Direitos Humanos

Deputados querem ampliar combate ao trabalho escravo no País

15/06/2016 - 20:24  

Divulgação/CDH
Audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
Audiência discutiu denúncias de trabalho forçado em plantações de café de Minas Gerais

Deputados propuseram nesta quarta-feira (15) a ampliação do debate sobre formas de combater o trabalho escravo, durante audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

O objetivo da audiência foi discutir o trabalho forçado em plantações de café de Minas Gerais, denunciado pela organização dinamarquesa Danwatch, que acusa multinacionais como Nestlé e Jacobs Douwe Egberts (dona de marcas como Pilão, Damasco, Caboclo e Café do Ponto) de se beneficiarem dessa prática.

Uma das autoras do requerimento da audiência, a deputada Erika Kokay (PT-DF) ressaltou que tramitam na Câmara propostas que dão novo conceito ao trabalho escravo, mas não consideram jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho como características de escravidão. “Essas propostas são uma afronta ao País. Uma afronta à luta que os trabalhadores brasileiros têm feito há anos”, afirmou.

Erika Kokay sugeriu a criação de uma subcomissão para discutir o trabalho escravo no Brasil. Com isso, ela pretende encontrar formas de acelerar os processos desse tipo de crime nos órgãos públicos.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG) recomendou que a comissão debata a violência no campo em nova audiência. Ele citou casos de agressão contra trabalhadores rurais e índios e afirmou que esses temas devem receber maior atenção na Câmara.

Resgate de trabalhadores
O chefe do Serviço de Repressão ao Trabalho Forçado da Polícia Federal, José Chuy, informou que foram resgatados 114 trabalhadores que estavam em condições precárias de trabalho em quatro ações executadas no ano passado em Minas Gerais.

Segundo ele, apesar do sucesso do resgate desses trabalhadores, a maior parte dos donos das fazendas não é presa por não haver flagrante. “Nosso trabalho seria mais eficaz se pudéssemos atuar de forma independente do Ministério Público”, afirmou.

José Chuy destacou que o processo para a abertura de inquérito naquele órgão demora meses, o que atrapalha o trabalho policial.

Para a deputada Erika Kokay, é necessário assegurar que os criminosos sejam punidos.

O presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro, afirmou que a Danwatch apresentou informações equivocadas quanto ao uso de agrotóxicos no País. Ele disse que produtos citados na investigação, como o aldicarbe e o carbofurano, já foram proibidos no Brasil. Para ele, isso prova uma inconsistência no resultado.

Silas Brasileiro afirmou também que, apesar de haver crimes de escravidão, “o número é pequeno”.

Prática crescente
Segundo o relatório Índice de Escravidão Global 2016, da Fundação Walk Free, a escravidão moderna atinge mais de 45 milhões de pessoas no mundo. De acordo com a fundação, o Brasil tem mais de 160 mil pessoas submetidas à escravidão. Em 2014, eram cerca de 155 mil.

O representante da ONG Repórter Brasil na audiência, André Micalli, disse que nem todas as práticas de trabalho forçado são denunciadas e, por isso, o número de casos no Brasil pode ser maior.

São consideradas práticas de escravização o tráfico de pessoas, trabalho forçado e em condições precárias, o trabalho infantil, a exploração sexual e o recrutamento de pessoas para conflitos armados.

O dirigente da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG), Jorge Santos Filho, afirmou que a maioria dos trabalhadores de plantações de café, principalmente no sul do estado, não são formalizados. A Adere é uma organização ligada à CUT que reúne diversas entidades de trabalhadores rurais.

Santos Filho criticou os contratantes por não oferecerem condições mínimas para o trabalho e denunciou que artigos como luva, bota e água potável são comprados pelos próprios trabalhadores. “Há 12 anos eu luto contra o trabalho escravo em Minas Gerais e nunca vi um dono de fazenda ser algemado. Um trabalhador que rouba um fubá para se alimentar é preso, e esses sujeitos que exploram centenas de pessoas continuam soltos”, disse.

O coordenador técnico da Emater-MG, Bernadinho Congussu, informou que há 103 itens que devem ser cumpridos pelo produtor para que as fazendas produtoras de café sejam certificadas. Para ele, “falta esclarecer o produtor sobre esses requisitos, para que situações ilegais sejam evitadas”.

Em março, a Nestlé admitiu ter comprado café de duas plantações onde as autoridades brasileiras resgataram trabalhadores da escravidão.

Produção de café
Em 2015, o Brasil produziu 43,24 milhões de sacas de 60 kg de café. Dessas, 37,1 milhões foram exportadas para 130 países. Segundo Silas Brasileiro, o Brasil arrecadou, na cadeia produtiva do café, cerca 6,7 bilhões de dólares e se consagra como o maior produtor de café do mundo, sendo responsável por 1/3 da oferta mundial.

Minas Gerais é responsável pela maior parcela da produção do País, principalmente do café tipo arábica. A previsão da safra em 2016, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é de 27,7 milhões de sacas. A maior parte disso está concentrada no sul de Minas, que é responsável por metade da produção de todo o estado.

A audiência pública desta quarta-feira foi sugerida pela deputada Erika Kokay e pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Padre João (PT-MG). O evento teve a participação da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.

Reportagem – João Vitor Silva
Edição – Pierre Triboli

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