Direito e Justiça

Federalização de crimes no campo divide debatedores

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil e parlamentares acreditam que medida pode reduzir a impunidade. Já o ouvidor agrário nacional defende que os casos permaneçam inicialmene na Justiça estadual.

28/06/2011 - 21:00  

Beto Oliveira
Audiência pública - Francisco da Silva (Movimento Camponês Columbiara), Marcelo Bessa (secretário de segurança de RO), Glauceli Ramos (Movimento Camponês Columbiara), dep. João Paulo Cunha (presidente da CCJC), dep. Manuela D·ávila (presidente da CDHM), dom. Landislau Biernaski  (Pastoral da Terra), Gabriel Wedy (AJUFE) e Gercino Silva (ouvidor agrário nacional)
Evento promovido por duas comissões debateu a impunidade nos crimes contra trabalhadores rurais.

Participantes de audiência pública para debater os crimes contra trabalhadores rurais, nesta terça-feira, defenderam a federalização desses casos como forma de reduzir a impunidade. Mas essa posição não foi unânime entre os debatedores.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, garantiu que “os 2 mil juízes federais estão preparados para botar na cadeia os bandidos que têm vitimado os trabalhadores do campo e gerado grande vergonha para o Brasil”. O juiz ressaltou que foram registradas 219 mortes no Pará nos últimos dez anos, que geraram apenas quatro processos.

O representante do Movimento Camponês Corumbiara, Francisco Batista da Silva, também ressaltou que a única consequência do massacre ocorrido em 1995, que deixou 14 trabalhadores mortos, foi a prisão de dois camponeses – Claudeni Ramos e Cícero Pereira.

De acordo com Silva, o julgamento dos dois “não passou de uma farsa”. Segundo ele, “o próprio promotor afirmou que é preciso matar sem-terra mesmo, porque ou o Brasil acaba com os eles ou os eles acabam com o Brasil”.

Oligarquias
Um dos autores do requerimento para a realização da audiência, o deputado Luiz Couto (PT-PB) afirmou que os culpados permanecem impunes porque pressionam jurados e influenciam a polícia e o Judiciário. “Há inquérito em que não se faz nem [exame de] balística, e, quando chega ao julgamento, a família do acusado pressiona todos os jurados e já se sabe que vai ser sete a zero”, disse. Luiz Couto é autor do Projeto de Lei 370/07, que prevê a transferência dos crimes atentatórios contra os direitos humanos para a Justiça Federal.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), fez coro em defesa da proposta. O parlamentar reivindicou, inclusive, o empenho do Executivo pela aprovação do projeto. Em sua opinião, federalizar significa “quebrar a relação cotidiana entre vítima e algoz e impedir que ela interfira no resultado do julgamento”.

Mesma opinião tem o deputado Amauri Teixeira (PT-BA). De acordo com ele, “face às características oligárquicas de algumas localidades, é quase impossível haver julgamento adequado”. Em sua opinião, ao retirar a competência da Justiça local, retira-se a pressão das famílias poderosas e dá-se maior celeridade aos processos.

Posição contrária
A federalização, no entanto, não é pacífica. Para o ouvidor agrário nacional, Gercino Silva, “a prestação jurisdicional nos processos agrários deve ocorrer de forma compartilhada entre a Justiça federal e a estadual, como prevê a Constituição”. Ele disse que, somente quando ficar claro que a Justiça estadual não funcionou bem, os processos deveriam passar à competência da União.

Gercino Silva também defendeu a especialização dos órgãos agrários, com a criação de varas agrárias federais e estaduais, assim como de outras instâncias que atuam em problemas do campo.

O vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Diógenes Hassam Ribeiro, afirmou compartilhar essa posição. “Entendemos que a melhor solução é dotar os estados de recursos humanos e materiais e treinar as forças de segurança”, argumentou.

Estatísticas
De acordo com Gercino Silva, entre 2001 a 2011 a Ouvidoria Agrária Nacional registrou 163 assassinatos decorrentes de conflitos agrários – há outros 164 em investigação. Já a Comissão Pastoral da Terra (CPT), contabilizou, somente no ano passado, 34 assassinatos de agricultores e ambientalistas.

Os levantamentos da CPT também demonstram a falta de punição que prevalece nesse tipo de crime. Segundo a instituição da Igreja Católica, dos 1.186 casos de violência catalogados nos últimos 26 anos, com 1.580 vítimas, apenas 8% foram julgados. Entre os mandantes condenados, apenas um permanece preso.

A audiência foi organizada pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania; e de Direitos Humanos e Minorias.

Crimes no campo que marcaram o Brasil.

Reportagem – Maria Neves
Edição – Ralph Machado

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