Legislação Informatizada - CARTA RÉGIA DE 2 DE JANEIRO DE 1809 - Publicação Original

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CARTA RÉGIA DE 2 DE JANEIRO DE 1809

Dá instrucções aos Governadores de Portugal e dos Algarves sobre os negocios daquelles Reinos.

     Governadores do Reino de Portugal e dos Algarves, Amigos. Eu o Principe Regente vos envio muito saudar, como aquelles que amo e prezo. Havendo, por decreto da data desta, confirmado e ratificado a vossa nomeação, é justo que vos mostre toda a confiança, que me mereceis, e que de vós faço, prescrevendo-vos mui circumstanciadamente as obrigações de que fui servido encarregar-vos, e mostrando-vos o muito que espero dos vossos bons serviços, nas criticas e difficeis circumstancias, em que se acha essa tão interessante parte dos meus vastos Estados, e toda a extensão dos vossos deveres. Depois da creação e restauração do vosso Governo, tendo cessado todas as Juntas, que se levantaram no Reino, e que tão meritoriamente se destinguiram a porfia na salvação e restauração do mesmo, particurlamente as do Porto e Algarve será vosso cuidado, e primeiro dever, não só dirigir aos Presidentes que foram das mesmas Juntas as minhas Cartas Régias, que ora lhes remetto, mas ainda agradecer no meu real nome e individualmente a cada um dos membros, os serviços e lealdade que me mostraram, e á minha real Corôa, e segurar-lhe que não só me proponho fazer-lhe mercê, mas que jamais me esquecerei dos gloriosos serviços que me fizeram e de que resultou a feliz restauração do meu governo, e do Reino, ordenando-vos tambem que sobre tal materia me consulteis o que julgardes que eu possa fazer logo, a favor dos membros, que mais se distinguiram. Devendo os negocios politicos, ecclesiasticos, administrativos, de Fazenda e Justiça, Militares e Maritimos, que nesse governo se tratarem, ser resolvidos á pluralidade de votos, e no caso de empate, pelo voto do que presidir, segundo á fórma estabelecida, devem tambem ter voto nos negocios, que forem da sua respectiva repartição, os Secretarios do Governo da Regencia, que assim serão chamados, e não Secretarios de Estado, pois que essa denominação é só reservada aos que teem a honra de receberem e executarem immediatamente as minhas reaes ordens, assim como tambem vos declaro, que havendo aqui nomeado Presidente do meu Real Erario, e nelle meu Logar Tenente, a D. Fernando José de Portugal, Conde de Aguiar, o que ahi exerce este logar, e que lhe é subordinado, e membro desse Governo, deve só ter o titulo de Director Geral do meu Real Erario e com o mesmo exercer as funcções que antes erão attribuidas ao Presidente do meu Real Erario, mas com total subordinação, e dependencia ao que exerce as mesmas funcções, junto da minha real pessoa. Esta mesma disposição se entenderá quanto ás Secretarias, que, posto que regidas por Officiaes das minhas Secretarias de Estado, não terão senão o nome de Secretarias do Governo, até que eu volte ao Reino, que será logo que a Situação dos negocios politicos da Europa prometter toda a estabilidade que tanto se deseja. Todos os negocios que não pedirem immediata e prompta resolução, e todos aquelles que vos forem consultados pelos Tribunaes do Reino, seja para promoção dos logares de lettras, de beneficios, seja todas as propostas dos Officiaes de Tropa de Linha e Milicias, assim como todos os negocios que vasarem sobre melhoramentos na administração do Governo do Reino, seja politico, seja ecclesiastico, seja militar, seja maritimo, todos vós fareis subir á minha real presença, por consultas a que unireis sempre o vosso parecer, e todas subirão á minha real presença pelos respectivos Ministros e Secretarios de Estado, que tenho nomeado para estas repartições do Reino, Brazil, Fazenda, Negocios Estrangeiros e da Guerra, e Negocios da Marinha e Dominios Ultramarinos, e de cujos decretos de nomeação vos remetto copia, ajuntando sómente que sobre os negocios da marinha m`os deveis dirigir pelo meu muito amado e prezado sobrinho o Infante D. Pedro; que tenho nomeado, como vereis pelo decreto que vos remetto, Almirante e General em Chefe de toda a minha Marinha Real, devendo tambem declarar-vos que posto vos autorise a que façais servir nos Corpos Militares os Officiaes que julgardes necessario prover, esto só será interinamente, até que baixe a proposta e consulta por mim approvada, e que seja assignada a patente pelo meu real punho, ordenando-vos porém que possam os Officiaes vencer o seu respectivo soldo do dia em que vós fizerdes a sua primeira nomeação interina, e elles entrarem no exercicio effectivo dos mesmos postos. Sendo muito essencial para a conservação, tranquilidade e felicidade dos meus povos, que a religião e bons costumes se mantenham illesos, assim como toda a Jurisdicção ecclesiastica do Santissimo Padre e Bispos se conserve intacta nos seus justos limites, recommendo-vos muito que da vossa parte  procureisquanto vos for possivel, manter tudo no pé em que o deixei, e conserveis igualmente a respeito dos pacificos estrangeiros das nações amigas e alliadas toda a moderação no exercicio dos seus principios religiosos; sendo muito necessario, que depois da terrivel convulsão, que acabam de experimentar todos os meus Estados, se procure reparar  com os cabedaes e industria das Nações Estrangeiras, não só tudo o que se perdeu em tão assenciaes objectos, mas que ainda se augmente, se possivel for. A moralidade das Nações é a primeira base da sua felicidade, e intimamente unida aos principios da nossa santa religião, e por consequencia é justo e necessario, que vos recommende este importante artigo, e de que tanto deve para o futuro depender a  prosperidade e grandeza do Estado, fazendo vós que os Bispos, Parochos e Professores Publicos concorram todos no limite do exercicio das suas funcções a inspirarem aos Povos os melhores principios de moral, o maior respeito á minha autoridade real, ao magistrados e delegados da mesma, e áquelle amor da patria, que, mais que tudo segura a felicidade publica, a estbilidade do Estado, e póde mesmo restabelecel-a, quando perdida, como as ultimas experiencias acabam de mostral-o. Sendo o melhor antidoto contra os falsos principios, que o Governo Francez tem espalhado as luzes e estudos, o que até se viu agora bem pelo puro patriotismo que se manifestou entre os Estudantes da celebre Universidade de Coimbra, e sendo igualmente este o melhor meio de augmentar a felicidade da Nação, o que muito interessa o meu paternal coração, ordeno-vos que procureis o quanto for possivel adiantar o numero de Escolas de ler, escrever e contar, afim de que as classes inferiores reconheçam que me occupo da sua felicidade, e que igualmente promovais os estudos maiores da Universidade de Coimbra, cujo Vice-Reitor, hoje Chefe da mesma Universidade, e os seus alumnos tanto teem merecido aos meus olhos, pela leal, firme e honrada conducta que teem praticado. Em negocios politicos exteriores, as vossas relações com o Governo Britannico, por meio do meu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Magestade Britannica, e as que igualmente tiverdes com o Governo Central, que se estabeleceu em Hespanha, até ao feliz e tão desejado restabelecimento de S. M. Catholica, meu bom irmão e primo, o Senhor Fernando VII, e as que seguirdes com as potencias Barbarescas, seja para manter a boa amisade e alliança que me tem mostrado constantemente S. M Marroquina, seja para procurar a paz com a Regencia de Argel, de que tanto necessita o Commercio dos meus vassallos, todas merecerão a minha approvação, logo que vós, com a fidelidade, zelo e amor, que espero mostreis sempre pelo meu real serviço, seguirdes os principios que vos mando aqui expor e são: 1º, os de manter a melhor correspondencia e boa harmonia com S.M. Britannica, concorrendo em todas as suas vistas contra o inimigo commum, fazendo tratar os seus vassallos com o particular affecto e amisade que é consequente á antiga e fiel alliança que une as duas Corôas, e dirigindo-vos sempre pelo canal do meu enviado naquella Côrte, a quem tenho dado as convenientes ordens ao sobredito respeito; 2º, a melhor intelligencia, e boa união com o Governo central de Hespanha, a quem fornecereis todos os auxilios que couberem na possibilidade do Reino, para a sua defesa, tendo sempre em vista, que a independencia dos meus Estados na Europa, depende essencialmente da dos Estados Hespanhoes na Peninsula, e que se elles viessem a succumbir na gloriosa lucta, que manteem contra a França, tambem o Reino seria uma necessaria victima. Debaixo destes peincipios, autoriso todas as reclamações, que por via do meu Enviado fizerdes a S. M. Britannica a respeito de soccorros em dinheiro, e em petrechos de Guerra, e pelo mesmo sabereis quão vivas recommendacções, e quão precisas ordens havia dado com antecipação, para que se procurasse todo o auxilio, e socorro a todos os meus vassallos desses Reinos, seja que elles quizessem e pudessem reunir-se, como acabam gloriosamente de executar, para sacudir o cruel jugo e despotica oppressão que o Governo Francez executava a seu respeito. Seguindo inateravelmente este mesmo modo de obrar, com a garantia de S.M. Britannica, um emprestimo de cinco a seis milhões de cruzados, e metade do mesmo ordenei que fosse consignado para as urgencias do Erario, além dos socorros com que daqui vos mando agora assistir. Igualmente procurando por todos os modos segurar e conservar a boa intelligencia e harmonia, que deveis cultivar com o Governo central de Hespanha por meio um Enviado que tenho nomeado junto àquelle Governo, procurareis lembrar-lhe que procurareis com gosto da sua parte toda a participação que quizerem fazer, e que procurarei da minha parte sustentar, quanto me for possivel, a sua justa causa, e que nunca me esquecerei da boa disposição e justiça com que as Juntas de Hespanha reconheceram os direitos eventuaes da  minha augusta esposa, a Princeza do Brazil, e que tambem me anima a declarar-lhes que eu reputo a causa das duas monarchias como inseparavel, e como fazendo um unico todo ou deve existir, ou deve parecer ao mesmo tempo.

     A administração da justiça, sendo de sua natureza a que mais concorre para a segurança dos direitos de cada um, e para manter a boa ordem e tranquilidade da sociedade, approvo a resolução que abraçastes de restabelecer todos os magistrados e tribunaes, que ora existem nos meus Estados e que todos, á excepção do Conselho Ultramarino ( que só ficará activo quanto ás certidões que e pedirem do seu Cartorio, pois que nas outras funcções não terá exercicio até que eu possa voltar ao Reino) havereis de conservar, devendo porém declarar-vos aqui, que os mesmos á excepção do seu expediente e do que for mais urgente, tudo obrarão por Consultas, que vós remettereis, e que baixarão por mim resolvidas, pois que onde eu existo e resido é que necessariamente se deve considerar a séde e o ponto central do Imperio. Igualmente devereis participar ao que fizer as vezes de Regedor das Justiças, que as causas das Relações do Brazil não subirão daqui em diante em ultimas instancias a Relação de Lisboa, aonde só irão as causas dos Ministros das Capitanias do Pará e Maranhão e a das Ilhas do Açores, Madeira e Porto Santo, pois que assim o exige imperiosamente a commodidade dos particulares, a quem seria uito penoso vir tratar das causas nas Relações da Bahia e Rio de Janeiro. Sendo porém igualmente certo que tanto necessarios e indispensaveis como são, os magistrados, e os outros funccionarios publicos, tanto mais pesados são ao bem publico pelo numero, visto que esta respeitavel classe é de sua natureza improductiva na phrase dos mais celebres autores de Economia Politica, portanto autoriso-vos a que sobre tão importante objecto me proponhais toda a economia, seja na reducção do numero dos empregados ao menor possivel, seja na escolha dos magistrados que deveis consultar, ou fazer consultar para os diversos logares, desde os inferiores até aos dos Tribunaes Superiores, e que mesmo actualmente me consulteis os que merecerem ser separados, ou para sempre ou temporariamente dos logares que servem, por haverem tido ou uma má, ou uma equivoca conducta, lembrando-vos tambem que me podeis consultar toda a util reforma, que, ou no numero, ou na qualidade de magistrados e de tribunaes julgardes que possa ter effeito sem damno ou inconveniente do serviço real e publico.

     Approvando o que resolvestes sobre o restabelecimento do logar de Juiz de Inconfidencia, e  da nomeação do habil magistrado de que fizeste escolha, para tirar uma exacta devassa dos accusados, que devem ser processados, e para tranquillisar os animos do Povo, que desejando obrar bem, é facilmente illudido sobre os seus verdadeiros interesses, ordeno-vos que procedais a fazer julgar os accusados de qualquer classe que sejam segundo as leis do Reino, e com a maior exacção e publicidade que ser possa nos seus processos, regulando-vos com a maior firmeza, e energica moderação a respeito dos que faltando á fidelidade e vassallagem que me deviam, commetteram actos de alta traição, e se fizeram criminosos de lesa magestade, e conhecendo vós quanto o meu real coração é piedoso, e com quanta magoa minha vejo que houve individuos no meio de uma nação tão leal, generosa, e particularmente das classes superiores, que se esqueceram do que me deviam, e a seus avós, assim como aos principios da nossa santa religião que professavam deixando-se illudir pelas falsas e monstruosas promessas do Governo Francez, não vos admirareis que vos ordene que façais executar a seu respeito o que se acha prescripto pelas leis do Reino, mas com a maior imparcialidade e exacção, de maneira que o réo se não confunda com o innocente, e recomendo-vos muito que façais conhecer aos magistrados, que os malvados que se venderam aos Francezes, e que com elles maquinaram a subversão da minha soberania, não devem cenfundir-se com aquelles que por temor e por julgarem o mal irremediavel se uniram ao mesmo Governo usurpador. O que recommendo na minha Proclamação ao Povo, deve servir-vos de regra, e desse modo darais um testemunho publico aos meus Povos e a toda a Europa da doçura e justiça com que sempre reinei o reino sobre elles, e de que no meu real coração não ha ideia de vingança, nem ainda contra os ingratos que se esqueceram de um pai benigno, para se lançarem nos braços de um tyranno usurpador, que só tinha em vista despojal-os de seus bens, e reduzil-os á mais horrivel escravidão. De todos os procedimentos que mandardes practicar a este respeito, continuareis a dar-me parte, e não fareis executar sentença capital por taes crimes, sem que primeiro eu resolva o que for mais conforme á inalteravel justiça que quero se observe.

     A restauração e regeneração da minha Real Fazenda, sendo a principal base sobre que estriba a força publica, é necessariamente o objecto que mais devo recomendar-vos, para que possais por seu meio fazer prosperar a fortuna dos meus vassallos, e defendel-os do impios aggressores que hão de ainda tentar todos os meios de poder saquear de novo o paiz, o que espero lhes não seja possivel pelas medidas fortes e energicas que tomareis para o defender. O estado de desolação e miseria em que fica o Reino a delapidação que se fez dos impostos, a falta de metaes preciosos para a circulação, e o papel, que sem credito impede e paralysa todo o movimento, são objectos que provam que nada se poderá crear em Fazenda, sem que ao mesmo tempo se procure animar e dar vida ao corpo exangue do Estado, de modo que a agricultura, a industria, e o commercio renascendo venham fazer reviver a Fazenda Real, que é sempre uma dada parte da total renda do Estado, e que com elle cresce e diminue. Depois de uma crise tão terrivel, na confusão em que ficam os cofres, o primeiro ponto é fixar uma época donde se principe a pagar para diante, e onde todo o atrazado reduzido a preterito, só entre em pagamento depois de liquido, e depois de satisfeita a despeza corrente e absolutamente necessaria. Este systema que se praticou em 1762, talvez seja agora de absoluta necessidade, e fazendo-o vós praticar, debaixo de uma regra inalteravel, e com a maior regularidade, pode ser que em pouco tempo se sentisse delle o melhor effeito. No numero dos impostos a que será necessario recorrer, só dous é que podem sem excepção merecer todo o estudo; para se estabelecerem e para se tirar delles todo o partido; e eu vos autoriso a que ha dos mesmos: o primeiro, e que certamente será muito popular é o terço de todos os rendimentos ecclesiasticos, se o clero se prestar a esse nobre rasgo de patriotismo, o qual terço deverá estender-se a todos os rendimentos de commendas, e de bens da Coroa, não só aos que estão sujeitos á lei mental, mais ainda a todos os outros alienados da Corôa, como Capellas, substituindo-se este imposto á decima, que agora pagam os bens ecclesisticos, e ao quinto que pagam os bens da Corôa. O segundo imposto é o do papel sellado, que podereis restabelecer debaixo dos principios já conhecidos, e que por vistas pouco fundadas foi já annullado, com tão grande damno da minha Real Fazenda, e que ora é indispensavel tornar a recrear. Uma exacta, activa e não tyrannica cobrança das imposições já estabelecidas, poderá com a restauração do Reino fazer-se muito productiva; mas é indispensavel que desde logo os vossos cuidados se voltem para as Alfandegas, e para o systema que ahi se deve seguir, consultando-me o modo com que ahi ponderam logo reduzir-se ao par do que tenho aqui estabelecido: 1º, os direitos gerais das Alfandegas a 24% do valor da pauta; 2º, a diminuição de uma terça parte dos mesmos direitos, ou a sua reducção a 16%, logo que for propriedade portugueza, importada em navio portuguez: 3º, total suppressão de direitos nos generos do Brazil, que se importarem para se reexportarem, e que forem por deposito, ficando só sujeitos a pagarem direitos, os que se destinarem para consumo do Reino. Estas isenções que apparentemente diminuirão a renda real e publica, em breves annos a farão crescer; e vós devereis consultar-me tudo o que julgardes necessario para este grande estabelecimento. Não é só este o objecto em que desejo que proponhais sacrificios mais apparentes que reaes da minha Fazenda, é sobre as jugadas, terços e quartos de trigo e milho e outras plantas cereaes que vos ordeno que vos occupeis do modo com que sem maior inconveniente poderei alliviar o meu povo deste gravame, em beneficio da agricultura, e substituir-lhe outro que seja menos fatal á cultura do Reino, e ordeno-vos que tomando este objecto na mais seria consideração me consulteis tudo o que poderei fazer para procurar este beneficio ao meu povo, e ao Reino em geral. Igualmente tomareis na mais seria consideração, e me consultareis o modo com que poderei supprimir nas provincias do Norte o gravame que existe pelos foraes de pagar cada fogo uma certa quantidade de trigo, ou centeio, o que se lhes torna em annos de carestia, em um peso insupportavel, emquanto talvez vos conste examinando este objecto, que um tal gravame seja talvez bem pouco util e proveitosos para o augmento da minha renda real. Assim procurando regular melhor a taxação, diminuindo de um lado e augmentando de outro, podereis conseguir o fim que tanto vos recommendo, de fazer os rendimentos reaes productivos, sem serem pesados aos meus povos que tanto desejo beneficiar. Debalde comtudo nas presentes circumstancias e com as difficuldade que apresenta o papel, que tão desacreditado circula no Reino, podereis executar as grandes operações de que ha de necessitar o meu Real Erario, para fazer face as despezas do Exercito, Marinha e Lista Civil, não obstante que para dar ao Reino uma prova de amor que tenho aos meus vassallos, me proponho deixar livres os rendimentos reaes do Reino, ou em totalidade ou em parte das despezas, que fazia com o necessario explendor e representação do Throno, sem que lanceis mão dos recursos extraordinarios de circulação e credito que a experiencia de 1801 e 1802, deve mostrar-vos quanto foram productivos, e de que devereis usar, e servir-vos, consultando-me tudo o que puderdes fazer a esse respeito. Estes meios de credito e circulação são: em 1º logar a venda de todos os bens e foros da Corôa; em 2º logar o resgate dos foros e laudemios, censos e luctuosas, ficando o seu producto em um rendimento liquido, e proporcional ao seu justo valor nos rendimentos reaes, e servindo a amortisar o papel moeda; em 3º logar, a erecção de um Banco que substitua emfim o seu papel ao actual que todo se deve tirar da circulação; 4º o estabelecimento de bilhetes de credito apoiado sobre os bilhetes das Alfandegas, que se não devem deixar circular. Com estes quatro meios, dando-lhes a sua devida extensão, podereis conseguir, não só o restabelecimento do credito publico, mas o de grandes meios, que unidos aos emprestimos que podereis ir lentamente abrindo, vos darão a possibilidade de uma perfeita restauração da Fazenda Real. Ha um meio de credito mais pesado ao Estado, pela ruina que faz á moral do Povo, do que não se mostra a olhos inexpertos, mas que não é possivel que abandoneis, e é o das loterias, qual a ingleza, que estabelecereis para o fim de acudir ao que exigir mais prompto socorro; e talvez a industria nacional seja a que mais deve reclamar a vossa attenção. Terminando assim o que particularmente vos recommendo a respeito do augmento da minha Real Fazenda, torne a lembrar-vos que o restabelecimento do credito publico, e de maior confiança no Erario Regio deve ser um dos principaes objectos, que deverá merecer quasi exclusivamente o vosso desvelo; e tenho eu conseguido na minha Regencia grandes resultados por algum espaço de tempo, apezar das enormes despezas, a que sempre me obrigou o Governo Francez, deveis ter presente que tudo o que consegui em tal materia foi fructo da religiosa boa fé que mandei praticar, e que mantive ainda com gravame da minha Real fazenda. Sobre as despezas escuso recommendar-vos a maior economia, e a continua vigia sobre as repartições onde se despende, não só para que não haja delapidações, mas para que se pague com tal ordem, que o credito possa renascer, e que se inspire a todos confiança. Se a experiencia vos mostrar que se póde simplificar o numero das Thesourarias, que o pagamento de juros e tenças se póde fazer sem as folhas do Conselho da Fazenda, que tanto trabalho dão, e tanto descredito causam, ficaes autorisados para me consultardes sobre todos estes objectos, afim de que louvando o vosso zelo possa abraçar vistas uteis, e luminosas sobre tão importantes objectos, e talvez muitas destas simplificações nos pagamentos as possais effectuar, se vos for possível executar um Banco publico, que tambem faça estes pagamentos, e os da Junta dos juros com pequeno sacrificio da minha Real Fazenda. Depois de tudo o que vos tenho tão recommendado neste interessante objecto, só resta recommendar-vos que desde logo deis as competentes ordens, para que em cada semestre suba á minha real presença uma muito circumstanciada e exacta conta do Estado da minha Real Fazenda em todo o Reino, do que produzem actualmente as imposições, especificando cada uma em particular; e de que se póde esperar das mesmas para o futuro, daquella parte da renda que está antecipada, da que está livre, e de todo o melhoramente que para o diante possa ter, unindo a todos estes orçamentos em receita e despeza que fareis no modo estabelecido no meu Real Erario todas aquellas dilucidações que julgardes necessarias para o meu inteiro conhecimento, e para que possa desde logo dar radicaes providencias em tão importantes objectos. Igualmente me dareis uma miuda e exacta conta do estado da divida real e publica, tanto dentro como fóra do Reino, e dos pagamentos, que se tiverem feito para a amortização da mesma. Nas contas imperfeitas e pouco circumstanciadas que fizestes agora subir á minha real presença, e que acompanhavam como documentos como documentos a vossa carta de 18 de outubro do anno passado, vê-se que das aommas collectadas pelos Francezes, ainda faltava muito a entrar, particularmente de pratas, e sendo talvez possivel que a contento das partes interessadas possa entrar parte dessa somma para o Real Erario a titulo de emprestimo, de que se pague juro, ficará a vosso cuidado o ver se podeis realisar o pagamento do juro desse emprestimo, como vos recommendo façais o de todos os outros das dividas fundadas, pois só com semelhante exactidão é que se póde restabelecer o credito.

     O esteio e arrimo da Fazenda é a prosperidade publica, nem é difficil, quando a primeira existe, estabelecer principios, que façam prosperar a segunda. E' por isso que ao mesmo passo que me fordes consultando os grandes artigos de Fazenda, já apontados, que cuidareis efficazmente em promover a agricultura, industria e commercio do Reino, por cujo meio, e por uma conexão indissoluvel, vereis ir resurgindo os recursos que hão de animar os vossos palnos de Fazenda. Para promover a agricultura, me consultuareis tudo o que julgardes mais proprio para abrirdes e conservardes as estradas por todo o Reino com a menor despeza possivel, para auxiliar a navegação e communicações interiores por agua no Reino, para  conservar abertos os Portos, qual o de Aveiro, que, graças aos meus paternaes cuidados, se acha felizmente restabelecido, e pode fazer a riqueza de uma parte da Provincia da Beira, para auxiliar os longos arrendamentos, que talvez são o melhor meio de attrahir para a cultura das terras grandes cabedaes, e por mãos intelligentes, para fixar por certos periodos as contribuições de dizimos e decimas de maneira que a minha Real Fazenda, e os que arrecadam dizimos, não soffram grandes perdas, e que o lavrador se anime a cultivar melhor a terra, para facilitar a livre circulação de todos os productos do Reino, tirando todos os embaraços, que muitas vezes resultam dos mal entendidos interesses das Camaras em particular, e finalmente me proporeis para o mesmo fim a divisão dos baldios, e modo de me proporeis para o mesmo fim a divisão dos baldios, e modo de effectual-a, em favor do augmento da povoação. Para promover a industria nacional fareis conhecer que as manufacturas do Reino entram aqui, e em todo o Brazil, livre de direitos, e que não devendo ahi ter tambem direito algum, assim como todas as materias primeiras que servem para as mesmas, recebem por isso mesmo um grande favor, que insensivelmente os deve animar a adiantar a industria, para colherem um tão grande fructo, e mui particularmente vos recommendo, que procureis auxiliar, o mais que for possivel, as fabricas de lã de Portalegre e Covilhã, assim como as fabricas de fiar algodão e particularmente a de Thomar, que chegou ao maior ponto de perfeição, e em geral todas as outras fabricas, especialmente a da fiação das sedas, e fabrica dos estofos de setim e tafetás, merecendo particular menção as de chapéos. Quanto á navegação fareis conhecer o favor, que acabo de conceder á propriedade portugueza navegada em casco portuguez, e que fica pagando a terça parte menos dos direitos estabelecidos, o que juntamente com o abatimento dos direitos das Alfandegas deve singularmente favorecer o commercio e navegação dos meus vassallos. Recommendo-vos que deixando na fabrica de ferro de Figueiró os homens habeis necessarios, para que ella continue, me mandeis logo os Allemães que alli se acharem capazes de dirigir aqui fundições de ferro nas ricas minas deste metal de que o Brazil está cheio, e igualmente todos os Allemães que eu tinha mandado vir para fabricar canos de espingardas, por meio de machinas, e que poderei aqui estabelecer com grande vantagem sua e do paiz, e estes dous objectos vos hei por muito recommendados, assim como que tragam comsigo os modelos que alli havia mandado executar, deixando sempre ahi copias dos mesmos. Todos estes paternaes cuidados, que tanto vos mando tomar na mais seria consideração, se tornariam inuteis, se igualmente vos não lembrasse, e desse as mais positivas ordens de cuidardes sobretudo em segurar a defensa do Reino, e o socorro da Hespanha, afim que os Francezes sejam expulsos até além dos Pyrineos, e que toda a Peninsula fique inteiramente livre delles; e sendo o maior e mais essencial voto do meu real animo, e o principal desejo de todo o vassallo fiel, e zeloso pariota, deve ser o primeiro objecto dos vossos cuidados o preparar e promover todos os meios de força militar, afim de que tão louvaveis fins se possam conseguir, e que se esteiem sobre um systema capaz de perpetuar-se, e procurar sempre o desejado feliz resultado. Debaixo destas tão justas vistas, não só approvo a prudente resolução, que tomastes de augmentar novamente o pret do soldado, segundo antes o havia estabelecido a zelosa e intelligente Junta do Porto, mas ordeno-vos que façais todos os esforços para que a sorte do soldado Portuguez no pé de guerra não seja inferior ao do Francez, sendo certo que esse é o unico meio de poder exigir da tropa ou louvaveis sacrificios, de que tanto dependem depois os grandes resultados que se desejam. Isto mesmo servirá a procurar-vos a prompta execução da sabia e humana medida, que havia tomado a Junta do Porto, de querer que o soldado fosse recrutado voluntaria e não violentamente, visto que no momento de um tão exaltado patriotismo era de esperar o que já succedeu, que não faltasse gente que viesse espontaneamente alistar-se debaixo das bandeiras, que podiam sómente afiançar-lhe o bem que desejavam. Sendo a cavallaria e artilharia a cavallo, armas muito essenciaes, devo recommendar-vos efficazmente o cuidado das coudelarias do Reino, de que podereis depois, se a guerra continuar, tirar os elementos destas importantes armas, o que, em qualquer caso poderá associar-se com a boa agricultura do Reino, que, de taes resoluções colherá não pequenos fructos, se fizerdes que achem os lavradores interesse em criar bons potros, sem os vexames a que estão agora expostos. Approvo a medida que abraçastes de fazer que a cavallaria seja mantida á custa da minha Real Fazenda, como talvez a unica que possa fazer que se consiga o fim desejado de ter uma boa cavallaria, particularmente nas provincias meridionaes do Reino. E' muito essencial que procureis armar bem todas as milicias do Reino, e que nas cidades, particularmente na Capital, levanteis novos Corpos de Milicias, organizados em Regimentos, e que só devam servir no caso de maior aperto e urgencia, mas que sejam compostos de todo o cidadão capaz de pegar em armas e que se exercitem nos domingos em manobras, e atirar ao alvo, para o que podereis estabelecer alguns pequenos premios, podendo isso dar uma boa occupação á mocidade, em logar de outras distracções e servindo a manter um espirito marcial em toda a nação, de que depende depois a salvação publica, em difficeis e criticas circumstancias.

     Approvo pois, até para este fim a reclamação que fizestes de armas a S. M. Britannica, pelo meu Enviado, e muito vos mando recommendar este essencial objecto ao qual, me fareis o maior serviço dando toda a extensão possivel, de maneira que estes Corpos Milicianos já estabelecidos, possam ainda organizar uma força muito respeitavel pelo seu numero, valor e pratica do exercicio. Não vos esquecereis de fazer subir á minha real presença o inventario de tudo o que se achou nos Arsenaes, para eu formar uma justa idéa da grandeza da delapidação que os Francezes praticaram nos mesmos Arsenaes. Para que acudais efficaz e convenientemente á restauração da Monarchia Hespanhola, será cuidado vosso procurar logo a organização da uma força respeitavel e movel, composta das tres armas, e de que possais immediatamente destacar um grande pé de Exercito, que deva combinar-se com o exercito Inglez e Hespanhol, para fechar a passagem dos Pyrineos aos Francezes, depois que houverdes concorrido a expulsal-os da Peninsula. É de maior interesse para a futura segurança do Reino, e do meu real serviço que se procure tomar parte activa na guerra, para formar Cabos e Generaes capazes de conduzirem e dirigirem os meus Exercitos no caso de necessidade. Tambem approvo que a Marinha merecesse logo a vossa attenção, para conservar uma força respeitavel no Estreito de Gibraltar, que impeça a sahida dos Corsarios Argelinos, e mantenha livre a navegação directa do reino com os meus dominios ultramarinos, e se possivel fôr, devereis cuidar em que essa força naval, obre activamente contra os Argelinos, e os obrigue a desejar, e a acceitar a paz, debaixo de condições menos onerosas do que aquellas que sempre offereceram. A restauração da Marinha, o simplificar a sua fórma administrativa sem que nada perca da exacção com que deve ser conduzida esta necessariamente dispendiosa administração, e finalmente o seu restabelecimento, quanto á maior actividade, em que deve por-se, são objectos que devem occupar-vos essencialmente, e sobre os quaes me consultareis o que achardes util a esse respeito, pela competente repartição. Para que conheçais que nenhuma providencia me esqueceu das que humanamente podia dar a favor dos meus vassallos do Reino, que tanto se distinguiram com actos de pura lealdade e raro patriotismo, recebereis por uma embarcação de guerra, que daqui ha de partir com a brevidade possivel, o dinheiro com que pela minha Real fazenda, mando accudir ao Reino, além dos emprestimos que mandei abrir em Inglaterra, e que em parte applico a eese fim, e pelo Bergantim ‹‹Lebre››, e Navio ‹‹Teniz››, proximos a seguir viagem para essa Cidade, vos envio tambem os dons gratuitos, que esta Cidade do Rio de Janeiro deu para accudir á mais urgente necessidade, mostrando assim o estreito enlace que une entre si os meus fieis e honrados vassallos, e que é exemplo que provavelmente imitarão as outras Cidades e terras do Brazil.

     Da vossa prudencia e probidade confio a boa applicação de todos estes fundos, e que dareis a semelhante objecto toda aquella publicidade que convem dar, para que a todos constem os meus paternaes cuidados, e a boa harmonia que existe entre todos os meus vassallos, assim a fiel e exacta applicação que se fez de taes sommas. Com esta minha Carta Régia recebereis a Proclamação em fórma de Carta que dirijo ao Clero, Nobreza e Povo desses Reinos, e que fareis logo communicar por toda a parte, assim como o manifesto com que havia declarado a guerra á França, tanto que me constou da cruel oppressão com que o exercito Francez tratava os meus vassallos, e dos inauditos procedimentos com que atropelava os meus sagrados e inalienaveis direitos e pretendia usurpar-me violentamente a Corôa que herdei dos Senhores Reis meus predecessores, e novamente fareis ahi publicar o mesmo manifesto, e declaração de guerra. Não me esquecerei aqui de ordenar-vos que façais cosntar ao Clero, Nobreza e Povo desses Reinos quanto presentes tenho os actos de fidelidade e lealdade á minha real pessoa, com que nesta occasião se mostraram todas as Provincias desses Reinos, e com que immortalisaram as paginas da historia, pondo-se ao par das gloriosas acções dos seus antepassados, e que desejando muito fazer mercê a todos, vos tenho ordenado que façais subir á minha real presença os nomes dos que a Nação Portugueza achou em mim, não só o seu legitimo Rei e Senhor, mas um bom pai, e digno de taes filhos. Esta Carta Régia, que vos servirá de instrucção, cumprireis fielmente, executando estas minhas reaes ordens, e fazendo-vos cada vez mais digno da minha real consideração pela fidelidade, zelo e honra com que continuareis a servir-me com distincção. Escripta no Palacio do Rio de Janeiro em 2 de Janeiro de 1809.

PRINCIPE.


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1809


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1809, Página 1 Vol. 1 (Publicação Original)