulação no meio dos brincos, para que os collegiaes procurem avantajar-se mais aos outros em força e ligeireza, mas de maneira que se acautelem excessos que os exponham a qualquer perigo. Este exercicio se renovara por outra meia hora, acabadas as aulas da manhã, e á tarde por uma hora inteira, findas as mesmas aulas.
§ 10. Os exercicios acima mencionados se executarão em todos os dias da semana, ainda não sendo o tempo muito sereno e claro; porque é preciso acostumar os collegiaes á intemperança e alternativa da atmosphera. Deixarão porém de ter lugar quando forem absolutamente impraticaveis, e nos domingos e quintas feiras de cada semana; porque nestas haverá pela manhã exercicio de natação, usando-se para este fim de bexigas, boias, e quaesquer outros meios que o facilitem, e á tarde exercicio das armas, movimentas e operações mais simples da tactica, aprendendo os collegiaes com armas de pão proporcionadas ao seu corpo, e pagando-se á custa do collegio deus instructores peritos naquellas duas artes tão necessarias, quando por ordem do Presidente da Provincia lhes não sejam subministrados; e nos domingos, porque a manhã deve ser ocuupada em exercicios religiosos, e aprendimento da doutrina christã, e a tarde em passeio extenso, e fóra do recinto do collegio, dirigido a arbitrio do superior que fôr em companhia dos collegiaes.
§ 11. Como os accidentes da vida humana sejam infinitamente variados, e convenha dirigir a educação de modo, que os collegiaes se achem para elles preparados, será licito ao Reitor alterar as horas da comida, a do somno nos domingos e dias feriados, em que isso fôr compativel com a economia do collegio, afim de que os collegiaes se acostumem a sentir essas alternativas e desvios, e não se tornem demasiadamente delicados, ou dependentes de uma restricta regularidade de vila, que nem sempre poderão depois conseguir.
§ 12. Os regulamentos antecedentes são relativos a todos os collegiaes orphãos ou porcionistas em estado de saude; estando porém enfermos, seguir-se-ha a seu respeito o regimen que fôr prescripto pelos Professores competentes.
§ 13. Por via de regra os collegiaes devem ser vaccinados antes de entrarem no collegio, e disso apresentarão certidão para o recebimento.
CAPITULO III
DA EDUCAÇÃO LITTERARIA
§ 1º Devendo os orphãos destinar-se principalmente para os empregos e occupações da vida commum, segundo o que fica dito no plano geral da educação, parecia racionavel, e conforme a uma bem entendida economia, fazer-se um muito pequeno estabelecimento litterario, limitado unicamente ao ensino das doutrinas e conhecimentos necessarios ás sobreditas occupações, e principal destino dos orphãos; mas porque, além de ser conveniente que os orphàos se não proponham só a seguir cegamente as praticas rotineiras das profissões e artes que ainda se acham em grande atrazamento, e antes se habilitem com conhecimentos proprios para poderem em tempo opportuno aperfeiçoar os seus processos e methodos, o collegio poderá talvez crescer muito em capital, attenta a piedade de seu instituto, e bem conhecida philantropia dos habitantes da Provincia, e afóra isso o mesmo collegio poderá tambem receber porcionistas, que não deixarão de concorrer, pela falta que ha de uma casa de educação regular, e desejando adquirir uma instrucção ampla e proporcionada a seus diversos fins, não duvidarão talvez contribuir para a manutenção de alguns Professores, ao menos daquelles que ou se não acham ainda estabelecidos na cidade, ou de cujas lições se não possam aproveitar os collegiaes com commodidade: por todas estas razões se regula o plano de estudos já de uma maneira extensa, e conforme vai delineado na tabella nº 1, ficando ao prudente arbitrio da Meza e Junta determinar a época em que o mesmo plano deva realizar-se em todas as suas partes, para o que precederá participação ao Exm. Presidente da Provincia como Delegado de Sua Magestade Imperial, havendo respeito ao estado das rendas, e ás mais circumstancias ponderadas, já de uma maneira economica, e comprehensiva só das disciplinas indispensaveis, e intimamente connexas com o destino dos orphãos, conforme a tabella nº 2, a qual deverá portanto desde já pôr-se em execução.
TABELLA N. 1
DOUTRINA | LIVROS DE QUE SE PODERA' FAZER ESCOLHA PARA USO NOS DIFFERENTES RAMOS DE ENSINO |
Doutrina christã, e urbanidade; leitura, e escriptura portugueza; pratica das operações fundamentaes da arithmetica. | Cathecismo romano de Montpellier, manual da religião christã, e legislação criminal portugueza, emquanto não apparecer o nosso codigo brazileiro. Alphabeto de Monteiro, arte de Ventura, escola popular de Soares, livro de meninos. |
musica, e desenho de figura. | Dar-ser-hão os preceitos vocalmente no tempo em que se houverem de executar. E pelo que toca ao desenho, desenhar-se-ha não só a fórma humana, mas as de todos os animaes e vegetaes, ou ao menos dos que forem mais uteis. Copiar-se-hão as cartas geographicas geraes das quatro partes do mundo. |
Gammatica, e lingua portugueza. | Arte escripta para uso do collegio dos nobres, ou de Lobato. Compendio das épocas de Perreira, historia de Portugal traduzida por Moraes. Alguns classicos portuguezes, como Vieira, Lucena, Ferrão Mendes, Frei Luiz de Souza, Jacintho Freire, e outros. Corographia brazilica pelo Padre Ayres de Casal, historia da America de Rocha Pita, noticias curiosas sobre o Brazil, reclamações do Brazil, introducção á historia do Imperio pelo nosso grande litterato Barão de Cayrú, Luziadas de Camões, Caramurú, poesias do Padre Caldas. |
Grammatica, e lingua latina | Arte de Pereira, Sulpicio Severo, Cornelio Nepos, Eutropio, Cicero dos officios, Phedro, Virgilio nas Georgicas, Geographia antiga, historia antiga de Millot, traduzida em vulgar, ou ao menos a parte relativa á historia romana, cuja lição facilitará a intelligencia dos classicos latinos, assim como alguma noticia sobre a mythologia. |
Grammatica, e lingua francesa | Mestre francez, atlas dos meninos, historia moderna de Millot, historia do Brazil de Beauchamp, guia de artistas por I. R. de Armonville, fabulas de la Fontaine, caracteres dela Bruyère. |
Grammatica, e lingua inglesa | Grammatica de Sivet, ou a de Freitas, viagem de Robinson, breve tratado sobre as artes por Polaivet em francez e inglez, ultima edição, historia da America de Robertson, Spectator. |
Logica, metaphysica, ethica, e direito natural. | Logica, e metaphysica de Germane, e ethica de Helvecio, ou de Job, direito natural de Martini publicado por Fortuna, logica de Condillac, lições de Felice, constituição moral, e deveres do cidadão pelo Barão de Cayrú. |
Arithemetica, algerbra elementar, geometria, e trigonometria theorica e pratica | Traducção franceza do curso de Wolf, por um Benedictino de S. Maure, Bezout, Clairant, Euler, Lacroix, Le Guedre. |
Desenho de architectura, e praxe do risco das cartas. | Regras de Moreira Vignola. |
Principios, e noções geraes de mecanica, hydrodinamica, optica, perspectiva, e astronomia demonstraveis epla simples geometria, e algebra elementar. | Traducção do curso de Wolf, já dita, Brisson, Bezout, curso normal de geometria e de mecanica applicadas ás artes, por Ch. Dupin, obras de Francceur, Poony, Abbade Bossut, Fabre, e Gregory. |
Arte de navegação theorica e pratica. Tratado de manobra, e instrumentos maritimos. | Bezout, manobras por Manoel do Espirito Santo Limpo. |
Elementos de commercio, e escripturação mercantil. | Postillas da aula do commercio de Lisboa, tratado de Carlos Abbot, principios de direito mercantil, escriptos pelo dito Barão de Cayrú. |
Elementos de chimica, e historia natural, applicaveis á agricultura e artes, e noções geraes de agricultura. | Philosophia chimica, Chaptal, cathecismo agronomico, escripto pelos autores dos annaes das sciencias e artes de Paris, casa rustica de Cayena. |
As disciplinas indicadas no plano antecedente, e que devem ser ensinadas no espaço de 10 annos, que póde durar quando muito a estada dos collegiaes no collegio, serão distribuidas pelos ditos 10 annos da maneira seguinte:
1º ANNO
Doutrina christã, e urbanidade.
Leitura, e escriptura portugueza.
Pratica das operações fundamentaes de arithmetica.
2º ANNO
Doutrina christã, e urbanidade.
Leitura, escriptura portugueza, e operações ditas de arithmetica.
Musica, e desenho de figura.
3º ANNO
Deste anno em diante continha a doutrina christã nos domingos e dias santos.
Grammatica, e lingua portugueza, e latina, musica, e desenho de figura.
4º ANNO
Grammatica, e lingua portugueza, e latina.
Grammatica, e lingua franceza, ou ingleza.
Musica, e desenho de figura.
5º ANNO
Grammatica, e lingua franceza, ou ingleza.
Logica, metaphysica, ethica, e direito natural.
6º ANNO
Arithmetica, algebra elementar, geometria theorica, e pratica, trigonometria plana, e espherica, desenho de architectura.
7º ANNO
Principios, e noções geraes de mecanica, hydrodinamica, optica, persitectiva, e astronomia, demonstraveis pela geometria e algebra elementar.
Desenho, e architectura.
8º ANNO
Arte de navegação theorica e pratica, tratado de manobra, e instrumentos maritimos.
Desenho de architectura naval, e praxe do risco das cartas, principalmente hydrographicas.
9º ANNO
Elementos de commercio, e escripturação mercantil.
Elementos de chimica, e historia natural, e noções geraes de agricultura.
Praxe do risco das cartas geographicas.
10º ANNO
Elementos de commercio, e escripturação mercantil.
Elementos de chimica, e historia natural, e noções geraes de agricultura.
Praxe do risco das cartas geographicas.
§ 2º A parte da instrucção relativa á religião, e aos costumes, sendo a mais essencial, ensinar-se-ha a doutrina christã não só pelo Professor ias primeiras letras, segundo o geral estylo das escolas do Imperio, e nos annos indicados no plano antecedente, mas o Reitor, ou Vice-Reitor fará além disto nos domingos e dias santos, depois da missa, e por todo o tempo que os collegiaes assistirem no collegio, as explicações que parecerem convenientes, conforme o que fica dito, no Lit. 2º, cap. 1º § 2º; e inspirando um zelo discreto, e a geral caridade e tolerancia, como o principal distinctivo da religião santa que professamos, discorrerá sobre todos os preceitos da moral conteúdos no decalogo, exprimindo-os de uma maneira facil, e accommodada á capacidade dos collegiaes, mostrando a relação e harmonia desses preceitos com os da razão natural, e até quanto fór possivel com as determinações das leis positivas no nosso codigo penal, para o que se mandarão, ler pelos collegiaes mais provectos os lugares correspondentes áquelles preceitos no opusculo intitulado - Manual da religião christã e legislação criminal portugueza - o qual vai indicado na tabella, e é particularmente adaptado a este fim.
§ 3º Explicar-se-hão igualmente as principaes regras de urbanidade e decoro, que não são senão uma applicação da mesma justiça e benevolencia, devidas aos nossos semelhantes, ainda naquillo que parece indifferente, consistindo na pratica de honestas maneiras, e cortejos recebidos, a que se eppõe já a brutal grosseria, já a affectação ridicula e estudada, corroborando-se a theoria destas regras com a pratica recommendada no tit. 2º cap. 4º § 10.
§ 4º Pelo que toca á leitura, escriptura, e pratica das operações fundamentaes da arithmetica, seguir-se-ha o methodo de Lencastre, já estabelecido e approvado por Sua Magestade Imperial em todas as Provincias, pelas vantagens que delle se vão geralmente recolhendo. Emquanto ou por falta de mestre habil, ou por outro qualquer obstaculo não fôr possivel executar-se o sobredito methodo, seguir-se-ha o plano conteúdo nas instrucções dadas aos Professores dos corpos de linha do Exercito em Portugal em data de 29 de Outubro de 1816, em tudo quanto fôr compativel com os presentes estatutos, e estado do collegio, nomeando-se entre os alumnos mais adiantados um ajudante e decuriões para presidirem, e inspirarem certas divisões da escola, praticando-se o estylo das apostas já largamente neste Imperio, e que tem merecido o elogio de Lote, e outros estrangeiros illustres.
§ 5º As linguas vivas devem ser ensinadas por nacionaes, de quem se possa aprender com a correcção e pureza; e tanto ella, como a mesma lingua latina, devem ter por base o uso e o exercicio, antes que a multiplicidade das regras, limitando-se os Professores, depois de pequeno numero de preceitos indispensaveis, a notar as diversas partes da oração, e seu uso, ao passo em que ellas forem occorrendo na leitura dos classicos das sobreditas linguas, a qual ordenarão de modo, que forme uma especie de curso de historia, acompanhada pela lição do compendio das épocas, e atlas dos meninos, ou qualquer outro compendio abreviado de geographia. Os Professores de lingua latina seguirão além disto as determinações do Alvará de 28 de Junho de 1759, e instrucções que o acompanharam, quanto forem applicaveis ás circumstancias do collegio.
§ 6º Os Professores de logica, metaphysica, ethica, direito natural, chimica e noções de agricultura se regularão interinamente pelo methodo estabelecido na Universidade de Coimbra, e seus estatutos; o do commercio, e sua escripturação pelos estatutos da aula de commercio de Lisboa de 19 de Abril de 1759; o do desenho, e os de arithmetica, geometria, e mais partes das mathematicas, e seus exercicios praticos, pelos estatutos da Academia Real de Marinha, e Commereio da cidade do Porto de 29 de Julho de 1803, organizados tambem em beneficio dos orphàos daquella cidade, em tudo quanto os sobreditos diplomas puderem ter alguma applicação ao presente estabelecimento, e bem assim pelos estatutos da Academia Militar creada na Côrte do Rio de Janeiro, em tudo que possa executar-se.
TABELLA N. 2
DISCIPLINAS | LIVROS DE QUE SE PODERA' USAR |
1º, 2º e 3º ANNO | |
Doutrina christão, e urbanidade. Leitura, e escriptura portugueza. Operações fundamentaes de arithmetica. | Os meninos que ficam iondicados na tabella antecedente. |
4º ANNO | Os livros serão os mesmos que ficam indicados na tabella antecedente, e os Professores que fizerem as liçoes, observarão igualemente as regras prescriptas nos paragraphos anteriores. |
Grammatica, e lingua portugueza | |
5º ANNO | |
Grammatica, e lingua franceza, ou ingleza | |
A | |
Arithmetica, geometria e algebra até equação do 2º gráo. | |
B | |
Desenho de figura e architectura | |
C | |
Elementos de commercio, e escripturação mercantil. | |
D | |
Idéas geraes da historia natural e da chimica, no que fôr applicavel á agricultura e ás artes. |
§ 7º Neste 2º plano calculado para as actueas circumstancias do collegio, se emquanto forem modicas as suas rendas, acontecer que não se estabeleçam logo dentro do mesmo collegio os ultimos ramos de instrucção marcados na tabella pelas letras A, B, C, D, achando-se aliás estabelecidos, e ensinando-se estes publicamente na cidade, poderão os collegiaes, que já então deverão ter tocado os 12 annos de idade, sahir diariamente a ouvir as lições dos respectivos Professores, a saber: as de arithmetica, geometria, algebra, e desenho, e as noções de historia natural, e chimica, os collegiaes, que se destinarem para a agricultura, para as artes mecanicas, e ainda para a vida maritima; e as de commercio, e sua escripturação, os que forem escolhidos para esta profissão. E porque os collegiaes devem ter já nesse tempo adquirido bastante força physica, e os ditos Professores publicos só fazem uma lição cada dia, poderão os mesmos collegiaes desde logo unir aos sobreditos conhecimentos theoricos a pratica das suas respectivas profissões, frequentando nas manhãs, ou tardes, que ficarem livres das ditas lições, já as officinas do Imperial Trem e Arsenal, já os escriptorios dos negociantes, onde por mediação da Mesa forem admittidos a fazer o seu tirocinio, indo, e voltando unidos; e debaixo da inspecção de algum collegial mais prudente, ou famulo, encarregado de vigiar sobre a sua conducla durante a dita ida e retirada.
§ 8º Quanto aos porcionistas que se destinarem para a vida litteraria, e aquelles poucos orphãos que para ella forem escolhidos pela Mesa, em attenção aos seus extraordinarios talentos, poderão, depois de adquirir as doutrinas que se ensinam dentro do collegio, sahir igualmente a aprender nas aulas publicas a lingua latina, a rhetorica, philosophia, e quaesquer outros ramos de instrucção que se ensinarem na cidade, indo, e voltando debaixo da mesma inspecção e regularidade; como fica dito no paragrapho antecedente.
§ 9º Deve o Reitor além disto haver as necessarias informações dos Professores da cidade sobre o procedimento e progressos dos collegiaes que frequentarem as suas aulas, assim como dos chefes de escriptorios e officinas, afim de dar as providencias conforme o plano de disciplina do collegio; e quando alguns se mostrem incorrigiveis, o mesmo Reitor o participará á Mesa para que os orphãos ou descontinuem a instrucção theorica em que não aproveitam, e se entreguem inteiramente á pratica das artes e commercio, ou sejam expulsos, quando nem nessa mesma pratica prosperem, e os pais e tutores dos porcionistas tomem tambem a respeito delles as medidas convenientes.
DISPOSIÇÕES GERAES APPLICAVEIS A UM E OUTRO PLANO
§ 10. As lições da primeira aula durarão tres horas. de manhã, e tres de tarde; nas outras aulas haverá uma só lição cada dia a qual tambem durará tres horas, tudo marcado por uma ampulheta, e nos sabbados se fará repetição das lições da semana.
§ 11. O anno lectivo se fará em 8 de Janeiro, e terminará em 7 de Dezembro. Além deste intervallo serão feriados a semana santa, e os dias anniversarios de Sua Magestade, o Imperador, e da Independencia do Brazil. No tempo feriado poderão os porcionistas, depois de haverem feito o respectivo exame, se para elle forem habilitados, retirar-se para a casa de seus pais, ou tutores, precedendo licença da Mesa, ou do Provedor.
§ 12. Em cada mez haverá uma Congregação dos Professores que ensinarem no collegio, presidida pelo Heitor, como se disse no tit. 2º cap. 1º § 2º, e nella apresentarão os mesmos Professores os seus livros, ou cadernos com as notas e observações que tiverem feito sobre o comportamento e progressos de seus respectivos alumnos, e conformemente a dias se organizarão pelo Escripturario uma lista e informação geral de todos os collegiaes, para ser apresentada á Mesa pelo Reitor, afim de que a Mesa delibere convenientemente ácerca do destino dos mesmos collegiaes. No caso de se verificar a frequencia de alguma aula fóra do collegio, o Reitor ajuntará a informação do respectivo Professor.
§ 13. Nestas Congregações se tratará além disto de todas as cousas relativas ao plano de instrucção e ensino dos collegiaes, abusos que se tenham introduzido, ou obstaculos que retardem o progresso da mesma instrucção; e parecendo que algum objecto exige providencia, far-se-ha uma representação assignada pelos membros da Congregação, para ser proposta á Mesa pelo Reitor. Na Congregação, que se fizer de 15 a 20 de Novembro, se determinarão os collegiaes que devem fazer exame para passarem a outras disciplinas, regular-se-hão os pontos e bilhetes que devem entrar na uma, o numero de que devem constar as turmas, e tudo o mais que fôr relativo á economia dos mesmos exames:
§ 14. O mez de Dezembro é destinado para os exames daquelles collegiaes que para isso forem habilitados pelo voto da Congregação dos Professores. Estes exames hão de terminar, a ser possivel, no dia 7, e se farão publicamente, e por turmas de quatro até seis collegiaes de cada vez; serão presididos pelos respectivos mestres daquelle ramo de instrução que faz o objecto do exame, e perguntados os collegiaes por tres Professores do collegio, havendo-os aptos, ou por pessoas de fóra para isso rogadas, e que sejam as mais intelligentes e idoneas para os ditos exames. Mostrando-se por elles os collegiaes sufficientemente versados nas materias que estudaram, pesarão a estudar doutrinas ulteriores, aliás ficarão manentes, e repetirão as lições até que as saibam perfeitamente, o que será decidido pelos interrogantes e Presidente, votando com calcules brancos e pretos por via de escrutinio.
§ 15. Os exames, á excepção dos da primeira aula, musica e desenho, serão feitos em certos lugares ou pontos dos compendios, que pareçam suficientes para dar idéa da applicação e estudo que se tem feito, e conteúdos em bilhetes fechados, que estarão dentro de uma urna, e serão tirados á sorte 24 horas antes do exame na presença do Reitor, e Escripturario, que disso fará o competente assento, assim como do resultado do mesmo exame, em um livro proprio, para a tôdo o tempo constar, e para se dar de tudo conta á Mesa, juntamente com as informações de que trata o § 12.
§ 16. No caso de se verificar a frequencia de algumas aulas estabelecidas na cidade, quér seja no primeiro plano, quér seja no segundo, apresentando o collegial attestação de sufficiencia passada pelo respectivo Professor, poderá sem dependencia de mais exame continuar as doutrinas ulteriores, conforme a ordem dos mesmos planos. E sendo no primeiro dos ditos planos muitas as doutrinas que se mandam ensinar, que não serão a todos os collegiaes igualmente necessarias, attentos os seus diversos fins e destinos, e as quaes nem tolos poderão talvez comprehender nos annos indicados no mesmo plano, devendo por outra parte acontecer que nem tolos os collegiaes quér sejam orphãos, quér porcionistas, tenham 10 annos completos de estada no collegio, por poderem entrar nelle com 9 e 12 annos, como se disse no tit. 1º cap. 2º § 11, e deverem infallivelmente sahir aos 18, além de interrupções que podem causar as doenças e outros accidentes imprevistos; por todos estes motivos será licito, verificando-se o sobredito primeiro plano, não só aos porcionistas, querendo-o assim seus pais ou tutores, mas mesmo aos collegiaes orphãos, com approvação da Congregação, interromper a serie, e ordena, prescripta no dito primeiro plano, para seguir aquella que fôr mais connexa com o destino particular de cada collegial, guardando-se todavia a subordinação natural das doutrinas, e estudando-se sempre primeiro as que servem de dar luz e facilidade ás subsequentes.
CAPITULO IV
DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA E MORAL
§ 1º A educação religiosa e moral, além da instrucção que lhes é relativa, e indicada no plano de estudos, constará dos exercicios religiosos, conforme o que vai prescripto nestes estatutos, e dos balidos das boas acções, que não só o Reitor, e Vice-Reitor, a quem principalmente a educação é encarregada, ruas cada um dos Professores na sua respectiva repartição, farão diligencia por estabelecer, concorrendo todos para formar o coração dos collegiaes, já pelo seu exemplo, doutrina, e desempenho das maximas abaixo declaradas, já finalmente pelos meios do louvor ou reprovação, premio ou castigo, afim de que os mesmos collegiaes sejam cidadãos honestos, uteis a si, e á sociedade.
DOS EXERCICIOS RELIGIOSOS
§ 2º Os exercicios religiosos serão por via de regra presididos pelo Reitor, ou Vice-Reitor, e em falta, pelo collegial hebdomadario, sendo taes, que por elle possam dirigir-se.
§ 3º Todos os dias ao amanhecer farão os collegiaes no côro da capella uma breve oração ao Ente Supremo, para agradecerem o beneficio da vida, e outros bens que recebemos de sua infinita bondade, conforme qualquer novena approvada, e cantarão depois um dos hymnos ou psalmos de David, sempre distincto em cada dia, e escolhido a arbitrio do superior que presidir, os quaes pela sua nobre poesia são proprios para dar idéa da grandeza de Deus, e imprimir sentimentos de solida piedade.
§ 4º Depois da comida dar-se-ha graças a Deus, conforme o estylo do collegio; e depois do toque das Ave Maria rezarão os collegiaes o terço, e no sabbado tambem a ladainha de Nossa Senhora, e a oração pro Rege.
§ 5º Assistirão os collegiaes ao santo sacrificio da missa nos domingos e dias santos, e ouvirão depois as explicações da doutrina, determinadas no cap. 3º, § 2º deste titulo.
§ 6º Devem os collegiaes, que tiverem a idade propria, confessar-se e commungar nas quatro festas principaes do anno, para o que se chamarão confessores de fóra.
DOS BONS COSTUMES
§ 7º O Reitor, e mais pessoas encarregadas da educação procurarão inspirar, e estabelecer os bons e louvaveis costumes; e para esse fim desempenharão as maximas seguintes:
1ª maxima. Os educadores fazem as vezes de pais dos educandos; tratem-se estes com a ternura que se deve aos filhos; empregue-se em regra antes a doçura e moderada exortação, do que a coacção e violencia, que in piram mais o odio do que conveniente obediencia; estabeleça-se todavia esta com toda a perseverança contra os refractarios pelos meios indicados nestes estatutos.
2ª maxima. Não se prescrevam muitas regras, para os collegiaes as terem de memoria, e por ellas regularem a sua conducta; obriguem-se antes a praticar uma, e muitas vezes o que fôr conveniente que elles observem.
3ª maxima. Espreitem-se o temperamento, e naturaes propensões de cada educando; ajuste-se-lhes quanto fôr possivel o plano de educação.
4ª maxima. Aproveitem-se certas inclinações felizes que a natureza dá a todos os meninos, a saber: 1º a sua grande actividade e propensão ao movimento, para os fazer adquirir sufficiente exercicio do corpo, e amor ao trabalho; variem-se quanto fôr possivel as suas occupações, para que se evitem as distracções, filhas da uniformidade; 2º a sua natural curiosidade, dirigindo-a para o conhecimento dos phenomenos da natureza, e obrigações moraes; responda-se sempre ás perguntas ingénuas que os meninos costumam a fazer, dando-se-lhes explicações claras, e accommodadas á sua pequena intelligencia; corrijam-se os erros que commetterem em raciocinio, estabelecendo uma especie de logica pratica; e sobre tudo evite-se o enganal os jámais, ainda em objectos que pareçam os mais indifferentes.
5ª maxima. Diminua-se quanto fôr possivel a acção de outras propensões que costumam produzir habitos funestos, a saber: 1º contra a disposição ao pranto, e continuado queixume dos companheiros, inspire-se o soffrimento, a constancia, e o perdão das injurias: 2º contra o terror panico, inspire-se o valor e firmeza; não se permitta jámais que os educandos sejam affectados por objectos terriveis, mostrados de subito; que pessoas ignorantes ou imprudentes os entretenham com contos fabulosos sobre apparição de espectros e duendes; façam-se bem conhecer os objectos que podem causar verdadeiros males, e aquelles de que se concebem falsas apprehensões e receios; 3º á glotoneria, e ao desalinho opponham-se a dieta frugal, e o habito do asseio, constantemente sustentado pelas revistas diarias; 4º aos primeiros actos de mentira, calumnia, e impureza, mostre-se toda a sorpreza e horror que devem inspirar estes torpissimos vicios; percam os culpados o credito e a estima, até que o reivindiquem por mostras sinceras de correcção e arrependimento; 5º não se permitta arreigar no espirito dos educandos habitos de malignidade e crueza; os meninos são muitas vêzes inclinados a estragar tudo o que tocam, e até a atormentar animaes innocentes; privem-se por algum tempo dos objectos que estragarem, quando sejam do seu uso; inspire-se-lhes toda a sympathia pela conservação dos entes sensiveis, que se não oppõem á nossa existencia; 6º combata-se a inclinação á violencia e usurpação, fazendo-se restituir instantaneamente qualquer cousa extorquida, privando-se mesmo o usurpador de outra equivalente em beneficio do offendido, e fazendo-se tudo o mais que possa produzir o respeito pela propriedade alheia.
6ª maxima. Procure-se finalmente plantar nos educandos quanto antes uma constante reverencia pela religião e virtude; faltem os educadores sempre na existencia de Deus, creador, conservador, e bemfeitor do mundo; da nossa dependencia, e principaes deveres resultantes da vontade daquelle Ente Supremo, e fundados na nossa propria utilidade; sobre tudo abstenham-se de praticar na sua presença acção que não seja muito digna, e muito conforme aos verdadeiros principios da moral, porque, sendo o homem naturalmente imitador, em nenhum tempo se manifesta mais esta propensão do que na infancia.
§ 8º Como o exemplo dos superiores, a persuasão e conselho não bastarão para inculcar e estabelecer os bons costumes, recorrer-se-ha tambem aos meios de recompensas e castigos, conforme o plano seguinte:
DAS RECOMPENSAS
§ 9º As recompensas consistirão não só no louvor e approvação de parte dos superiores, e em certas graduações, e signaes de distincção, estabelecidos para excitar a emulação dos alumnos, e conforme o geral estylo das escolas, mas tambem em bilhetes designados pelos numeros 1º, 2º, 3º, representativos de moedas de cobre de pequenos valores, como 10, 20 e 40 réis, ou aquelles que a Mesa julgar proprios. Porquanto não parecendo desconveniente que os collegiaes, principalmente os orphãos que são destinados a entrar algum dia nas classes industriaes do povo, se acostumem a amar logo lucros, honestos, e derivados do desempenho das suas obrigações, tem este systema produzido já os melhores resultados na nova escola britannica, e até é conforme ao uso da Universidade de Coimbra, na qual ha certo numero de premios pecuniarios para os alumnos nos mais distinctos.
§ 10. Cada Professor poderá distribuir no curso de cada semana bilhetes para premiar os alumnos da sua aula que, distinguindo-se no desempenho das lições, reunirem o bom comportamento e gravidade, a saber: o Professor de primeiras letras até 10 bilhetes nº 1º, e os Professores das outras aulas até 3 bilhetes nº 2º se tantos collegiaes se distinguirem da maneira acima dita.
§ 11. O Reitor dará a cada chefe de decuria, e aos prefeitos da ordem, e aos collegiaes empregados em cada officina do collegio um bilhete nº 2º por semana, que vencerá cada um delles, emquanto bem servir, e fôr conservado nos ditos empregos; sendo porém deposto antes de terminar a semana, perderá o direito ao bilhete. Cada collegial que passar de uma classe de instrucção para outra superior; receberá nessa occasião do Professor respectivo um bilhete nº 3º.
§ 12. Os bilhetes, que no fim de cada mez se acharem em poder dos collegiaes, serão apresentados ao Reitor para os mandar pagar, querendo-o assim os seus possuidores; fica porém a cargo do mesmo Reitor fiscalisar, e dirigir por via de conselho, e maneiras indirectas a boa applicação, e emprego dessas pequenas quantias.
§ 13. O collegial, que tiver terminado o seu tempo de estada no collegio, tendo pelo uniforme conceito dos superiores dado provas de um merecimento muito relevante e extraordinario, será por ordem da Mesa retratado pelos alumnos da aula de desenho, escolhendo-se a cópia mais fiel, para que fique depositada no collegio, em honra do collegial, e exemplo dos companheiros; e sendo o dito collegial orphão, receberá á despedida uma gratificação pecuniaria a arbitrio da mesa.
DAS CULPAS E CASTIGOS
§ 14. As culpas e castigos serão classificados segundo a escala abaixo indicada, devendo regular-se sobre essa base analogicamente quaesquer outras culpas, que nellas se não achem especificadas.
Culpas leves | Glotoneria. | Diminuição de comida. |
Desalinho, e estrago do fato. | Privação das horas de recreio, emprego em lavar, escovar, e até mesmo remendar o fato, havendo para isso officinas proprias no collegio, como se disse no tit. 2º cap. 4º § 15. | |
Inercia, e preguiça. | Privação de recreios, trabalho braçal em qualquer objecto do serviço do collegio, até mesmo cavar na horta. | |
Distracção, falta de estudo, e turbulencia. | Reclusão, e lições dobradas. | |
Culpas graves | Injurias, e máos tratamentos aos companheiros, ou outras pessoas. | Reclusão, diminuição da comida; actos de reconciliação e humildade. |
NAS REINCIDENCIAS | ||
Formal desobediencia aos superiores. | Quando muito privação total do almoço e ceia por tres dias, com reclusão solitaria. | |
Ficam prohibidos absolutamente os açoites, e as palmatoadas. | ||
Mentira, calumnia, usurpação da propriedade alheia, e qualquer outra acção vergonhosa. | Reparação possivel de damno feito; segregação da reunião dos companheiros privação de assento ao acto de comer. | |
NAS REINCIDENCIAS | ||
Rotulo de papel no peito e irrisão dos companheiros além das penas acima. | ||
Ficam de todo prohibidos os açoites, e as palmatoadas conforme a declaração retro. |
§ 15. As culpas da 1ª classe poderão ser remidas por bilhetes, perdendo o collegial um bilhete nº 1º por cada uma; e havendo primeira e segunda reincidencia, com dous e quatro bilhetes, ou com bilhetes nos 2º e 3º, que tanto valem. Havendo mais reincidencias, ou sendo faltas da 2ª classe, não se poderão remir por meio dos bilhetes, e o collegial, ainda tendo-os, soffrerá a pena correspondente. Sendo commettidas as culpas por collegiaes empregados em decurias, prefeituras, e presidencias das officinas do collegio, dobrar-se-ha a pena; pelo que, sendo as culpas da primeira classe, só poderão ser remidas com duplicado numero de bilhetes relativamente ao que devem pagar os outros collegiaes em caso identico; e não tendo bilhetes, serão depostos do emprego. Sendo as culpas da 2ª classe, serão depostos, e soffrerão a pena applicada.
§ 16. A applicação das penas deve ser feita com toda a circumspecção, ouvindo-se primeiramente a defesa que os collegiaes queiram allegar, não sendo estes jámais punidos por actos casuaes, ou de simples e desculpável inadvertencia; mas por aquelles que forem deliberados, e com a competente instrucção e conhecimento das respectivas obrigações e responsabilidade; pelo que não deverá ter lugar a mesma applicação senão depois de um mez de estada no collegio, graduando-se a sua intensidade e duração pelas circumstancias das culpas, e suas reincidencias; e havendo muito particular attenção á fraqueza da idade, principalmente a respeito dos collegiaes da 1ª secção; o que tudo fica á prudencia do Reitor, e mais superiores, os quaes mandarão ler perante os collegiaes a tabella das culpas e castigos, uma vez cada mez.
§ 17. As culpas commettidas dentro das aulas, fazendo-se constantes ou por informação immediata dos Professores, ou pela conta dada pelos decuriões, serão julgadas e punidas pelos respectivos Professores depois de finda a lição, precedendo exigencia de bilhetes dos culpados no caso em que estes os tenham, e sejam as culpas por essa maneira remissiveis. As faltas commettidas fóra das aulas, seja pelos collegiaes, seja pelos chefes de decurias e prefeitos, serão julgadas e punidas pelo Reitor.
§ 18. Quando a experiencia mostre que alguns collegiaes são insensiveis á applicação das penas acima ditas, o Reitor o representará á Mesa para deliberar acerca da expulsão desses collegiaes, como perigosos á disciplina do collegio, e participar este acontecimento ao Presidente da Provincia, como Delegado de Sua Magestade Imperial e Constitucional, Protector do collegio, para lhes mandar dar o destino que convier.
- Coleção de Leis do Império do Brasil - 1828, Página 27 Vol. 1 (Publicação Original)