Rádio Câmara

Reportagem Especial

Riscos à infância - o começo da vida

22/12/2017 -

  • Riscos à infância - o começo da vida (bloco 1)

  • Riscos à infância - mães encarceradas (bloco 2)

  • Riscos à infância - violência sexual (bloco 3)

  • Riscos à infância - obesidade e desnutrição (bloco 4)

  • Riscos à infância - negligência (bloco 5)

Vinte e nove crianças e adolescentes são vítimas de homicídio todos os dias no Brasil. A cada dois dias, um bebê é vítima de violência sexual. Um terço das mulheres presas que estão grávidas não recebem atendimento pré-natal. Setenta por cento das crianças vítimas de exploração sexual são negras.

Os números são impactantes, mas é importante observar que essas violências não são cometidas por vilões monstruosos que rondam as ruas e atacam as crianças quando os pais não estão olhando. Essas violências são cometidas por vários atores sociais: pais; mães; familiares; professores; e pelo próprio Estado, seja por meio da polícia, da Justiça ou pela falta de legislação ou de políticas públicas.

Esses números e análises permearam dois seminários e uma audiência pública realizados na Câmara dos Deputados em novembro de 2017. As violências são de vários tipos, e o contexto em que ocorrem são variados também. Mas o destino dessas crianças violentadas não muda tanto assim: é a morte ou a prisão, pois, a partir da adolescência, muitas acabam se transformando em agressoras também.

A secretária nacional dos direitos da criança e do adolescente, Berenice Gianella, foi presidente da antiga Febem, hoje Fundação Casa, de São Paulo, por 12 anos. É ela que aponta essa correlação entre a violência sofrida e a violência praticada.

Berenice Gianella: "O que nós vimos lá é que muitas vezes os jovens chegavam pra nós com 15, 16 anos porque tinham praticado atos em virtude de um mau atendimento que eles tiveram na infância. Ou de atos de violência que sofreram na primeira infância e que depois, quando adolescentes, revidavam isso para os outros colegas, para o mundo adulto, para os pais. Daí a importância do cuidado na primeira infância, no tempo em que a personalidade começa a se formar e que a atenção, o afeto e o carinho são absolutamente necessários para que nós não tenhamos posteriormente jovens abandonados ou revoltados."

A deputada Érika Kokay, do PT do Distrito Federal, lembra que a Constituição impõe prioridade absoluta às crianças, adolescentes e jovens. Para ela, se passássemos a respeitar essa prioridade na elaboração de políticas públicas, vários outros problemas da vida adulta, como os da segurança pública, seriam resolvidos.

Érika Kokay: "Uma sociedade que invisibiliza seus meninos e meninas na condição de terem os direitos de vitimizados vai tentar agigantar esses meninos e meninas quando se tornam vitimizadores para justificar sua própria ausência e a invisibilização desses meninos na condição de vitimizados. Me calo dando voz a Betinho, que diz que, quando a gente não consegue mais ver uma criança, é que ela já foi vítima de tantas violações que a gente só consegue ver o que fizeram com ela."

Esse processo é ainda mais impiedoso com as crianças negras e começa na escola, segundo a Giselle dos Anjos Santos, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. Ela volta aos livros de História para lembrar que eles só trazem a imagem do negro como um ser inferiorizado, escravizado, sem dizer nada sobre seu passado na África e sobre o conhecimento trazido de lá. Isso, ela diz, faz com que até mesmo os professores esperem menos do desempenho intelectual de seus alunos negros e que a escola se torne desinteressante para essas crianças, que acabam abandonando os estudos. E os dados, completa Giselle, confirmam que a falta de interesse pela escola é o principal motivo que faz com que um a cada quatro alunos que iniciam o ensino fundamental abandone os estudos antes de completar a última série.

Giselle dos Anjos Santos: "Quando a criança de alguma forma não se vê representada, reconhecida, no ambiente escolar, ela simplesmente não tem interesse de permanecer ali e isso já é, sim, uma morte simbólica, psicológica, identitária e essa morte vai favorecer outros tipos de morte que vão acompanhar a vida desse indivíduo até talvez o momento onde alguém aperte o gatilho."

E o gatilho vem sendo apertado com frequência contra os jovens negros brasileiros, em especial os meninos. Em 2015, a CPI da violência contra jovens negros e pobres aprovou um relatório histórico com a seguinte afirmação: no Brasil, há um genocídio dessa população. Para a relatora da comissão de inquérito, deputada Rosangela Gomes, do PRB fluminense, esse reconhecimento tem força simbólica muito grande.

Rosangela Gomes: "Você veja, na França, 128 pessoas foram mortas e houve uma comoção mundial. O Brasil mata 56 mil jovens negros e pobres todos os anos. Se você fizer uma conta, é 150 jovens por dia que morrem. E a gente não vê nenhum tipo de medida mais severa, mais firme, mais realista para diminuirmos esses homicídios."

Prova de que os altos índices de homicídios no Brasil não atingem a população como um todo é que, de 2002 a 2012, caiu em 32% o assassinato de jovens brancos e subiu nos mesmos 32% o número de assassinatos de jovens negros. Quem traz esses números é a Giselle dos Anjos, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.

Giselle dos Anjos: "E a polícia brasileira matou em cinco anos mais do que a polícia dos EUA em 30 anos de trabalho. Entender que a nossa polícia, que deveria estar defendendo a nossa sociedade, mata, mas não mata em qualquer bairro, não mate em qualquer lugar, não mata qualquer jovem, não mata qualquer pessoa. Existem territórios em que, de alguma forma, esse tipo de prática é autorizado. (...) Recentemente vazou uma fala de um comandante da rota: 'no bairro da elite, a gente não pode fazer como a gente faz no bairro da periferia'."

Bem, se crianças violentadas se tornam adolescentes e adultos violentos, o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/16) chegou em 2016 com a proposta de que as políticas públicas priorizassem os primeiros anos de vida, favorecendo o desenvolvimento pleno e saudável de todas as crianças. O pedagogo Vital Didonet, da Rede Nacional Primeira Infância, contribuiu para a elaboração da lei e fala que a intenção dela é promover uma cultura do cuidado.

Vital Didonet: "É preciso um olhar para a criança cuidadoso, zeloso, que diz: eu me preocupo contigo, eu sei que você é bacana, que vai desenvolver, que tu es uma criança maravilhosa, que tem um potencial imensurável, mas as crianças estão, de certa forma, vistas como um problema, ou como um custo ou como uma demanda de serviços e não a pessoa cidadã com esse imenso potencial de desenvolvimento que ela tem já nos primeiros anos de vida."

Primeira Infância é o período que vai de zero aos seis anos de vida e vem sendo considerado pela ciência como uma fase crucial do desenvolvimento infantil, pois é quando se constrói a fundação afetiva, intelectual e física que vai sustentar o futuro adulto.

No segundo capítulo da Reportagem Especial sobre os riscos à infância, você vai conhecer a realidade das mães encarceradas.

Reportagem - Verônica Lima
Produção - Lucélia Cristina
Edição - Lincoln Macário e Ana Raquel Macedo
Trabalhos Técnicos - Leandro Gregorine

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h