Direitos Humanos

Debatedoras defendem empoderamento das mulheres negras

13/07/2017 - 21:27  

Agência Senado
Pauta Feminina edição de julho de 2017:
Audiência debateu trajetórias de mulheres negras em busca de inclusão

Debatedoras defenderam nesta quinta-feira (13) medidas de empoderamento das mulheres negras, em audiência que debateu a trajetória dessas mulheres em busca de inclusão em vários espaços da sociedade.

O debate ocorreu na 44ª edição da Pauta Feminina, audiência pública mensal promovida pela procuradora da Mulher do Senado, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM); pela coordenadora da Bancada Feminina da Câmara, deputada Soraya Santos (PMDB-RJ); e pela procuradora da Mulher da Câmara, deputada Gorete Pereira (PR-CE).

A audiência foi presidida pela deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), uma das quatro mulheres que presidem partidos políticos no Brasil.

No evento, a cineasta Flora Egécia abordou o papel do audiovisual como ferramenta de empoderamento das mulheres negras. Diretora do filme Das Raízes às Pontas, ela falou sobre a elaboração da obra, que aborda a relação das pessoas negras com seus cabelos como forma de explorar possibilidades de aplicação da Lei 10.639/03 na rede pública do Distrito Federal. A lei incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.

Mulheres com deficiência
Uma das representantes do Coletivo de Mulheres com Deficiência do Distrito Federal, Agna Alves falou sobre sua história. Nordestina, mãe solteira de dois filhos, ela lidava com uma barraca de frutas na feira, antes de ficar paraplégica, há três anos.

De acordo com seu relato, foi em uma conversa com seu filho, que lhe perguntou o que faria agora que acumulava mais uma vulnerabilidade – negra, pobre e com deficiência – que teve um estalo. “Eu preciso tomar posse daquilo que eu sou, daquilo que eu tenho e daquilo que eu represento”, afirmou.

Agna disse que as mulheres têm que empoderar umas às outras, como ocorre no Coletivo das Mulheres com Deficiência, criado há pouco mais de um ano, nascido da iniciativa de uma mulher branca com deficiência intelectual.

Suplente mais votada ao final da Conferência de Saúde da Mulher no DF, Agna lamentou que muitas mulheres que têm plano privado de saúde e não são usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) tenham brigado para ser as representantes titulares na etapa nacional da Conferência de Saúde das Mulheres, em detrimento de pessoas como ela que precisam sair de Ceilândia (DF) de madrugada para chegar ao Plano Piloto do DF.

Histórias de família
Já a diretora de Jornalismo da Secretaria de Comunicação Social do Senado (Secom), Ester Monteiro, fez um relato das raízes de sua família. Ela leu trechos do preâmbulo do livro Minha Vida, meu Ministério, escrito por um tio-avô, Juracy José Sias Monteiro, que, ao morrer, era o mais antigo pastor metodista do Brasil.

Bisneto de suíços, neto de espanhol, casado com uma mineira de cor negra, Juracy descreveu com grande argúcia o racismo brasileiro: "Parece-me que as autoridades, tratando de documentos oficiais, por deferência, dizem que somos de cor parda, mas o velho adágio diz que quem de branco escapa, de negro não passa".

Ester Monteiro narrou o início de sua trajetória em Brasília, durante a Constituinte de 1988, quando acompanhou a então deputada Ana Maria Rattes. Em um contexto de grande efervescência política, ela se familiarizou com a luta política das mulheres e dos negros por políticas afirmativas como vetores de construção de uma sociedade mais justa.

Marcos internacionais
Nascida na Guiné Bissau, Eunice Borges, associada do Programa de Liderança e Participação Política da ONU Mulheres no Brasil, resgatou os marcos internacionais dos quais o Brasil é signatário como integrante das Nações Unidas.

Eunice partiu da Declaração e do Plano de Ação da Conferência de Durban, na África do Sul – que considera o principal documento da sociedade civil no que se refere à promoção da igualdade racial – e chegou às metas do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, passando pela definição da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024).

Rainhas
Gerente de Comunicação na Secretaria de Cultura do Distrito Federal, a jornalista e dançarina Joceline Gomes leu o cordel escrito por Jarid Arraes dedicado a Tereza de Benguela, rainha do quilombo localizado nas cercanias da primeira capital do estado de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima Trindade, que durou cerca de 25 anos, até ser destruído em 1770.

Uma das convidadas para a Pauta Feminina, Jarid enfrenta problema de saúde que a impediu de comparecer. Em seu cordel, ela destaca o desenvolvimento tecnológico e político do quilombo, que contava com um parlamento e dominava a forja com a técnica e fundição de metal, transformando correntes e armas em instrumentos de trabalho.

Joceline, por sua vez, narrou os desafios diários que enfrenta em razão do racismo, com pessoas que “apontam” para seu cabelo ou mesmo tocam sem sua permissão. “Isso é uma herança da escravidão: as pessoas acham que o seu corpo negro é um corpo público que você pode tocar”, afirmou.

Agência Senado
Pauta Feminina edição de julho de 2017:

Para Joceline, o movimento pela criminalização do funk pode ser comparado a atitudes semelhantes já tomadas no passado em relação ao samba e à capoeira. Ela disse que, apesar de haver a Lei 10.639/03, ainda há forte reação dos profissionais da educação contrários a trabalhar elementos da cultura da diáspora, como instrumentos de percussão.

Segundo ela, o resultado dessa cultura escolar está manifesto no imenso estrago na subjetividade de crianças negras, levadas a acreditar que descendem de escravos e que “alienígenas” é que devem ter feito coisas como as pirâmides. “Somos descendentes de reis e rainhas. Somos descendentes de pessoas que descendem dos criadores da civilização humana”, declarou.

Exposição digital
Na abertura do evento, houve lançamento oficial da exposição digital de fotografia Mulheres Negras no Senado Federal, que reúne fotógrafos voluntários e 35 mulheres negras que trabalham no Senado. De acordo com relatório do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado, entre as servidoras efetivas da Casa, apenas 21% – uma em cinco – são negras, ao passo que as mulheres negras são 58% das terceirizadas, 55% das estagiárias, 53% das jovens aprendizes e 33% das comissionadas.

A exposição reúne mulheres de todos os setores e ficará na rede intranet do Senado durante o chamado “julho das pretas”, mês em que se comemora no dia 25 tanto o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, estabelecido em 1992, quanto o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, definido pela Lei 12.987/14, iniciativa da ex-senadora Serys Slhessarenko.

Uma das mulheres negras fotografadas, Raimilda Bispo, disse que estava vivendo um "momento de rainha" durante a audiência pública, mas que sua história no Senado “tem muito mais história de escrava”. Segundo ela, no seu primeiro trabalho no Senado, ela chegou a ouvir alguém dizer: ‘Nossa, esta secretaria vai de mal a pior, tem até negra trabalhando’.

Outra das mulheres negras retratadas na exposição, a senadora Regina Sousa (PT-PI) ainda recolhia a repercussão das ofensas que recebera em Plenário, feitas por um senador incomodado com sua aparência e seu cabelo. Bisneta de escravos, Regina fez breve intervenção na Pauta Feminina, deixando uma mensagem política: “A gente precisa encontrar nossas semelhanças para atuar juntas e não procurar nossas diferenças”.

Da Redação
Com informações da Agência Senado

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'.