Política e Administração Pública

Proposta quer reduzir recursos para agilizar processos contra corrupção

Texto cria dificuldades para a prescrição do crime e restringe a possibilidade de embargos protelatórios para processos penais como já ocorre nas ações civis

09/09/2016 - 12:55  

O projeto que estabelece medidas contra a corrupção (PL 4850/16) busca gerar maior eficiência na tramitação de processos ao impedir que recursos sejam usados apenas para prolongar a tramitação de uma ação e, eventualmente, gerar a prescrição criminal. Para isso, o texto altera os códigos de processo Civil (Lei 13.105/15) e Penal (Decreto-lei 3.689/41) e busca fixar prazo de vista em julgamentos e certificar a decisão final (trânsito em julgado) do processo quando verificar que o recurso é só protelatório.

O principal gargalo para a eficiência da justiça criminal é o enfrentamento à corrupção, de acordo com a justificativa da proposta em análise na comissão especial da Câmara dos Deputados, e o “anacrônico” sistema recursal brasileiro.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, cita como exemplo de morosidade o caso do ex-senador Luiz Estevão. Desde a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região há 10 anos, a defesa do ex-parlamentar apresentou 34 recursos. Ele foi condenado a 31 anos de prisão por desvio de verbas das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo. “Ele era réu junto com 2 outras pessoas. Se cada um oferecer 30 recursos são 90 recursos, não tem como funcionar.”

A proposta também restringe a possibilidade de embargos de declaração protelatórios, inclusive com a previsão de multa, para processos penais como já ocorre nas ações civis.

Prescrição
Para diminuir a impunidade em crimes ligados à corrupção, a proposta cria dificuldades para a prescrição, como o aumento do prazo (em 1/3) quando já há sentença condenatória, mas ainda cabe recurso; e inclui novas possibilidades de interrupção da contagem de prazo, como no caso de fuga do condenado.

A prescrição do crime de corrupção ativa em transação comercial internacional será contada em dobro, de acordo com o projeto. A intenção é garantir um prazo maior para a investigação e abertura de processo sobre o delito.

Dallagnol relembra o caso do propinoduto no Rio de Janeiro que desviou, entre 1999 e 2002, o equivalente a R$ 114 milhões em um esquema de extorsão a empresas fluminenses. O caso veio a público em 2003 e os envolvidos chegaram a ser presos. O dinheiro que tinha sido enviado para a Suíça foi bloqueado em 2008. “Foi rápido na 1ª instância, mas a 2ª instância julgou o caso em dezembro de 2014. Em 2013, a Suíça já ameaçava devolver o dinheiro para os corruptos porque não acreditava que o processo demorava tanto no Brasil”, recorda o procurador. O crime acabou prescrevendo.

Habeas corpus

Outra mudança sugerida pelo projeto está nas circunstâncias de concessão do habeas corpus, autorizando sua concessão apenas quando houver restrições à liberdade de ir e vir.

Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados
Audiência pública para debate sobre o PL 4850/2016 - Estabelece Medidas Contra a Corrupção. Juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba da Seção Judiciária do Paraná, Sergio Fernando Moro
Moro: há uma “generosidade jurisprudencial” no uso do habeas corpus

Para o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na 1ª instância, tem havido uma deturpação da utilização do habeas corpus. “Isso não é uma proposta autoritária, o que aconteceu é que houve uma generosidade jurisprudencial, a meu ver excessiva, em utilizar o habeas corpus para casos em que as pessoas não estão presas, nem estão com risco de serem presas num período breve de tempo.”

O deputado Wadih Damous (PT-RJ), no entanto, é contra essas alterações. Segundo ele, o instrumento é uma conquista do povo brasileiro. “Uma das primeiras medidas do AI-5 foi acabar com o habeas corpus. Para os procuradores, eles deveriam acabar logo, nunca vi um procurador dar parecer favorável.”

O projeto também determina que o julgamento dos recursos extraordinário e especial em matéria criminal sejam simultâneos. A intenção é diminuir o tempo de tramitação do processo.

Prova ilícita
Um dos pontos mais polêmicos do texto em análise na Câmara dos Deputados é o que cria oito exceções à regra de ilicitude da prova, além das duas atuais (falta de nexo causal com as provas ilícitas e quando as provas derivadas puderem ser obtidas de uma fonte independente das primeiras). Assim, não seriam consideradas ilícitas, por exemplo, as provas obtidas por agente público de boa-fé e aquelas em que a relação de causa e efeito entre a ilicitude e a prova for remota.

Alex Ferreira / Câmara dos Deputados
Audiência pública. Ex-Ministro Chefe CGU, Jorge Hage Sobrinho
Hage: novas regras sugeridas sobre provas ilícitas são muito subjetivas

De acordo com o Ministério Público, quando o Brasil importou dos Estados Unidos a regra de não aceitar provas ilícitas, a intenção do legislador original de invalidar provas apenas quando o agente do Estado tivesse violado direito constitucional para obtê-la ou tivesse usado delas contra o suspeito não foi seguida. Assim, a regra no Brasil teria levado a decisões seletivas por se fixar em formalidades sem importância.

O ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Jorge Hage critica a subjetividade da medida. “Exclui-se a ilicitude da prova quando o agente público houver obtido a prova de boa-fé. Não dá. Se uma das críticas que a justificativa [do projeto] faz às regras atuais é que elas permitem um amplo subjetivismo, aqui agora o subjetivismo transcendeu.”

Prisão preventiva
A proposta também cria uma nova possibilidade de prisão preventiva para permitir identificar e reaver o produto do crime, e evitar que o resultado da corrupção seja usado para financiar fuga ou defesa.

As nulidades do processo precisam, segundo o texto, ser evitadas ao máximo e o juiz deve justificar se não puder aproveitar algo da investigação processual. Com as mudanças, a decretação de nulidade deve acontecer se for comprovado o prejuízo de uma das partes do processo.

A Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92) também é alterada pela proposta em análise na Câmara dos Deputados para agilizar o trâmite processual com o fim da fase de notificação preliminar.

Delação premiada e acordo de leniência
A proposta inclui ainda na Lei de Improbidade Administrativa a figura da delação premiada ou acordo de leniência. Com isso, agentes públicos (pessoas físicas ou organizações) que queiram garantir isenção ou abrandamento das sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações, podem celebrar o acordo com o Ministério Público (MP).

A Lei Anticorrupção (12.846/13), que regula os acordos de leniência de empresas privadas, não tem sido muito adotada, porque os processos são feitos muitas vezes apenas com os órgãos de controle da administração pública e as empresas continuam sujeitas a punições. Já a delação premiada, prevista em diversas leis, é um acordo feito entre um suspeito ou réu com o MP, que deve ser homologado pela Justiça.

A celebração do acordo de leniência, segundo o projeto, interrompe o prazo de prescrição, que só volta a correr em caso de descumprimento.

Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Natalia Doederlein

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