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Reportagem Especial

Código de Mineração:as propostas de trabalhadores, empresários e prefeitos

27/11/2013 - 13h50

  • Código de Mineração:as propostas de trabalhadores, empresários e prefeitos

A reportagem especial continua a mostrar as sugestões apresentadas pela sociedade civil nas 35 audiências públicas da comissão especial da Câmara sobre o novo Código de Mineração. Confira agora as propostas encaminhadas por trabalhadores e empresários da mineração e pelos prefeitos de cidades minerárias. A reportagem é de José Carlos Oliveira.

Mineração é uma atividade bem complexa. Ela começa com a prospecção e a pesquisa geológica, no fundo da Terra, que permitem o posterior delineamento da jazida mineral. Em seguida vêm as fases de planejamento de lavra, produção mineral e beneficiamento do minério. Além das riquezas que gera no Produto Interno Bruto do Brasil, o setor se orgulha em afirmar que emprega quase 200 mil trabalhadores só na indústria extrativa mineral. Outros cerca de 700 mil postos de trabalho são responsáveis pela agregação de valor ao minério, principalmente na produção de matérias para a construção civil e de bens industriais de minerais metálicos, como fundição, metalurgia e siderurgia.

Porém, a vida desses 200 mil trabalhadores que retiram os minerais das entranhas das rochas não é nada fácil. O trabalho pode deixar graves sequelas em suas vidas.

MÚSICA: "Minero" (de Tata Condor - Peru)
"Minero, minero, naciste para sufrir..."

E perceba que não estamos falando apenas de garimpeiros à cata de ouro e diamantes. Presidente da Associação das Vítimas de Contaminação do Recôncavo Baiano, Adailson Moura relata o drama de milhares de trabalhadores e moradores afetados pela exploração de chumbo nas cidades de Santo Amaro da Purificação e Boquira.

"É difícil saber que você tem chumbo no sangue e que vai morrer. Não sei o dia, mas sei que minha hora vai chegar porque já enterrei 940 companheiros. Temos 940 viúvas em Santo Amaro."

Trezentos mil litros de escória, o rejeito do chumbo, foram derramados sobre o Recôncavo Baiano por mais de 30 anos, até 1993, contaminando a atmosfera, o solo, o lençol freático e o famoso rio Subaé.

MÚSICA: "Purificar o Subaé" (de Caetano Veloso, com Maria Bethânia)
"Os riscos que corre essa gente morena / O horror de um progresso vazio,
Matando os mariscos e os peixes do rio / Enchendo o meu canto de raiva e de pena.
Purificar o Subaé / Mandar os malditos embora.
Dona d'água doce quem é? Dourada rainha senhora..."

Imagine trabalhar nas profundezas da terra, suportar grandes variações de temperatura e respirar a fuligem das rochas. Um dia, a saúde acaba cobrando a conta. A medicina associa várias doenças ao trabalho em minas: câncer de pulmão, lesões renais, hipertensão, anemia e intoxicações diversas estão nesta lista. Pesquisador do Ibase, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, Carlos Bittencourt debateu o novo Código na Câmara e sintetizou o impacto da mineração em seus trabalhadores.

"A mineração, além de tudo, é uma das indústrias que mais mata, mutila e enlouquece seus trabalhadores no Brasil. É necessário dizer claramente o que se deve proteger em relação aos direitos dos trabalhadores nessa legislação."

MÚSICA: "Minero" (de Tata Condor - Peru)
"Por qué, hermano minero, naciste para sufrir?
La agonía en tu diário / Los pulmones de companía / Con tus manos llenas de daños
Un día, nuestra pátria morena aprenderá..."

Diante desse quadro, a Central Única dos Trabalhadores apresentou, na Câmara, 14 sugestões de mudança na proposta de novo Código de Mineração. A maioria delas tem foco na saúde e na segurança do trabalho. A CUT cobra, por exemplo, a criação de conselhos de política mineral nos governos federal, estaduais e municipais, com composição quadripartite, ou seja, de trabalhadores, empregadores, sociedade civil e governo.

Geólogos que atuam, sobretudo, nas fases de prospecção e pesquisa mineral, ficaram preocupados com o projeto original de novo código, apresentado pelo Executivo, e se reuniram no Movimento Consciência Mineral para tentar aperfeiçoá-lo. Representante do grupo, a geóloga Mariana Ferreira, lista o que precisar ser mudado no texto.

"A discricionariedade, a falta de competitividade e a concentração do setor mineral. Pequenas empresas não mais terão lugar na exploração mineral brasileira: isso vai ser de quem pagar mais em um leilão. Fim de grande parte das juniors companies (empresas que atuam na fase inicial da pesquisa mineral): elas vão investir em outros países que vão oferecer melhores condições para elas. Estagnação e asfixia, causando desemprego e recessão no setor mineral no Brasil."

Dentre as propostas encaminhadas pelos trabalhadores aos deputados, está a representação da categoria na futura Agência Nacional de Mineração, a fim de garantir o comprometimento com o que eles chamam de "boas práticas de saúde e segurança". A categoria exige que só disputem as concessões de lavra as empresas que sigam as normas da Organização Internacional do Trabalho. Condicionantes trabalhistas também poderão ser exigidas das empresas interessadas em explorar jazidas. Os trabalhadores querem ainda o controle social da aplicação da CFEM, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral, inclusive com a definição de percentuais a serem aplicados nas políticas públicas de geração de emprego e renda.

Os empresários do setor também foram ouvidos pelos deputados e apresentaram um "rosário de reclamações". Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral, Elmer Salomão denunciou o risco de "apagão mineral" no Brasil caso a proposta original do Executivo fosse aprovada. Como exemplo, Salomão cita os 90 mil alvarás de pesquisa que tramitam atualmente no Departamento Nacional de Produção Mineral, o DNPM, e que teriam de ser adaptados à nova legislação.

"Isso significa que, se o DNPM ou a Agência (Nacional de Mineração) que vai ser implantada assinasse cinco contratos por dia, demoraria 20 anos para dar conta da atualização. A burocratização criada por esse sistema é impossível de ser vencida pelo Estado. É preciso que o Congresso Nacional resolva esse problema para a mineração brasileira porque poderemos ter décadas de paralisação: as empresas vão embora, as equipes se desmontarão e perderemos toda a infraestrutura já instalada."

Prefeitos, vereadores e ONGs de foco municipalista aproveitaram o amplo debate promovido pela comissão especial da Câmara para tentar interferir no novo Código de Mineração. Um dos grupos mais articulados foi o de Parauapebas, no Pará, que abriga a maior mina de minério de ferro do mundo, explorada pela Vale. Eles participaram tanto da mesa redonda realizada na cidade paraense de Marabá quanto de audiência pública na Câmara, em Brasília, onde o prefeito de Parauapebas, Valmir Mariano, exigiu compensações efetivas para os danos atuais e futuros da mineração no município.

"Parauapebas é responsável pelo PIB desse país, mas sabemos que toda essa riqueza é efêmera. De repente, nós podemos, em um curto espaço de tempo, deixar de ser o grande polo minerador e ser um polo favelado. O nosso município, ainda na sua maioria, é de casa de madeira coberta de lona preta. Eu costumo dizer que Parauapebas é o quintal da Vale, e um quintal muito mal cuidado."

Considerando que a mineração está presente em praticamente todas as cidades brasileiras, a Confederação Nacional dos Municípios sugeriu aos deputados aproveitar o novo código para instituir uma espécie de "autonomia municipal" para fiscalizar, licenciar e atuar de forma preventiva. Uma das várias sugestões apresentadas pela sociedade civil e acatadas pelo relator do novo código de mineração, deputado Leonardo Quintão, do PMDB mineiro, é a compensação financeira aos municípios que, apesar de não abrigarem minas, sofrem com o impacto da exploração mineral.

Na quinta e sexta-feiras, a reportagem especial vai se dedicar às mudanças efetivas que os deputados fizeram na proposta original de novo Código de Mineração. Muitas das propostas encaminhadas pela sociedade civil nas audiências públicas e mesas redondas da Câmara foram acatadas pelo relator.

De Brasília, da Rádio Câmara, José Carlos Oliveira

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De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h