Direitos Humanos

Liminar contra portaria sobre trabalho análogo à escravidão repercute entre parlamentares

Governo e oposição avaliaram de forma diferente o impacto sobre a votação em Plenário, nesta quarta-feira (25), da denúncia contra o presidente da República, Michel Temer, e os ministros Eliseu Padinha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral)

24/10/2017 - 14:33  

A decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber de suspender, em caráter liminar, a portaria que mudou as regras para caracterização do trabalho análogo à escravidão repercutiu nesta terça-feira (24) na Câmara dos Deputados. Governo e oposição avaliaram de forma diferente o impacto sobre a votação em Plenário, amanhã, da denúncia contra o presidente da República, Michel Temer, e os ministros Eliseu Padinha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral).

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Policial federal durante ação de combate ao trabalho escravo
Operação da Polícia Federal para combate ao trabalho análogo à escravidão

A liminar foi dada em ação movida pela Rede. Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), além de evitar retrocessos na fiscalização do trabalho, a decisão pode interferir na votação da denúncia. “Temer queria trocar votos por escravos, e o STF impediu esse comércio na Câmara. Essa decisão afeta a principal bancada de apoio a Temer, a bancada ruralista, e isso pode significar muitos votos na votação da denúncia”, disse.

Na mesma linha, o líder do PSB, deputado Júlio Delgado (MG), afirmou que o governo tem favorecido representantes de diversos setores para tentar barrar a denúncia. “Tudo escancarou, não só pela portaria do trabalho escravo, mas também pela anistia das multas da prestação de serviços aos que levaram multas ambientais”, disse. “A sociedade está perplexa com isso.”

Vice-líder do governo, o deputado Beto Mansur (PRB-SP) avaliou que a decisão de Rosa Weber é apenas jurídica e não política. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O governo deve recorrer da decisão”, explicou. “Teremos por volta de 250 a 270 votos, e nada vai influenciar a bancada ruralista sobre algo que saiu do governo para tentar regular o setor”, disse.

O deputado Valdir Colatto (RS), um dos vice-líderes do PMDB, defendeu a edição da portaria, para preencher uma lacuna na legislação. “Como o assunto ainda não foi regulamentado, saiu essa portaria, porque hoje o que define o que é trabalho escravo ou não é o humor do fiscal. Se gostar do proprietário, ele define de um jeito; se não, de outro”, disse. Para Colatto, a decisão da ministra Rosa Weber carece de estudo aprofundado sobre o tema.

Mudanças
Pelo Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), é crime submeter alguém a trabalho forçado ou jornada exaustiva, quer sujeitando a pessoa a condições degradantes, quer restringindo, por qualquer meio, a locomoção em razão de dívida contraída. A pena varia de 2 a 8 anos de reclusão, mais multa.

A portaria do Ministério do Trabalho, publicada no último dia 16 no Diário Oficial da União, diz que, para integrar a chamada “lista suja do trabalho escravo”, é necessário que seja comprovada a existência de trabalho análogo à escravidão. Para isso, conforme o texto, além de jornada exaustiva ou condição degradante, é necessário que haja privação do direito de ir e vir – o que, no Código Penal, não é obrigatório para caracterizar o crime.

Ainda de acordo com essa portaria, a divulgação da “lista suja” passa a ficar a cargo do ministro do Trabalho, com atualização restrita a duas vezes ao ano, em junho e novembro. Antes, a tarefa cabia a uma divisão do Ministério do Trabalho, e a atualização poderia ocorrer a qualquer momento.

Para a ministra Rosa Weber, ao “restringir” conceitos como o de jornada exaustiva e de condição análoga à de escravo, “a portaria vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos”.

A edição da portaria levou à apresentação de 20 projetos de decreto legislativo que buscam cancelar a medida. O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho também pediram a revogação do texto. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) disse que a portaria ameaça “interromper uma trajetória de sucesso que tornou o Brasil uma referência e um modelo de liderança mundial no combate ao trabalho escravo”.

Reportagem - Luiz Gustavo Xavier
Edição - Ralph Machado
Com informações da Agência Brasil

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'.