19/02/2019 21:38 - Meio Ambiente
Radioagência
Debatedores criticam modelo que permite à Vale contratar empresa para auditoria de barragens
Órgãos de fiscalização de barragens querem recursos e mudanças na legislação para superar série de falhas e inoperâncias no atual sistema. Em audiência pública da comissão externa sobre o desastre de Brumadinho nesta terça-feira (19), deputados e debatedores concordaram que um dos gargalos da fiscalização está no modelo que permitiu a mineradora Vale contratar diretamente a empresa responsável pelas inspeções e laudos de segurança de suas barragens. O secretário de Geologia e Mineração do Ministério de Minas e Energia, Alexandre de Oliveira, defendeu mudança imediata nessa espécie de "autocontrole" das mineradoras.
"O sistema não funciona. Essa relação da mineradora com a empresa que faz a auditoria é evidentemente equivocada. Esse modelo deve mudar".
Segundo Oliveira, uma das alternativas em estudo prevê que as empresas inspecionadoras se credenciem previamente na Agência Nacional de Mineração e se submetam a programas de integridade e ética (compliance).
Da Agência Nacional de Águas, responsável pela gerência do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB), os deputados colheram sugestões para fortalecer o papel da Defesa Civil nos planos de ação de emergência e, sobretudo, garantir a efetiva participação de engenheiros - e do Sistema Crea/Confea - nos laudos de segurança de barragens. A coordenadora de regulação de serviços públicos da ANA, Fernanda de Aquino, lembra que os fiscais da agência prestaram concurso público sem exigência de formação em engenharia e são obrigados a assinar laudos sobre cálculo estrutural de barragens. Outra mudança urgente, segundo Fernanda Aquino, é a publicação dos resultados das investigações de desastres.
"Eu trabalho nesse tema desde 2014. Não vi até hoje um relatório que fale: 'a causa foi essa'. Não vi no caso de Mariana. Será que não vou ver de novo no caso de Brumadinho? Nos Estados Unidos, dois ou três meses após qualquer acidente, é feito um relatório detalhado e as causas são explícitas para que se aprenda e não se fique errando novamente no mesmo ponto. No Brasil, esconde-se porque tem-se a cultura do medo da responsabilização. Temos que ter um relatório detalhado. Qual o órgão que faz isso hoje? Nenhum. Não existe essa competência na lei. Isso tem que ter previsão legal, senão ninguém vai fazer".
Durante a audiência, o Tribunal de Contas da União detalhou estudos que mostram a precariedade da fiscalização do setor de mineração desde os tempos do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral. O órgão também está no topo de um levantamento do TCU sobre vulnerabilidade à corrupção. O DNPM foi substituído pela Agência Nacional de Mineração em dezembro do ano passado. O diretor-geral da ANM, Victor Hugo Bicca, admitiu os problemas e pediu investimentos para o órgão superar as deficiências estruturais e de recursos humanos.
"Esse diagnóstico, nós já temos lá dentro. Agora, precisamos dos meios e condições. Não houve nenhum concurso para prover as condições necessárias para fazer cumprir a lei. Orçamento? Os repasses são extremamente reduzidos: é quase que só para manter operando com o mínimo de capacidade. Precisamos de tempo e condições para efetivamente implantar uma agência que opere com transparência, ética e eficiência. Se não tivermos os meios, a melhor lei do mundo não vai ser a solução porque não haverá quem a opere".
A ANM acabou de divulgar uma resolução para extinguir as barragens a montante até 15 de agosto de 2021. Porém, o relator da comissão externa sobre Brumadinho, deputado Júlio Delgado, do PSB mineiro, cobrou medidas imediatas mais efetivas diante da série de municípios mineiros com população atemorizada por novos riscos de rompimento de barragem. O caso mais recente ocorreu em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte.
"A sensação de impunidade, no que depender dessa comissão aqui, não acontecerá mais. Não é só falar em parar barragem até 2021 e 2023, não. Fala para um pai, com quem estive ontem à noite, que vai poder voltar para a casa com a família dizendo que 'a barragem não está sob risco mais não'. Quem é que volta, gente? Nós estamos com 400 bombas-relógio em Minas Gerais".
O coordenador da comissão externa, deputado Zé Silva, do Solidariedade de Minas Gerais, informou que foram coletadas 178 assinaturas de deputados e 37 de senadores para a instalação de CPI Mista para investigar os crimes ambientais envolvendo a mineração. Nesta terça, os deputados também aprovaram uma série de novos requerimentos, inclusive para visitas e debates públicos nos municípios com barragens de rejeitos minerais.