Política e Administração Pública

Ex-relator defende uma “reforma profunda” para corrigir distorção

Cabral afirma que a rejeição do parlamentarismo está na raiz das denúncias de compra de votos

27/09/2013 - 21:00  

João Arnolfo
Bernardo Cabral
Bernardo Cabral: defesa convicta do parlamentarismo.

A atual crise de representatividade brasileira será enfrentada quando um presidente da República tomar para si, logo no início do mandato, a tarefa de mobilizar o Congresso e a sociedade em torno de um projeto de reforma política profundo. A reforma é necessária para corrigir distorções decorrentes do fato de que a Constituição foi elaborada com a expectativa da aprovação do sistema parlamentarista de governo, e o sistema escolhido acabou sendo o presidencialismo.

A avaliação é do ex-relator-geral da Assembleia Nacional Constituinte, Bernardo Cabral, 81 anos, atual assessor jurídico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio. Ex-deputado cassado pelo AI-5 em 1968, eleito pelo PMDB do Amazonas deputado constituinte em 1986 e depois senador, foi também ministro da Justiça no governo Collor (90-92). Como relator da Constituinte, transformou mais de 40 mil emendas no texto promulgado em 5 de outubro de 1988.

Medidas provisórias
O parlamentarismo foi aprovado na Comissão de Sistematização, mas derrotado no Plenário. Nessa ocasião, Cabral articulou a derrubada também das medidas provisórias, próprias do parlamentarismo, mas não obteve êxito.
“No sistema presidencialista, se vocês deixarem a medida provisória, o presidente da República vai se transformar no maior ditador de todos os tempos” – disse na época Bernardo Cabral a Humberto Lucena, que liderava a corrente presidencialista com o apoio de José Sarney, então presidente da República. “Estaríamos melhor atualmente se tivéssemos conseguido aprovar em plenário o parlamentarismo”, garante Cabral.

Seu raciocínio é claro: no parlamentarismo, o chefe de governo recorre à medida provisória num quadro em que já tem o apoio do partido ou da coligação que o sustenta; o programa de governo foi combinado previamente e não é preciso mais negociar votos. Se não tem os votos necessários para aprovar determinada medida, é porque já não tem a confiança do Parlamento, que então pode ser dissolvido, com a convocação de novas eleições. Ou seja, o governo cai e é substituído sem crises, não dependendo de formar maioria a cada votação importante no Congresso. “Nunca teremos partidos fortes na vigência do presidencialismo”, diz.

Mensalão
Para Cabral, problemas como o mensalão – em que a Presidência da República no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria comprado votos no Legislativo – não aconteceriam se a Constituição tivesse mantido a proposta parlamentarista sugerida por um grupo de notáveis, antes da instalação da Constituinte, em fevereiro de 1987, em documento que o então presidente Sarney mandou publicar no Diário Oficial e depois ignorou solenemente.

Quem derrubou a proposta parlamentarista? Para Cabral, os interessados no presidencialismo eram os políticos que queriam chegar a presidente da República – como o presidente do PMDB, deputado Ulysses Guimarães – em aliança com quem já estava lá, no caso o então presidente Sarney. “Com o tempo, o dr. Ulysses também virou parlamentarista”, garante. A derrota do parlamentarismo, durante a Constituinte, foi reafirmada em plebiscito em 1993.

Exemplo americano
Aos que defendem o presidencialismo dando como exemplo o sistema americano, o jurista Bernardo Cabral lembra que, no sistema bipartidário de fato, como existe nos Estados Unidos, há independência da política monetária, que não sofre interferência do Executivo. Só isso já garante a estabilidade econômica independente do Congresso. “Lá, o presidente do Banco Central (Federal Reserve) entra antes e só sai depois do término do mandato do presidente da República, o que evita qualquer intervenção na fixação das taxas de juros”.

João Arnolfo
Bernardo Cabral 2
Para Cabral, o sistema político devia ter sido atualizado na revisão constitucional.

Cabral ainda defende o formato extenso da Constituição, com 245 artigos, como necessário para abranger todos os problemas acumulados pela formação histórica brasileira. Mas lamenta que não tenha sido aproveitada a oportunidade de fazer a revisão constitucional prevista para cinco anos após a promulgação, quando já poderia ter sido atualizado o sistema político e a legislação eleitoral, além de outros pontos que não condiziam com o sistema presidencialista ou com as urgências de 1988.

Responde com o exemplo da história aos catastrofistas que alardeavam que o texto em gestação deixaria o País “ingovernável, não duraria seis meses”. Cabral não cita diretamente José Sarney, atribuindo tais previsões a “assessores maledicentes”, mas se emociona ao falar sobre “o que fizeram contra o sistema parlamentarista e o instituto da desapropriação de terras para reforma agrária”. No primeiro caso foi o grupo de Sarney, no segundo foram os ruralistas que frearam uma reforma agrária mais ampla.

Ele entende que a Constituição cidadã, como Ulysses a chamou, continua adequada. “É a melhor Constituição que já tivemos, foi fruto da participação popular, tanto é que consolidou a passagem da ditadura para a democracia e assegurou transições de diversos governos desde então.

Reportagem - João Arnolfo
Edição – Natalia Doederlein

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