Rádio Câmara

Reportagem Especial

Código de Mineração: as sugestões de ambientalistas e da população afetada

26/11/2013 - 13h41

  • Código de Mineração: as sugestões de ambientalistas e da população afetada

Ambientalistas e moradores de regiões afetadas consideram que o novo Código de Mineração é um "retrocesso" porque se concentra apenas nas questões econômicas. Eles estão preocupados com o passivo ambiental que a atividade pode gerar. Hoje e amanhã, a reportagem especial vai mostrar sugestões colhidas da sociedade civil nas 35 audiências públicas e mesas redondas promovidas pela Câmara, em todo o País, para aprimorar o novo Código de Mineração. Confira, agora, com o repórter José Carlos Oliveira.

A proposta de novo Código de Mineração (PL 5807/13) tem 59 artigos e mexe com interesses diversos, como o do setor produtivo, dos trabalhadores em mineração e dos moradores das cidades que abrigam minas. A proposta do Executivo foi enviada à Câmara, em junho, com urgência constitucional, o que obrigava os deputados a apreciá-la em 45 dias, sob pena de paralisar as votações do Plenário.

A reclamação foi geral, tanto dos parlamentares quanto da sociedade civil, que sequer foi consultada durante os quase três anos em que o governo elaborou a proposta. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, comandou as negociações com o governo para garantir mais tempo de debate com a população a respeito desse tema complexo e polêmico.

"A (urgência) que me preocupa mais é a do Código de Mineração, porque todo mundo sabe, o governo sabe, que não há a menor condição de votar essa matéria antes de outubro. A comissão quer visitar 16 estados, é uma matéria muito complexa, que interessa ao país inteiro. Estamos insistindo com o governo para a retirada da urgência constitucional desta matéria."

Essa urgência só foi oficialmente retirada pelo Executivo em setembro. Para reverter a falta de discussão prévia com a sociedade civil, a comissão especial da Câmara sobre o novo Código de Mineração promoveu 17 audiências públicas em Brasília e outras 18 mesas redondas nos estados, em todas as regiões do país, sem contar as dezenas de debates promovidos pelas comissões permanentes da Câmara, como a de Minas e Energia, a de Meio Ambiente e a de Integração Nacional. Os deputados também visitaram as principais empresas e centros de pesquisa em mineração do país. De acordo com o presidente da comissão, deputado Gabriel Guimarães, do PT mineiro, a intenção foi promover um debate amplo, democrático e realista.

"Nós queremos construir, a partir das propostas, um texto que entenda a realidade da região e, sobretudo, reconheça a importância das comunidades que vivem nessas regiões".

MÚSICA: "Seio de Minas" (de Paula Fernandes)
"Eu nasci no celeiro da arte, no berço mineiro
Sou do campo, da serra onde impera o minério de ferro..."

E o que não faltou, nessas audiências públicas, foi crítica às propostas de novo Código de Mineração. De forma geral, ambientalistas e moradores de regiões afetadas pela extração mineral reclamaram do grande passivo socioambiental dessa atividade produtiva. O garimpo de Serra Pelada, no Pará, talvez seja a imagem mais dramática para ajudar a entender o que é um passivo socioambiental. Uma cratera aberta em pleno bioma amazônico por um formigueiro humano produziu mais de 30 toneladas de ouro à custa da morte de centenas de garimpeiros, em um cenário caótico que correu o mundo como ícone de país terceiro-mundista. Serra Pelada foi fechada, nos anos 1990, mas outros dramas socioambientais da mineração continuam a aterrorizar a vida de muitas famílias por todo o país.

Maria de Lurdes Souza é agricultora familiar no norte de Minas Gerais e integrante do Movimento Nacional pela Soberania Popular frente à Mineração. Lurdes já visitou vários municípios mineradores e aproveitou uma das audiências públicas da Câmara para alertar que o novo Código de Mineração só vai inovar, de verdade, se dirigir seu foco para a redução dos impactos sociais e ambientais da atividade mineral.

"Eu olho para a minha serra hoje, a Serra Geral, e falo com meus filhos: 'apreciem o quanto vocês puderem porque a destruição ali vai ser fatal'. Fomos a Paracatu (MG) e a Ilhéus (BA) e isso traz para a gente um sentimento de tristeza de como estão abandonados aqueles locais, enquanto a gente vê o nosso Estado omisso, sem saber como essas famílias estão vivendo e só falando de 'royalties e royalties', que a gente nem sabe o que é isso. Até porque, nós, agricultores, não temos que entender disso. Nós entendemos que a natureza é boa para a vida de todos."

TRILHA CURTA

As audiências na Câmara não serviram só para diagnósticos e reclamações. Todos apresentaram sugestões concretas de alterações nas propostas de novo Código de Mineração, mesmo sabendo, de antemão, que nem todas poderiam ser aproveitadas no relatório final da matéria. Os ambientalistas, os moradores de áreas de lavra e os povos tradicionais, como os indígenas e os quilombolas, por exemplo, decidiram unir as forças para influenciar, de fato, na discussão desse tema. Eles consideram que o novo código é um "retrocesso" por se concentrar apenas em questões econômicas. Por isso, criaram o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração e apresentaram propostas para garantir o que eles chamam de "pegada socioambiental" da mineração. Representante do comitê, o ambientalista Raul do Vale, cita, por exemplo, a necessidade de o novo código ampliar o conceito de "impactados pela atividade mineral".

"Penso que conseguir que o marco mineral reconheça que são impactados não apenas os vizinhos da mineração, mas todos os que estão na cadeia mineral é algo fundamental. E trazer critérios para que eles possam ser devidamente compensados, também."

A "pegada socioambiental", segundo Raul do Vale, também pode ser garantida por meio de um zoneamento mineral que impeça a extração de minérios em corredores ecológicos, mananciais e territórios de populações tradicionais. A Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas denunciou que empresas mineradoras já apresentaram pedidos de concessão de lavra sobre 98% das atuais terras de remanescentes de quilombo. Integrante da ONG FASE, Juliana Malerba sintetiza os sete pontos consensuais que o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração queria incorporar ao novo código.

"O primeiro é democracia e transparência na construção e na aplicação da política mineral; definição de áreas livres de mineração; direito a consulta e vetos das comunidades afetadas; plano de fechamento de minas; definição de taxas e ritmos de exploração; respeito e proteção aos direitos dos trabalhadores, e que a mineração em terras indígenas respeite a Convenção 169 (da OIT) e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas."

Muitas dessas propostas já estavam contempladas nas 372 emendas apresentadas pelos deputados ao novo Código de Mineração.

MÚSICA: "Seio de Minas" (de Paula Fernandes)
"Sou das Minas de ouro, das montanhas Gerais
Eu sou filha dos montes, das estradas reais
Meu caminho primeiro vi brotar dessa fonte
Sou do seio de Minas, nesse estado, um diamante..."

Confira, amanhã: as propostas encaminhadas por trabalhadores e empresários da mineração e pelos prefeitos de cidades minerárias.

Da Rádio Câmara, de Brasília, José Carlos Oliveira

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h

MAIS CONTEÚDO SOBRE