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Reportagem Especial

Especialistas esperam que nova lei de patentes estimule investimentos no País

09/12/2013 - 15h08

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A Câmara discute uma nova lei de patentes. Os debates com especialistas e a comunidade científica têm mostrado que o atual sistema prejudicou a indústria nacional e aumentou custos do governo. A ideia agora é impor alto padrão de exigência e incentivar as grandes empresas a investir no Brasil e a transferir conhecimento e tecnologia. Este é o tema da Reportagem Especial desta semana. Confira o primeiro capítulo, com Vânia Alves.

Está na boca do povo! Dizer que um produto é "ching ling" significa que é cópia oriental de uma invenção original de outro país, com preço mais baixo. Ele pode ter chegado ao País de modo legal ou ilegal, mas para o que nos interessa, "ching ling" pode querer dizer que o país de onde saíram celular, óculos, aparelho de som, computador, aproveitou uma tremenda oportunidade para dar um salto de desenvolvimento.

Em 1995, foi criada a Organização Mundial do Comércio. Os países que aderiram a essa organização, que hoje regula quase todo o comércio internacional, assinaram o acordo Trips. Naquele momento, todos se comprometeram a respeitar as patentes registradas em outros países. Mas o acordo estabeleceu uma quarentena de 5 anos para que os países pudessem adaptar sua indústria a essa nova situação. Para a indústria farmacêutica, foram 10 anos.

Mas não foi essa a escolha do Brasil, como explica o deputado Newton Lima, do PT de São Paulo, autor de projeto de lei que altera a lei de propriedade industrial elaborada naquela época. Ele explica que a Constituição diz que a patente deve ter em conta o interesse social e o desenvolvimento social e econômico do País, mas ele acredita que esse fim não foi atingido pela lei de patentes de 96.

"A nossa legislação foi feita de maneira apressada, açodada, aprovada um ano depois. A lei 9.279 de 96 fez exatamente o contrário do que a Constituição queria. O que provocou um desastre na indústria, sobretudo na indústria de química fina, na indústria de fármacos, fechando, em poucos anos, cerca de 1.200 empreendimentos nacionais. Patentes que eram acolhidas em outros países passaram a ser naturalmente revalidadas no Brasil sem uma análise mais rigorosa sobre os seus efeitos sobre a economia, sobre a indústria aqui instalada.

Exemplos de sucesso

É também Newton Lima quem explica que outros países, como os chamados Tigres Asiáticos e a Índia, fizeram escolha bem diferente e se transformaram em potências seja no mercado de cópias, seja no desenvolvimento de uma indústria própria de inovação baseada nesse processo.

Anvisa
Medicamento genérico
Índia é destaque na produção mundial de genéricos sem violar acordos 

"Há uma diferença entre pirataria, que é roubo e crime, e imitação tecnológica autorizada pelo tratado Trips. Começaram a vir patentes acolhidas em outros países, o que impediu que o Brasil fizesse como a Índia, fizesse como a China, que foi fazer a imitação ou cópia a partir do conhecimento, dentro da legalidade colocada pelos mecanismos internacionais. A Índia tem até hoje uma das maiores indústrias farmoquímicas do planeta."

Ao não reconhecer as patentes pelos 10 anos permitidos, a Índia desenvolveu uma potente indústria de genéricos. De acordo com o jurista Gilberto Bercovici, ao invés de afastar os investimentos estrangeiros, o processo estimulou o estabelecimento de empresas no País.

"Sem dúvida, os 10 anos que se demorou a mais na Índia para reconhecer as patentes em matéria de medicamentos levaram a que nenhuma indústria farmacêutica quisesse perder o mercado indiano. E, portanto, colocasse os medicamentos ali, mesmo não patenteados. E eles pudessem desenvolver tecnologias de produzir e vender remédios mais baratos. Por isso, as grandes empresas, talvez as maiores empresas de genéricos, estão na Índia e isso estimulou muita inovação na medicina e na tecnologia médica na Índia. Daí ela ser um fornecedor mundial de medicamentos genéricos hoje."

Recompensas

O reconhecimento de patentes se baseia na ideia de que a devida compensação econômica ao inventor e a quem investe em inovação vai incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico. Praticamente, ao se dar uma patente, você dá a seu proprietário o monopólio do mercado desse produto por um determinado tempo. Mas, como explica o cientista Rogério Cerqueira Leite, espera-se que haja uma contrapartida a essa concessão.

"A concessão de patente presume historicamente uma compensação. Você oferece a patente, mas quer alguma coisa em troca. Essa contrapartida tem sido, desde os inícios históricos desse conceito, a implantação em território nacional, ou seja, naquele mercado que está sendo utilizado, de meios de produção. Esses meios de produção trarão necessariamente recursos, trarão desenvolvimento social, emprego, isso é o que se espera."

Mas Cerqueira Leite adverte que não é esse o ciclo de desenvolvimento a que se tem assistido nos países em desenvolvimento.

"Uma patente concede a posse irrestrita de um mercado, o que pressupõe ganhos financeiros. Maior disponibilidade de recursos enseja maior atividade de pesquisa e, certamente, maior acervo de propriedade intelectual, o que redunda, por sua vez, em extensão de reserva de mercado. O que gera um funesto círculo vicioso, que amplia perpetuamente as distâncias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento."

Newton Lima acrescenta um comentário feito pelo prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz:

"Curiosamente escrita como vidas versus lucros, a pérola que deve nortear todos os debates nessa casa e na sociedade: maio de 2013: Há um reconhecimento crescente no mundo de que o sistema de patentes como atualmente concebido, não só impõe custos sociais incalculáveis como também tem falhado em maximizar a inovação."

De acordo com relatório do Banco Mundial de 2005, a proteção de patentes fez com que diversas empresas farmacêuticas multinacionais parassem ou não iniciassem a produção e o investimento em países em desenvolvimento e passassem a abastecer esses mercados com produtos produzidos em outros locais.

Da Rádio Câmara, de Brasília, Vânia Alves

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