Reportagem Especial
Diversidade Sexual – Reorientação
06/11/2017 -
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Diversidade Sexual – Reorientação (bloco 1)
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Diversidade Sexual – Transexualismo ou Transexualidade (bloco 2)
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Diversidade Sexual – Violência (bloco 3)
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Diversidade Sexual – Mercado de Trabalho (bloco 4)
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Diversidade Sexual – Estatuto da Família (bloco 5)
Uma decisão judicial recente reacendeu um debate que parecia adormecido: a possibilidade de se reverter a orientação sexual de uma pessoa. Uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, publicada em 1999, proibiu os psicólogos de exercer qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas e de colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Em setembro de 2017, um juiz federal acatou em parte o pedido de um grupo de psicólogos contrários à resolução. Pela decisão, a resolução continua em vigor, mas o Conselho Federal de Psicologia não deve interpretá-la, "de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual".
A psicóloga Rozângela Justino é uma dos 23 profissionais que entraram com a ação judicial contra a resolução do Conselho. Segundo ela, a norma fere a liberdade profissional e científica e a liberdade das pessoas em conflito com sua sexualidade para procurar atendimento profissional. Rozângela discorda do uso do termo “cura gay”, pois o que se defende, ela diz, não é o direito de tratar a homossexualidade em si, mas os traumas e o sofrimento das pessoas que desejam mudar sua orientação sexual.
Rozângela Justino: "A gente não trabalha o sintoma propriamente dito. À medida que ela for sendo tratada nos traumas dela, por exemplo, e a gente vai tratar o trauma e não a sexualidade em si, por exemplo, ela vai minimizando o sofrimento, a dor, e aquelas que querem fazem as mudanças que elas mesmas desejam e as que não querem continuem com comportamento que ela quer. Dentro do meu trabalho profissional, eu tive pacientes com sucesso de mudança e outros não. (...) Independente até de tratamento psicológico, porque o Conselho tirou o direito do psicólogo de trabalhar e ajudar essas pessoas, muitos conseguiram mudar com outras ajudas que receberam."
A Sandra Sposito, do Conselho Federal de Psicologia, responde às críticas dizendo que o papel do conselho é nortear as práticas dos profissionais de acordo com os parâmetros científicos internacionais. E, segundo ela, é consenso científico internacional que tratamentos de reorientação sexual não funcionam.
Sandra Sposito: "Chega uma pessoa num consultório de um cirurgião plástico e fala assim: eu quero fazer uma cirurgia assim, assim; o cirurgião plástico fala: olha, a gente não consegue fazer uma cirurgia assim porque ainda não tem uma tecnologia, a gente não sabe fazer esse procedimento que você quer. Então, determinados profissionais têm limites, e as pessoas têm que conviver com esses limites, porque esses limites implicam a segurança dele, com ética garantida, com a cientificidade garantida."
Se a Psicologia não é capaz de oferecer a reversão da sexualidade, diz a Sandra Sposito, isso não quer dizer que os psicólogos não possam atender um paciente em conflito com sua sexualidade nem cuidar de seu sofrimento. Isso, ela afirma, a resolução nunca proibiu os profissionais de fazer.
A Juliana Ferron lutou contra seus desejos desde que começaram a surgir, na adolescência. Ela sentia atração por meninas, mas não queria viver aquilo, não queria ter aqueles desejos.
Juliana Ferron: "Porque é contra aquilo que eu queria pra minha vida. Eu não queria viver isso. Eu queria ter uma família, eu queria ter um marido, eu queria ter uma família que fosse pra mim aceitável, que fosse ideal pros meus sonhos e não algo distorcido do que eu queria."
Por volta dos 25 anos, a Juliana começou a investigar seu passado em busca de situações que poderiam ter acarretado o que ela considerava uma distorção no seu desejo, como traumas e rejeições.
Juliana Ferron: "Abuso sexual, dois abusos sofridos, rejeição paterna, rejeição materna, ausência de uma construção de uma feminilidade. A psicanálise explica essa questão do desejo, da falta, que a gente vai buscar no outro aquilo que acredita não haver em nós. Então, eu identifiquei que essa falta dessa feminilidade em mim, não construída justamente pela ausência da mãe, ausência afetiva, ela havia gerado uma busca externa. E acabava buscando em outras mulheres justamente essa falta."
Juliana diz que essa análise, que ela fez sem a ajuda de psicólogos, a permitiu reduzir a quase zero o desejo homossexual e restaurar o desejo por homens.
Há estudiosos, como o especialista em políticas públicas e mestre em saúde pública Claudemiro Soares, que chancelam essa percepção da Juliana de que o desejo homossexual é fruto de traumas e abusos. Mas o Conselho Federal de Psicologia e a Associação Brasileira de Psiquiatria não.
A Carmita Abdo, da Associação Brasileira de Psiquiatria, explica que experiências negativas podem temporariamente confundir alguém ou gerar conflito sobre a sua orientação sexual, mas que a ciência ainda não tem uma resposta definitiva sobre o que leva alguém a se definir como hetero, homo ou bissexual. O que a Medicina já concluiu, segundo Carmita, é que a reversão da orientação sexual não acontece.
Carmita Abdo: "Ela pode até ser tentada pelo indivíduo, que vai passar meses, anos, talvez vivendo num relacionamento heterossexual, mas, sem dúvida, ele nos revela que as suas fantasias, os seus sonhos, a sua intimidade permanece com atração por pessoas do mesmo sexo, apenas que ele resolveu não exercer essa atividade e ele então, por vezes, até com repercussão muito forte sobre seu humor, sua tranquilidade, a sua condição de estresse, ele acaba tendo repercussões bastante fortes na tentativa de viver, pelo menos no plano externo, uma vida com atividade heterossexual."
E, por isso, completa Carmita, o Conselho Federal de Medicina também chegou à conclusão de que não se deve aplicar nenhum tipo de tratamento para reverter a orientação sexual de alguém, seja ela qual for. E o papel do médico nos casos em que a pessoa chega ao consultório solicitando essa mudança é deixar claro que a Psiquiatria não é capaz de fazer isso, além de acolher o paciente e ajudá-lo a entender como ele poderia se inserir melhor na sociedade com sua orientação sexual.
A Sandra Sposito, do Conselho Federal de Psicologia, responde à pergunta sobre as causas da homossexualidade com mais perguntas.
Sandra Sposito: "E a heterossexualidade? Como as pessoas se tornam heterossexuais? É por causa de traumas, abusos? Não, ninguém pergunta isso. E por que perguntam em relação à homossexualidade? Porque, na hora que você faz essa pergunta, você coloca a homossexualidade no rol da estranheza, do desvio, da anormalidade. É uma pergunta que não cabe mais."
Segundo Sposito, são três as orientações sexuais reconhecidas cientificamente: bissexual, homossexual e heterossexual, e o processo de constituição das três é o mesmo: passa pela história de vida, pelas experiências, relações e afetos trocados e se constitui de maneira singular em cada um.
E a transexualidade? É doença? Saiba no próximo capítulo da Reportagem Especial.
Reportagem - Verônica Lima
Edição - Mauro Ceccherini
Produção - Lucélia Cristina