Direitos Humanos

CPI quer ouvir dona de agência que teria enviado modelos à Índia

10/07/2012 - 16:57  

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas no Brasil continuará a investigação do envio de modelos brasileiras para trabalhar em Mumbai, na Índia, em condições análogas à de escravidão. A ideia é ouvir, nos próximos encontros, Raquel Felipe, dona de uma agência de modelos em São José do Rio Preto (SP) que teria enviado duas irmãs de 15 e 19 anos para o país asiático no fim de 2010. O caso é acompanhado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

A pedido da deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), integrante da comissão, o colegiado deverá providenciar ainda a apreensão do computador de Raquel e a verificação da existência ou não das fotos de jovens agenciadas por ela na internet. Após essa ação, a CPI poderá tomar outras providências. “Podemos pedir o indiciamento de pessoas junto ao Ministério Público, não mais do que isso”, observou o presidente da comissão, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).

Em reunião realizada nesta terça-feira (10) na CPI, a modelo Ludmila Verri, uma das jovens enviadas a Mumbai, agora com 21 anos, contou a forma como foi agenciada no Brasil e levada para a Índia. Ela basicamente respondeu às perguntas de Jordy e do deputado Luiz Couto (PT-PB), 1º vice-presidente da comissão.

Agenciada a partir da indicação de uma amiga, Ludmila assinou contrato com a agência de Raquel, que intermediou a “venda”. O visto de trabalho, segundo ela, foi pago pelo agenciador indiano, Vivek Singh, dono da K-Models Management.

Apartamento sujo
Na Índia, Ludmila e a irmã foram recebidas por Vivek e instaladas em um apartamento mobiliado, sem água e sujo, em um bairro de prostituição. Ludmila contou aos parlamentares ter passado dois meses em Mumbai, trabalhando de tal forma que mal tinha tempo para comer.

Logo no início, ela se machucou em razão de uma queda, na tentativa de se esconder de Vivek, que teria entrado intempestivamente no apartamento. No período em que se recuperava, era a irmã quem trabalhava cerca de 14 horas por dia em sessões de fotografia. Fora isso, eram vigiadas pelo porteiro do prédio e não podiam sair sem que Vivek soubesse, conforme relatou.

Metade do dinheiro recebido por ela e pela irmã - cerca de 6 mil dólares - foi usado para pagar dívidas de viagem. Conforme o contrato assinado por ela, 40% do dinheiro ganho seria do agenciador indiano, 10% da agência brasileira e 50% de Ludmila e da irmã.

Segundo Ludmila, o agenciador indiano nunca tentou fazer sexo à força com ela, apesar de ter se insinuado, principalmente no período em que ela se recuperava. Vivek, disse a jovem, era alcoólatra e, muitas vezes, descontrolado. "Ele já ergueu a mão para me bater. Não bateu porque tinha gente por perto."

Resgate
Ludmila e a irmã, hoje com 16 anos, foram resgatadas e conseguiram voltar ao Brasil em 26 de dezembro de 2010, com o auxílio do consulado, que arcou com os custos da viagem. A Justiça aprovou uma liminar para que as agências parem de enviar modelos ao exterior, além de indenizar as jovens, por danos morais, e o governo, pelos gastos com as passagens de volta ao Brasil. “Eu não tinha noção de que poderia ser uma farsa, uma fantasia. A gente vai com a consciência de que podem acontecer coisas, mas não pensa que pode de fato”, disse Ludmila.

O pai da modelo, Damião Verri, também presente à reunião, contou que buscou a ajuda do consulado porque não conseguiu resolver o problema por meio de Raquel Felipe. Segundo ele, as informações passadas antes da viagem não foram condizentes com a situação encontrada lá por Ludmila e sua irmã.

"A Raquel havia dito que daria assistência pessoalmente às meninas se acontecesse alguma coisa. No fim, ela não fez nada, só empurrou com a barriga e propôs tirar as meninas de lá fugidas. Eu, como pai, fui ao fundo do poço. Minha esposa tem pressão alta e diabetes. Imagina a situação", disse.

O deputado Arnaldo Jordy achou estranho um pai enviar as filhas para a Índia com tão poucas informações. "Que sentimento o levou a correr tamanho risco? Elas poderiam não estar aqui agora. Interromperam os estudos para optar por um mercado tão pouco atraente", questionou o presidente da comissão.

Verri respondeu que "sonho é sonho". "A gente tenta fazer os filhos realizar seus sonhos", afirmou. Ele lembrou que elas poderiam voltar ao Brasil depois de três meses e a viagem não atrapalharia os estudos, pois foi em período de férias escolares. Ludmila já havia terminado o ensino médio e a menor ainda frequentava as aulas.

A jovem disse que, se aparecesse uma nova oportunidade de trabalho no exterior, checaria todos os dados do contrato, buscaria sites das agências de modelos e, principalmente, levaria consigo o telefone do consulado brasileiro no local.

Reportagem - Noéli Nobre
Edição – Daniella Cronemberger

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