Rádio Câmara

Reportagem Especial

100 anos do rádio - pioneiros e primeiras transmissões

01/04/2019 -

  • 100 anos do rádio - pioneiros e primeiras transmissões (bloco 1)

[Ruídos de sintonia]

Ooops, calma, calma. A gente não saiu do ar, não. Esse chiado irritante aí ao fundo é só para lembrar aquelas aulas de física sobre a propagação de ondas eletromagnéticas pelo espaço vazio, na mesma velocidade da luz. A gente não vai entrar muito em detalhes técnicos, mas, até por questão de justiça, é importante citar os pioneiros nessas pesquisas, como o físico alemão Heinrich Hertz, que descobriu as ondas radiofônicas, e outro físico, o italiano Guglielmo Marconi, a quem se atribui a invenção da radiotelegrafia, no fim do século 19.

Esses são os mais conhecidos. No entanto, várias outras experiências com ondas de rádio aconteciam ao mesmo tempo, em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. O nosso pioneiro é um padre. É isso mesmo. Entre uma missa e outra, o padre gaúcho Roberto Landell de Moura fazia experimentos físicos e obtinha êxitos até superiores aos dos pesquisadores europeus e norte-americanos. Quem conta essa história para a gente é o jornalista Reynaldo Tavares, autor do livro "Histórias que o rádio não contou".

Reynaldo Tavares: "Em 1892, esse padre gaúcho construiu um aparelho com válvulas e fez a primeira transmissão de levar a sua voz a distância, em Campinas. Em 1896, portanto, quatro anos depois, é que apareceu o Gugliemo Marconi com a radiotelegrafia sem fio. Então, a transmissão do rádio por ondas eletromagnéticas era um sistema e a transmissão do Marconi era outra completamente diferente. O padre Roberto Landell de Moura, na época, foi taxado de louco, de bruxo, de praticante de espiritismo e candomblé."

Invenções desse tipo permitiam a transmissão do som. Mas, como seria possível ouvi-lo em diferentes lugares? Essa solução só veio no início do século 20, com a criação dos primeiros receptores de som, nos Estados Unidos. A Westinghouse Eletric esteve na vanguarda desse processo lá e aqui. Foi essa empresa norte-americana que subiu o Morro do Corcovado, no Rio de Janeiro, para instalar os equipamentos que transmitiram a primeira radiodifusão sonora oficial do Brasil, ecoada por alto-falantes montados em uma exposição internacional, na então capital federal.

[MÚSICA: O Guarani (instrumental)]

Foi em 7 de setembro de 1922, em pleno centenário da independência brasileira. Um discurso do então presidente Epitácio Pessoa e a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, inauguraram as transmissões. A novidade deixou os ouvintes incrédulos, como testemunhou, em depoimento histórico, o radialista Renato Murce, falecido em 1987 e um dos pioneiros do rádio brasileiro.

Renato Murce: "E o povo que se juntava na multidão do centenário, uma multidão incalculável, era pior do que São Tomé: estava vendo, ouvindo e não acreditando. Como é que um aparelhinho pequenino, lá longe, sem nada, sem fios, sem coisa nenhuma, podia ser ouvido a distância. E ficava embasbacado."

Mas o som vindo de alto-falantes obviamente não era dos melhores. Tanto é que, após a surpresa da transmissão, a novidade foi caindo no esquecimento. Quem afirma isso é o antropólogo e professor Roquete Pinto, morto em 1954, e outro pioneiro do rádio.

Roquete Pinto: "Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados na exposição. Ouvindo discursos e músicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores consequências."

Pronto! Ouvimos Roquete Pinto e, com isso, lá vamos nós para mais um dilema do tipo: o samba nasceu no Rio ou na Bahia? Ou quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? É que até hoje persiste a dúvida sobre qual é a primeira emissora de rádio brasileira. Na prática, a disputa entre a Rádio Clube de Pernambuco e a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro não tem muita relevância, mas é um fato histórico digno de registro.

Cronologicamente, os pernambucanos têm do que se orgulhar. O pesquisador Renato Phaelante, autor do livro "Fragmentos da história da Rádio Clube de Pernambuco", sustenta a vanguarda dos radialistas que se reuniam em um sobrado, perto do Recife Antigo, nos idos de 1919.

Renato Phaelante: "A Rádio Clube fazia algumas experiências aqui em Recife, diretamente do Teatro de Santa Isabel. Apesar de a Rádio Clube ter sido pioneira no radioamadorismo, em 1919, o estatuto da Rádio Clube de Pernambuco já falava nas condições de rádio, como amplitude, divulgação de música e de comunicação de um modo geral."

Só quatro anos depois, em 1923, surgia a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por iniciativa de Roquete Pinto, preocupado com a desmontagem dos aparelhos que permitiram a transmissão sonora durante o centenário da independência, um ano antes.

Roquete Pinto: "No começo de 1923, desmontava-se a estação Corcovado. O Brasil ia ficar sem rádio. Ora, eu vivia angustiado com essa história porque já tinha a convicção profunda do valor informativo e cultural do sistema. Mas, uma andorinha não faz verão. Resolvi interessar no problema a Academia Brasileira de Ciência e foi assim que nasceu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1923."

Como o transmissor da Rádio Clube só foi instalado em outubro de 1923, muitos historiadores resolvem esse impasse assim: atribuem aos pernambucanos o pioneirismo em constituir clubes de estudiosos em técnicas de radiodifusão, e aos cariocas, a vanguarda na transmissão sonora com um pouco mais de regularidade.

Aliás, regularidade entre aspas. O comunicador Almirante, conhecido como "a mais alta patente do rádio brasileiro" deixou esse depoimento gravado sobre como era o funcionamento das duas primeiras emissoras de rádio do Rio, a Sociedade e a Clube do Brasil, ao longo da década de 1920.

Almirante: "O rádio irradiava só algumas horas. Quando teve entendimento com a segunda estação, que foi a Rádio Clube do Brasil, então as duas - Rádio Sociedade e Rádio Clube - combinaram o seguinte: uma irradiava só às segundas, quartas e sextas; a outra nas terças, quintas e sábados. No domingo, não tinha rádio. E era só por algumas horas. Evidente que, com o tempo, foi aumentando."

[MÚSICA: O Guarani (instrumental)]

A semente do rádio realmente se espalhou pelo Brasil afora. Em São Paulo, o pioneirismo coube à Sociedade Rádio Educadora Paulista, em novembro de 1923. No fim da década de 20, já havia 29 emissoras de norte a sul do país. Outras 52 apareceram na década seguinte, geralmente transmitindo música, óperas e textos educativos. Os anos 40 conheceram o auge da Era do Rádio, na qual algumas emissoras tornaram-se ícones na radiodifusão de verdadeiros espetáculos de diversão, cultura, notícia e esporte. Era o rádio se transformando em veículo de comunicação de massa.

[Vinhetas das Rádios Nacional, Record, Inconfidência, Guaíba, Jornal do Brasil]

No segundo capítulo da Reportagem Especial, saiba mais sobre os áureos tempos dos programas de auditório, radionovelas e grandes espetáculos da era do rádio.

Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Aprigio Nogueira

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h