Direitos Humanos

Combate ao assédio deve ir além de vagões exclusivos nos metrôs, dizem debatedoras

Pesquisa mostra que 92% das usuárias de metrô concordam com a implantação do “vagão rosa”, embora 88% achem que não é o suficiente para resolver o problema. Em São Paulo, ocorre um caso de assédio no transporte público a cada dois dias

14/06/2018 - 15:06  

Cleia Viana/Câmara dos deputados
Audiência Pública “Direito das mulheres à cidade”.
Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Desenvolvimento Urbano da Câmara debatem o direito das mulheres à cidade

A criação de vagões exclusivos no metrô para mulheres, como vem ocorrendo em diversas capitais brasileiras, divide opiniões de feministas, mas é consenso que a solução para o problema do assédio no transporte público deve ir além da criação deles. O tema foi um dos discutidos em audiência pública sobre o direito das mulheres à cidade, promovida pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; e de Desenvolvimento Urbano da Câmara nesta quinta-feira (14). 

A jornalista Flavia Gianini, organizadora do ato “Então eu grito”, destacou pesquisa que indica 92% das usuárias de metrô favoráveis ao “vagão rosa”, embora 88% o considerem insuficiente para resolver o problema. “Segregar é uma loucura, mas qual é a resposta imediata que podemos dar ao problema do assédio?”, questionou. Ela observou que a solução do vagão exclusivo é apenas paliativa para garantir a segurança das mulheres, já que culpabiliza a mulher pelo assédio, responsabilizando-a pelo problema, e que é preciso pensar numa solução definitiva.

Entre outras iniciativas para atacar o problema, Flavia defendeu canais de denúncia imediata de casos de assédio, por WhatsApp e SMS, como adotados no metrô da cidade de São Paulo. Na capital paulista, é relatado um caso de assédio em transporte público a cada dois dias, a maioria dos casos entre 7h e 10h da manhã. Porém, segundo ela, muitas vezes a mulher é desestimulada pelos próprios seguranças do metrô a prestar denúncias.

Por isso, ela defendeu ainda o incentivo para que as mulheres denunciem o assédio; a educação de gênero da população, com o combate ao que chama de “masculinidade tóxica”; e a ocupação dos espaços de decisão pelas mulheres. Além disso, ela disse que é preciso conscientizar os agentes públicos, como delegados de polícia, para classificar corretamente os atos como assédio e estupro, e não como contravenção penal.

Já Sonia Coelho, representante da Marcha Mundial das Mulheres, criticou os vagões de metrô exclusivos para mulheres. “Queremos estar em todos os vagões e sendo respeitadas e livres de violência. Ter um vagão exclusivo é dizer que o machismo vai ficar livre e que nós vamos ficar aprisionadas em um vagão”, defendeu. Ela salientou que as mulheres são maioria entre os usuários do transporte público. No Rio de Janeiro, por exemplo, elas representam 56% dos usuários do metrô.

Sonia acredita que a ação dos governos é essencial para a construção de políticas que alterem as desigualdades de gênero e raça nas cidades. Entre as iniciativas necessárias, mencionou o investimento em iluminação das vias públicas e em redes de atendimento a vítimas de violência, além campanhas permanentes contra o assédio sexual.

Machismo e racismo
A arquiteta e urbanista Joice Berth ressaltou que o machismo e o racismo são parte da construção e da formação das cidades brasileiras. “A gente tem na cidade a lógica da casa grande e senzala, com áreas nobres, espaços maioritariamente brancos, e as áreas de periferia e favelas, com a negritude em massa morando nesses espaços”, disse.

No caso do gênero, conforme ela, as mulheres têm uma série de impedimentos que não são institucionalizados. Ela ressalta que grande parte das mulheres já sofreu assédio e as que dizem que não sofreram muitas vezes não são conscientes de que determinadas ações masculinas são expressões do machismo. “Há mulheres que acham que transitar na cidade e ser abordadas por um homem é elogioso”, citou.

Segundo ela, as mulheres negras têm a cidadania mutilada, por não vivenciarem a cidade da maneira que merecem. “A gente nem cogita 3h da manhã, numa noite de verão, ir tomar um sorvete”, citou, destacando o risco de todas as formas de violência. “A gente se priva de uma série de coisas na cidade, deixar de fazer coisas, deixar de frequentar lugares”, completou. Isso, de acordo com a arquiteta, leva muitas vezes ao isolamento das mulheres e à falta de confiança em andar sozinha, afetando sua autonomia.

Direito à cidade
“A mulher produz a cidade, e não usufrui o direito à cidade”, disse a professora Terezinha Gonzaga, do Centro Universitário de Votuporanga (SP). Segundo ela, a exclusão tem sexo, raça/etnia, classe social e orientação sexual. Ela salientou que as mulheres negras em sua maioria estão nas favelas, são o maior número de analfabetas, fazem o trabalho doméstico, ganham os piores salários e assistem diariamente à execução de seus filhos. “A violência de gênero e o feminicídio aumentam neste segmento da população”, acrescentou.

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Ela lembrou que a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, “mulher que se apoderou do espaço urbano e do poder de fala”, foi executada há três meses. Os culpados pelo caso ainda não foram apontados. A professora destacou ainda que o Brasil é o quinto país em violência de gênero no ranking mundial, com 12 assassinatos de mulheres e 135 estupros por dia.

“Não podemos ser subalternas e passivas, e já é um rompimento estarmos fazendo esta audiência aqui”, afirmou a presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Margarida Salomão (PT-MG), que propôs o debate.

Reportagem – Lara Haje
Edição – Geórgia Moraes

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