Política e Administração Pública

CPIS investigaram compra de apoio parlamentar em 2005 e em 1963

11/04/2013 - 15:51  

Renato Palet
Política - Eleições - Partidos políticos
O Brasil tem hoje 30 partidos políticos.

Ao longo dos quase 80 anos de existência constitucional de comissões parlamentares de inquérito no Brasil, é possível registrar a recorrência de alguns dos problemas investigados. Um em particular chama a atenção por causa do tom explosivo: o escândalo de compra de apoio de parlamentares em votações na Câmara dos Deputados. Trata-se do mensalão, desvendado pela CPMI dos Correios, em 2005. Mas também de outro esquema similar, registrado em 1963, investigado pela CPI do Ibad. Ambos envolveram parlamentares de diversos partidos políticos.

Em um contexto de Guerra Fria, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) foi criado em 1959 para combater o comunismo no País. Mas a entidade, criada pelo norte-americano radicado no Brasil Ivan Hasslocher, começou a atuar politicamente a partir da posse de João Goulart, em 1961. “Para o Jango assumir, foi feita uma grande composição em que se criou um regime parlamentarista. A Câmara passou a ter muito mais peso do que tinha no presidencialismo. Dominar a Câmara era decidir se o governo poderia ou não fazer as coisas. Por isso, o Ibad passou fortemente a trabalhar a ideia de dominar a Câmara, ter um grupo de deputados, de preferência a maioria, que assegurasse a impossibilidade das reformas que o Jango pretendia fazer com as quais eles não concordavam”, contextualiza João Carlos Ferreira, especialista em processos políticos no Legislativo, que estudou o escândalo.

Para alcançar seu objetivo, na eleição de 1962, o Ibad alugou veículos de imprensa, como o jornal A Noite e financiou campanhas de candidatos a deputados federais que se comprometessem em defender os ideais do instituto. O dinheiro era repassado por meio da Ação Democrática Popular (Adep) e da agência de publicidade de Hasslocher. “Nunca se conseguiu provar quanto o Ibad deu para cada candidato, mas ficou claro na CPI que a proposta inicial de gastos era equivalente a cerca de R$ 60 milhões [em valores atualizados]. O embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, admitiu que o governo dos Estados Unidos teria interferido nas eleições com dinheiro, que daria, nos valores de hoje, cerca de R$ 87 milhões. Um agente da CIA que trabalhou no Brasil estimou que poderia ter chegado até a R$ 350 milhões. Para os nossos padrões de campanha eleitoral parece razoável, mas para a época era muitíssimo dinheiro. Se diz que para eleger um deputado são necessários R$ 2 milhões: esse valor na época talvez elegesse um governador”, afirma João Carlos.

Bancada de 130 deputados
A quantia distribuída pelo Ibad teria sido suficiente para garantir uma bancada com cerca de 130 deputados – de um total de 409 na Câmara. Isso era suficiente para barrar a aprovação de emendas à Constituição, necessárias no plano de Jango.

O esquema foi denunciado em 1962, mas, com a renovação da Câmara, as investigações não foram adiante. Em 1963, com a explosão de denúncias ligadas ao caso, a Câmara voltou a investigar o esquema. Documentos foram queimados pelos envolvidos, mas a compra de apoio parlamentar ficou provada por meio dos depoimentos, inclusive do fundador do Ibad. “Havia uma questão institucional: se fosse discutir a cassação de todos os deputados que receberam o dinheiro do Ibad, seriam100 deputados, quantos fossem possíveis identificar. Colocar em xeque cerca de um terço do parlamento não é simples em lugar nenhum. Politicamente não havia condições para isso. O relator, Pedro Aleixo, sugeriu no relatório uma solução diplomática: reconheceu a existência da irregularidade, mas não puniu ninguém. O que houve na prática foi que se criou o clima para que o governo fechasse o Ibad. Logo depois, veio o Golpe Militar em 1964”, resume João Carlos.

Mas o especialista não acha que a CPI do Ibad terminou em pizza. “Ela teve um grande mérito, mostrou que existe a possibilidade de um grupo organizado comprar uma parcela importante de uma casa legislativa. A comissão provou que houve interferência na eleição que isso poderia acontecer de novo”, diz.

O mensalão de 2005
Mais de 40 anos depois, o esquema praticamente se repetiu, mas desta vez a compra de apoio parlamentar veio com os deputados já eleitos, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2005, quem tinha interesse de ter apoio na Câmara não era mais a oposição, mas sim o governo, que queria garantir votos em projetos considerados importantes para o Executivo. A fórmula para o repasse de dinheiro também teve semelhança.

“Apesar dos vieses ideológicos opostos, há entre os dois esquemas semelhanças que indicam um padrão. Os objetivos dessas tentativas de controle em larga escala das decisões legislativas, a estrutura montada para executá-las, a abundância e a origem obscura dos recursos utilizados e o uso de agências de publicidade para escamoteá-los”, conclui o especialista em processos políticos no Legislativo João Carlos Ferreira , que comparou o funcionamento dos dois esquemas.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela existência do Mensalão em 2005. Vinte e cinco pessoas foram condenadas, entre elas, o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu e o publicitário Marcos Valério. Formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva estão no rol dos sete crimes cometidos.

Reportagem – Ginny Morais
Edição – Newton Araújo

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