Rádio Câmara

Reportagem Especial

Mídia sem Violações – a campanha

19/06/2017 -

  • Mídia sem Violações – a campanha (bloco 1)

  • Mídia sem Violações – jornalismo ou entretenimento (bloco 2)

  • Mídia sem Violações – exposição indevida de pessoas (bloco 3)

  • Mídia sem Violações – presunção de inocência (bloco 4)

  • Mídia sem Violações – justiça ou vingança (bloco 5)

 

Se você tem mais de 30 anos, provavelmente se lembra da campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania", que denunciava casos de desrespeito aos direitos humanos por emissoras de televisão. Na opinião do coordenador, ex-deputado Orlando Fantazzini, a campanha foi bastante exitosa, ao pressionar empresas anunciantes a deixar de patrocinar programas que, por exemplo, exibiam cenas de agressão a mulheres.

Agora, a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular volta a promover o debate sobre o tema, em apoio à iniciativa da Andi – Comunicação e Direitos, e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Desta vez, o foco da campanha são os programas policiais de rádio e TV. E a intenção é alertar a população sobre violações a direitos previstos em leis brasileiras ou em acordos multilaterais, além de normas autorregulatórias do campo da comunicação. Quem explica é a Ana Cláudia Mielke, do Intervozes.

Ana Cláudia Mielke: “O caso da exibição durante mais de 15 minutos do vídeo do estupro de uma menina de 9 anos no Ceará é exemplar disso. Creio que a maioria da população enquanto assistia não via aquilo como uma violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente porque as pessoas têm pouco conhecimento sobre nossas leis."

A campanha "Mídia Sem Violações" conta com dois instrumentos principais: um guia que apresenta, explica e dá exemplos dos casos de desrespeito a direitos mais frequentes nos programas policiais e uma página na internet onde o cidadão pode fazer denúncias. A lista de violações mais comuns foi construída com base no monitoramento de 28 programas policiais de rádio e televisão realizado em 2015 em 10 capitais brasileiras. Ao todo, a pesquisa identificou 4.500 situações de violação de direitos. Entre os nove tipos de violação mais frequentes estão desrespeito à presunção de inocência; incitação ao crime, à violência e ao desrespeito às leis; e exposição indevida de pessoas, sejam vítimas, suspeitos ou familiares.

Eu conversei com o diretor-geral da Abert, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Luís Roberto Antonik. Ele questionou a objetividade das denúncias, afirmando que a presença de violações na mídia é uma interpretação da nossa equipe de reportagem.

Luís Roberto Antonik: "O que a senhora se refere assim com tanta, absoluta certeza de que se trata de uma violação legal eu diria o seguinte: é uma interpretação sua como jornalista. Nós, aqui na Abert, não fazemos interpretação de conteúdo das emissoras. Existem instâncias legais, dentro do governo, dentro dos órgãos reguladores, dentro dos órgãos controladores para fazer esse tipo de coisa."

O estudioso da televisão Laurindo Leal Filho rebate as críticas com exemplos.

Laurindo Leal Filho: "As pessoas têm direito ao silêncio, mesmo presas, elas têm direito ao silêncio. Elas são instigadas por esse tipo de programa a falar qualquer coisa. (...) O programa que incita o retorno da pena de morte é um programa que está desobedecendo a lei. A pena de morte é proibida no Brasil. É famoso o caso da apresentadora do SBT que incitava as pessoas a espancar o rapaz que foi amarrado numa árvore por ter cometido um roubo."

Na opinião do deputado Laudívio Carvalho, do Solidariedade de Minas Gerais, o campo da comunicação cumpre bem as leis no Brasil. Ele cita sua própria carreira como exemplo e afirma que trabalhou como radialista por 35 anos sem nunca ter sido citado em processos por violação de direitos.

Laudívio Carvalho: "E vejo os comunicadores, de um modo geral, quando respondem, eles respondem ou porque emitiram opinião pessoal, e aí você responde pela opinião que você emitiu ou por um deslize qualquer. O menor, quando você desliza e você dá o apelido dele, por exemplo, ou até as iniciais dele, você está cometendo um crime ali que está previsto em lei. Então às vezes passa porque você vai falando 'aí, porque o menor' aí você já soltou apelido dele. É um deslize e deslizes também você tem que responder por eles."

A estratégia de pressionar empresas a deixar de anunciar seus produtos nos intervalos ou durante programas que sistematicamente desrespeitem direitos vai ser repetida na campanha "Mídia Sem Violações". A Ana Cláudia Mielke, do Intervozes, conta que os maiores anunciantes desses programas foram identificados em um monitoramento de 2016.

Ana Cláudia Mielke: "Sabemos agora quem são. E tem empresas que vendem móveis, que vendem produtos de cosmética, mas também tem o Estado. O Estado também é um grande anunciante desses programas, com publicidade muitas vezes social, voltada à prevenção, por exemplo, da dengue, campanhas de vacinação, entre outras. Se você está inserindo, injetando dinheiro nesses programas que violam direitos humanos, você está contribuindo com a violação de direitos humanos. Minimamente o que o anunciante deveria fazer era conversar com as emissoras para que elas não violem direitos humanos naquela programação."

Nós entramos em contato com algumas empresas que anunciam nos programas policiais, mas não obtivemos resposta. Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República afirmou que restringir a publicidade de órgãos públicos em determinados programas violaria princípios constitucionais, como o da liberdade de expressão da atividade de comunicação.

Mas, para a consultora da Andi, Suzana Varjão, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Segundo a Constituição, ela diz, ele deve ser exercido em consonância com outros direitos, como o direito à vida, à intimidade e à imagem.

Suzana Varjão: "Nós nos consideramos, campo da comunicação de massa, semideuses. (...) Então não dá para dizer: 'não, essa lei contra a tortura, contra o preconceito de raça vale para a sociedade, mas não vale para mim, não vale para o meu campo de comunicação'. É uma falácia falar de pretensa restrição à liberdade de expressão."

Nossa reportagem entrou em contato com três dos programas que lideram o ranking da campanha Mídia Sem Violações, mas não conseguimos entrevista. A Abratel, Associação Brasileira de Rádio e Televisão também não nos concedeu entrevista. A Federação Nacional das Agências de Propaganda afirmou que ainda não foi procurada pelos organizadores da campanha, mas, caso isso aconteça, o tema poderá entrará na pauta de discussão da entidade, podendo fazer parte de uma recomendação para as agências de publicidade.

Os programas policiais respeitam os critérios jornalísticos? Ouça, no segundo capítulo da Reportagem Especial.

Reportagem - Verônica Lima
Edição - Mauro Ceccherini
Produção - Lucélia Cristina e Cristiane Baker
Trabalhos Técnicos - Indalécio Wanderley

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h